Artigo Sobre Ler e Dort

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O trabalho entre prazer, sofrimento e adoecimento: a realidade dos portadores de leses por esforos repetitivos1

The relationship between work, pleasure, mental suffering and illness: the case of work-related musculoskeletal disorders

lvaro Roberto Crespo MerloI; Marco Aurlio VazII; Charlotte Beatriz SpodeIII; Jaqueline Lenzi Gatti ElbernIV; Ana Raquel Menezes KarkowV; Patricia Rodrigues de Borba VieiraVII

Universidade Federal do Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio Grande do Sul III Universidade Federal do Rio Grande do Sul IV Secretaria Municipal de Sade Porto Alegre V Universidade Federal do Rio Grande do Sul VI Universidade Federal do Rio Grande do SulII

RESUMO Neste artigo, apresenta-se e discute-se os resultados de pesquisa realizada no Ambulatrio de Doenas do Trabalho do Hospital de Clnicas de Porto Alegre (ADT/HCPA), tendo como principal objetivo determinar as relaes das Leses por Esforos Repetitivos/Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) com o processo produtivo e suas conseqncias sobre a sade fsica e mental dos trabalhadores estudados. Pode-se evidenciar um sofrimento associado dor fsica, mas no s a ela. Para alm dos aspectos fisiopatolgicos da doena, percebemos que existe uma complexa relao que vincula a dor s vivncias subjetivas e identidade social. Palavras-chave: leses por esforos repetitivos, distrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, sade do trabalhador, sofrimento psquico.

ABSTRACT In this article we present and discuss the results of investigations that took place at the Ambulatrio de Doenas do Trabalho (Occupational Medicine Ambulatory) in the

Hospital de Clnicas of Porto Alegre (University Hospital). The main purpose was to determine the relationship between Work-Related Musculoskeletal Disorders, the work process and the consequences over the mental and physical health of the studied workers. We conclude that mental suffering is associated to physical pain, but not exclusively. Beyond the physiopathological aspects of the illness, we perceive the existence of a complex relationship between physical pain and the subjective experiences and social identity. Keywords: work-related musculoskeletal disorders, repetitive strain injuries, worker's health, mental suffering.

O presente artigo traz resultados de pesquisa realizada no Ambulatrio de Doenas do Trabalho do Hospital de Clnicas de Porto Alegre (ADT/HCPA), com pacientes portadores de Sndrome do Tnel do Carpo, uma das patologias das Leses por Esforos Repetitivos. Nosso principal objetivo foi determinar as relaes das Leses por Esforos Repetitivos/Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) com o processo produtivo e suas conseqncias sobre a sade fsica e mental dos trabalhadores estudados. As afeces agrupadas nas LER/DORT tiveram um importante incremento nos ltimos 15 anos e so consideradas, por vrios autores, como uma epidemia (ASSUNO, 2003; SETTIMI, 1995). No Brasil essa expanso comeou no incio dos anos 80 no setor de processamento de dados mas, atualmente, possvel encontrar casos em quase todas as atividades (MERLO, 1999). E a perspectiva de que se assista a um crescimento ainda maior nos prximos anos, j que o essencial do trabalho produtivo, apesar das propostas de reestruturao produtiva, continua sendo feito sem muitas alteraes, mantendo-se, basicamente, dentro de propostas de gesto da produo taylorizadas e com grande intensificao na realizao das tarefas. O que se tem encontrado, em grande parte dos ambientes de trabalho brasileiros, uma combinao de propostas de gesto do processo produtivo, nos quais somam-se agresses sade oriundas dos modelos "tradicionais" (taylorista/fordista) com novas formas de gesto ditas "japonizadas" (Kan-Ban, Just-in-time, etc.). Merlo (2000) denomina essas combinaes de "modelo frankenstein", onde se podem encontrar, lado a lado, linhas de montagem e esteiras de produo convivendo com programas de qualidade total ou clulas de produo. Essas transformaes no processo produtivo vm levando a uma maior intensificao do trabalho, com hipersolicitao de tendes, msculos e articulaes dos trabalhadores (Assuno, 2003). Dentro da clientela atendida pelo Ambulatrio de Doenas do Trabalho do Hospital de Clnicas de Porto Alegre (ADT-HCPA), as LER/DORT so responsveis por 70% dos diagnsticos ali realizados, sendo que a Sndrome do Tnel do Carpo (STC) representa mais da metade deles (MELLOet al., 2001). Em 60% desses pacientes, a doena evolui para uma forma crnica e com presena permanente de dor. Essa cronicidade das LER/DORT produz alteraes na vida desses pacientes, pois os impossibilita de realizar, no apenas algum tipo de atividade profissional, mas a maior parte das atividades cotidianas. So pacientes que esto em uma situao de permanente sofrimento fsico e, tambm, psquico.

