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CURSO DE DIREITO
A TUTELA DOS DIREITOS AUTORAIS EM MEIO ÀS NOVAS
TECNOLOGIAS
DANILO MARTINS FONTES
RA: 516688/5
TURMA: 3209A
FONE: (11) 7257-2929
E-MAIL: [email protected]
SÃO PAULO
2012
1
DANILO MARTINS FONTES
Monografia apresentada à Banca
Examinadora do Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas, como
exigência parcial para obtenção do título
de Bacharel em Direito sob a orientação
do Professor Dr. Antônio Carlos Morato
SÃO PAULO
2012
2
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador: Dr. Antonio Carlos Morato
Professor Argüidor:______________________
Professor Argüidor:______________________
3
Dedico este trabalho aos meus pais, Tânia
e Valmir, que são os grandes responsáveis
por minha formação acadêmica e pessoal.
4
Primeiramente, agradeço a Deus por
tornar tudo isto possível.
Agradeço ao Prof. Antonio Carlos
Morato, com quem tive o primeiro
contato com a matéria, pelas precisas
orientações em relação a este
trabalho.
Por fim, com receio de cometer
alguma injustiça ao citar mais nomes,
agradeço de forma genérica a todas as
pessoas que, de algum modo,
prestaram algum auxílio na
concretização desta monografia.
6
SINOPSE
O presente trabalho visa dissertar sobre os aspectos jurídicos dos
Direitos Autorais, bem como fazer uma reflexão sobre sua aplicação nos dias atuais,
buscando contextualizar os problemas e, através do método dialético, propor soluções.
De fato, buscamos contextualizar o problema que se originou na
era da Sociedade da Informação, tal qual o do gerenciamento de conteúdo protegido
por direitos autorais, visando relacionar os meios legais e tecnológicos descobertos
até agora para a efetiva proteção da Propriedade Intelectual.
Destarte, procuramos aqui também apontar as futuras
direções a serem tomadas pela industria do entretenimento, haja vista serem os
maiores detentores de direitos autorais, e dos principais países no cenário global, a fim
de impedir a pirataria online e promover a devida responsabilização aos infratores.
Palavras-chave: Direito, Tecnologia, Internet, Sociedade da Informação, Contrafação.
7
ABSTRACT
The present work aims to expose the main legal aspects of the
Copyright Laws around the world – especially the Brazilian and the North American
ones - as well as intends to make a reflection about its application nowadays, in order
to propose solutions.
In fact, we hereby try to contextualize the problem which was
originated in the Information Society era, which is the management of copyrighted
content, by showing the legal e technological ways discovered until now to protect
Intellectual Property.
Furthermore, we try to show the future directions to be taken by the
entertainment industry - considering them as the biggest owners of copyrighted
content - and the countries, in order to prevent online piracy and promote proper
liability for copyright infringement.
Keywords: Law, Technology, Internet, Information Society, Counterfeiting.
8
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................................. 10
1. Direito Autoral: Conceitos Fundamentais ..................................................................................... 13
1.1 Breve Evolução Histórica e Natureza ................................................................................... 13
1.1.1 Teoria Dualista .............................................................................................................. 14
1.2 Direitos Patrimoniais ................................................................................................................... 15
1.2.1. Conceito e Características ................................................................................................... 15
1.2.2 Requisitos para a transmissão............................................................................................... 17
1.3 Direitos Morais ...................................................................................................................... 18
1.4 Objeto da Tutela .................................................................................................................... 19
1.5 Da Diluição da Autoria ......................................................................................................... 21
1.6 Limitações aos Direitos Autorais .......................................................................................... 23
2. As Novas Tecnologias ....................................................................................................................... 27
2.1 Breves Considerações Sobre a Sociedade da Informação ........................................................... 27
2.2 Internet .................................................................................................................................. 28
2.2.1 Breves Considerações Técnicas Sobre a Internet .......................................................... 28
2.2.2 Principais Reflexos no Direito de Autor ....................................................................... 30
2.3 Métodos Tecnológicos de Proteção da Propriedade Intelectual ............................................ 31
2.4 A Visão Legislativa ............................................................................................................... 32
2.4.1 Breve apanhado sobre os tratados internacionais .......................................................... 32
2.4.2 A Perspectiva Anglo-Americana ................................................................................... 35
2.5 Conclusão do capítulo ........................................................................................................... 38
3. Recentes controvérsias ...................................................................................................................... 40
3.1 Os Projetos de Lei no Âmbito Nacional ................................................................................ 40
3.2 A Doutrina do “Fair Use” ..................................................................................................... 40
3.3 Responsabilidade Civil .......................................................................................................... 43
3.3.1 Conceito Geral ............................................................................................................... 43
3.3.2 Sistemas de Responsabilidade Civil .............................................................................. 44
3.3.3 Responsabilidade Civil na Internet................................................................................ 46
3.3.4 “Notice and Take Down” ............................................................................................... 50
3.4 A Problemática do “Peer-to Peer” ......................................................................................... 53
3.5 Propostas Legislativas no Âmbito Internacional ................................................................... 55
9
3.5.1 S.O.P.A. e P.I.P.A ......................................................................................................... 55
3.5.2 “Anti-Counterfeiting Trade Agreement” (ACTA) ........................................................ 56
4 Conclusão ...................................................................................................................................... 58
5 Referências Bibliográficas ............................................................................................................ 61
10
Introdução
É difícil precisar o momento histórico no qual o homem fez sua
primeira criação intelectual; a necessidade de comunicação, por meio das artes, e de
inventar utilitários, das mais variadas formas, com o fim de adaptar seu meio ao
próprio estilo de vida, parece ser uma condição humana.
O Direito, então, atendendo ao fim de conceder tutela aos conflitos da
sociedade, passaram a disciplinar a questão do direito autoral tão logo se originaram os
maiores conflitos, quando da invenção da impressão gráfica, marco inicial da
reprodução da obra estética em caráter industrial.1
Desde então, o controle de tais obras se tem tornado um grande
desafio às autoridades governamentais e um pesadelo aos titulares de direitos autorais,
agravada por conta de sua natureza imaterial, e difícil majoração de valores.
Outrossim, a tecnologia vem evoluindo em progressão geométrica,
tornando a transmissão de dados cada vez mais veloz, o que acaba por mudar
completamente os meios de distribuição de obras e, por conseguinte, os meios de
controle.
No mesmo sentido, assinalamos ainda o grande número de entraves
burocráticos existentes, tendo em vista que, como condição da própria segurança
jurídica, os processos legislativos e judiciais infelizmente ainda demandam de um
tempo muito superior ao ideal para a efetiva regulação de um meio tão dinâmico
quanto o das mídias digitais.
Desse modo, são grandes os esforços conjuntos entre os principais
países no genário global a fim de promover acordos visando uma proteção mais
uniforme à Propriedade Intelectual, envolvendo não tão somente interesses
1 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet: Direitos Autorais na Era Digital. Rio de Janeiro: Record,
2001. p. 30.
11
governamentais, mas precípuamente interesses privados, das principais companhias
atuantes no mercado do entretenimento mundo afora.
Por isso, no sentido de realizar um estudo completo sobre o tema, de
forma a contextualizar a realidade das leis brasileiras face ao atual cenário da
tecnologia digital, bem como a traçar um comparativo entre os principais sistemas de
proteção aos direitos autorais, dividimos o presente trabalho em três capítulos:
No primeiro capítulo, o enfoque recai sobre lei brasileira, trazendo
citações doutrinárias de muitos dos principais autoralistas pátrios, visando trazer à tona
os conceitos fundamentais ao discorrer sobre as obras protegidas, das limitações ao
direito de autor, sobre a natureza de tais direitos além de, como não poderia deixar de
faltar, trazer um breve panorama histórico sobre o tema.
Já no segundo capítulo, procuramos tratar mais especificamente sobre
a Sociedade da Informação e seu núcleo, aInternet, trazendo alguns aspectos técnicos
básicos – sem a pretensão de ser uma obra técnica sobre o assunto - para que possamos
expor adequadamente os problemas surgidos nesta nova era.
Ainda neste capítulo, trazemos alguns possíveis meios propostos, a
fim de solucionar referidos problemas, situando-os basicamente sob as perspectivas
tecnológicas e legais.
Quanto à primeira, buscamos demonstrar que a própria tecnologia que
trouxe uma série de controvérsias à Propriedade Intelectual no mundo, traz métodos
efetivos para se auto-regular não sendo assim o problema tão somente uma questão
legal.
Em relação à segunda, procuramos destacar a visão de outros regimes
jurídicos sobre o tema, trazendo menções aos principais esforços internacionais,
materializados sob a forma de acordos e, principalmente, sobre a visão anglo-
americana e como seu regime de copyright enfrenta a atual questão.
12
No terceiro capítulo, trazemos os contornos atuais do Direito de Autor
no Brasil, com as recentes propostas legislativas versando principalmente sobre a
adoção do regime do “uso justo” e sobre a questão da responsabilidade civil por
violações de direitos autorais.
Também não nos olvidamos de mencionar sobre as recentes propostas
de lei estadunidenses que causaram grande repercussão nas principais mídias sociais,
portais de entretenimento e jornais especializados no mundo todo.
Por fim, o presente estudo tem por objetivo não somente o
apontamento de problemas e soluções, mas a análise crítica sobre o assunto, de modo a
tomar como as proposições do passado como referência às soluções futuras.
13
1. Direito Autoral: Conceitos Fundamentais
1.1 Breve Evolução Histórica e Natureza
Muito embora a criação intelectual seja intrínseca ao ser humano, o
enfoque jurídico sobre o direito autoral ainda é bastante recente, em comparação aos
outros ramos do direito. Inobstante o fato de o homem já ter criado, na antiguidade, um
grande número de obras estéticas, às quais a sociedade outorga grande valor, não havia
uma efetiva proteção sobre elas, bem como tampouco se tinha uma noção exata da
definição de direito de autor.
Ensina Eduardo Vieira Manso, que tal definição só começou tomar
forma, mesmo que de modo rudimentar, a partir da idade moderna, com a
efervescência cultural originada a partir da Revolução Francesa, com o movimento
modernista.2
Todavia, conforme assinala José Carlos Costa Netto, durante muito
tempo, o próprio Código Civil Brasileiro de 1916 chegou a regular o assunto como
integrante dos direitos de propriedade, sendo este, à época, equiparado a um bem
móvel, para efeitos legais.3
Hoje, no entanto, em que pese o fato de perdurar o termo
“propriedade” quando da designação de algum direito intelectual, pode-se dizer que o
direito autoral constitui um ramo autônomo do direito, em virtude de sua
complexidade e caráter interdisciplinar.
Neste sentido, discorre a autora Manuella Santos:
O direito autoral já foi associado a diferentes ramos do direito, sendo
considerado direito de propriedade e codificado como parte do direito civil.
2MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é direito autoral. São Paulo: Brasiliense, 1992, p. 13
3COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. São Paulo: FTD, 2008, p. 64
14
Por sua ligação com a propriedade industrial, já foi inserido no âmbito do
direito empresarial. Envolve, ainda, pagamento de tributos, por vezes há o
estabelecimento de relações trabalhistas, bem como noções de direito do
consumidor e conhecimento de direito internacional. Embora inserido a
seara do direito civil, por sua especificidade o direito de autor é hoje
reconhecido como um ramo autônomo do direito privado. Essas poucas
palavras já indicam a complexidade do direito autoral.4
Portanto, ante a complexidade desta matéria, que se dá,
principalmente, quando da sua inserção no contexto atual, em que a tecnologia
apresenta grandes evoluções a cada dia, dificultando a tutela sobre as obras de natureza
intelectual, a autonomia do direito autoral não pode ser vista como mera questão
acadêmica, mas como uma necessidade prática.
1.1.1 Teoria Dualista
Valendo-se dos ensinamentos de Henry Jessen, José Carlos Costa
Netto leciona sobre a existência de diversas teorias acerca da natureza do direito de
autor, como (a) teoria da propriedade, pela qual o autor seria titular de um direito real
sobre a obra; (b) teoria da personalidade, que considera a obra uma extensão da pessoa
do autor; (c) teoria dos bens jurídicos imateriais, reconhecendo ao autor um direito de
natureza real, paralelamente a um direito da personalidade; (d) teoria dos direitos sobre
bens intelectuais, sobre o direito das coisas incorpóreas (obras literárias, artísticas e
científicas, patentes de invenção e marcas de comércio); e, por fim, a teoria dualista,
consistindo em uma evolução natural das teses anteriores, abrangendo tanto direitos
morais quanto direitos patrimoniais. 5
Esta última, consiste na idéia de que dois direitos de natureza distinta
advém da obra intelectual: um de natureza pecuniária e, portanto, patrimonial,
referente à remuneração devida ao titular da autoria pelo uso da obra, que nasce no
4SANTOS, Manuella. Direito Autoral na Era Digital. São Paulo: Saraiva, 2009, p. XIX
5JESSEN, Henry. In: COSTA NETTO, José Carlos. Direito Autoral no Brasil. Op. cit., p. 75
15
momento de sua publicação; e outro de natueza moral, que é intrínseco à pessoa do
autor da obra, relativo aos direitos da personalidade.6
Com efeito, referida teoria foi recepcionada pela Lei 9610/98 – a Lei
dos Direitos Autorais – que prevê regulamentações distintas aos institutos dos direitos
patrimoniais e dos direitos morais de autor, mantendo-se sempre a relação de
interdependência de ambas junto à obra.