METODOLOGIAA coleta de dados foi realizada atravs de Anamnese Ocupacional e de Entrevistas individuais com roteiro semi-estruturado, para caracterizao do perfil de trabalho e socioeconmico dos portadores de LER/DORT atendidos no ADT-HCPA. Num segundo momento, foram constitudos dois grupos de discusso com uma parcela dos pacientes. Nessa etapa, utilizou-se como referencial terico-metodolgico a Psicodinmica do Trabalho (DEJOURS, 1992). No entanto, os procedimentos originais da metodologia foram adaptados, devido s especificidades da pesquisa. Primeiramente, porque um dos pressupostos da metodologia diz respeito demanda do estudo, a qual deve partir dos prprios sujeitos e de que as discusses devem ser realizadas, sempre que possvel, em local identificado com o trabalho. Neste estudo, porm, a investigao contou com participantes j afastados do trabalho. Assim, os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa no ambiente ambulatorial e as reunies tambm foram realizadas nas dependncias do HCPA. Salientamos ainda, que tratavam-se de pacientes que no atuaram no mesmo local de trabalho, embora alguns tenham sido colegas na mesma empresa. Desta forma, os grupos de discusso foram constitudos tendo como critrio a atividade exercida no ltimo emprego e a semelhana das tarefas exercidas, de modo a favorecer e impulsionar o debate. Buscou-se, a partir das discusses realizadas nos grupos, compreender as articulaes entre trabalho, adoecimento e sofrimento psquico. Com cada um dos grupos foram realizados quatro encontros. Inicialmente foi feita a apresentao dos pesquisadores, bem como do tema da pesquisa. No decorrer dos encontros os trabalhadores relataram sua histria de trabalho e de adoecimento sendo dispensada ateno especial aos comentrios acerca das relaes existentes entre o sofrimento ou o prazer no trabalho e s expresses positivas ou os silncios que apareceram quando foram abordados certos temas da organizao do trabalho ao qual o grupo estava submetido. A legitimidade de tais relaes foi sendo confirmada com o aparecimento de novos temas de debate, de anedotas, etc., ou atravs da manuteno e da alimentao da discusso, conforme prev a metodologia da Psicodinmica do Trabalho.

CARACTERIZAO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISAOs grupos estudados contaram exclusivamente com pacientes do sexo feminino, com idade entre 34 e 51 anos, afastadas do trabalho e sem perspectiva de retorno (apenas uma afastada temporariamente). Um dos grupos foi composto com trabalhadoras que atuavam na indstria de calados (cinco integrantes), enquanto o outro foi composto por trabalhadoras dos setores de fiao, tecelagem, metalurgia e produo de cartes de crdito (oito integrantes). Quanto origem, oito participantes eram provenientes da zona rural do Rio Grande do Sul; comearam a trabalhar na roa ou em atividades domsticas com a idade de 7 at 12 anos e, posteriormente, trabalharam no setores da fiao, calados e metalurgia

nas cidade de Alvorada, Cachoeirinha, Esteio, Nova Hartz, Paverama, Presidente Lucena, Sapucaia do Sul e So Leopoldo. Cinco participantes eram provenientes da zona urbana da regio metropolitana de Porto Alegre, residindo em Alvorada, Cachoeirinha, Esteio, Sapucaia do Sul e So Leopoldo. Elas comearam a trabalhar como operadoras de mquinas com idade entre 14 e 18 anos, ainda que ajudassem nas atividades domsticas desde os 12 anos. Onze integrantes dos grupos eram casadas e duas separadas; todas com filhos. Quanto ao grau de escolaridade, 10 integrantes cursaram o primeiro grau incompleto, sendo que as demais cursaram no mximo at o segundo grau incompleto. Estando afastadas do trabalho h pelo menos um ano, precisavam do benefcio do INSS para se manter em tratamento, assim como para contribuir com a renda familiar. Quatro pacientes foram submetidas cirurgia de descompresso carpal (cirurgia destinada a liberar o nervo mediano em pacientes com Sndrome do Tnel do Carpo) e todas fizeram fisioterapia em algum momento de seu tratamento. As pacientes fizeram uso de medicao antidepressiva que, em baixas doses, colabora para a diminuio da dor e facilita o sono. Todas as integrantes relataram que a dor interferia nas atividades da vida diria, no sono, no apetite e na vida sexual.

RESULTADOS E DISCUSSOUM TRABALHO COLETIVO E SOLITRIO A Organizao Cientfica do Trabalho (OCT) ao promover a desapropriao do saber operrio, promove tambm uma desapropriao da liberdade de criao (DEJOURS, 1992), a qual fundamental para autorizar cada um a adaptar a organizao do seu trabalho s necessidades de seu organismo e s suas aptides fisiolgicas. Nesse sentido, a atividade intelectual e cognitiva so necessrias no trabalho para manter a integridade do aparelho psquico. Surge da, uma srie de agravos sade fsica dos trabalhadores, como as LER/DORT, bem como o sofrimento psquico patognico. Nos referimos aqui quele sofrimento que emerge no choque e na impossibilidade de um rearranjo entre o sujeito-portador de uma histria singular e personalizada, e uma organizao do trabalho despersonalizante. Quanto mais rgida for a organizao do trabalho, mais acentuada sua diviso e menor o contedo significativo da tarefa, bem como as possibilidades de mud-lo. Assim, o sofrimento psquico aumenta correlativamente. s exigncias da organizao do trabalho taylorista/fordista, somam-se novas exigncias e outro sofrimento, que advm do medo de no ser capaz de manter uma performance adequada no trabalho nas novas formas gesto "reestruturadas". Tais exigncias incluem os aspectos de tempo, cadncia, rapidez, formao, informao, aprendizagem, adaptao "cultura" ou ideologia das empresas, s exigncias do mercado, etc. (DEJOURS, 1999; MERLO, 2000). O depoimento dado por uma das trabalhadoras ilustra a conjugao do modelo taylorista com os chamados novos modos de organizao. Ela relatou que, a partir da implementao pela empresa da norma ISO 9000, ocorreu reduo de pessoal e intensificao do ritmo de trabalho. As mquinas foram ajustadas pela velocidade mais