1.2 Direitos Patrimoniais
1.2.1. Conceito e Características
Discorre José de Oliveira Ascenção, sobre a definição de direitos
patrimoniais, ora fulcrada no artigo 28 da Lei 9610/987, conceituando que os direitos
patrimoniais consistem no direito conferido ao autor de utilizar, fruir e dispor da sua
obra, bem como na sua autorização de uso e exploração por parte de terceiros.8
Eduardo Vieira Manso, por sua vez, ressalta que, embora sejam os
direitos patrimoniais dotados de algumas características em comum com os direitos
morais, como o absolutismo (opõem-se erga omnes), a generalidade (não se limitam as
prerrogativas a uma ou a certas formas de exploração econômica) e a exclusividade
(pertence somente ao autor), também possuem características próprias, quais sejam as
de alienabilidade e da temporalidade.9
Quanto à alienabilidade, trata-se de uma característica essencial à
viabilização da exploração econômica da obra intelectual, haja vista a impossibilidade
operacional de o autor, sozinho, criar a obra, reproduzi-la, multiplicá-la para, então
auferir seus lucros.10
Tal requisito encontra sua previsão legal no art. 49 da lei dos
6DESBOIS, Henri, Le Droit d’ Auteur, 1950. apud CARBONI, Guilherme Capinzaiki. O Direito de Autor na
Multimídia. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 29 7Originalmente, o Autor menciona o art. 29 da lei antiga, que tem sua redação no art. 28 da atual lei.
8ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 82
9MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral. São Paulo: José Butchavsky, 1980. p. 32.
10Ibidem, p. 33.
16
direitos autorais, que confere ao autor a faculdade de transferir seus direitos
patrimoniais a terceiros.11
Já a temporalidade funda-se na defesa dos interesses sociais sobre a
cultura, que restaria prejudicada caso fossem concedidos ao autor e seus sucessores
perpetuamente. Ademais, ressalta Eduardo Vieira Manso, como uma razão de ordem
prática para a restrição temporal, que, em determinado ponto, com o distanciamento do
autor na linha hereditária em relação aos seus sucessores, seria impossível a
identificação e localização de quem estaria no gozo destes direitos, a fim de se obter a
autorização de utilização da obra, inviabilizando sua utilização prática.12
No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar ressalta a independência dos
direitos patrimoniais, em referência ao artigo 31 da Lei 9610/9813
, asseverando sobre a
liberdade do autor em negociar tais direitos com diferentes pessoas – permitindo, por
exemplo, a coexistência de titulares derivados de uma mesma obra.14
O mesmo autor, também, não se olvida ao mencionar o artigo 4º da
citada lei, que prescreve a interpretação restritiva dos contratos que tenham por objeto
direitos autorais; fazendo com que permaneçam com o criador aqueles direitos não
expressamente transferidos ou, ainda, aqueles decorrentes de usos não previstos
contratualmente.15
11
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros (...) I – a transmissão
total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei. 12
MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral. São Paulo: José Butchavsky, 1980. p. 35 13
Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são
independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a
quaisquer das demais. 14
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 50 15
Idem, p.50
17
1.2.2 Requisitos para a transmissão
José Carlos Costa Netto menciona sobre os requisitos legais para a
fruição das obras intelectuais por parte de terceiros, a saber: (a) a obrigatoriedade de
autorização ou licença; e (b) a delimitação das condições de uso.16
Tais requisitos encontram agasalho no art. 49, incisos II e III, VI17
da
lei especial. Os dois primeiros incisos, em suma, mencionam que o contrato deve ser
escrito, estabelecendo a restrição temporal máxima de 5 (cinco) anos para os contratos
não escritos.
Já o inciso VI referido acima, impõe a mesma condição de
interpretação restritiva dos contratos imposta no art. 4 da Lei 9610/98. Isto significa
dizer que qualquer uso não expressamente autorizado da obra autoral por terceiros
constitui em ilícito cível e em crime de “violação de direito autoral”, na esfera penal.18
Face ao exposto neste capítulo, concluímos, portanto, pela
inadequação da restritiva da lei de direitos autorais, que tende a enquadrar no tipo
penal de “violação de direito autoral” todas as condutas de utilização extracontratual
da obra autoral por terceiro. Com efeito, há de se atentar que a punição no âmbito
penal deve ser sempre a última alternativa e, no caso em tela, nem sempre se faz
justificável.
16
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 142 17
Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros (...) II – somente se
admitirá transmissão total e defintiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III – na hipótese de
não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de 5 (cinco) anos; e VI – não havendo
especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se
como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. 18
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 142. Vide arts. 184 e 186 do Código Penal brasileiro.
18
1.3 Direitos Morais
Consoante pontuado por Carlos Alberto Bittar, “os direitos morais são
os vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de
sua personalidade.”19
Assinala José Carlos Costa Netto que, em oposição aos direitos
patrimoniais, os direitos morais de autor são intransmissíveis, indisponíveis e
irrenunciáveis, em razão de constituírem direitos da personalidade; asseverando ainda
que a cessão de tais direitos ensejaria no esvaziamento da personalidade jurídica por
um ato de renúncia, o que não é admitido pelo direito pátrio.20
Tal tema é regulado na lei dos direitos autorais (Lei 9.610/98), que,
em síntese, concede ao autor o direito de reivindicar, a qualquer tempo a autoria da
obra, bem como o de conservar a obra inédita, ou mesmo requerer a sua retirada de
circulação nos casos em que esta vir a implicar em afronta à sua reputação ou
imagem.21
Observa José Carlos Costa Netto que, em um eventual conflito entre
direitos patrimoniais e morais, estes sobressaem-se àqueles, in verbis:
Apenas uma complementação é fundamental observar nesse conceito
(dualista): os direitos morais de autor se sobrepõem aos econômicos. Nesse
sentido, por exemplo, o „direito moral de arrependimento‟, que estabelece
que o autor pode determinar a retirada de circulação de obra – mesmo já
publicada – uma vez que, naturalmente, indenize as partes prejudicadas,
princípio abrigado pela lei brasileira.22
Em relação às pessoas jurídicas, defende Guilherme C. Carboni que,
apesar da possibilidade de a pessoa jurídica ser detentora da autoria de uma obra, o que
19
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 142. 20
Ibidem, p. 135. 21
Art. 24:São direitos morais do autor:I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;III - o de conservar
a obra inédita;VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada,
quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem. 22
COSTA NETTO, José Carlos. Direito Autoral no Brasil. Op. cit., p. 78
19
se admite graças à teoria da ficção jurídica, haja vista que o criador efetivo de uma
obra será necessariamente uma pessoa física, ou mesmo a um conjunto delas, não se
admite que a pessoa jurídica seja titular de direitos morais de autor.23
Por outro lado, ilustra Antonio Carlos Morato que a visão da pessoa
jurídica como “ficção” – a qual acaba por inviabilizar seus direitos como autora - é
deveras ultrapassada, haja vista que a pessoa jurídica, após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, se tornou passível de sofrer danos de natureza moral, o
que, portanto, admite a presença de direitos da personalidade.24
Aduz-se, portanto, que a superação da teoria da “ficção jurídica” para
fins de atribuição de direitos morais às pessoas jurídicas detentoras de direitos morais
tende a ser incorporada pelo nosso ordenamento jurídico. Nesse sentido, temos a
direção do art. 52 do Código Civil25
, além as modernas concepções, uníssonamente
aceitas pela doutrina e pela jurisprudência, referentes à extensão da figura do dano
moral à pessoa jurídica, já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da
súmula 227.26
1.4 Objeto da Tutela
De acordo com o já demonstrado no bojo deste trabalho, infere-se que
o direito de autor visa propiciar tutela às criações do ser humano de caráter imaterial.
A tais obras, se dá, genericamente, a denominação de Propriedade Intelectual – ou
Direitos Intelectuais, como ressalva Carlos Alberto Bittar.27
Porém, tais manifestações podem se dar de diferentes formas: por
vezes podem manifestar-se de forma estética, destinada à contemplação, ao deleite e
ao aperfeiçoamento intelectual - como nas artes em geral - e noutras manifestam-se
23
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. O Direito de Autor na Multimídia. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 179 24
MORATO, Antonio Carlos. Direito de Autor em Obra Coletiva. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 60. 25
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. 26
Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.” 27
BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 3.
20
como obras de cunho utilitário, de objetivos práticos, como é o caso das invenções e
modelos de utilidade.28
A fim de se tutelar as relações oriundas de tais obras de maneira mais
específica, foram criados dois sistemas jurídicos especiais: ao primeiro caso referido
no parágrafo anterior, se aplica o Direito de Autor, enquanto, no segundo caso, aplica-
se o Direito de Propriedade Industrial.29
Todavia, exceção a tal conceito se dá em relação aos programas de
computador (“softwares”) que, apesar de, muitas vezes, serem dotados de aplicação
prática, são, para efeitos legais, obras de direito autoral, conforme indica o artigo 7º,
inciso XII da Lei dos Direitos Autorais.30
Ainda sobre o mesmo artigo, que define as obras protegidas pela Lei
de Direitos Autorais, pode-se fazer certa confusão em relação à questão da proteção
das ideias,questão, porém, já superada pela doutrina, conforme pontua José Carlos
Costa Netto:
De qualquer maneira, a maioria dos juristas que se dedicaram ao estudo da
matéria procurou deixar claro que o objeto da proteção não deve ser a ideia
(que originou a obra) mas, som, a sua concepção estética – a sua forma de
expressão – materializada como „obra intelectual‟.31
Observe-se que o Direito de Autor abrange essencialmente aquelas
criações tidas como derivadas do espírito humano e, portanto, sua proteção legal
nasce juntamente à obra, independentemente de registro – que é uma faculdade do
autor, conforme rezam os artigos 18 e 19 da Lei de Direitos Autorais.32
28
BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit., p. 3. 29
Idem. 30
Artigo 7º da Lei 9.610/98: “São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer
meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
(...) XII - os programas de computador (...)”; 31
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit. p. 82 32
Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro; art. 19. É facultado ao autor
registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro
de 1973.
21
1.5 Da Diluição da Autoria
Em menção ao ensinamento de Vanessa Merceron, leciona Antonio
Carlos Morato sobre a necessidade prática da autoria coletiva na obra intelectual,
relacionando esta com as inovações tecnológicas, as quais tornam necessários um
maior número de envolvidos no processo criativo.33
Nesta esteira, reforça Guilherme C. Capinzaiki que, mesmo a
interatividade com usuário, propiciada através de tais obras, pode-se resultar em
conflitos de autoria, in verbis:
Verifica-se que, à medida que a interatividade aumenta, passa a ocorrer o
fenômeno que, para os teóricos da comunicação, vem sendo chamado de
„autorização‟34
do leitor, mas que somente tem sentido no campo do direito
de autor, se dessa interação resultar, como já dissemos acima, um produto
final, no qual o elemento criativo desenvolvido pelo usuário possa ser
identificado.35
De fato, é notável que, há pelos menos duas décadas, tal situação vem
se estabelecendo como uma realidade bastante presente no mundo digital, como
podemos observar na prática, com a popularização da “Wikipedia”36
, e dos chamados
“Softwares Livres”37
.
Porém, quanto à questão da diluição da autoria, identifica Guilherme
C. Carboni que podem se dar em três situações, das quais decorrem efeitos jurídicos
distintos: (a) quando, apesar de não ser a intenção primária, o grau de interatividade do
usuário no processo criativo for grande ao ponto de deixar traços na obra final; (b) nos
casos em que a obra se dá sob a iniciativa, organização e responsabilidade de uma
33
MERCERON, Vanessa. Les Oeuvres Collectives en Droit Français. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade
de Direito, Universidade Pantheon-Assas (Paris II). p. 1. apud MORATO, Antonio Carlos. Direito de Autor em
Obra Coletiva. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 16. 34
GUIMARÃES, Luciano. In: CAPINZAIKI, Guilherme Carboni. O Direito de Autor na Multimídia. São Paulo:
Quartier Latin, 2003, p. 170. 35
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. Op. cit., p. 170 36
Trata-se de uma enciclopédia livre construída por colaboradores do mundo inteiro. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:Sobre>. Acesso em 13 mar. 2012. 37
É o programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído sem qualquer
restrição. Disponível em <http://br-linux.org/faq-softwarelivre/>. Acesso em 13 mar. 2012.
22
pessoa física ou jurídica; e, finalmente, (c) quando a transformação, pelo usuáio, das
obras de terceiro, com a expressa autorização, resulta em criação intelectual nova.38
No primeiro caso, citado na letra “a”,identifica-se a realização de obra
em coautoria, prevista no artigo 5º, VIII, alínea a da Lei 9610/98, que tende a conferir
os mesmos direitos a todos os criadores, sendo que, em casos de obra indivisível,
depende da deliberação de todos os autores para a publicação ou cessão de qualquer
direito patrimonial, nos termos do artigo 31 da referida lei.39
Já no segundo caso, da letra “b”, verifica-se a existência de obra
coletiva que, conforme previsão do art. 17 da Lei dos Direitos Autorais, preserva os
direitos morais à todos que colaboraram para com a obra; porém, restringe os direitos
patrimoniais unicamente ao organizador/responsável pela obra total, cabendo a este
estipular contratualmente com os colaboradores os termos em que se dará a
contribuição, bem como os demais termos em que esta se dará.
Por fim, faz-se necessário mencionar a hipótese da letra “c”, qual seja
a de autoria em obra derivada, que trata-se da transformação, por parte do usuário, de
obras já existentes, resultando em nova criação intelectual, da qual o criador se torna
titular originário, desde que tenha expressa autorização do autor da obra que a
originou, exceto nos casos especificados por lei, como nas hipóteses de limitações aos
direitos autorais (artigos. 46 e seguintes) – que trataremos mais adiante - e de obra
caída em domínio público.40
Todavia, ressalva José Carlos Costa Netto que as obras derivadas e as
obras justapostas não se confundem, nas palavras do autor:
Em relação à titularidade derivada, não deve ser confundida com os atributos
do autor de obra derivada (adaptações, traduções, etc.) ou obras justapostas
(uma poesia musicada, por exemplo).” Como já visto, uma vez que
regularmente autorizadas pelos autores das obras preexistentes e respeitando
as exigências que eventualmente lhes sejam feitas por estes, os autores das
38
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. Op. cit., p. 175 39
Art. 32. Quando uma obra feita em regime de co-autoria não for divisível, nenhum dos co-autores, sob pena de
responder por perdas e danos, poderá, sem consentimento dos demais, publicá-la ou autorizar-lhe a publicação,
salvo na coleção de suas obras completas. 40
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. Op. cit., p. 176
23
obras derivadas – uma vez presentes nestas o requisito da originalidade –
podem assumir verdadeira titularidade originária do direito de autor sobre
sua criação intelectual, independentemente dos direitos de autor dos
criadores intelectuais das obras preexistentes, que continuam íntegros.41
Conforme já exposto ao longo deste capítulo, muito embora tal
proteção esteja presente no texto legal e seja amplamente discutida no âmbito
doutrinário, torna-se difícil visualizar, na prática, a ocorrência destes efeitos em razão
das dificuldades técnicas existentes em se determinar a autoria face às mídias digitais.
1.6 Limitações aos Direitos Autorais
Nos dizeres de Eduardo Vieira Manso, o instituto da limitação aos
direitos autorais visa especificar certas tolerâncias à utilização não autorizada de obras
protegidas pelo direito de autor sem que, no entanto, tais utilizações venham a
constituir atos ilícitos.42
No mesmo sentido, José Carlos Costa Netto discorre sobre a função
social do direito autoral, a qual envolve o interesse público de acesso à cultura e
fruição das obras intelectuais, assim como a interação entre os criadores de tais obras
que corrobora no desenvolvimento cultural da sociedade como um todo.43
José de Oliveira Ascenção, por sua vez, faz ressalvas ao termo
“limitações ao direito de autor”, preferindo falar em “utilizações livres”. Em suma, diz
o autor que todo o direito é composto por regras positivas ou negativas e que estes são
elementos constitutivos do próprio direito, não se podendo imputar às regras negativas
a alcunha de “limitações”.44
Com efeito, a Convenção da União de Berna, uma das principais
convenções internacionaisrelativa à proteção das obras literárias e artísticas, da qual o
41
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 96. 42
MANSO, Eduardo Vieira. Op. cit., p. 270. 43
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 177. 44
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Op. cit., p. 254.
24
Brasil é signatário, elenca as hipóteses de utilizações livres das obras intelectuais em
seus artigos 10 e 10bis.45
Observa Guilherme C. Carboni que a Convenção de Berna veio a
consolidar a chamada “regra dos três passos”, que se trata de requisitos a serem
cumpridos para que os países estabeleçam, em suas legislações, o rol de limitações aos
direitos autorais, sendo exigido (a) tratar-se de casos especiais; (b) expressamente
tipificados e de interpretação restrita; e (c) não atentar contra a exploração normal da
obra, nem causar prejuízo injustificado ao autor.46
Assim sendo, em adequação ao tratado celebrado, a lei de direitos
autorais brasileira estabeleceu, em seus artigos 46, 47 e 48, um rol taxativo de
situações onde há a limitação ao direito autoral, que compreendem precipuamente à
(a)reprodução livre paráfrases e paródias sobre determinada obra; (b) cópia privada,
em pequenos trechos, sem intuito de lucro; (c) utilização de obras literárias, artísticas
ou científicas para a produção de prova judiciária ou administrativa; (d) reprodução de
45
“Artigo 10
1) São lícitas as citações tiradas de uma obra já licitamente tornada acessível ao público,
com a condição de que sejam conformes aos bons usos e na medida justificada pela
finalidade a ser atingida, inclusive as citações de artigos de jornais e coleções periódicas sob
forma de resumos de imprensa.
2) Os países da União reservam-se a faculdade de regular, nas suas leis nacionais e nos
acordos particulares já celebrados ou a celebrar entre si as condições em que podem ser
utilizadas licitamente, na medida justificada pelo fim a atingir, obras literárias ou artísticas a
título de ilustração do ensino em publicações, emissões radiofônicas ou gravações sonoras
ou visuais, sob a condição de que tal utilização seja conforme aos bons usos.
3) As citações e utilizações mencionadas nos parágrafos antecedentes serão acompanhadas
pela menção da fonte e do nome do autor, se esse nome figurar na fonte.
Artigo 10 bis
1) Os países da União reservam-se a faculdade de regular nas suas leis internas as
condições em que se pode proceder à reprodução na imprensa, ou a radiodifusão ou a
transmissão por fio ao público, dos artigos de atualidade de discussão econômica, política,
religiosa, publicados em jornais ou revistas periódicas, ou das obras radiofônicas do mesmo
caráter, nos casos em que a reprodução, a radiodifusão ou a referida transmissão não sejam
expressamente reservadas. Entretanto, a fonte deve sempre ser claramente indicada; a
sanção desta obrigação é determinada pela legislação do país em que a proteção é
reclamada.
2) Os países da União reservam-se igualmente a faculdade de regular nas suas legislações
as condições nas quais, por ocasião de relatos de acontecimentos da atualidade por meio de
fotografia, cinematografia ou transmissão por fio ao público, as obras literárias ou artísticas,
vistas ou ouvidas no decurso do acontecimento podem, na medida justificada pela finalidade
de informação a atingir, ser reproduzidas e tornadas acessíveis ao público.” 46
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. A Função Social do Direito de Autor e Sua Regulamentação no Brasil.
Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2005, p. 95
25
obras literárias, artísticas ou científicas para uso exclusivo de deficientes visuais; entre
outros.47
Em relação a tais artigos, Guilherme C. Carboni dirige sua crítica à
inadequação dos dispositivos legais à atual realidade, in verbis:
No que diz respeito à reprodução de notícia ou de artigo informativo
publicado em diário ou periódico, artigo 46, inciso I, letra „a‟, dispõe que a
mesma deve ser efetuada pela imprensa diária ou periódica. A nosso ver,
essa previsão não é adequada, uma vez que, grande parte da notícia que
circula hoje advém da Internet, através de empresas que não poderiam ser
classificadas propriamente como „imprensa diária ou periódica‟. Também
seria difícil classificar websites como „diários e periódicos‟, para haver a
possibilidade da livre reprodução de discursos pronunciados em reuniões
públicas de qualquer natureza, conforme dispõe o artigo 46, inciso I, letra
“b”48
Porém, resta inequívoco que o ponto mais polêmico relativo às
limitações aos direitos autorais da Lei 9610/98 é o da letra “b” do artigo 46, I, que
dispõe sobre a limitação ao direito de autor em caso de cópia privada de pequenos
trechos sem o intuito de lucro.
Conforme expõe José Carlos Costa Netto, em um sentido contrário em
relação à lei anterior de 1973, a atual lei, de 1998, tornou mais restrita a utilização da
cópia privada: antes, se admitia a reprodução de qualquer obra intelectual em um só
exemplar, desde que não se destinasse à utilização com intuito de lucro49
(inciso II do
artigo 49 da Lei 5988 de 14/12/1973)50
.
Sobre tal restrição, discorre o autor:
Contudo, se essa permissão pudesse fazer algum sentido há três décadas, tal
amplitude não seria razoável no estágio tecnológico atual, com as facilidades
trazidas e com o desenvolvimento da reprografia (xerocópias), meios digitais
de reprodução de texto e imagens, reproduções e transmissão sonoras e
audiovisuais e outras inovações que, inegavelmente, provocaram uma
verdadeira revolução os meios de comunicação em escala mundial
47
Ver artigos 46, 47 e 48 da Lei 9610/98. 48
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. A Função Social do Direito de Autor e Sua Regulamentação no Brasil.
Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2005, p. 154. 49
O Ministério da Cultura, em sua proposta de reforma da lei dos direitos autorais, propôs a volta da cópia
integral ao rol de limitações aos direitos autorais, vide item 3.1. 50
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 182.
26
(possibilitada principalmente com a expansão – até no âmbito domiciliar –
da rede de computadores – e outras facilidades tecnológicas). 51
Sobre o referido dispositivo, oportunamente ressalta Guilherme C.
Carboni que, na lei anterior, era permitido, por exemplo, realizar a cópia de um livro
inteiro sem que fossem violados direitos de autor.52
Segue o mesmo autor destacando que, além de não especificar o que
se entende por “pequenos trechos”para fins de cópia, a lei especial não prevê nenhuma
hipótese de reprodução integral de obra intelectual protegida para fins educacionais,
didáticos ou de pesquisa, o que acaba por conflitar com a própria função social do
direito autoral, impedindo a difusão do conhecimento que, em última instância, acaba
por prejudicar todo o país.53
Acerca do exposto neste capítulo, podemos concluir que o instituto
das limitações dos direitos de autor é um dos que guarda o maior número de
controvérsias, justamente por trazer um rol taxativo e, por vezes, pouco preciso, como,
por exemplo, na menção de cópia de “pequenos trechos”. Inobstante, tal instituto
também é alvo de uma possível reformulação visando a adoção da doutrina do “fair
use” ao nosso ordenamento jurídico, conforme veremos mais adiante.
51
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 182. 52
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. A Função Social do Direito de Autor e Sua Regulamentação no Brasil.
Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2005, p. 155. 53
Ibidem., p. 157
27
2. As Novas Tecnologias
2.1 Breves Considerações Sobre a Sociedade da Informação
O advento da tecnologia, em meados do século XX, promoveu a
transformação de toda a estrutura econômica mundial, ao permitir uma grande
aceleração da produção industrial em proporções inimagináveis no século anterior.54
Nesse sentido, aponta Roberto Senise Lisboa que a difusão da
tecnologia tende a conferir à mente humana o papel de força produtiva direta, não se
restringindo a ser apenas um elemento do sistema de produção,dada a maior
possibilidade de interação dos agentes com tal sistemática.55
Porém, tais mudanças não foram preponderantes apenas no âmbito da
produção industrial, mas sim no desenvolvimento de uma nova sociedade, que se
convencionou a chamar de “sociedade da informação”, tendo por características
precípuas a disseminação dos meios de comunicação e informação, em alta velocidade
e com grande interatividade, com seu núcleo na Internet.56
Sobre a sociedade da informação, vale ressaltar que o Brasil, através
do Ministério de Ciência e Tecnologia, aprovou o “Livro Verde da Sociedade da
Informação no Brasil”, que consiste em uma proposta de ações concretas relativas ao
tema, vindo a consolidar os seguintes objetivos: (a) a facilitação do acesso aos acervos
culturais nacionais; (b) o registro das manifestações culturais nas mais diferentes
mídias, em formato digital; (c) o registro, de forma sistemática, da produção científica
e tecnológica; (d) a criação de mecanismos de produção de conteúdos por parte da
comunidade, explorando a diversidade cultural de procedências mais diversas; e (e) a
promoção da igualdade de oportunidade de acesso às novas tecnologias.57
54
GRECO, M.A.; MARTINS, I.G.S., coords. Direito e Internet. São Paulo: RT, 2001, p. 10. 55
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. 4: Direitos Reais e Intelectuais. Saraiva: São Paulo,
2011, p. 391. 56
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 92 57
LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p. 392
28
Ressalta Roberto Senise Lisboa que a proteção de direitos autorais
passa por uma fase de revisão crítica eante tal realidade fática, é inevitável o
nascimento de novas relações jurídicas não vislumbradas quando da promulgação da
Lei dos Direitos Autorais, tornando necessárias novas reflexões sobre o tema, a fim de
adequar o ordenamento jurídico pátrio à era da tecnologia digital.58
Já para Manuella Santos, a tecnologia não trouxe mudanças ao direito
autoral sob a ótica jurídica, continuando o autor a gozar das prerrogativas morais e
patrimoniais sobre a sua obra. Segundo a autora, a mudança se deu quanto ao perfil do
usuário da Internet, devido à tecnologia, que permite a reprodução de dados em níveis
outrora inimagináveis, constituindo, assim, um terreno fértil para a violação do direito
de autor.59
Conclui-se, portanto, que face às inovações trazidas pelos aparatos
tecnológicos – que propiciam, por exemplo, conexões de Internet cada vez mais
velozes, por um custo baixo e com grande mobilidade - pode-se dizer, certamente, que
um dos grandes desafios de nossa geração diz respeito não mais à evolução
tecnológica, mas sim à proteção do Direito de Autor, havendo ainda considerável
controvérsia sobre o tema.