elevada de produo, ou seja, tendo como parmetro a funcionria que obtivesse a maior rapidez na medio com o cronmetro. Alm disso, o sistema buscava uma padronizao bastante exata na execuo das tarefas, o que levou a uma tentativa de homogeneizao, no somente em relao ao tempo de execuo, mas tambm dos movimentos necessrios para sua realizao: "Antes a gente podia fazer alguma coisa que ficasse mais fcil pr ns, na maneira de pegar a bobina, ou qualquer coisa. Depois que implantaram, todos tinham que ser iguais. Tornou-se um inferno pr ns. A gente tava habituada a trabalhar muitos anos de um jeito. A precisava ser treinada de outra maneira. Eles faziam todo mundo trabalhar igual" (E.). Vemos aqui que este tipo de gesto guarda estreita relao com o taylorismo, na medida em que centra-se exclusivamente na realizao da tarefa, entendida como o que deve ser feito segundo definies precisas, sem levar em conta a atividade do trabalhador, que aquilo que efetivamente feito. Entre a tarefa e a atividade existe um ajuste necessrio, que caracteriza-se como uma parte enigmtica do trabalho, o chamado domnio do trabalho real, cuja resoluo fica a cargo do trabalhador, em contraposio aos modos operatrios prescritos, para que a prpria tarefa possa ser realmente efetivada (DEJOURS, 1997; MERLO, 2000). A mesma trabalhadora diz que as diferenas individuais no eram reconhecidas: "A gente trabalhava se cuidando o tempo todo para fazer igual. Sempre se cuidando pr ver se todo mundo tava seguindo a norma. Ento, se tornou ruim mesmo pr gente. Alm do que, tinha que adquirir a prtica, tinha que produzir, e a velocidade da mquina era maior do que da outra vez que eu trabalhei. Eles botavam o cronmetro ali, e as outras tinham que seguir aquela produo. Ningum igual n. Tinha que produzir" (E.). importante destacar que este um tipo de organizao do trabalho no qual, mesmo que os indivduos partilhem coletivamente a vivncia do espao de trabalho, eles so confrontados individualmente com as violncias da produtividade (DEJOURS, 1992). Ao mesmo tempo em que a individualizao uniformizante, apagando as iniciativas espontneas, quebrando as responsabilidades e o saber, e anulando as defesas coletivas, ela conduz a uma diferenciao do sofrimento de cada trabalhador, que, por sua vez, exige respostas fortemente personalizadas. isto que verificamos no contato com os grupos de trabalhadoras. A vivncia quase sempre solitria, com um cotidiano de trabalho marcado pela realizao de uma tarefa pobre do ponto de vista do contedo, repetitiva e montona, e pela presso constante por aumento de produtividade, implementada por mecanismos de controle e no raras vezes por ameaas e humilhaes. Dentre tais mecanismos de controle e presso, destaca-se o uso do cronmetro para medir o ritmo da produo individual, sendo a esteira sempre regulada pela produo mais alta, o que, mais uma vez aponta para o fato de que a forma como o trabalho est organizado leva muito pouco em conta as diferenas individuais: "Eles iam tir o tempo ali, tiravam o tempo de uma. Se aquela l fazia ligerinho, ligerinho, as outras tinham que dar tudo, a produo que aquela deu. A, tinha que tirar. E se eu trabalhei, trabalhei j um monte, eu t treinada, n, mas e a outra que comeou h um ms ou dois ms, n? E a ela tem que tirar (a produo), seno vai pr rua, tem que d, se no d a produo, d rua" (C.).

Em uma das empresas a trabalhadora referiu que aps a implementao do que foi denominado de Kan-Ban, houve uma drstica reduo de pessoal, com realizao de testes para identificar os funcionrios mais velozes, aqueles que permaneceriam no emprego: "Isso a foi meio assim, como se diz, aos trancos e barrancos. 'Aqui a gente implantou o estilo japons. Isso aqui o Kan-Ban. S dois tem que dar conta.' A eles comearam a fazer os testes. S os dois que fizeram mais rpido ficaram, os outros foram embora" (I.). Segundo ela, alm da implementao do uso do cronmetro, o tempo para as pausas e os lanches foi reduzido, bem como passou a haver controle sobre a utilizao do banheiro. Referiu, ainda, que no processo de reestruturao da empresa no houve qualquer tipo de treinamento, apenas uma maior presso por parte da chefia: "O supervisor ficava em cima. Dizia que a gente tinha que embalar tantas armas por dia. S na base da presso. A a gente tinha que embalar. A a gente fazia, porque prtica a gente tinha. Pressionava, tinha que fazer, tinha que fazer. Era obrigada a fazer" (I). No depoimento de outra trabalhadora, vemos como o cronmetro representava um elemento ameaador, e tambm de humilhao, pois, se o trabalho no fosse realizado com rapidez e qualidade, o castigo era ter que trabalhar em outro setor, a "caixa de graxa", que era um local no qual as trabalhadoras faziam a limpeza e o desengraxamento de peas, considerado um trabalho "sujo": "A os nervos pegam muito na gente, porque um servio perigoso, muito pesado. Dois, trs homem atrs da gente, controlando o tempo, a gente v eles como se fosse um monstro, no um ser humano. A minha produo at dava mais, quando eles tavam longe. Era uma humilhao. Eram segundos que tinha para terminar. Ento, se ficava ruim, ia pr "caixa de graxa" lavar faca. Era uma humilhao, os outros riam, no fcil" (C.). Para Dejours (1992), mesmo quando o engajamento no objetivo social do trabalho no possvel, os trabalhadores nunca so neutros em relao ao que produzem e portanto, ser colocado num posto de trabalho considerado particularmente duro, tem um significado, no apenas do ponto de vista da produo, mas tambm da relao com os colegas, e do ponto de vista da ordem e da disciplina na empresa. Outra trabalhadora relata que, quando comeou a trabalhar na empresa, no sabia o objetivo da medio com o cronmetro e, no seu imaginrio, pensava que poderia ser demitida caso fosse lenta. Ento, acelerava o ritmo de trabalho cada vez que o cronometrista se aproximava: "Da eu tirava bem mais. Da ele pensava que se ela pode fazer tanto por hora, eles largavam na esteira aquela quantia. S que a gente se matava porque tinha a impresso de que ele tava cuidando da gente pr colocar pr rua, da a gente foi ficando mais velho na firma e a gente foi cuidando" (L.). Questionou-se por que as veteranas no alertavam as trabalhadoras novatas para o fato de que, ao realizarem a tarefa com maior rapidez, elas levavam a um aumento do ritmo de produo de todos, que significaria tanto o aumento da exigncia fsica, como da carga psquica do coletivo de trabalhadoras. Obteve-se como resposta o seguinte: "Eu acho que eles no tinham tempo de parar o servio deles e se ele (supervisor) via, eles tavam perdido. medo, por que eles tavam na 'pauleira' e se de repente eles deixavam o servio pr ir avis, claro que eles tavam tirando e cuidando os outros, eu acho. que eu avisava a colega que sentava na minha frente, ou na mesa comigo. Assim que eu entrei eu era preparadeira e, s vezes, sentava colega nova. Eles tiravam daquela nova, a eu j dizia pr ela, no se afoba muito, porque todas as pessoas corriam quando entravam" (L.).

Na base desta situao est o surgimento do medo e a estreita relao que este estabelece com o trabalho e com o risco. Conforme Dejours (1992), o medo est presente em todos os tipos de ocupao profissional. Os riscos que atingem o corpo do trabalhador so geralmente inerentes ao trabalho e, via de regra, coletivos, comuns queles que exercem as mesmas tarefas. Ao remeter-se ao medo daqueles que esto submetidos a ritmos elevados de trabalho, - como no caso das trabalhadoras do grupo em questo -, Dejours (1992) afirma que estes esto constantemente em uma situao de trabalho completamente impregnada pelo risco de no acompanhar o ritmo de trabalho. Essas trabalhadoras falaram sobre a ansiedade que isto gera: "... da eu me atacava dos nervos... no dou conta das mquinas... teve uma poca em que eu perdia o nibus... eu ia p da minha casa... chegava 10 minutos atrasada para no perder o dia" (A.). "(...) a coisa que mais me incomodava... eu tava sempre no vermelho....como eu no conseguia mais, ficava no vermelho" (N.). Com isso ela queria dizer que seu nome estava escrito em vermelho, no quadro do setor em que todos os nomes e as respectivas produes eram colocadas. Podemos pensar que o medo est tambm diretamente relacionado com a possibilidade de serem demitidas. Dejours (1999) prope que se analise o medo, inserindo-o no processo de demisses e precarizao do trabalho da conjuntura atual. Afirma o autor que so quatro seus efeitos principais: a intensificao do trabalho e aumento do sofrimento subjetivo; a neutralizao da mobilizao coletiva; a emergncia da estratgia coletiva do silncio, cegueira e surdez, no sentido de "no perceber" o sofrimento e a injustia infligidos a outrem; e, como quarto efeito, o individualismo. Tomando em conta estes quatro efeitos, podemos ver que nos relatos anteriores o primeiro deles, a intensificao do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo, est inexoravelmente presente. Em relao ao segundo efeito, podemos inferir que a mobilizao coletiva no sentido de mudanas efetivas na organizao do trabalho se encontra bloqueada, aparecendo somente como uma estratgia defensiva contra o sofrimento, como no caso de um "concurso" realizado espontaneamente pelas trabalhadoras de uma empresa de fiao. O objetivo deste era verificar quem conseguia produzir mais no grupo. Segundo os depoimentos, havia a sensao de que desta forma "o tempo passava mais rpido". Podemos pensar que esta estratgia configura-se como uma possibilidade, ainda que ilusria, de dar um sentido uma tarefa repetitiva, montona e com pouco contedo. No entanto, esta estratgia era incentivada e apropriada pela empresa, como uma forma de aumentar ainda mais a produo. Podemos ver que, se essa estratgia tinha como objetivo, por um lado, aliviar o sofrimento psquico, por outro, trazia uma maior exigncia fsica, contribuindo, assim, para o aparecimento de LER/DORT. Durante os encontros, percebemos que quando nos referamos ao "concurso", o assunto no era levado adiante pelo grupo ou, logo aps este ser comentado, a relao do trabalho com a doena era retomada nas falas. Isto refora a hiptese de que, realmente, tratava-se de uma estratgia defensiva, que mais tarde pode ser percebida por elas como uma forma de intensificar o trabalho, e portanto, relacionada com o aparecimento da doena.