2.2 Internet
2.2.1 Breves Considerações Técnicas Sobre a Internet
Valemo-nos da liçãode Alexandre Atheniense, que define a internet
como “uma rede mundial de computadores através da qual podem-se enviar
mensagens, conversar virtualmente com outras pessoas ou procurar informações”60
.
Sob a ótica técnica, Patrícia Peck Pinheiro propõe o seguinte conceito:
Tecnicamente, a Internet consiste na interligação de milhares de dispositivos
do mundo inteiro, interconectados, mediante protocolos (IP, abreviação de
Internet Protocol). Essa interligação é possível porque utiliza um mesmo
58
LISBOA, Roberto Senise. Op. cit., p. 393. 59
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 162 60
ATHENIENSE, Alexandre. Internet e o Direito. Belo Horizonte: Inédita, 2000, p. 282.
29
padrão de transmissão de dados. A ligação é feita por meio de linhas
telefônicas, fibra óptica, satélite, ondas de rádio ou infravermelho. A
conexão do computador com a rede pode ser direta ou através de outro
computador, conhecido como servidor. Este servidor pode ser próprio ou, no
caso dos provedores de acesso, de terceiros. O usuário navega na Internet
por meio de um “browser”, programa usado para visualizar páginas
disponíveis na rede, que interpreta as informações do website indicado,
exibindo na tela do usuário textos, sons e imagens. São “browsers” o Internet
Explorer, da Microsfoft, o Netscape Navigator, da Netscape, o Mozilla, da
Mozilla Organization, entre outros. Os servidores e provedores de acesso
utilizam a estrutura do serviço de telecomunicação existente (no caso
brasileiro, o da Embratel), para viabilizar o acesso, armazenamento,
movimentação e recuperação de informação do usuário à rede.61
Ainda, sobre o funcionamento da Internet, leciona Marcel Leonardi:
Cada computador conectado à Internet é parte de uma rede. Quando um
usuário doméstico utiliza a rede através de seu provedor de acesso, seu
computador conecta-se à rede daquele provedor. Este, por sua vez, conecta-
se a uma rede ainda maior e passa a fazer parte desta, e assim
sucessivamente, possibilitando o acesso, dentro de certas condições, a
qualquer outro computador conectado à Internet.62
Neste momento, faz-se importante assentar também que um provedor,
também chamado de Fornecedor de Serviços de Internet, em uma tradução do termo
“Internet Service Provider” (ISP), pode tanto limitar-se a promover o acesso dos seus
usuários à grande rede, como fornecer serviços adicionais, como contas de correio
eletrônico (e-mail), browers, entre outros63
o que, conforme veremos, ensejará
situações jurídicas diversas sob o escopo da Responsabilidade Civil, conforme
veremos no decorrer deste trabalho.
Pontua ainda Alessandra Tridente sobre um novo sistema surgido em
meados da virada do milênio denominado p2p, que visa permitir o compartilhamento
direto de arquivos pela internet entre os usuários ou, seja, estando ausente um servidor
central, conforme veremos mais detalhadamente no terceiro capítulo.64
61
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17. 62
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2005. p. 5. 63
Disponível em: <http://windows.microsoft.com/pt-PT/windows-vista/What-is-an-Internet-Service-Provider-
ISP>. Acesso em 07 mar. 2012. 64
TRIDENTE, Alessandra. Direito Autoral: Paradoxos e Contribuições para a Revisão da Tecnologia Jurídica
no Século XXI. São Paulo: Campus Jurídico, 2008. p. 58.
30
2.2.2 Principais Reflexos no Direito de Autor
De fato, tal rede de computadores sempre se mostrou um grande
desafio ao Direito e, especialmente, ao Direito de Autor, dada a dificuldade de
monitoração de seu conteúdo, que se dá graças à velocidade e à grande quantidade de
dados transmitidos a todo momento.
Nessa esteira, discorre Guilherme C. Carboni:
As redes de informação, pelas suas próprias características de virtualidade e
de armazenamento de informações na forma digital, facilitam a reprodução e
a modificação de obras no ciberespaço, trazendo graves consequências ao
direito de autor...65
O mesmo autor ainda assinala que uma das principais características
da Internet é justamente a ausência de um centro de comando, dono ou responsável,
sendo esta, por natureza, uma rede colaborativa.66
Sobre essa problemática, fazemos referência ao exposto nos Cadernos
de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, a saber:
Um dos grandes problemas trazidos pela alta tecnologia é a cópia em massa.
A tecnologia digital abriu novas dimensões para disseminar, utilizar e
fornecer obras e interpretações protegidas pelo direito autoral e direito
conexo. Outro problema sério trazido pela revolução digital é a facilidade de
adaptação e modificação de uma obra. Vê-se que a maioria dos problemas
enfrentados pelo Direito Autoral está em seus tradicionais conceitos como
distribuição, cópia, reprodução, sendo uma das soluções apresentadas pela
doutrina dominante a flexibilização de determinados conceitos. Todavia, esta
não é a única solução adequada, pois os próprios instrumentos da Sociedade
da Informação permitem a maior proteção ao titular do Direito. 67
De acordo com o exposto na citação acima, grande parte das propostas
de alteração da Lei de Direitos Autorais apontam no sentido de flexibilização dos
direitos autorais, face à alegada impossibilidade de controle efetivo sobre tais obras,
em razão de sua natureza imaterial. Todavia, o autor bem menciona que a própria
65
CARBONI, Guilherme Capinzaiki. O Direito de Autor na Multimídia. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 146 66
Idem. 67
BRASIL. Ministério da Cultura. Coleção Caderno de Políticas Culturais - Direito Autoral. Brasília, 2006, p.
374.
31
tecnologia oferece meios para proteção dos Direitos Autorais, conforme veremos a
seguir.
2.3 Métodos Tecnológicos de Proteção da Propriedade Intelectual
Em se tratando de proteção da propriedade imeterial na internet, além
das medidas convencionalmente apontadas pelos operadores de direito como, por
exemplo,a reforma legislativa, há de se apontar as medidas tecnológicas que podem ser
tomadas no sentido de evitar a multiplicação das obras protegidas por direito de autor
de forma desordenada na rede. Ainda que seja esta última uma questão de informática
essencialmente técnica, é inegável sua repercussão no âmbito jurídico.68
Sob o âmbito técnico, já existe hoje a possibilidade de “marcação” das
obras intelectuais, de modo a identificá-las no espaço virtual. Em tal sentido, a
Association of American Publishers (AAP), conjuntamente com a US Corporation for
National Research Initiatives (CNRI) desenvolveu o Digital Object Identifier (DOI),
tratando-se este de um código de identificação, bem como uma base de dados a fim de
se obter informações a respeito de determinado arquivo digital.69
, sendo tal método
largamente utilizado na identificação de artigos acadêmicos, inclusive pela plataforma
Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNQp).70
Outros serviços também foram desenvolvidos a fim de evitar a
contrafação de software, como é o caso do “iLok”, que trata-se de um dispositivo
USBcontendo a licença de uso do programa de computador, sem o qual o acesso do
conteúdo do programa é bloqueado.71
No mesmo sentido, ressalta Mônica Simas de Oliveira sobre Serial
Copy Management System (SCMS), que trata-se, basicamente de um sistema de
68
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O direito autoral na Internet. In: GRECO, M.A.; MARTINS, I.G.S., coords.
Direito e Internet. São Paulo: RT, 2001, p. 148 69
Idem. 70
Informação disponível em <http://lattes.cnpq.br/ajuda/faq/faq11.html>. Acesso em 21 mar.2012. 71
“An iLok is a special USB device that holds your licenses for iLok-protected software.Software publishers use
the iLok to provide secure protection for their software. When you run the iLok-protected software, it looks for
your license on your attached iLok.” Disponível em <http://www.ilok.com/ilok-zero-downtime.html>. Acesso
em 21 mar. 2012. Tradução livre do autor.
32
gerenciamento de cópias em série, oriundo de um acordo celebrado nos EUA entre as
gravadoras e fabricantes de áudio gravadores domésticos. Por meio da implantação de
tal sistema, visa-se impedir a realização da cópia de segunda geração. Entretanto,
ressalta a autora sobre a eficácia parcial do dispositivo, posto que do arquivo original
podem ser extraídas diversas cópias.72
Não podemos nos olvidar também de mencionar sobre os métodos de
criptografia que, em suma, consistem na codificação de dados para evitar a violação à
integridade de arquivos, bem como um meio de realizar um controle de acesso com
garantias de autenticidade e privacidade.73
Conclui-se a partir da exposição acima, que a visão padrão da Internet
como um território livre e inseguro não é mais verdadeira. Superadas as desconfianças
iniciais quanto ao referido meio de comunicação, hoje os sistemas de compras virtuais
atingiram, já em 2009, um índice de confiança do consumidor de 86,3%74
e, mesmo o
Poder Judiciário brasileiro, hoje, já conta com peticionamento eletrônico nos Tribunais
Superiores e fóruns inteiramente digitais75
, o que reforça a eficácia da proteção
tecnológica aos documentos disponibilizados por meio da Internet.
2.4 A Visão Legislativa
2.4.1 Breve apanhado sobre os tratados internacionais
Expõe Mônica Simas de Lima que, em razão da globalização, não há
que se falar em autonomia tecnológica dos países, sendo intrínseca a relação entre
desenvolvimento tecnológico e integração de inventos, criações e descobertas. Assim
sendo, é de natural interesse das companhias que investem em tecnologia e dos países,
72
LIMA, Mônica Simas de. Os Direitos Autorais na Era da Internet. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2002, p. 61. 73
SOLA, José Eduardo Martins. A Proteção aos Direitos Autorais a Partir da Internet: A Perspectiva Brasileira.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação) – Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília, 2002,
p. 111 74
Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/internet/2010/02/03/confianca-do-consumidor-em-lojas-virtuais-no-
brasil-atingiu-86-3-em-2009/>. Acesso em 21 mar. 2012. 75
Disponível em: <http://www.arquivar.com.br/espaco_profissional/noticias/mercado-tecnologia/estado-de-sp-
ganha-mais-cinco-foruns-digitais-ate-o-final-do-ano>. Acesso em 21 mar. 2012.
33
por meio das convenções internacionais, que se criem métodos no sentido de assegurar
proteção às invenções e à indústria tecnológica como um todo.76
Nesse cenário, sobre a importância da ratificação das convenções
internacionais, discorre a autora:
A ratificação de tais convenções, por diversas vezes, é pressuposto para o
fluxo de investimentos e até mesmo para evitar retaliações econômicas. Há
um grande número de convenções internacionais ratificadas pelo Brasil e
ligadas à proteção da propriedade intelectual, como a Convenção da União
de Berna sobre Direitos Autorais, a Convenção de Roma sobre direitos
conexos, a Convenção da União de Paris, o TRIPS.77
No mesmo sentido, expõe José Carlos Costa Netto sobre a
convergência mundial ocorrida a partir dos anos 60 do século XX, em razão das
revisões da Convenção de Roma de 1961, da de Berna e da Universal, tendo ambas as
últimas sido revistas em 1971 – motivo pelo qual, até o início da década de 1970, as
leis internas de diversos países sofreram alterações a fim de promover sua adequação à
orientação internacional.78
2.4.1.1 Convenção da União de Berna
A Convenção da União de Berna é um dos principais tratados
internacionais sobre a matéria de direitos autorais79
. Nele estão fixadas quais devem
ser as obras protegidas pelo Direito de Autor, bem como estão estabelecidos os
parâmetros que os países signatários devem adotar a fim de regular a questão das
limitações aos direitos de autor, estabelecendo a denominada “regra dos três passos”,
como vimos no capítulo 1.6 do presente trabalho.
76
LIMA, Mônica Simas de. Os Direitos Autorais na Era da Internet. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2002, p. 52. 77
LIMA, Mônica Simas de. Os Direitos Autorais na Era da Internet. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2002, p. 52. 78
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 60. 79
LIMA, Mônica Simas de. Os Direitos Autorais na Era da Internet. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2002, p. 53.
34
2.4.1.2 TRIPS
O acordo TRIPS (Acordo sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade
Intelectual Relacionados com o Comércio), foi promovido pela OMC (Organização
Mundial do Comércio), principalmente por pressão dos Estados Unidos, conforme
afirma José Carlos Costa Netto,visando adotar sanções de natureza comercial,de forma
a combater as práticas ilícitas ocorridas no terreno da propriedade intelectual.80
2.4.1.3 Tratados da OMPI
Assevera Manoel J. Pereira dos Santos que, inobstante os avanços
tecnológicos no sentido de reforçar a tutela do direito autoral, muito se sustenta ainda
sobre a inexistência de métodos seguros a fim de permitir aos titulares de tais direitos
associarem às suas obras licenças capazes de subsistir após da disponibilização da obra
em ambiente cibernético, revelando a tendência de priorização das medidas legais para
o combate do uso não-autorizado.81
No sentido de promover a tecnologia como uma forma de autêntica de
defesa dos direitos autorais e de estabelecer sanções àqueles que violam tais proteções,
os Tratados da OMPI relativos ao Direito de Autor de 20 de dezembro de 1996 e o
Tratado da OMPI sobre Interpretações ou Execuções e Fonogramas, da mesma data,
dispõem no sentido de assegurar o desenvolvimento de mecanismos tecnológicos de
proteção dos direitos autorais, tendo sido convencionado que os países signatários
devem, de acordo com seus sistemas jurídicos, promover sanções eficazes a fim de
punir adequadamente (a) a neutralização de dispositivos que visam a proteção sob o
âmbito tecnológico de tais direitos; (b) a supressão de informação eletrônica sobre a
gestão de direitos; ou (c) a distribuição, importação para distribuição, radiodifusão ou
comunicação ao público, sem autorização, de exemplares de obras, interpretações ou
execuções, as próprias interpretações ou execuções, ou fonogramas, sabendo que a
80
COSTA NETTO, José Carlos. Op. cit., p. 60. 81
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O direito autoral na Internet. In: GRECO, M.A.; MARTINS, I.G.S., coords.