O medo tambm desliga os trabalhadores, tanto de seu prprio sofrimento fsico e psquico, quanto dos pares. No se fala sobre as presses, no se fala sobre a dor, cada um as vive na solido. Como coloca Dejours (1992, p.51), "cada um deve se preocupar, antes de mais nada, em resistir". Isto conduz ao quarto efeito, o individualismo, que opera quebrando a solidariedade entre os trabalhadores: "O que mais enchia o saco era quando tinha uma nova e a gente tinha que ensinar, e ao mesmo tempo, fazer o servio. O servio era muito... a gente era obrigada a ficar com a mquina ligada e ensinar" (E.). O medo, neste caso, o medo bastante premente da demisso, e que aparece como fundamental para que estes efeitos possam ser levados a cabo. Percebemos o que talvez possamos caracterizar como estratgia defensiva coletiva: o silncio. Esse, tendo sua base no medo, quebra a solidariedade entre os trabalhadores, engendrando o individualismo e caracterizando o que Dejours (1999) denomina de "presso social do trabalho"; ou seja, quando os prprios colegas criam obstculos entre si, quando cada um trabalha por si e sonegam-se informaes que prejudicam a cooperao. Em muitos casos, ensinar um colega novato ou mesmo ajudar um outro mais atrasado na sua produo, aparece como elemento de tenso, pois isso significa atrasar sua prpria produo. Por outro lado, algumas trabalhadoras apontaram que ensinar aos colegas novos era exigncia da chefia e quem no ensinasse poderia ser punido (indo para "salinha", sobre a qual falaremos mais adiante). Assim, as trabalhadoras viam-se numa situao da qual ficava difcil escapar, intensificando ainda mais o ritmo de trabalho e, portanto, aumentando os riscos fsicos e psquicos e, ainda, fazendo com que, mais uma vez, as relaes sociais no trabalho fossem marcadas por um carter negativo. Ajudar o colega no era mais um gesto de solidariedade, mas uma imposio da organizao do trabalho. Outro elemento que aparece relacionado com o modo de organizao do trabalho e a presso por produo se refere ao uso, por parte das empresas, de estratgias de "distoro comunicacional", expresso que a Psicodinmica do Trabalho toma emprestada de Habermas (DEJOURS, 1999) e de sua teoria do Agir Comunicacional. Estas seriam uma forma particular de distoro que tem na sua base a negao do trabalho real e tambm do sofrimento no trabalho. Podemos exemplificar isso com o que nos relataram as trabalhadoras sobre a questo do uso do cronmetro, quando nada era explicado por parte da chefia sobre seu uso. Elas percebiam que a velocidade da esteira era aumentada, mas quando relatavam aos chefes que constatavam isso, ouviam deles que a velocidade estava igual e que elas que estavam lentas: "No falavam nada. S a gente via que a esteira tinha controlao n. Botavam mais rpida, a gente comentava a velocidade da esteira, dizia: -'essa esteira t voando', mas ela dizia que no tava voando que era ns que tva dormindo. A gente via que j no tava vencendo a produo, alguma coisa tinha mudado" (L.). Lembramos ainda que a restrio da comunicao com os trabalhadores aparece como um objetivo da prpria concepo do modelo de organizao taylorista/fordista (MERLO, 2000). Porm como lembra Dejours (1999), o trabalho no somente a execuo de atividades produtivas, mas, tambm, espao de convivncia; ele pressupe no somente uma preocupao com a eficcia tcnica, mas busca incorporar argumentos relativos ao viver em comum relativos ao mundo social do

trabalho e de proteo e realizao do ego; portanto, relativos sade e ao mundo subjetivo. Quando perguntamos s participantes do grupo se elas conversavam com as colegas durante o expediente, algumas disseram que gostavam de conversar e outras que preferiam trabalhar em silncio, uma vez que no podiam se distrair da tarefa, pois corriam o risco de que alguma coisa sasse errada. Outra relatou que foi demitida por ser "conversadeira": "O gerente uma vez falou pr mim: - 'vou traz uma mquina que tu no precisa cort a linha e vai mais ligeiro'. Da eu disse: - 'ah, quero v'. Bom, sentei na mquina, eu sabia como era a mquina, fazia o servio e ficava conversando com as mulheres de trs. Ele disse: - no, vou tir essa mquina de ti, vou bot outra, por que esta dava tempo de conversar com as colegas" (N.). Neste caso, podemos perceber ainda que o emprego de novas tecnologias no utilizado no sentido de aliviar a carga de trabalho ou de permitir uma maior autonomia da trabalhadora na realizao do mesmo, mas sim, no sentido de impor uma maior exigncia de ritmos e cadncias, o que, segundo Merlo (2000), est estritamente relacionado expanso das LER/DORT. Os relatos tambm nos mostram que passou a haver uma maior exigncia para a realizao de horas-extras, visando garantir a finalizao da produo estipulada para o dia, e quem no as fizesse, era impedido de trabalhar no dia seguinte. o que elas denominaram de "gancho", outro elemento de presso. No poder trabalhar significava no receber o salrio correspondente queles dias: "Se no ficasse, no dia seguinte tinha dois dias que no trabalhava. A no ganhava. Ningum deixava de ficar" (E.). Nos relatos de todas trabalhadoras aparece a restrio ao uso dos banheiros (em uma das empresas elas tinha sete minutos totais, durante o dia, para usarem o banheiro), e mesmo para beber gua. Isso mostra que o controle sobre as trabalhadoras no se dava somente nas exigncias relativas s velocidades e s cadncias, mas tambm que havia uma tentativa de controle em nvel fisiolgico. Para irem ao banheiro ou beberem gua precisavam aguardar que outra funcionria, que era chamada de "coringa", pudesse vir substitu-las. Isso muitas vezes gerava situaes embaraosas e at humilhantes para as trabalhadoras. Contaram que uma colega urinou nas calas e duas relataram que abandonaram seus postos de trabalho para irem ao banheiro, uma vez que seus pedidos chefia no eram atendidos: "No comeo, at que era bom, mas hoje tu tem 7 minutos pr ir, se tu for duas vezes tu tem que repartir os 7 minutos, tu tem que ir ligeiro, e ainda o banheiro era longe d 1 ou 2 minutos pr tu chega l. Chega l, tem que ser bem ligeirinho pr tu volt. A tu no tem chance de ir outra vez no banheiro. Pr tom gua, se a auxiliar ou a que d a chave no d a gua ou traz um copinho, ns passamos sede. Porque da tu atrasa tudo, se tu vai beber gua" (C.). "Eu deixei tudo e fui pro banheiro. Tambm o meu banheiro era l em cima n. Quando eu cheguei, tava o contramestre, tava o gerente, tava um monte de sapato tudo l no meu lugar. Eu pedi as 8 e j era quase 11 horas e ela no veio pr mim ir ao banheiro, ento eu fui no banheiro" (L.). Elas, s vezes, evitavam ingerir lquidos, inclusive nos horrios de intervalo, para no precisarem ir ao banheiro durante o expediente. Essa atitude no contribui diretamente para o adoecimento por LER/DORT, mas mostra uma forma agressiva de lidar com o prprio corpo no trabalho.

Embora trabalhassem em empresas diferentes, as trabalhadoras relataram a existncia do que elas chamam da "salinha". Era o lugar onde ficava um gerente da empresa (algumas falaram em departamento de pessoal). Quem era chamado para ir at a "salinha" sabia que ia ser repreendido, sendo, portanto, um lugar ameaador. Os motivos para ser chamado salinha, geralmente relacionavam-se com o no cumprimento das exigncias de produo. As trabalhadoras relataram algumas situaes em que foram para a "salinha": uma por no dar conta da produo em funo das dores causadas pela LER/DORT, outra por um desentendimento com o cronometrista. Tambm relataram que quem no ajudasse os colegas poderia ser repreendido na "salinha". Este no era um assunto muito comentado, e em alguns casos o operrio ou operria que fosse chamado at a "salinha" era alvo de piadas dos pares: "Ns s comentava: oh, o fulano foi pr salinha. Ningum sabia, s quem ia l sabia o que que era, ento ali onde o chefe d uma bronca. Quando a gente volta, tem que ir pro sol pr secar (risos)" (L.). Pensamos que esse tipo de conduta por parte do grupo se caracteriza como uma forma de gerenciar coletivamente o sofrimento e o medo que provm dessa situao, uma forma de banalizar o risco ao qual todos estavam submetidos.