Op. cit., p. 150.
35
informação eletrônica sobre a gestão de direitos foi suprimida ou alterada sem
autorização.82
2.4.2 A Perspectiva Anglo-Americana
Em relação à evolução dos sistemas legislativos em relação ao direito
autoral, pontua Manuella Santos sobre os dois principais regimes de proteção, quais
sejam ocopyright – sendo este o regime anglo-americano e o droit d’ auteur – o
regime francês.83
Sobre ambos os sistemas, discorre a autora:
O copyright, cuja tradução é „direito de cópia‟, é o sistema anglo-americano.
Nesse regime o principal direito a ser protegido é a reprodução de cópias.
Isso significa que, em sua origem, o „copyright‟ enfatizava mais a proteção
do editor do que do autor.Sua história começa em 1557, quando Felipe e
Maria Tudor outorgaram à Stationer‟s Company o direito de exclusividade
para a publicação de livros.
O droit d‟ auteur, cuja tradução é „direito de autor‟, é o sistema francês ou
continental. Esse regime preocupa-se com a criatividade da obra a ser
copiada e os direitos morais do criador da obra, ou seja, é o inverso do
“copyright”. Sua origem remonta à Revolução Francesa que, abolindo o
privilégio dos editores, resultou em duas normas aprovadas pela Assembleia
Constituinte: a de 1791 e a de 1793.84
Aduz-se das definições acima e, ainda, em relação aos conceitos
fundamentais sobre direitos autorais expostos no início deste trabalho, que o Brasil
filiou-se ao regime do droit d’ auteur, posto que nossa legislação enfatiza
veementemente a proteção dos direitos morais de autor, em contraponto com a posição
norte-americana, orientada principalmente para questões patrimoniais.
No entanto, em que pese o fato de não ser o copyright o regime
adotado no Brasil, não podemos nos olvidar da experiência norte-americana em
82
SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O direito autoral na Internet. In: GRECO, M.A.; MARTINS, I.G.S., coords.
Op. cit., p. 151. 83
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 39. 84
Idem.
36
relação aos direitos autorais, haja vista a larga experiência legislativa deste país no
tratamento do tema, principalmente ao lidar com o problema da Internet.
Nesse sentido, menciona Henrique Gandelman:
Sendo o maior mercado mundial para os meios de comunicação de massa e,
portanto, também consciente do valor econômico proporcionado pela
utilização dos bens de consumo que se baseiam na propriedade intelectual,
os Estados Unidos há algum tempo vêm se dedicando ao estudo de como
modernizar sua legislação, para a melhor proteção do que chamem de
“intellectual property”, tendo em vista os desafios da tecnologia digital.85
Desta forma, destacamos a seguir alguns dos principais marcos
legislativos do regime do Copyright nos Estados Unidos e sua repercussão.
2.4.2.1 “White Paper”
Tendo em vista o desenvolvimento das novas tecnologias e a
utilização da Internet em larga escala e as consequentes facilidades na obtenção de
cópias digitais das obras protegidas pelas leis de propriedade intelectual, as principais
corporações norte-americanas ligadas à indústria do entretenimento passaram a
demandar a criação de um sistema de responsabilização objetiva dos servidores (ver
3.3.2), ao passo que estes são únicos capazes de arcar com as vultuosas indenizações
oriundas da violação de direitos autorais.86
Face ao grande lobby promovido pelas grandes corporações titulares
de direitos autorais, o governo norte-americano promoveu a elaboração de um relatório
intitulado Intellectual Property and the National Information Infrastructure (NII), que
tornou-se conhecido como White Paper.87
85
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet: Direitos Autorais na Era Digital. Rio de Janeiro: Record,
2001. p. 186. 86
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2005. p. 48. 87
Idem.
37
Em suma, tal relatório partia da equivocada premissa da facilidade de
monitoramento do conteúdo de todas as informações transmitidas por meio digital,
visando promover a responsabilidade objetiva dos provedores de acesso pelo conteúdo
veiculado por seus usuários. De fato, a teoria arguida em tal relatório acabou por não
prosperar, ensejando na rejeição na proposta de legislação constante do White Paper.88
2.4.2.2 “Digital Millennium Copyright Act”
Afirma Sílvia Simões Soares que um dos grandes marcos da história
do direito autoral norte-americano e, por consequência, do mundo, foi o Digital
Millennium Copyright Act (“DMCA”), que contou com amplo apoio da indústria do
software e da indústria do entretenimento e a firme oposição de cientistas,
bibliotecários, acadêmicos e intelectuais.89
Sobre a questão da responsabilidade civil, o DMCA, em um sentido
contrário à orientação apresentada no White Paper, apresenta algumas limitações de
responsabilidade dos provedores de Internet nas situações em que estes limitam-se a
promover a transmissão de dados entre os seus usuários.90
Todavia, ressalta Silvia Simões Soares que uma das maiores
polêmicas envolvendo a questão da responsabilidade se dá por conta de uma
disposição que obriga os provedores de acesso a procederem com o fornecimento de
informações sobre os usuários, de modo a permitir sua localização por parte dos
detentores de copyright.
Sumariamente, em relação às outras mudanças, expõe Alessandra
Tridente que as principais mudanças trazidas por tal lei foram o aumento das penas
88
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2005. p. 48. 89
SOARES, Silvia Simões. Aspectos Jurídicos do Compartilhamento de Arquivos MP3 P2P via Internet: A
Experiência do Napster e as Novas Tendências da Legislação de Copyright dos Estados Unidos. In: LUCCA,
Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, p. 624. 90
Ibidem, p. 627.
38
previstas para as violações de direitos autorais feitas por meio da Internet e a
criminalização da conduta do desenvolvimento de tecnologias capazes de contornar os
mecanismos de controle de direitos autorais, ainda que desta não resulte nenhuma
violação de direito autoral.91
Em que pese o apelo da industria do entretenimento no sentido de
promoção da aprovação de tal lei, muito se questiona acerca da efetividade de tais
meios no sentido de coibir a “pirataria eletrônica”. Nesse ínterim, menciona Silvia
Simões Soares sobre o caso do programador russo Dmitry Skylarov, preso em 2001
por ter desenvolvido, junto à empresa em que trabalhava, um programa de computador
denominado Elcomsoft, capaz de burlar as proteções do programa de computador
Adobe Ebooks Reader.92
2.5 Conclusão do capítulo
Efetivamente, os tratados internacionais apresentam-se como o meio
hábil para a devida tutela dos direitos autorais em âmbito internacional. De fato,
conforme demonstrado no bojo deste capítulo, o advento das novas tecnologias tende a
estreitar as fronteiras entre os países, de modo a ser impossível determinar ao certo, à
primeira vista, em que país está hospedado determinado arquivo ou mesmo para
quantos países este foi difundido.
Isto vem a reforçar o caráter interdisciplinar do direito autoral, já
mencionado no início deste trabalho, sustentando a autonomia científica da matéria, ao
passo que se faz necessário o uso de regras de Direito Internacional, bem como a
criação de sanções de natureza comercial, a fim de promover a uniformização da
legislação dos principais países no cenário global sobre o tema.
91
TRIDENTE, Alessandra. Direito Autoral: Paradoxos e Contribuições para a Revisão da Tecnologia Jurídica
no Século XXI. São Paulo: Campus Jurídico, 2008. p. 56. 92
SOARES, Silvia Simões. Aspectos Jurídicos do Compartilhamento de Arquivos MP3 P2P via Internet: A
Experiência do Napster e as Novas Tendências da Legislação de Copyright dos Estados Unidos. In: LUCCA,
Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, p. 625.
39
Todavia, cumpre ressaltar que os esforços legislativos, como uma
medida isolada, no sentido de promover sanções àqueles que vierem a violar referidos
direitos, não se mostram plenamente eficazes, tendo em vista que a identificação dos
arquivos e dos usuários no ambiente cibernético ainda é deveras precária. Com efeito,
a realidade mostra que, apesar da existência de tipos penais estabelecendo sanções
para os crimes praticados contra a propriedade intelectual, a aplicação destes é ainda
muito tímida ainda no âmbito da Internet.
Destacamos ainda alguns pontos sobre a legislação de direitos autorais
dos Estados Unidos que, apesar da grande diferença de regime legal em comparação
ao Brasil, não pode jamais ser desprezada, haja vista as largas experiências daquele
país no tratamento de referidos direitos sob a ótica tecnológica.
Conforme veremos a seguir, apesar da orientação brasileira no sentido
de seguir o sistema francês do droit d’ auteur. Já começamos a notar alguma
influência do sistema copyright nas propostas de reforma das leis de direitos autorais,
o que, ao nosso ver, é positivo, ao considerar a vasta experiência americana ao lidar
com as mídias digitais que, a despeito de serem ou não bem sucedidas, remontam a um
histórico de estudos sobre o tema.
Portanto, cremos que a integração dos dois sistemas pode ser
fundamental no desenvolvimento de melhores soluções para a problemática
envolvendo o direito autoral e as mídias digitais.
Ademais, consideramos necessária, além de uma reforma na norma,
visando adaptá-la aos tempos contemporâneos, uma maior concentração de esforços
internacionais na promoção da própria tecnologia, como meio de permitir a devida
identificação das infrações e assegurar a aplicação dos dispositivos legais
concernentes.
40
3. Recentes controvérsias
3.1 Os Projetos de Lei no Âmbito Nacional
Em uma breve pesquisa no site da Câmara dos Deputados, pudemos
constatar a existência de 276 (duzentos e setenta e seis) projetos de lei envolvendo o
tema “Direito Autoral”.93
Neste ínterim, podemos destacar a proposta de revisão
elaborada pelo Ministério da Cultura, a qual foi alvo de duas consultas públicas e foi
encaminhada no final do ano de 2011 à Casa Civil para a sanção presidencial.94
Referido projeto foi alvo de diversas controvérsias na imprensa.
Muitos questionamentos situaram-se principalmente em relação à ampliação do rol de
limitações aos direitos autorais que, visando permitir que, a exemplo da antiga lei de
direitos autorais de 1973, se volte a permitir a cópia integral para uso privado,
prescindida a autorização do autor.95
Além disso, novas propostas estão sendo discutidas, como, por
exemplo, a adoção de alguns aspectos da doutrina do “fair use”, bem como a inclusão
de um novo sistema de responsabilidade civil aos servidores de Internet, temas dos
quais trataremos a seguir.
3.2 A Doutrina do “Fair Use”
Em relação à doutrina do “fair use”, discorre Manuella Santos tratar-
se de um instituto oriundo do direito norte-americano, visando a harmonização dos
princípios constitucionais de proteção ao autor, de liberdade de expressão, bem como o
do cumprimento da função social do direito de autor, a fim de estabelecer as hipóteses
nas quais o uso das obras de terceiros é considerado “justo” – não prescindindo assim
da aquisição ou da autorização dos autores - a partir da aplicação de quatro fatores, a
saber: (a) propósito e espécie de utilização; (b) natureza da obra intelectual protegida;
93
Disponível em <http://www.camara.gov.br/>. Acesso em 02 abr. 2012. 94
Disponível em <http://blogs.estadao.com.br/link/retrocesso/>. Acesso em 02 abr. 2012. 95
Disponível em < http://www.gazetamaringa.com.br/online/conteudo.phtml?tl=1&id=1241582&tit=Projeto-
pretende-liberar-copia-integral-de-livros>. Acesso em 09 abr. 2012.
41
(c) quantidade e proporcionalidade do trabalho copiado em relação ao todo; e (d)
efeito do uso no mercado da obra originária.96
Ainda sobre as características do “fair use”, expõe Silvia Simões
Soares:
Os referidos usos serão considerados legítimos se não envolverem finalidade
de obtenção de lucro e não afetarem o mercado da obra protegida,
observando-se sempre para a constatação de “fair use” o propósito e as
características do uso feito, a natureza da obra utilizada e a porção do
trabalho protegido que foi efetivamente usada ou copiada. Assim, leva-se
bastante em conta a boa-fé, o caráter pessoal e não comercial do uso para a
aplicação em cada caso dessa doutrina, sendo certo, no entanto, que a
distinção entre o uso legítimo e a infração não é taxativa, não havendo
previsão oficial de limite de quantidade da obra utilizada que corresponda a
uso legítimo ou forma – além da obtenção de licença – de assegurar que o
uso feito não irá gerar conflitos com o detentor do “copyright”.97
Com efeito, a ideia da incorporação do referido instituto norte-
americano ao sistema de leis brasileiro ganhou força a partir da edição da resolução
número 67pela Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) que, visando a
modernização do instituto do direito de autor, encaminhou uma proposta de reforma
legislativa visando substituir o rol exaustivo presente no art. 46 da Lei 9610/98 (vide
capítulo 1.6), por um rol de princípios a serem aplicados ao caso concreto, a fim de se
definir o que seria um “uso justo”.98
Sobre a semântica do termo que, em português, significa “uso justo”,
bem ressalta o Professor Antônio Carlos Morato sobre o seu possível caráter
eufemista, haja vista tratar-se de instituto muito próximo do que hoje conhecemos
como “limitações aos direitos autorais”. Desta forma, tal conceito tende, naturalmente,
a conquistar adeptos, facilitando sua aprovação em meio à população.99
96
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 134. 97
SOARES, Silvia Simões. Aspectos Jurídicos do Compartilhamento de Arquivos MP3 P2P via Internet: A
Experiência do Napster e as Novas Tendências da Legislação de Copyright dos Estados Unidos. In: LUCCA,
Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. São Paulo:
Quartier Latin, 2008, p. 632. 98
Disponível em:
<http://www.abpi.org.br/biblioteca1.asp?idioma=&secao=Biblioteca&subsecao=Resolu%E7%F5es%20da%20A
BPI&assunto=Resolu%E7%E3o%20espec%EDfica&id=2>. Acesso em 06 mar. 2012. 99
Cf. aula ministrada no Curso de Direito das Faculdades Metropolitanas Unidas, no 1º semestre de 2011.
42
Nessa esteira, Manuella Santos vê a possível adoção do instituto com
ressalvas, in verbis:
A nosso ver, a doutrina do „fair use‟ tem sentido e lógica no sistema de
„commom law‟, como o norte-americano, que parte da ausência de um
regramento específico, o que não ocorre no regramento brasileiro, que é
bastante preciso quanto aos direitos e às limitações impostas aos autores.
Cremos que nosso atual ordenamento, especialmente o art. 46 da LDA, que
estabelece as limitações aos direitos autorais, foi muito pontual quanto ao
uso permitido de obras intelectuais.
Não podemos deixar de observar, no entanto, que a essência da doutrina do
„fair use‟ é muito interessante e de grande valia para a era digital, na medida
em que harmoniza a necessidade de proteção autoral com a demanda da
sociedade por acesso à informação. Assim, cremos que essa teoria poderia
vir a somar ao nosso sistema autoral, mas não substituí-lo.100
No mesmo sentido, dispõe Fabio Malina Losso:
Tal redação é interessante, por trocar o enunciado objetivo por outro
subjetivo, motivo pelo qual remete ao Poder Judiciário, mediante o caso
concreto e a aplicação da jurisprudência, a incumbência de definir os
parâmetros aceitáveis, os quais, inclusive, são essencialmente mutáveis em
vista das mudanças sociais. Por outro lado, o sistema jurídico estadunidense
é baseado na „case law‟ e o que temos de mais parecido com isso é a súmula
vinculante.101
Cremos que, por um lado, tendo em vista a velocidade com que as
transformações tecnológicas impactam a vida cotidiana, que o conceito do “fair use” é
interessante, no sentido de permitir uma maior flexibilização da norma, de modo a
permitir que sua aplicação seja fruto de uma análise mais voltada ao caso concreto,
abrangindo assim situações não previstas no rol legal que, nos moldes atuais, é
exaustivo.
No entanto, a imprecisão do conceito sobre o que seria ou não
considerado um “uso justo” tende a trazer aspectos negativos ao instituto, pois
permitiria uma análise muito subjetiva por parte dos magistrados do que viria a ser
100
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 137. 101
LOSSO, Fabio Malina. Os Direitos Autorais no Mercado da Música. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2008, p. 27.
43
“uso justo”. De fato, caso tal instituto viesse a compor o nosso sistema de leis, aquilo
que hoje temos por conceito legal, fatalmente se tornaria uma criação jurisprudencial.
3.3 Responsabilidade Civil
3.3.1 Conceito Geral
Destaca Patrícia Peck Pinheiro sobre a grande controvérsia existente
envolvendo a questão da responsabilidade civil na internet, devido à falta de legislação
específica concernente ao tema que, por sua vez, pode ser atribuída à fase embrionária
vivida por tal meio no tocante à responsabilização pelo conteúdo veiculado por
terceiros, ensejando em uma série de decisões controversas sobre o tema.102
Por isso, assenta a autora sobre a necessidade de retomarmos o
conceito de responsabilidade do Direito Civil, para só depois aplicarem-se as questões
específicas relacionadas à era digital.103
Explanaremos, portanto, sobre os principais
pontos atinentes à teoria geral responsabilidade civil.
Assim sendo,na definição de Roberto Senise
Lisboa,“responsabilidade (‘respondere’) é o dever jurídico de recomposição do dano
sofrido, imposto ao seu causador direto ou indireto.” Constitui-se, então, em uma
relação de obrigação que tem por objeto o ressarcimento.104
Discorre ainda o mesmo autor sobre a função dúplice do instituto da
responsabilidade civil, dividindo em duas funções precípuas: (a) função-garantia –
relativaà questão da segurança jurídica, visando prevenir a coletividade de novas
violações; e (b) função-sanção, decorrente da necessidade da reparação do dano por
parte do agente causador.105
102
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 313. 103
Ibidem, p. 309. 104
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. 2: Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 263. 105
Ibidem, p. 264-265.
44
3.3.2 Sistemas de Responsabilidade Civil
A doutrina clássica define basicamente dois tipos de responsabilidade
civil: (a) responsabilidade subjetiva; e (b) responsabilidade objetiva. Sobre a primeira,
podemos dizer que trata-se responsabilidade baseada na culpa do autor,pois funda-se
no pressuposto da ocorrência do ato ilícito que, por sua vez, tem como requisitos o
dolo ou a culpabilidade (ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia).106
Em determinados casos, porém, conforme ressalta Carlos Roberto
Gonçalves, não há a necessidade de prova da culpa, hipótese sustentada pela “teoria do
risco”, o que definimos por responsabilidade objetiva. Para referida teoria, o exercício
de determinada atividade enseja um risco de dano para terceiros sendo que, caso este
venha a ocorrer, deve ser reparado, independentemente da culpabilidade do agente.107
Sobre os sistemas de responsabilidade civil, discorre Caio Mário da
Silva Pereira:
A ordem jurídica deverá fixar dois tipos de responsabilidade civil: (a)
primeira fundada na culpa, caracterizada esta como um erro de conduta ou
transgressão de uma regra predeterminada, seja de natureza contratual, seja
extracontratual; (b) a segunda, com abstração da ideia de culpa,
estabelecendo „ex lege‟ a obrigação de reparar o dano, desde que fique
positivada a autoria de um comportamento, sem necessidade de se indagar se
foi ou não contrário à predeterminação de uma norma.108
Cumpre assinalar que, a despeito da previsão do art. 927, parágrafo
único, que prevê a possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva, prevalece
ainda no sistema do Código Civil a teoria subjetiva. Nesse sentido, discorre Roberto
Senise Lisboa:
106
Vide Art. 186 do Código Civil: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927 do Código Civil: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem. 107
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 4: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 49. 108
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. 3. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 367.
45
O Código Civil consagra, em reiteração ao disposto no modelo Beviláqua, a
responsabilidade subjetiva como a regra do sistema (art. 186, 927, „caput‟, e
389), porém reconhece e expressamente admite a responsabilidade sem
culpa, fixada por lei ou pela jurisprudência (art. 927, parágrafo único).109
Entretanto, elucida César Fiuza, sobre a atual tendência de
desvinculação do pressuposto da culpa em relação à atribuição de responsabilidade.
Tal tendência se fundamenta, precipuamente, sob o princípio da dignidade humana,
previsto no art. 1, III da Constituição Federal, pois, nas palavras do autor, “ninguém
poderia, em tese, sofrer danos injustamente e não ter direito à reparação, a não ser
que o dano não possa ser imputável à conduta de alguém.”110
Ademais, faz o autor menção ao caráter preventivo (função-garantia)
da responsabilização civil, situando-o como o pilar na defesada responsabilidade civil
objetiva com fulcro no princípio da dignidade humana, haja vista que a sanção civil
vincula-se mais diretamente ao aspecto patrimonial que ao moral, sendo este último o
principal norteador de tal princípio.111
De acordo com o já exposto, em que pese o fato de a responsabilidade
subjetiva ser a regra em nosso ordenamento jurídico, o sistema de responsabilidade
objetiva aos poucos vem ganhando espaço e se revelando como a atual tendência no
direito civil, como um todo, tendo em vista, por exemplo, a dimensão originada pelas
relações de consumo.
Ao situarmos o tema no escopo da proteção dos direitos autorais na
Internet, porém, onde a questão da definição da autoria do dano no ambiente virtual é
uma das grandes dificuldades, a responsabilidade objetiva não somente é uma
tendência, como já pode ser tomada como regra, conforme veremos a seguir.
109
LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. Vol. 2: Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 342. 110
FIUZA, César. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 279 111
Idem.
46
3.3.3 Responsabilidade Civil na Internet
Como já tratamos anteriormente, a realidade da Internet é uma
questão a parte no mundo do Direito, em razão das novas situações fáticas e relações
jurídicas próprias com ela trazidas. Em que pese a lei 9610/98 trazer, a partir de seu
artigo 102, dispositivos que especificam as sanções civis aplicáveis àquele que violar
direitos autorais de terceiros, ela não traz uma regulamentação específica em relação à
internet, que é justamente o meio que mais enseja controvérsias, cabendo à doutrina e
à jurisprudência fazer a distinção dos fatos jurídicos oriundos desta nova realidade e o
enquadramento desta nos tipos legais gerais.
Nessa seara, destacamos que uma das situações mais particulares da
Internet e ensejadora de um grande número de controvérsias é a questão atinente à
responsabilidade civil dos provedores de acesso e de serviço (ver definições do item
2.2).
Para Manuella Santos, a responsabilidade deve ser,em regra, objetiva,
de forma a viabilizar a reparação de danos àquele que sofreu, o que dificilmente
ocorreria se a responsabilidade fosse atribuída unicamente àquele que adicionou o
arquivo ao servidor, haja vista que, em que pesem os avanços tecnológicos, a
identificação dos usuários no meio cibernético ainda é rarefeita.112
No mesmo sentido, aponta Patrícia Peck Pinheiro, ao assentar a maior
aplicabilidade da teoria do risco (responsabilidade objetiva) ao Direito digital, in
verbis:
Considerando apenas a Internet, que é mídia e veículo de comunicação, seu
potencial de danos indiretos é muito maior que de danos diretos, e a
possibilidade de causar prejuízo a outrem, mesmo que sem culpa, é real. Por
isso, a teoria do risco atende às questões virtuais e a soluciona de modo mais
adequado devendo estar muito bem associada à determinação legal de quem
é o ônus da prova em casa caso.113
112
SANTOS, Manuella. Op. cit., p. 126. 113
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 310.
47
Outrossim, a jurisprudência, tem se inclinado no sentido de promover
a responsabilização objetiva aos provedores de internet, em casos de violações de
direitos autorais e morais, conforme aduzimos das ementas abaixo:
Dano moral- Responsabilidade civil – Lei de direitos autorais – Direito
moral do autor da obra intelectual de ter o seu nome indicado quando da
utilização de sua obra por terceiro (art. 24 da lei n. 9610/98) – Divulgação
em sítio da Internet do réu, de obra fotográfica da autora, sem sua
autorização e sem indicação da autoria do trabalho – Responsabilidade
objetiva – Dano moral evidenciado – Sentença condenatória mantida –
Redução do valor indenizatório determinado – Recurso parcialmente
provido. (Apelação Cível com revisão n. 202.621-4/5-00 – São Paulo – 10ª
Cãmara de direito privado – Relator: Octavio Helene – 06.12.05 – V.U. –
Voto n. 8.682)
Apelação cível. Responsabilidade civil. Aplicabilidade do Código de Defesa
do Consumidor. Internet. Orkut. Perfil falso. Conteúdo ofensivo de usuário.
Veiculação demensagens ofensivas. Denúncia de abuso comprovada.
Manutenção das mensagens. Ato ilícito configurado. Defeito do serviço.
Danos morais configurados. Quantum indenizatório. –Aplicação do Código
de Defesa do Consumidor- (Apelação Cível Nº 70046198040, Nona Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado
em 29/02/2012).
Contudo, ressalva Claudio Luiz Bueno de Godoy ser fundamental a
distinção dos tipos de serviços prestados pelos servidores de internet, posto que
ensejam consequências jurídicas distintas. De acordo com o autor, há os servidores que
funcionam como meros intermediários – como os provedores de acesso, de correio
eletrônico e de hospedagem, daqueles que funcionam como provedores de informação
e serviços.114
Em regra, assenta Claudio Luiz Bueno de Godoy ser refutável a idéia
de que a atividade essencialmente passiva dos provedores em intermediar o acesso das
pessoas à rede de computadores seja enquadrada na “teoria do risco” – que é o pilar da
responsabilização objetiva.115
No mesmo sentido, Patrícia Peck Pinheiro entende não ser razoável
que os servidores respondam pelo conteúdo do qual não tinham ciência, sendo tal 114
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil pelo Risco da Atividade. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 140 115
Ibidem, p. 145.
48
questão agravada ao mencionarmos, por exemplo,empresas como o Google, detentora
do sítio eletrônico YouTube, que recebe milhares de vídeos oriundos de todo o mundo
diariamente, de modo a ser operacionalmente impossível promover uma análise prévia
do conteúdo dos arquivos enviados pelos usuários.116
No entanto, pontua Erica Brandini Barbagalo que, caso o provedor
venha a tomar conhecimento de que, por intermédio dos seus serviços, determinado
usuário está causando dano a outrem e, sendo solicitado, não tome medida a fim de
coibir a agressão, poderá responder pelo dano, por ter para ele concorrido.117
Sobre tal questão, elucida Claudio Luiz Bueno de Godoy que, em
determinadas hipóteses, se faz mister a extensão de responsabilidade dos provedores,
quais sejam: (a) nos casos em que, caracterizada a prestação de serviços, o provedor
não demonstra controle prévio e mínimo de segurança, havendo responsabilidade deste
nos casos de invasão ao sistema do usuário, por conta de tais falhas do provedor; e (b)
a hipótese de notificação enviada ao provedor, comunicando a existência de conteúdo
nocivo ou ilícito.118
Portanto, em relação à primeira hipótese, trata-se de responsabilidade
objetiva com fundamento na aplicação do art. 14, §1º do Código do Consumidor119
.
Nesse sentido, elucida Marcel Leonardi:
Nesse contexto, todos os provedores de serviços de Internet têm o dever de
utilizar tecnologias apropriadas aos fins a que se destinam, de acordo com a
atividade que exercem, considerando-se o estágio de desenvolvimento
tecnológico adequado ao momento da prestação do serviço. O
descumprimento deste dever acarreta sua responsabilidade direta, quando se
116
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 311 117
BARBAGALO, Erica Brandini. Aspectos da responsabilidade civil dos provedores de serviços na internet. In:
SILVA JÚNIOR, Ronaldo Lemos da; WAISBERG, Ivo (coord). Conflitos sobre nomes de domínio. Op. cit., p.
354. 118
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil pelo Risco da Atividade. Op. cit., p. 145. 119
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. §1º O serviço é defeituoso quando não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais: I – o modo de seu funcionamento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; e III – a
época em que foi fornecido.
49
tratar de ato próprio, ou sua co-responsabilidade por ato de terceiro, que
deixou de ser prevenido em razão da falha ou defeito.120
Com efeito, assevera Erica Barbagalo que não há que se falar na
gratuidade do serviço de modo a excluir a responsabilidade, pois em que pese o fato de
muitos provedores fornecerem acesso “grátis”, não havendo, portanto, pagamento
direto, os provedores obtém remuneração indireta, por meio da aquisição de serviços,
arquivos e produtos diversos, bem como da massiva publicidade que geralmente
acompanha tais serviços.121
Já em relação à segunda hipótese, assevera Godoy não tratar-se
necessariamente de responsabilidade objetiva, mas sim de uma grande extensão do
conceito de culpa.122
Oportunamente, faz menção o autor sobre o entendimento do
Des. Ney Wiedemann Neto, em decisão proferida no Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, ao entender apenas ser cabível a intervenção do provedor no espaço
virtual do assinante em casos de flagrante ilegalidade, sob pena de estar o provedor
agindo em desconformidade com o contrato de hospedagem firmado com o usuário.123
Por fim, apesar da hipótese de responsabilização objetiva dos
provedores de Internet fundada no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, não
há uma determinação legal específica no sentido de regulamentar o assunto no meio
digital, cabendo inteiramente à doutrina e jurisprudência as classificações em torno da
questão da responsabilidade.
Tendo isso em vista, o Ministério da Cultura, em sua proposta de
alteração da Lei de Direitos Autorais encaminhada à sanção presidencial no fim do ano
de 2011, incluiu o sistema de responsabilidade “notice and take down”, oriunda do
direito norte-americano, do qual trataremos da seguir.124
120
LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2005. p. 79 121
BARBAGALO, Erica Brandini. Aspectos da responsabilidade civil dos provedores de serviços na internet. In:
SILVA JÚNIOR, Ronaldo Lemos da; WAISBERG, Ivo (coord). Conflitos sobre nomes de domínio. Op. cit., p.
355 122
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil pelo Risco da Atividade. Op. cit., p. 146. 123
TJRS, AC 70011258027, 6ª Câm., rel. Des. Ney Wiedemann Neto, j. 20-4-2006 124
Disponível em <http://blogs.estadao.com.br/link/retrocesso/>. Acesso em 07 abr. 2012
50
3.3.4 “Notice and Take Down”
Trata-se do sistema de responsabilidade civil atribuída aos servidores
introduzida no ordenamento norte-americano por meio do Digital Millenium
Copyright Act (DMCA), do qual tratamos no item 2.4.2.2, consistindo, basicamente,
na responsabilização solidária do servidor por ato ilícito praticado por usuário, desde
que aquele seja notificado.125
De acordo com tal sistema, o provedor fica obrigado a retirar o
conteúdo do ar em caso de notificação extrajudicial do pretenso titular do direito
ofendido, independentemente de qualquer prova prévia relativa à verossimilhança do
direito.126
Nessa esteira, explana José de Oliveira Ascenção sobre o
procedimento adotado nos Estados Unidos:
Este procedimento é minuciosamente regulado. Consiste, basicamente, no
seguinte:
1. O titular alegadamente ofendido notifica do conteúdo que considera
violador o provedor intermediário de serviços de armazenagem;
2. O provedor retira prontamente o material ou bloqueia o acesso;
3. O provedor notifica imediatamente o destinatário do serviço;
4. Este pode, por contra-notificação, sustentar a legalidade do conteúdo;
5. O provedor avisa então o reclamante que o material ou o acesso serão
repostos num prazo de 10 a 14 dias, se o reclamante não intentar uma ação
tendente a impor a remoção ou o bloqueio do acesso ao material;
6. Se a ação for intentada, o material ou acesso só serão respostos por
decisão judicial.127
De fato, a adoção de tal sistema teve uma repercussão bastante
negativa junto ao meios de comunicação, conforme demonstra a matéria veiculada no
caderno Link, do Estadão, em 4 de dezembro de 2011;sendo que, em suma, a maior
125
LIMA, Marco Aurélio Brasil. A responsabilidade civil do site que publica conteúdo de terceiros. In: VALLE,
Regina Ribeiro do (Org.) E-dicas: o direito na sociedade da informação. São Paulo: Usina do Livro, 2005, p.
287. 126
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Conteúdos Ilícitos na Internet: Uma Resposta Original da Lei Portuguesa. In:
LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes.
São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 303. 127
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Conteúdos Ilícitos na Internet: Uma Resposta Original da Lei Portuguesa. In:
LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes.
São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 303.
51
parte das críticas são dirigidas no sentido de que tal sistema consistiria em censura
prévia, haja vista o fato de que, caso o provedor decida pela contra-notificação,
sustentando a manutenção do conteúdo e o pretenso titular do direito resolva ajuizar
uma ação judicial, o provedor só poderá veicular o conteúdo novamente após decisão
judicial.128
Em resposta às críticas, o Ministério da Cultura, por meio de sua
assessoria de imprensa, defendeu que tal medida visa somente o restabelecimento da
ordem de direitos, afinal é cabível somente ao autor a autorização da utilização
econômica de sua obra por terceiros, visando tal medida o favorecimento do efetivo
titular do direito.129
Nesse contexto, pontua José de Oliveira Ascenção:
Na realidade, o sistema é destinado a atuar sobretudo pelo prisma da
responsabilidade civil. Coloca o utilizador perante a contigência, se se
opuser à retirada do conteúdo em causa, de ser responsabilizar. Evita o
recurso moroso a órgãos judiciais ou outros, mas não assegura a celeridade
que é necessária na solução definitiva do litígio. Sobretudo, não dá nenhuma
garantia, mesmo prima facie, de fundamento material ao status quo que se
instala em consequência da mera notificação unilateral do reclamante.
Não assegura, assim, minimamente a justiça. Pode ser decisiva, na relação
que se seguir, a diferença de força financeira dos intervenientes. Quem se vir
colocado perante entidades mais poderosas e na contingência de ser
envolvido num processo judicial que terá dificuldade em custear e cujo
resultado poderá representar a sua ruína pode ser levado a ceder, por razões
que já nada têm que ver com a existência de ilicitude do conteúdo – que não
chega sequer a ser discutida.130
Ilustra ainda o mesmo autor sobre solução proposta pela legislação
portuguesa. Em um sentido diferente do conceito norte-americano, dispõe o texto
português não caber ao provedor intermediário de serviços a incumbência de retirar o
128
Disponível em <http://blogs.estadao.com.br/link/retrocesso/>. Acesso em 07 abr. 2012 129
Disponível em <http://blogs.estadao.com.br/link/tag/reforma-lda/>. Acesso em 07 abr. 2012 130
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Conteúdos Ilícitos na Internet: Uma Resposta Original da Lei Portuguesa. In:
LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes.
São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 304.
52
conteúdo face às notificações de terceiros, salvo em hipóteses de manifesta
ilegalidade.131
Com efeito, já vislumbramos decisões nesse sentido, as quais já
mencionamos no bojo deste trabalho (item 3.3.3), como por exemplo no acórdão
proferido pelo desembargador Ney Wiedemann Neto, conforme elucida a ementa a
seguir:
Apelação cível. Ação de indenização. Publicação de página da Internet com
conteúdo ofensivo à honra do autor. No caso concreto, não há prova de que a
página efetivamente esteve hospedada no site do réu, que é provedor de
serviço na Internet. Além disso, em contrato de hospedagem de página na
Internet o provedor não interfere no seu conteúdo, salvo flagrante
ilegalidade, sendo subjetiva a sua responsabilidade. Caberia ser
notificado pelo lesado para retirar a página, sendo responsabilizado na
hipótese de sua inércia. No caso concreto, tal hipótese não se configurou.
Sentença reformada para julgar improcedente o pedido. Apelo do réu
provido. Apelo do autor prejudicado. (Apelação Cível Nº 70011258027,
Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 20/04/2006) (g/n)
De fato, se por um lado a adoção de “notice and take down” parece
interessanteao permitir a resolução de muitos dos litígios referentes aos direitos
autorais pela via extrajudicial, acreditamos não ser viável a aplicação de referido
instituto nos moldes estadunidenses à nossa legislação.
A nosso ver, a despeito das intenções afirmadas pelo Ministério da
Cultura, um simples e infundado requerimento extrajudicial, em um primeiro
momento, inviabilizaria a disponibilização do conteúdo pretensamente protegido por
direitos autorais o que, por si só, em muitas hipóteses, ensejaria em censura de
conteúdo.
131
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Conteúdos Ilícitos na Internet: Uma Resposta Original da Lei Portuguesa. In:
LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto, coords. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes.
São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 305.
53
Ademais, é mister afirmar que o condicionamento da nova veiculação
de conteúdo a uma decisão judicial é uma ideia que não se compactua com a realidade
brasileira ao considerarmos, por exemplo, a morosidade do Poder Judiciário132
. Na
prática, considerando a dinâmica veloz dos meios digitais, mesmo que determinado
conteúdo seja julgado livre de qualquer óbice, quando da sua republicação, este
fatalmente perderia parte de seu valor, causando um enorme e desnecessário prejuízo
ao seu veiculador.
Parece-nos apropriada, todavia, a solução portuguesa para a questão
da responsabilidade civil, por apresentar-se como um ponto de equilíbrio em relação às
demais propostas ao não prever a responsabilização exagerada dos provedores, bem
como ao não permitir a estes manter uma postura omissa face à presença de conteúdos
manifestamente ilícitos, sob pena de responsabilização solidária por eventuais danos.
3.4 A Problemática do “Peer-to Peer”
Conforme extensamente demonstrado no decorrer deste trabalho,
notamos que as principais controvérsias legislativas residem no âmbito da
responsabilidade civil pela violação de direitos autorais na Internet, especialmente
focada na questão da responsabilidade dos provedores.
Todavia, conforme pontua Alessandra Tridente surgiu, em meados da
virada do milênio, um novo sistema denominado “peer-to-peer” (“p2p”) - que, em
uma tradução literal, significa “par-a-par”, visando permitir o compartilhamento direto
de arquivos pela internet entre os usuários ou, seja, independentemente de um servidor
central.133
Segue a autora afirmando que o “Napster” foi o primeiro programa a
tornar realmente famosa a tecnologia p2p, permitindo aos usuários o
132
Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jan-02/morosidade-judiciario-lidera-ranking-reclamacoes-
cnj>. Acesso em 07 abr. 2012. 133
TRIDENTE, Alessandra. Op. cit., p. 58.
54
compartilhamento de arquivos, em especial de músicas, tornando-se rapidamente uma
“febre” mundial e uma grande preocupação à indústria do entretenimento, mais
especialmente à indústria musical.134
Nesse ínterim, a Recording Industry Association of America (“RIAA”)
– uma organização fundada para a defesa dos interesses das gravadoras norte-
americanas135
, ingressou com uma ação judicial contra o Napster, acusando-o por
pirataria em larga escala, com base no instituto do “vicarious liability” que, em suma,
prevê a responsabilidade ao o terceiro teria a habilidade de controlar determinado ato
praticado por um violador e, no entanto, não o fez.136
Ressalta Fábio Malina Losso que, apesar da tentativa de resistência do
Napster, em 26 de julho de 2000 foi concedida a liminar determinando a cessação do
serviço. Após reiteradas derrotas judiciais, em 2003 as partes firmaram um acordo
determinando a venda da marca e do nome de domínio ao grupo de tecnologia Roxio,
sendo hoje o Napster uma companhia aberta em bolsa, que oferece serviços de rádio
on-line e download de músicas, abandonando assim o sistema p2p.137
Porém, toda a batalha judicial em face do Napster parece ter sido em
vão ao considerarmos que, no decorrer da referida disputa, vários programas de
computador surgiram oferecendo o mesmo tipo de serviço, como, por exemplo o I-
Mesh, KaZaa, LimeWire, eMule, Aimster, iniciando uma série de novos litígios na
justiça estadunidense sem que, no entanto, cessasse a tecnologia, que continuou se
aprimorando138
, demonstrando assim a ineficácia das tentativas judiciais do RIAA no
sentido de tentar impedir o avanço das tecnologias digitais.
134
TRIDENTE, Alessandra. Op. cit., p. 58. 135
Disponível em <http://www.riaa.com/aboutus.php?content_selector=about-who-we-are-riaa>. Acesso em 08
mar. 2012. Tradução livre do autor. 136
LOSSO, Fabio Malina. Os Direitos Autorais no Mercado da Música. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade de Sâo Paulo – USP, São Paulo, 2008, p. 150. 137
Ibidem. p. 51. 138
Idem.
55
3.5 Propostas Legislativas no Âmbito Internacional
3.5.1 S.O.P.A. e P.I.P.A
No início do ano de 2012, dois projetos de leis então em tramitação
junto ao congresso norte-americano causaram aquela que foi referida na imprensa
como a maior manifestação online da história da Internet.139
Referimo-nos aos projetos
do Stop Online Piracy Act (“SOPA”) e Protect Intellectual Property Act (“PIPA”).
A priori, tratam-se de projetos de redação bastante próxima, sendo o
primeiro oriundo da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos – equivalente à
Câmara dos Deputados no Brasil – e o segundo a contrapartida do Senado Americano,
visando combater as violações de copyright na Internet.140
A despeito da finalidade louvável, muitas críticas foram dirigidas em
relação ao radicalismo do método adotado, que permite o bloqueio de sites de internet
que facilitem a disseminação de conteúdo protegido não-autorizado, bem como forçar
os mecanismos de buscas a retirar a referência a tais sítios eletrônicos e mesmo
impedir que empresas de anúncios venham a negociar com tais veículos.141
Em 22 de setembro de 2011, diversas grandes empresas de relevância
mundial como a Sony, Adidas, Nike, Viacom e Walmart, dentre várias outras, enviaram
uma carta ao Congresso norte-americano manifestando-se favoravelmente à lei.142
Em contrapartida, mais de sete mil sites, entre eles a Wikipedia, a rede
social Reddit, a plataforma de blogs Wordpress e o Greenpeace promoveram um
verdadeiro “apagão” na Internet, retirando suas páginas do ar em protesto aos referidos
139
Disponível em <http://www.arede.inf.br/inclusao/acontece/5088-sopa-e-pipa-geram-maior-protesto-online-da-
historia-da-internet>. Acesso em 08 abr. 2012. 140
SANCHEZ, Julian. Killing the Internet to Save Hollywood. Disponível em
<http://www.cato.org/publications/commentary/killing-internet-save-hollywood>. Acesso em 08 abr. 2012.
Tradução livre do autor. 141
Idem. 142
Disponível em <http://www.theglobalipcenter.com/sites/default/files/pressreleases/letter-359.pdf>. Acesso em
08 abr. 2012.
56
projetos de lei, apoiados pelas principais redes sociais e mecanismos de busca da
Internet, como o Facebook e o Google.143
Considerando tais protestos e a reprovação geral dos usuários da
grande rede em relação ao conteúdo de tais leis, muitas das empresas as quais haviam
fornecido apoio aos projetos voltaram atrás144
, o que veio a fazer com que os projetos
perdessem força e finalmente viessem a ser arquivados.145
3.5.2 “Anti-Counterfeiting Trade Agreement” (ACTA)
O “Anti-Counterfeiting Trade Agreement” (“ACTA”), trata-se de um
acordo internacional cujas negociações formais se iniciaram em 2008, envolvendo
países como Estados Unidos, Austrália, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, México,
Marrocos, Nova Zelândia, República da Coreia e Cingapura.146
Tal acordo ainda encontra-se em fase de negociação sendo que, em
verdade, há poucas informações disponíveis, em razão do caráter sigiloso das
negociações, o que tem sido bastante criticado por diversos grupos da sociedade
civil.147
Todavia, apesar de ainda controvertidas, as informações relacionadas
ao acordo indicam na obrigatoriedade do fornecimento de dados dos usuários suspeitos
de cometerem algum tipo de violação de direitos autorais pelos servidores, bem como
na expansão do rol de crimes contra a Propriedade Intelectual.148
143
Disponível em <http://www.arede.inf.br/inclusao/acontece/5088-sopa-e-pipa-geram-maior-protesto-online-da-
historia-da-internet>. Acesso em 08 abr. 2012. 144
Disponível em: <http://www.correiodoestado.com.br/noticias/sony-e-outras-empresas-desistem-de-apoiar-
acao-anti-piratari_137385/>. Acesso em 08 abr. 2012. 145
Disponível em: <http://arstechnica.com/tech-policy/news/2012/01/internet-wins-sopa-and-pipa-both-
shelved.ars>. Acesso em 08 abr. 2012. Tradução livre do autor. 146
SOUZA, André de Mello e. A Estratégia Para Globalização dos Direitos de Propriedade Intelectual e suas
Implicações para o Brasil: O Caso do Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA). In: BRASIL. Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada. Boletim de Economia e Política Internacional. n. 3, p. 7, set/2010. 147
Idem. 148
Disponível em <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/paises-preparam-lei-muito-pior-que-
sopa?page=1&slug_name=paises-preparam-lei-muito-pior-que-sopa>. Acesso em 08 abr. 2012.
57
Em nossa visão, em que pese serem as informações referentes a tal
projeto ainda bastante rarefeitas, parece-nos um acordo de natureza próxima ao TRIPS
(ver 2.4.1.2) prevendo, no entanto, medidas mais específicas ao setor digital e ao
alcance das fronteiras149
, visando, portanto, uma maior uniformização em relação à
Propriedade Intelectual no cenário global.
Tal como o SOPA e o PIPA referidos no item anterior, tal projeto já
vem sofrendo grande rejeição, principalmente junto à comunidade européia, sob o
argumento de representar uma censura às liberdades individuais e, principalmente,
sobre sua falta de transparência.150
De fato, é natural que a negociação do acordo, em termos sigilosos,
entre países estratégicos na proteção da Propriedade Intelectual, com certeza traz
desconfiança em relação às reais intenções do referido projeto.
Ao que tudo indica, e novamente fazemos menção à semelhança ao
Acordo TRIPS, parece-nos mais uma convenção editada a fim de resguardar interesses
dos principais países na economia global, sendo que, caso seja assinada, fatalmente irá
se impor sobre os países com menos expressão econômica - a despeito destes não
terem sido consultados sobre o assunto.
149
De acordo com a Resolução do Parlamento Europeu, de 24 de Novembro de 2010 sobre o Acordo Comercial
Anticontrafacção (ACTA). 150
Disponível em <http://www.stopacta.info/>. Acesso em 08 abr. 2012. Tradução livre do autor.
58
4 Conclusão
Estamos convencidos de que a realidade digital é uma tendência
consolidada e que seus rumos, a partir de agora, são de dificil mensuração, uma vez
que é notável o fato de que a tecnologia se reinventa em curtos espaços de tempo.
Deste modo, entendemos que a atual postura norte-americana com as
últimas propostas de leis, sob o pretexto de defesa da propriedade intelectual, acabaria
por promover uma responsabilização exagerada dos servidores de Internet o que
fatalmente minaria seu conteúdo, descaracterizando a essência de tal meio, que tem
por pressupostos o dinamismo e a velocidade na transmissão de dados.
A despeito da necessidade de promover a proteção da Propriedade
Intelectual, a experiência americana no caso “Napster” demonstra serem ineficazes os
esforços em conter o desenvolvimento tecnológico. Isso se faz claro ao considerarmos
que, no curso do processo promovido pela RIAA contra o pioneiro da tecnologia p2p,
constatou-se o surgimento de vários outros programas de computador que, não só
utilizaram referida tecnologia, como a aperfeiçoaram.
Portanto, cremos que os rumos apontados pelo sistema de copyright,
através de medidas como o SOPA e o PIPA representam um retrocesso em relação à
atual realidade imposta pela Sociedade da Informação, baseada na expansão do
conhecimento, da cultura e da informação, tendo por núcleo a Internet.
Outrossim, conforme exposto no presente trabalho, é fundamental
assinalar o sucesso de métodos protetivos à contrafação de softwares como o “iLok” e
os avançados métodos de criptografia, que podem apresentar-se como possíveis
soluções parciais à problemática dos direitos autorais, provando que a tecnologia pode,
em muitos casos, se auto-regular.
No mais, cumpre ressaltar que a associação feita entre o fim da
“pirataria” com leis mais severas pode se mostrar um equívoco. Com efeito, o maior
problema da violação de direitos autorais não reside na falta de punição tipificada em
59
lei - que, hoje, por sinal, abrange responsabilidade civil e penal – mas sim na
dificuldade de identificação do usuário infrator, o que só ser solucionado, portanto, a
partir do desenvolvimento de tecnologias capazes de individualizar os usuários e seus
atos no universo cibernético.
Largas linhas também foram traçadas na discussão envolvendo a
questão da responsabilidade civil dos provedores na Internet, com a exposição de
diferentes correntes de pensamento sobre o assunto.
No Brasil, podemos constatar que o sistema legislativo carece de
normas especificamente voltadas à regulação das relações jurídicas oriundas no meio
digital, de modo a não restar outra alternativa que não a aplicação da regra geral do
Código Civil que, por sua vez, não define exatamente quais seriam as atividades
sujeitas à aplicação da “teoria do risco”, sendo tal tarefa delegada ao Poder Judiciário.
Considerando isso, cogita-se a promoção da alteração da lei de
direitos autorais brasileira, de modo a introduzir o instituto do “notice and take down”
que, conforme explanamos, trata-se de um sistema de responsabilidade no qual o
provedor passa a ter responsabilidade solidária por conteúdo, caso não venha a retirá-
lo nos moldes da solicitação de terceiro.
Parece-nos desapropriada tal solução, posta a ausência de apuração da
verossimilhança da alegação, a qual só pode vir a ser constatada na seara judicial. E,
ainda, somente caso esta não venha a ser confirmada, o provedor poderá recolocar o
determinado arquivo na rede.
Na hipótese destacada, o provedor acaba por ser punido com o arquivo
fora do ar ao longo de todo o processo judicial – que, no Brasil, é excessivamente
moroso – sem que, no entanto, tenha praticado qualquer conduta ilícita ou sido
conivente com tal.
Nos soa razoável, porém, o posicionamento português, que apenas
responsabiliza o provedor caso este, notificado, venha a manter conteúdo
60
manifestamente ilícito em seu sistema; de fato, devemos nos atentar à realidade digital
que torna operacionalmente impossível aos servidores ter ciência sobre informações
relativas a direitos autorais em relação a todo o conteúdo publicado por seus usuários.
Destacamos também o instituto das “limitações aos direitos autorais”,
que é alvo de diversas controvérias e críticas dirigidas ao fato de que a lei brasileira
apresenta um rol muito restritivo de limitações aos direitos autorais ao não permitir,
por exemplo, a utilização livre de conteúdo para fins educacionais.
Com efeito, ao considerarmos que a lei brasileira de direitos autorais é
datada de 1998, esta não prevê muitas situações que, se existentes à época, hoje são
indubitávelmente mais claras como as questões da cópia particular e da transferência
de formato, por exemplo.
Por isso, tendo em vista a rigidez de nosso sistema legislativo, faz-se
importante abrir lacunas de modo a abrangir as situações que surgem com a sociedade
da informação, considerando que esta opera mudanças em uma velocidade distinta dos
demais objetos tutelados pelo direito, merecendo, portanto, tratamento especial.
Todavia, há de se ter cautela em não proceder com a criação de uma
lacuna deveras abrangente o que ensejaria em uma situação de insegurança jurídica,
motivo pelo qual entendemos mister a não substituição do instituto das “limitações aos
direitos autorais” pelo “fair use”, mas sim a fusão entre ambos de forma a se atingir
um meio termo entre a questão da interpretação restritiva, com o recebimento de novas
realidades pelo texto legal.
Finalmente, em vista de todas as posições ora expostas, ressaltamos
que, em nenhum momento, o presente trabalho tem a pretensão de ser uma obra
conclusiva sobre o assunto, visando tão somente a melhor compreensão dos institutos
relativos aos direitos autorais inseridos em um contexto tecnológico e, a partir de suas
proposituras, despertar reflexões que, certamente, irão nos levar a soluções mais
equânimes, equilibrando os interesses de artistas, programadores, empresas detentoras
de direitos autorais, mídias sociais e, por conseguinte, do usuário final.
61
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