O RECONHECIMENTO NO TRABALHOO trabalho pode ser compreendido como um territrio ambivalente, uma vez que tanto pode dar origem a processos de alienao e mesmo de descompensao psquica, como pode ser fonte de sade e instrumento de emancipao (Dejours, 1999). Para que ele seja fonte de sade, no entanto, h a necessidade do reconhecimento daquele que trabalha, uma vez que neste reconhecimento reside a possibilidade de dar sentido ao sofrimento vivenciado pelos trabalhadores. Em outras palavras, podemos dizer que o reconhecimento condio indispensvel no processo de mobilizao subjetiva da inteligncia e da personalidade no trabalho, desempenhando um papel fundamental na possibilidade de transformar o sofrimento em prazer. Conforme Dejours (1992), o reconhecimento se d por duas vias de julgamento: o julgamento de utilidade e o julgamento de "beleza". O primeiro, como o prprio nome designa, diz respeito utilidade tcnica, social ou econmica dada a atividade singular desempenhada pelos trabalhadores. Quem estaria em condies de proferir este julgamento seriam aqueles que, em relao ao sujeito, se encontram em uma posio hierrquica diferente: chefes, gerentes, supervisores, e mesmo, os subordinados. O julgamento de "beleza", por outro lado, aquele efetuado pelos pares, ou seja, aqueles que situados na mesma faixa hierrquica e compartilhando o mesmo ofcio, esto em condies de avaliar a singularidade e a "beleza" do trabalho executado. Percebemos nos grupos que ambos os tipos de julgamento e de reconhecimento eram importantes para estas trabalhadoras. Em relao ao reconhecimento por parte da chefia, as palavras de uma trabalhadora ilustram o sentimento: "A gente se sentia bem n, por que a gente via que a gente tinha valor. Por que eles sempre procuravam a gente. Eu me sentia bem por causa disso. Por que a gente tinha a possibilidade at pr pedir aumento, sabia que o servio da gente tinha valor" (L.).

Outra trabalhadora fala com orgulho dos comentrios dos colegas a respeito de seu trabalho: "Os colegas comentavam - como que tu d conta?, como que tu consegue fazer tudo isso?" (I.). Estes depoimentos remetem importncia que o reconhecimento do trabalho tem a medida em que um componente essencial para o engajamento subjetivo. Isso permite dar sentido ao sofrimento, ou seja, abre-se a possibilidade de que, atravs do reconhecimento, o indivduo possa encontrar-se com suas potencialidades e singularidades para que assim, este se transforme no que Dejours e Abdoucheli (1994) chamam de "sofrimento criativo". No entanto, no podemos situar neste grupo, o reconhecimento como a regra. Muitas vezes ele no existe, ou aparece atravs do elogio e do estmulo (como a promessa de promoo), que claramente tem por objetivo apenas conseguir destes trabalhadores uma maior produtividade: "O supervisor chegava ali, falava alguma coisa, se queixava, a gente nem ligava pro que ele falava, porque na hora que eles fossem fazer uma reunio com todo mundo, a ele elogiava, que a gente tava fazendo direitinho o servio. Quem fizer direitinho vai ser promovido, vai ganhar mais. Mas isso a nunca acontecia, mas a gente tinha esperana que um dia..." (C.).

A AMBIVALNCIA DO TRABALHO: PRAZER, SOFRIMENTO E ADOECIMENTOAs discusses realizadas nos grupos sobre a vivncia do trabalho, tendo como elemento transversal a doena, nos mostram que tambm a prpria relao com o trabalho era ambivalente. A relao do trabalho com o processo de adoecimento parece estar clara para a maioria das participantes: "Eu acho que a mesma coisa sempre direto (o motivo de ter adoecido), porque que eles no trocam, se fosse uma semana uma coisa e na outra semana outra, n. Se tu costura, tu fica s costurando, sempre a mesma coisa, passa ano e ano e tu t al, eu acho que isso. Porque eles no trocam, ainda mais se uma costureira boa, aquela que d produo pode esquecer, aquela fica pelo resto da vida" (C.). Da mesma forma, no relato de outra trabalhadora, aparece a relao doena e produo: "Foi a que o quadro se agravou, porque a a gente ficou trabalhando mais, n. que a gente j tinha trabalho, s que no era tanto trabalho, n. Com a presso, aumentou o servio muito. Quando eu me afastei, eu no tinha mais tato nas mos. Quer dizer que quando eu tava s, eles tinham compromisso. Eu dava produo, trabalhava bastante. A quando eu fiquei doente, eles no queriam dar tratamento, nem nada. S quiseram me afastar, que o INSS me desse (o salrio). Eu fiquei muito chateada, claro. Naquela poca, eu nem queria me afastar, queria que eles me dessem o tratamento trabalhando" (I.). No entanto, para todas as trabalhadoras, ao recordarem do trabalho que realizavam, este aparece como fonte de prazer, lembrado como um perodo bom da vida. O relato de uma das participantes demonstra o prazer que sentia em executar bem o seu trabalho e tambm na responsabilidade que ele implicava: "Eu acordava de manh feliz da vida. Ia pro trabalho. No achava incmodo. Parece que eu tinha responsabilidade

por aquela minha funo. Eu mesma ficava preocupada que aquilo ali ficasse bem feito. Tudo tinha que ficar perfeito. Eu adorava" (I.). importante lembrar que na poca da realizao da pesquisa, as participantes estavam afastadas do trabalho h pelo menos um ano. Neste perodo, houve uma significativa mudana na rotina destas pessoas, sendo o cotidiano de trabalho substitudo por uma rotina de consultas mdicas, exames, tratamentos e percias no INSS, de convivncia com a dor e com a incapacidade para realizar at mesmo pequenas atividades domsticas, o que trouxe para suas vidas uma srie de conseqncias emocionais e sociais. Nos relatos dos grupos, evidenciou-se uma ambivalncia destas pessoas frente ao trabalho: "Eu gostava do servio que eu fazia, passava as horas n, s que quando atacava aquela dor era triste. Mas mesmo assim eu gostava do servio que eu fazia, muita vezes tinha dor ou inchava os dedos, eu pedia pr contramestre pr trocar um pouco, mas ele dizia: - 'no, no temos ningum pr colocar no teu lugar'. Ento a gente fazia. Mas quando apertou demais a dor, por que da eu no segurava mais nada nas mos, n " (S.). Vai no mesmo sentido este outro depoimento: "Eu gostava de fazer o servio que eu fazia, s que da quando eu comecei a sentir dor n, chegava umas horas do dia que eu no agentava mais, eu largava a tesoura, no agentava nem mais fech os dedos n, eu refilava o dia inteiro ou passava cola. Eu tinha que peg o sapato, pass cola e larg na esteira, sempre refilando. A chegava o fim da tarde eu tava com as minhas mos que eu chegava em casa no tinha coragem de faz nada, mas agentei assim at onde eu pude" (S.). Assim, se por um lado o trabalho era lembrado como fonte de prazer e produzia o lastro para o reconhecimento e para a identidade, por outro, era fonte de sofrimento, pois alm de lidarem com as presses e exigncias no cotidiano de trabalho, estas pessoas tiveram a doena como "saldo" de seu engajamento no trabalho. Esta que agora lhes traz, alm da dor fsica, uma srie de conseqncias emocionais e sociais que transformaram radicalmente suas vidas: "Pr mim era bom, s vezes eu fico pensando, e chorando s vezes eu nem penso que, por que a gente saa de manh parece que o tempo passava. Agora a gente no tem muita coisa pr faz, nada pode faz. Pensa em fazer um arroz no pode, pensa outra coisa e no pode. Sei l, a gente saa e voltava de noitinha, aquilo parece que era to bom pr cabea da gente, tu fica em casa e fica pensando besteira" (C.). E, alm disso, as LER/DORT so doenas "invisveis", no reconhecidas pelas outras pessoas: "O mais triste que a doena da gente, os outros no podem v, n. A gente se queixa de dor, mas uma dor que as pessoas no v, eles acham que a gente t mentindo, fingindo e a gente sofre" (C.).

COMENTRIOS FINAISPensar os efeitos das LER/DORT na sade dos trabalhadores implica pensar no lugar atribudo ao trabalho em nossa sociedade, a importncia que este assume na produo da subjetividade e tambm nos modos de adoecer dos trabalhadores.

Mesmo que na contemporaneidade o cdigo moral em relao ao trabalho venha sofrendo alteraes - sobretudo em decorrncia de um novo modelo produtivo que coloca os trabalhadores diante de muitas incertezas -, o trabalho continua a inscreverse como um dos dispositivos centrais na constituio de modos de existncia e subjetivao. Por um lado, os padres morais relacionados a ele tm a finalidade de dominao e controle dos indivduos trabalhadores, por outro, permite a criao de um territrio sobre o qual pode se assentar o reconhecimento social, ou seja, aparece como elemento identificatrio (NARDI, 2002). Neste estudo, evidenciou-se um sofrimento associado dor fsica, mas no s a ela. Para alm dos aspectos fisiopatolgicos da doena, percebemos que existe uma complexa relao que vincula a dor s vivncias subjetivas e identidade social. Conforme Assuno (2003), a dor tambm a dor de perder a sade, da decepo ao ser excluda do ambiente de trabalho, do no reconhecimento, da humilhao no lcus da percia mdica, de precisar provar aquilo que aflige. Enfim, di porque di e di porque tem que provar que di.

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Recebido: 10/4/2003 1 reviso: 2/6/2003 Aceite final: 4/6/2003

lvaro Roberto Crespo Merlo docente do Programa do Ps-Graduao em Psicologia Social e Institucional e do Programa de Ps-Graduao em Epidemiologia da UFRGS, docente da Faculdade de Medicina da UFRGS e do Ambulatrio de Doenas do Trabalho do Hospital de Clnicas de Porto Alegre.O endereo eletrnico do autor : [email protected] Marco Aurlio Vaz docente do Programa de Ps-Graduao em Cincias do Movimento Humano e docente da Escola de Educao Fsica da UFRGS.O endereo eletrnico do autor : [email protected] Charlotte Beatriz Spode psicloga e mestranda do Programa do Ps-Graduao em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. O endereo eletrnico da autora : [email protected] Jaqueline Lenzi Gatti Elbern mdica do trabalho do Centro de Referncia em Sade do Trabalhador da Secretaria Municipal da Sade de Porto Alegre. O endereo eletrnico da autora : [email protected] Ana Raquel Menezes Karkow (FAPERGS) e Patricia Rodrigues de Borba Vieira (CNPq) so bolsistas de Iniciao Cientfica e acadmicas da UFRGS. Os endereos eletrnicos das autoras so, respectivamente: [email protected] e [email protected] 1 Artigo produzido dentro de projeto de pesquisa da "Rede LER", financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), atravs do "Plano Sul de Pesquisa e Ps-Graduao". Contou, tambm, com o apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS).