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CURSO DE DIREITO “TAXA DE JUROS NO BRASIL” ROBERTO ALVES R.A.: 400332-0 TURMA: 3209B02 FONE: 7367-8262 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2012

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CURSO DE DIREITO

“TAXA DE JUROS NO BRASIL”

ROBERTO ALVES

R.A.: 400332-0

TURMA: 3209B02

FONE: 7367-8262

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2012

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ROBERTO ALVES

Monografia apresentada à Banca

Examinadora do Centro Universitário das

Faculdades Metropolitana Unidas, como

exigência parcial para obtenção do título de

Bacharel em Direito sob orientação do

Professor Roberto Senise Lisboa.

SÃO PAULO

2012

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BANCA EXAMINADORA:

Professor Orientador: Roberto Senise Lisboa

Professor Arguidor: ________________________________________________

Professor Arguidor: ________________________________________________

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RESUMO

Esta monografia aborda a taxa de juros no Brasil e o spread cobrado pelas

instituições financeiras nas operações de empréstimos e financiamentos. Ela traz

comentários embasados em reportagens e literaturas, referentes ao tratamento

dos juros na legislação brasileira, além da cobrança dos juros capitalizados ou

exponenciais e o anatocismo. Demonstra a excessiva taxa de juros real brasileira

comparada com a de outros 40 países, bem como, exemplos da aplicação do

regime de capitalização dos juros simples e compostos. Discorre sobre o Sistema

Francês de Amortização, mais conhecido como Tabela Price, exemplificando o

impacto dos juros compostos. O trabalho apresenta pesquisa sobre o lucro de

grandes bancos brasileiros após a estabilização econômica. Fundamenta que o

aumento foi baseado na expansão do crédito, porém, sem o devido

esclarecimento aos tomadores de recursos, sobretudo aqueles novos integrantes

das classes “D” e “C”, em função da elevação do ganho real de salários, que não

sabem qual o impacto dos juros nas prestações que estão assumindo.

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SUMÁRIO

Resumo

Lista de Gráficos

Lista de Tabelas

Lista de Siglas

Introdução 1

1 – Taxas de Juros no Brasil 2

1.1 – As taxas de juros 2

1.2 – O dinheiro no tempo 9

1.3 – O juro brasileiro 14

2 – O spread cobrado pelas Instituições Financeiras 16

3 – O anatocismo 22

3.1 – O tratamento dos juros na legislação brasileira 22

3.2 – Conceito de anatocismo 24

3.3 – Regimes de capitalização 25

3.4 – Sistema de Amortização Francês (Tabela Price) 29

Conclusão 34

Referências 36

Documentos Eletrônicos 38

Anexos 39

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Taxa de Juro anual nos países do mundo 3

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Recuo – Taxa média mensal – Juros ao consumidor 19

Tabela 2 – Juros mensais capitalizados – Simples e Compostos 26

Tabela 3 – Plano de pagamento – Sistema Francês 30

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LISTA DE SIGLAS

SELIC Serviço Especial de Liquidação e de Custódia

BACEN Banco Central do Brasil

TR Taxa Referencial

FECOMÉRCIO Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado

de São Paulo

CDB Certificado de Depósito Bancário

CDC Crédito Direto ao Consumidor

CVM Comissão de Valores Mobiliários

FEBRABAN Federação Brasileira de Bancos

ANEFAC Associação Nacional dos Executivos de Finanças,

Administração e Contabilidade

IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo

PIB Produto Interno Bruto

STF Superior Tribunal Federal

TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo

LRB Lei da Reforma Bancária

ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade

CF Constituição Federal

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é mostrar que, apesar da estabilização da nossa

moeda, com o advento do Plano Real em 1994, as taxas de juros no Brasil ainda

são altas e os tomadores de recursos ainda não entendem os juros cobrados nos

empréstimos, considerando que as instituições financeiras ou de crédito têm se

preocupado muito pouco nos esclarecimentos ou informações que deveriam estar

destacadas desde as negociações até as assinaturas dos contratos.

O primeiro capítulo contempla uma avaliação dos patamares recentes de

juros praticados no país e comparações com as de outros. As taxas brasileiras

continuam muito altas, apesar das reduções efetuadas na taxa Selic, pelo

BACEN, desde o meio do ano passado.

Tal fato causa bastante dificuldade de entendimento para o tomador de

recurso junto a qualquer instituição de crédito, principalmente se considerarmos a

distância entre a remuneração da mais popular aplicação do país – a caderneta

de poupança, que rende TR + 0,5% de juros ao mês – e a tradicional operação de

cheque especial (em abril/11, a média cobrada pelos sete maiores bancos

brasileiros atingiu 8,78% ao mês).

No segundo capítulo há uma breve explanação sobre o spread bancário

atualmente cobrado pelos bancos, em comparação ao ano de 1999, ou seja,

cinco anos após a implantação do Plano Real.

Por fim, o terceiro capítulo aborda a cobrança de juros sobre juros, tratado

pela jurisprudência como “anatocismo”, que é a soma de juros vencidos ao capital

para cobrança de novos juros.

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1 – TAXAS DE JUROS NO BRASIL

1.1 – As taxas de juros

Em pleno início do século XXI, com um sistema bancário pujante, ainda

não temos o conhecimento, baseados na legislação disponível em livros, cartilhas

ou informações das redes sociais na internet, sobre as diferentes taxas de juros

cobradas em qualquer modalidade de empréstimo, financiamento, investimento

ou aplicação no mercado financeiro brasileiro.

De acordo com o Professor Scavone 1, a taxa de juros praticada no Brasil

é uma das maiores do mundo:

No Brasil, é comum a justificativa das estratosféricas taxas de juros em virtude da inadimplência e da demora na recuperação dos créditos. Todavia, há décadas as taxas de juros brasileiras são as maiores do mundo, como as que ora vigoram no crédito pessoal e atingem o patamar de 18,73% ao mês (Banco Central do Brasil. Disponível em: HTTP://www.bcb.gov.br/fis/taxas/htms/tx012020.asp. Acesso em: 16.03.2011. Taxa do Banco Azteca do Brasil S/A no período compreendido entre 07.01.2011 e 13.01.211).

Em meados do ano passado, o Brasil liderou o ranking de juros reais mais

altos – entre a comparação com 40 países – apresentando uma taxa de 6,8% ao

ano, já descontada a inflação no período de 5,8%. O gráfico 1 a seguir demonstra

10 países com juros reais positivos e 30 com juros reais negativos, onde se nota a

liderança disparada do Brasil no comparativo com os demais países, incluindo 4

da América Latina: Chile, Colômbia, Argentina e Venezuela.

                                                            1 JUNIOR, Luiz Antonio Scavone, Juros no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.54.

Em novo acesso na página do BACEN, no dia 21/03/2012, a taxa de crédito pessoal – pessoa física do Banco Azteca do Brasil S.A., era de 8,29% ao mês (160,05% ao ano) para o período de 02 a 08/03/2012, ocupando a 72ª colocação no ranking e na última posição, ou seja, maior taxa praticada no período, foi da AGIPLAN Financeira S.A. – CFI, no 89ª colocação.  

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Gráfico 1:

Fonte: Cruzeiro do Sul Corretora 2

                                                            2 SCRIVANO, Roberta. Só o Brasil e mais 9 países, entre 40, têm juro positivo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 jun. 2011. Caderno Economia, p.B8. 

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A nossa economia vem experimentando quedas nas taxas de juros reais,

em decorrência da adoção de metas de inflação desde 1999. Em média, as taxas

recuaram de 11,4% ao ano entre o período de janeiro de 2000 a junho de 2004 e

para 9,7% ao ano no período de julho de 2004 a dezembro de 2008 e próximo de

7% no início de 2011.

Ainda é uma taxa muito alta para uma economia estável e próspera como

o Brasil nesses últimos 10 anos.

Mas em função da maior crise no sistema financeiro internacional,

ocorrida em 2008 e tendo como epicentro os Estados Unidos, exigiram do

governo brasileiro, novas medidas para elevação das taxas de juros, mantendo-a

no patamar mais alto em relação a outros países com a mesma característica de

economia e prosperidade.

Esse movimento dos últimos anos da queda na taxa de juros brasileira

baseou-se, fundamentalmente, no potencial de crescimento do país, evitando

pressões inflacionárias para manutenção da estabilidade econômica e social.

Junte-se na condição acima, o fato de que muitos brasileiros estavam

dispostos a consumir, ao invés de poupar o ganho real de renda conquistado no

período, afetando elementos conjunturais da economia que impactaram a política

monetária, pela ausência de poupança pública suficiente que pudesse financiar os

investimentos necessários.

Acrescentando-se a isso, a constante e bastante procurada moeda de

plástico, ou seja, os cartões de crédito, que financiam o consumo das famílias,

financiamento imobiliário, o crédito consignado e financiamento de veículos da

população que não tem acesso a bancos – cerca de 40% dos brasileiros – bem

como os trabalhadores que ainda ganham dinheiro físico (55% do total de

assalariados do país, segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas

Econômicas, Administrativas e Contábeis – Ipead). Esses vilões assustam

qualquer tomador, porquanto quaisquer representantes das operadoras de

recursos dessas modalidades de crédito, não têm o menor preparo no

atendimento ao público ou pior, não dispõem de instrumentos básicos para

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fornecer os mínimos esclarecimentos àqueles que necessitam de amparo nestas

modalidades de crédito.

O uso de cartões pré-pagos não é recente no Brasil, considerando que

82% do uso de telefonia móvel, é por meio de pagamento antecipado, segundo a

Anatel e essa cultura transformou-se num instrumento para fidelizar o

consumidor, com potencial para os grupos de: i) consumo – viagens, compras on-

line, vale-presente, transferência; ii) setor público – programas de benefícios

(exemplo bolsa família), serviços de assistência emergencial, seguridade social,

viagens e controle orçamentário, folhas de pagamentos e incentivos; iii) setor

privado – viagens de negócios ou entretenimento, alimentação, compras

corporativas, promoções e campanhas de incentivo.

Altamiro Carvalho, economista da Federação do Comércio do Estado de

São Paulo (Fecomércio-SP), relatou em reportagem à jornalista Márcia De Chiara,

do jornal O Estado de S.Paulo, que os consumidores estão fazendo novos

financiamentos para quitar dívidas antigas. Na mesma reportagem, o economista

da LCA, Wermeson França, confirmou que o aumento do endividamento do

consumidor está sendo impulsionado pelos juros e que as duas únicas linhas de

crédito que registraram crescimento na média diária de concessões entre

dezembro de 2010 e abril de 2011 foram cheque especial e o cartão de crédito.

Em abril de 2011 a parcela dos encargos financeiros atingiu 60% no total da

dívida e no mesmo período de 2010 era de 56%, constatou estudo do

economista.

Isso decorre das chamadas linhas automáticas de crédito, porém mais

caras, em função do descontrole nos pagamentos, pelo excessivo endividamento

do consumidor. A euforia na economia brasileira durante os períodos acima,

propiciou que as pessoas contraíssem dívidas alem do comprometimento da sua

renda disponível, ou seja o excesso de consumo sem critério.

Somente a título de exemplo, em reportagem do jornal O Estado de S.

Paulo, em 16 de maio de 2011, no caderno de Economia, com o título

“Universitários estão no grupo de risco entre os usuários de cartão de crédito”,

Luiz Guilherme Gerbelli divulga pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas,

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mostrando que estudantes gastam acima dos limites, atrasam pagamentos e

desconhecem os juros cobrados nas contas.

Outro fator importante nesse contexto de juros altos, foi a recente

explosão de consumo de bens – gerando forte pressão inflacionária – por conta

da demanda reprimida das novas classes “C” e “D” que vem ganhando mais

renda, após sucessivos aumentos reais praticados pelo governo no salário

mínimo (o Decreto No. 7.655, de 23 de dezembro de 2011, instituiu o salário

mínimo em vigor desde 1º de janeiro de 2012, no valor de R$ 622,00, que sofreu

um aumento de 14,13% sobre o do ano passado, de R$ 545,00), desde a

estabilização da moeda. Em decorrência destes aumentos, até mesmo estados

como São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, criaram salários mínimos estaduais,

maiores do que o salário mínimo nacional estabelecido pelo governo, destinado a

trabalhadores rurais, domésticos, auxiliares de escritório, motoboy, entre outros,

baseados na Lei Complementar No. 103, de 14 de julho de 2000.

A situação não é de fácil resolução, pois qualquer política econômica

privilegia a geração de emprego, resultando nas consequências: 1ª) a boa –

criação de renda e melhoria nas condições de vida, aumento do consumo e

crescimento da atividade econômica e a expansão do crédito; 2ª) a ruim –

elevação do custo da mão de obra, comprometimento da renda e aumento da

inadimplência, inflação e aumento nas taxas de juros.

Parece uma espiral sem fim porque uma situação leva a outra e em nosso

caso, desde a implementação da reforma monetária, com a criação da nova

moeda “Real”, ocorrida em 1º de julho de 1994, possibilitou massa crítica de

consumidores em condições para comprar a prazo. Tiveram acesso ao consumo

de bens duráveis e não duráveis, que elevaram as vendas, causando o

crescimento econômico. Com o fim da correção monetária, a baixa remuneração

financeira não estimulava os pequenos aplicadores de recursos a investir,

aumentado o consumo.

Os salários ainda eram reajustados com elevados percentuais de ganhos

reais, culminando no aumento de renda para diferentes categorias e suas

negociações datas-bases, estimulando, em consequência, maior consumo.

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Os pontos destacados acima, não foram acompanhados com

investimentos suficientes, gerando falta de capacidade produtiva das empresas

para o constante aumento da demanda dos consumidores e fizeram os preços

dos bens subirem, elevando também a inflação.

O governo teve que adotar medidas contracionistas para controle da

política monetária, elevando a taxa de juros, mas o consumidor brasileiro só utiliza

o critério da parcela que cabe no seu salário para avaliar a compra,

desconhecendo ou se desinteressando da quantia de juros embutida nela naquela

decisão.

Outro fator importante na espiral sem fim é o caso do preço dos alimentos

que compõem a exportações brasileiras, com preços estabelecidos pelo mercado

internacional, as chamadas “commodities”. As constantes oscilações de preços no

mercado externo, afetam os preços internos desses alimentos e impactam na

inflação.

Além disso, o próprio governo brasileiro é responsável por decisões que

afetam o crescimento econômico porque seu gasto com a dívida pública é muito

alto – salários da administração e investimentos sociais – necessitando contar

com investimentos estrangeiros (capital especulativo), uma vez que a taxa de

poupança nacional e a arrecadação com impostos não são suficientes.

Essa é uma situação mais delicada porque o investimento estrangeiro

vem para auferir melhores taxas de remunerações do que no seu próprio país,

financiando dessa forma, parte da dívida do governo.

Aumentar a taxa de juros para controlar a inflação, significa estimular

cada vez mais investimentos estrangeiros no mercado financeiro brasileiro,

fazendo com que o Brasil continue campeão mundial na categoria de taxa de

juros.

A solução para tirar o Brasil da situação acima não está em apenas

administrar inflação com taxas de juros menores, é preciso controle efetivo para

redução dos gastos públicos, metas inflacionárias de longo prazo factíveis,

desindexação de preços e salários às condições presentes da economia. Tornar o

país mais eficiente, promovendo reformas trabalhista, judiciária e tributária,

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permitindo a diminuição do custo de produção e melhor controle dos preços. Isso

viabilizaria maior entrada de recursos estrangeiros para investimento, além de

possibilitar ao mercado nacional, acesso a crédito mais barato e de longo prazo

para decisões de crescimento, eficiência e competitividade dos seus produtos nos

mercados local e internacional.

Mas no meio da crise de 2008, o Banco Central reduziu a taxa de juros

para estimular o crescimento e ao mesmo tempo, o governo aumentou seus

gastos e implantou reduções de impostos, bem como, incentivou o crédito para

estimular a manutenção da atividade econômica.

Assim que a economia global voltou a crescer, nossa taxa de juros reais

passou a subir, gerando pressão inflacionária. Os estímulos mencionados

anteriormente começaram a ser retirados no inicio de 2011, mas a ampla

disponibilidade de crédito bancário sofreu medidas restritivas da autoridade

monetária, como a elevação de depósitos compulsórios e exigência de capital

para determinadas operações de crédito, além do convencional aumento da taxa

Selic.

Com o aumento da inflação e as medidas do governo para conter o

crédito, começaram os atrasos nos pagamentos das dívidas assumidas pelos

consumidores brasileiros.

A inadimplência cresceu em todas as modalidades – cartões de crédito,

financeiras, lojas, e concessionárias de serviços públicos, cheques sem fundos e

protestos – mas, principalmente, nos bancos. De janeiro a maio de 2011, o

indicador de inadimplência calculado pela Serasa Experian, registrou a maior taxa

acumulada do período desde 2002, de 20,6%.

As medidas adotadas pelo governo afetaram mais a classe “C”, que

depende de maior prazo para enquadramento das parcelas no salário. Segundo o

gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian, Luiz Rabi 3:

                                                            3 REHDER, Marcelo. Inflação e aperto no crédito elevam calote em 20%. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 jun. 2011. Caderno Economia, p. B5. 

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É bem provável que o aumento da inadimplência esteja sendo provocado pela participação maior de consumidores de renda baixa. Até porque o consumidor de renda mais alta geralmente tem alguma reserva financeira que pode ser usada em momentos de descontrole e inflação mais alta.

1.2 – O dinheiro no tempo

O princípio do juro e a determinação da sua quantidade dependem de

uma função básica, o tempo. O conceito simples de juro pode ser explicado como

a remuneração de um valor emprestado, por determinado período de tempo.

Assim, o detentor de recursos – tratado como “capital” pelo mercado

financeiro – poderá utilizá-los para a compra de bens (de consumo ou de

serviços), adquirir bens de produção, aquisição de imóvel para moradia própria ou

investimento, emprestar a terceiros ou investir para auferir ganhos fixos ou

variáveis, ou simplesmente mantê-los guardados na expectativa de oportunidades

melhores para utilizá-los.

Quando esse detentor quiser emprestar o capital, geralmente, tomará

como base os seguintes itens para garantir sua expectativa de remuneração: i)

risco – possibilidade que o devedor não devolva o capital emprestado; ii)

despesas operacionais para o empréstimo (contrato, tributos incidentes e

despesas de cobrança); iii) desvalorização – dependendo do prazo, a perda do

valor aquisitivo de capital deverá ser resposta, pelo menos com a inflação do

período; iv) lucro – justificativa financeira para dispor do capital por determinado

período de tempo.

Portanto, a receita de juros deve ser suficiente para cobrir o risco, as despesas e a perda do poder aquisitivo do capital emprestado, além de proporcionar certo lucro ao seu aplicador. Entretanto, o que ocorre no mundo financeiro atual é que muitas aplicações resultam em taxas negativas de juros, quando considerado o efeito inflacionário. Isto vem acontecendo com maior frequência nos últimos anos, principalmente entre os países em que os preços internos se têm elevado mais acentuadamente. 4

                                                            4 SOBRINHO, José Dutra Vieira. Matemática Financeira. São Paulo: Atlas, 2010. P.19. 

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10 

 

Na visão de uma pessoa que empresta determinada quantia, a taxa de

juros poderá ser influenciada, apenas, pela utilização desse capital emprestado.

Nesse sentido, conceitua o Professor Dutra Sobrinho 5:

A taxa de juros poderá ser tanto maior, quanto maior for o grau de premência desses recursos. Se o tomador pretende utilizar o empréstimo em um negócio qualquer, com objetivo de lucro, sua despesa de juros deverá ser menor do que a receita prevista. No caso específico dos Bancos e das Financeiras, as taxas de remuneração dos recursos captados devem ser menores que as taxas cobradas nas operações de empréstimos ou financiamentos, sendo que a diferença deve ser suficiente para cobrir as despesas e proporcionar lucro; o aspecto inflacionário, neste caso, não será relevante se as operações estiverem “casadas”, isto é, se os valores e os prazos das operações de captação (obtenção dos recursos) estiverem compatíveis com os prazos das operações de empréstimo (aplicação de recursos).

Essa é a maior dificuldade de entendimento do tomador de recursos

brasileiro. Fica difícil aceitar a disparidade de juros pagos a quem aplica na

poupança – que paga TR + 6% de juros ao ano – com os cobrados numa simples

operação de cheque especial – 10,08% ao mês, no Banco Santander Brasil em

abril de 2011.

A poupança é o mais antigo investimento brasileiro, criado na época do

Imperador Dom Pedro II, no século XIX, para atender as pessoas de classes

sociais menos favorecidas, com dois importantes atrativos: os rendimentos são

isentos de imposto de renda e sem risco, uma vez que os valores depositados

são garantidos pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), até o valor máximo de

R$ 70.000,00 por CPF e por instituição. Assim, o poupador pode aplicar R$

70.000,00 em quantos bancos desejar, a partir do momento que não quiser correr

risco no mercado financeiro, com outras modalidades de investimentos com risco

de retorno e até mesmo do capital investido.

Hoje as aplicações em poupança são remuneradas pela taxa de juros

mensal de 0,5%, aplicada sobre o saldo anterior atualizado pela TR (Taxa

Referencial), que é uma taxa de juros calculada pela média ponderada do

rendimento dos CDBs das principais instituições financeiras brasileiras. Isso

                                                            5 Ibid. p.20. 

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representa uma transparência secular nas regras de remuneração que são

fixadas pelo Banco Central do Brasil.

Exemplificando, se uma pessoa depositar R$ 1.000,00 na conta de

poupança no dia 9 deste mês, receberá no dia 9 de março (data de aniversário da

aplicação), R$ 5,28 de rendimento, ou seja, R$ 5,00 de juros (referentes ao 0,5%)

+ R$ 0,28 da atualização (0,028% da TR no período).

Qualquer pessoa, por sua vez, deve procurar sempre manter uma

pequena reserva, através de uma poupança para atender demandas inesperadas,

como desemprego e doenças ao invés de utilizar empréstimos bancários mais

caros, como no caso do cheque especial. Mas o poupador deverá acompanhar se

os rendimentos foram suficientes para manter o valor do dinheiro, isto é, acima

dos índices de inflação no mesmo período analisado.

O cheque especial é uma linha de crédito, pré-aprovada, disponibilizada

pelos bancos às pessoas físicas e jurídicas. Assim, o correntista do banco pode

utilizar essa linha, sem comunicar o seu uso ao banco, após ter aprovado o seu

limite de crédito. Mas é uma linha de empréstimo muito cara para o cliente, que

geralmente a utiliza em momentos imprevisíveis, razão pela qual, os bancos se

aproveitam dessa “fragilidade” da pessoa necessitada e espalham essa

modalidade de operação a toda sua rede de agências para auferir excelentes

ganhos.

Para se ter uma ideia, quando uma pessoa utilizar uma linha de R$

1.000,00 com taxa mensal de 8,80%, deverá pagar no próximo mês ao banco, R$

88,00 de juros. Caso não disponha de recursos suficientes na data do débito

desses juros, os mesmos serão acrescidos ao valor inicialmente utilizado de R$

1.000,00 e no próximo mês, pagará mais 8,80% sobre os R$ 1.088,00, ou seja, o

efeito dos juros sobre os juros (a questão do “anatocismo”, que veremos no

Capítulo 3, adiante), que tornam o custo do empréstimo mais caro, virando uma

bola de neve.

Para evitar a situação acima é necessário um planejamento financeiro ou

simplesmente uma orientação melhor dos gerentes de bancos, ao conceder essa

linha de crédito ao cliente. O planejamento financeiro e até mesmo o gerente, se

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12 

 

fosse do interesse da organização que ele representa, poderiam negociar uma

linha mais barata e adequada de crédito ao cliente para suprir eventuais

necessidades urgentes de recursos.

Isso demonstra o quanto às pessoas ainda têm que aprender ou ter os

devidos esclarecimentos das melhores e mais baratas opções que as instituições

financeiras podem lhes oferecerem. Tal demanda também é notada nas

financeiras e grandes lojas de departamentos, uma vez que, a única preocupação

para garantir vendas é a oferta de empréstimos com prazo e parcelas cabíveis no

orçamento do consumidor, denominados de “CDC”, financiamentos concedidos

pelos bancos ou financeiras para aquisição de bens ou serviços.

As lojas de departamentos, por sua vez, também financiam os

consumidores com os cartões de crédito emitidos por elas próprias – os

chamados cartões sem bandeiras – que além de fidelizá-los, possibilitam compras

parceladas sem juros por um prazo de até 40 dias. Caso o consumidor opte pelo

pagamento parcial da fatura, seu saldo poderá ser financiado pelo cartão, mas a

partir de então com juros de mercado, que beiram os 9 ou 10% ao mês. Essa

etapa também não é suficientemente esclarecida ao consumidor, pois 5 ou 10

minutos seriam suficientes para alertá-lo com uma conceituação básica de

planejamento financeiro.

Mesmo as camadas mais abastadas de renda da população brasileira, as

chamadas classes “A” e “B”, cujas famílias recebem acima de R$ 5.000,00 por

mês, sofrem da carência de conhecimentos financeiros básicos para tomada de

decisões de empréstimos ou financiamentos disponíveis no mercado bancário.

Apesar de o governo (ver legislação específica) instituir lei que exijam que

as lojas, bancos e financeiras divulguem todas as informações para o consumidor

analisar antes de tomar sua decisão pelo empréstimo, quais sejam taxa de juros

mensal, impostos e despesas incidentes, valor da prestação e taxa de juros

efetiva ou real anual que sujeita a operação, muito pouco tem sido divulgado por

aquelas instituições.

Mas já podemos ver mudanças positivas nesse caminho de orientação ao

consumidor, como a iniciativa da CVM em parceria com o governo federal e

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13 

 

alguns bancos privados, num projeto piloto de educação financeira, conforme

reportagem de Roberta Scrivano 6:

Desde o segundo semestre do ano passado, 450 alunos da rede pública estadual passaram a ter lições simples de como gastar com consciência a mesada, ajudar a organizar o orçamento doméstico e como poupar. Juros, inflação e o cenário macroeconômico do País também são temas inseridos nas aulas. Por enquanto, as escolas escolhidas para experimentar o projeto estão nos estados do Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins além do Distrito Federal. Em 2012, o número de alunos deve ser ampliado. A ideia do curso é tratar da educação financeira de forma interdisciplinar, ou seja, dentro das aulas tradicionais como matemática, sociologia e até português.

Na mesma matéria, há uma entrevista com Sergio Belsito, presidente do

Sindicato dos Funcionários do Banco Central (SINAL), sobre as reuniões do

Sindicato e o BC sobre educação financeira, onde repetidas vezes surgiam

histórias de empréstimos a juros exorbitantes, dívidas no cartão de crédito,

consumo sem responsabilidade 7.

Percebemos que as pessoas são mal informadas, até as que trabalham no Banco Central e decidimos mudar isso com cursos. E isso sai dos muros do Banco Central. A ideia é capacitar multiplicadores. Queremos que cada pessoa que fez a aula ensine uma, duas ou três pessoas aquilo que aprendeu.

O mercado financeiro é muito complexo e o consumidor não tem toda

proteção necessária para avaliar sozinho o custo de um empréstimo ou mesmo o

hábito de planilhar seus gastos e ganhos. As ações acima da CVM e BACEN

demonstram que há uma preocupação em prestar ajuda de esclarecimento ao

consumidor e qualquer pessoa que queira iniciar um planejamento financeiro do

seu orçamento doméstico.

Trata-se de dois importantes agentes do mercado financeiro nacional, que

trarão bastante repercussão para outros órgãos também multiplicarem os

ensinamentos a todas as pessoas e consumidores carentes dessas

necessidades.

                                                            6 SCRIVANO, Roberta. BC e Sinal dão aula de educação financeira. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 dez. 2011. Caderno de Economia, p.B10. 

7 SCRIVANO, Roberta op. cit. p.B10. 

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1.3 – O juro brasileiro

O setor financeiro brasileiro obteve excelente crescimento na última

década, conforme dados da FEBRABAN, a rede de atendimento saiu de 54.000

pontos no ano de 2000 para mais de 250.000 no final de 2011. E no mesmo

período, a quantidade de contas correntes e poupanças quase triplicou, bem

como, o volume de recursos movimentados com cartões de crédito aumentaram

mais de cinco vezes.

Todavia, as taxas históricas aplicadas no Brasil suplantam os limites

razoáveis, gerando inúmeras distorções 8.

Há regras no Brasil que limitam a cobrança dos juros convencionais, ou

seja, aqueles acordados contratualmente. Se as partes não estabeleceram uma

taxa de juros moratórios, aplica-se o disposto no artigo 406 do Código Civil:

Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

No entendimento do disposto acima, aplicar-se-á a taxa de 1% ao mês,

com base nos termos do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional,

como a taxa legal de juros moratórios.

A cobrança de juros pelo empréstimo de dinheiro começou no país na

época da Regência, que permitia o pagamento de “prêmio” nas operações para o

comércio marítimo, dado o alto grau de risco daquela atividade.

Já o Código Civil de 1916 tratava da autonomia contratual entre as partes,

disposto no artigo 1.262, abaixo ou acima da taxa legal de 6% ao ano, prevista no

artigo 1.063, porém, com cláusula específica.

O presidente Getúlio Vargas sancionou em 7 de abril de 1933, o Decreto

No. 22.626:

É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).

                                                            8 JUNIOR, Luiz Antonio Scavone op. cit. p.19. 

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15 

 

Assim, o acréscimo de juros sobre o capital emprestado não poderia

ultrapassar 1% ao mês, legislação que continua vigente até os dias de hoje.

Até mais recentemente, com a promulgação da nova Constituição, em 5

de outubro de 1988, as taxas de juros referidas à concessão de crédito, não

poderiam ser superiores a doze por cento ao ano, conforme dispunha o parágrafo

3º do artigo 192. Mas em 29 de maio de 2003, a Emenda Constitucional No. 40,

revogou o referido parágrafo, acabando com a limitação imposta às instituições

financeiras, cujos limites das remunerações cobradas nos empréstimos são

estabelecidos e fiscalizados pelo Conselho Monetário Nacional, através do

Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil, conforme dispõem os

incisos VI e IX do artigo 4º da Lei No. 4.595 de 31 de dezembro de 1964.

O sentido da norma se desenvolve na exata medida da evolução da sociedade. Uma mesma norma não é interpretada da mesma maneira em momentos diferentes. Mudam os valores que influem na interpretação, tendo em vista, também, a modificação do próprio sistema.9

                                                            9 JUNIOR, Luiz Antonio Scavone op. cit. p. 29. 

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2 – O SPREAD COBRADO PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

A diferença entre os juros cobrados pelos bancos nos empréstimos e a

taxa paga por eles aos investidores que aplicam seus recursos é chamada de

“spread” ou “spread bancário”.

O spread é uma taxa adicional de risco praticada no mercado financeiro

local e internacional. Ele oscila de acordo com a liquidez de quem empresta

dinheiro, o volume tomado e o prazo de pagamento.

Por isso, quanto maior o spread, maior será o lucro dos bancos que

contribuirá, consequentemente, para que a manutenção da taxa de juros

praticada no mercado financeiro brasileiro, mantenha-se como uma das mais

altas do mundo, conforme demonstrado no quadro da página 8.

O Departamento de Estudos e Pesquisas do Banco Central do Brasil,

publicou em outubro de 1999, um trabalho que identificou e explicou os

componentes do spread bancário, além das principais medidas e iniciativas que o

Governo pretendia desenvolver nos meses seguintes para reduzir os juros ao

tomador, demonstrando a metodologia de apuração dos dados sobre juros e

determinantes do spread.

De acordo com o disposto no relatório do Banco Central do Brasil ““ O

risco de crédito tem sido um fator determinante do elevado custo das operações

de empréstimo, o que também explica a dificuldade ou mesmo a não concessão

de empréstimos pelos bancos ““.

A grande diferença entre a taxa de juros final cobrada nos empréstimos

bancários e a remuneração nas aplicações, também chamado pelos bancos de

“custo de captação” está atrelada ao spread bancário, além da taxa básica de

juros.

Estão na composição do spread: o risco de inadimplência, as despesas

administrativas, os impostos e a margem de lucro.

O risco de inadimplência tem uma avaliação e impacto maiores nas

operações para as pessoas jurídicas, com empréstimos de valores elevados, ao

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17 

 

passo que para as pessoas físicas há uma análise padronizada que considera a

renda mínima necessária por tipo de operação, restringindo a linha para

tomadores com restrições na praça.

O aumento da inadimplência afeta o custo dos empréstimos,

proporcionalmente ao grau de alavancagem, ou seja, quantidade de operações

disponibilizadas pelos bancos, que prejudica todos os tomadores no sistema

financeiro – pessoas físicas e jurídicas – encarecendo o custo do crédito.

A taxa básica de juros – ou SELIC – é utilizada nas operações entre os

bancos, exercendo influência sobre os juros de todo o mercado financeiro.

O BACEN extinguiu o antigo sistema de “bandas de juros” –

implementado em 1996 – criando a partir de 04 de março de 1999, a taxa

referencial SELIC, como uma balizadora para os bancos nos depósitos a prazo.

Os bancos então, passaram a utilizá-la na definição de custo dos empréstimos às

empresas e pessoas físicas.

A SELIC é definida em reuniões do Comitê de Política Monetária – são 8

reuniões mensais no ano, efetuadas em 2 sessões, as terças e quartas-feiras – e

após análise do cenário inflacionário e da política monetária, divulga a taxa básica

de juros, bem como, se houver, o seu direcionamento nas futuras reuniões (viés

de baixa ou de alta da taxa SELIC).

A taxa SELIC – atualmente de 9,75% ao ano – já sofreu uma queda de

2,75% desde agosto de 2011, quando chegou a 12% ao ano para conter o ritmo

do consumo e frear a demanda de crédito, evitando o aumento da inflação. Mas

as duas situações – o aumento ou diminuição na taxa básica de juros – trazem

repercussões nos juros cobrados pelos bancos nas concessões de empréstimos.

O cenário da taxa SELIC a 12% ao ano, foi instaurado para combater a

forte demanda interna, semelhante a política adotada nos primeiros meses após a

implantação do Plano Real, em 1994.

A maior redução da taxa referencial realizada pelo BACEN, foi em junho

de 2009, quando ela alcançou o mínimo histórico de 8,75% ao ano, por conta da

inflação que ameaçara atingir a meta estabelecida pelo governo, de 4,5%.

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Os movimentos praticados nas duas situações acima, demonstram que o

fator da taxa referencial embutido nos juros cobrados do tomador final, não

depende de uma medida isolada dos bancos para redução ou elevação.

Com o aumento da transparência e da concorrência no setor bancário –

desde a estabilização da economia brasileira, no final da década de 1990 – os

bancos passaram a praticar atitudes diferenciadas para acompanharem os

impactos de aumentos ou redução da SELIC, na formação das suas taxas de

juros nas pontas de tomadas de recursos.

Felizmente, há alguns meses, o mercado financeiro já vem repassando ao

tomador de empréstimo, percentual maior de redução na taxa de juros, do que

aquele estabelecido pelo BACEN, na taxa SELIC.

Pesquisa da ANEFAC divulgada em reportagem do jornal O Estado de S.

Paulo 10 – dados sem a influência da queda de 0,75% na taxa SELIC ocorrida no

dia anterior, que passou para 9,75% ao ano – revela que de dezembro de 2010 a

janeiro de 2012, a taxa ao consumidor teve redução de 9,45%, enquanto que a

taxa básica recuou 0,25% no mesmo período, de 10,75% para 10,50% ao ano.

Conforme a reportagem:

A maior retração nesse período ocorreu nas taxas dos empréstimos pessoais de financeiras. Em dezembro de 2010, o consumidor desembolsava 9,64% ao mês ou 201,74% ao ano pelo empréstimo. Em janeiro deste ano, o custo dessa modalidade de financiamento tinha caído para 8,29% ao mês ou 160,05% ao ano. A redução da taxa de juros nesse período foi de mais de 40 pontos porcentuais na taxa ao ano.

                                                            10 DE CHIARA, Márcia. Juro cobrado do consumidor recua mais que a Selic. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 mar. 2012. Caderno de Economia, p.B6. 

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A seguir, a Tabela 1 demonstrando o recuo das taxas de juros apuradas

pela ANEFAC11.

                                                            11 DE CHIARA, Márcia op. cit. p. B6. 

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20 

 

Na primeira página do site do BACEN12 (ANEXO A), está disposta a

missão da instituição ““ Assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e

um sistema financeiro sólido e eficiente “”.

Assim, seria oportuno que o BACEN e o governo – cujo um dos

importantes papéis é a garantia do crescimento econômico – também adotassem

medidas favoráveis para diminuição da distancia entre a taxa básica de juros e os

juros cobrados nos empréstimos bancários. Isso porque com a taxa SELIC caindo

para 9,75% ao ano, também deveria cair em proporções semelhantes, o spread

bancário.

O governo estará tomando medidas mais eficazes este ano para

aumentar a expansão da economia – Produto Interno Bruto – após o fraco

desempenho do ano passado de 2,7%, divulgado ao mercado no dia 06 de

março.

Mas intensificar o crescimento da economia, que demanda investimentos

em máquinas, equipamentos, construções e obras de infraestrutura pode causar

aumento da inflação, que seria repassado aos preços de alimentos, produtos e

bens de consumo, tarifas de serviços públicos e salários em geral.

São grandes os desafios, principalmente quando há necessidade de

investimentos, ou seja, recursos, fontes de financiamentos às empresas, comércio

e consumidores para “girar” a roda da economia.

Dessa forma, instituições financeiras e governo têm que prestar

contribuições para que tanto pessoas como empresas, não sejam os únicos a

bancarem a expansão da economia, com altas taxas de juros nos financiamentos

e empréstimos bancários que ainda são praticadas.

Já foi demonstrado no Capítulo 1.2, a perversidade dos juros em relação

ao valor do principal emprestado, que compromete a capacidade de

endividamento, gerando a necessidade de renegociação da dívida ou até mesmo

o “calote”.

                                                            12 BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Página inicial. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/. Acesso em: 27mar. 2012. Vide Anexo A na p.43. 

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Tanto bancos públicos como os privados têm capacidade de emprestar

recurso bom e barato, qual seja, cobrando taxa de juros compatíveis com o nível

da SELIC atual e prazo adequado a capacidade de pagamento do tomador. O

ambiente atualmente é favorável para juros mais baixos nos empréstimos e

financiamentos e os bancos já estão melhores preparados com políticas e

sistemas capazes de avaliar risco de crédito sem comprometimento do nível de

alavancagem financeira e consequentemente com spread bancário menor.

Outrossim, nos últimos anos, os bancos conseguiram lucros superiores a

variação da taxa SELIC, segundo reportagem de Leandro Modé 13:

De 2003 para cá, os ganhos das cinco maiores instituições financeiras do País saltaram 316%, ante 233% da Selic e 55% da inflação (IPCA) acumuladas no período. Em compensação, a rentabilidade é menor do que antes.

Segundo Modé, o pano de fundo dessa história é o avanço da relação

entre crédito e Produto Interno Bruto (PIB) na economia brasileira.

Tal situação vem comprovar que há espaço para diminuição do spread

bancário, uma vez que a rentabilidade dos bancos não tem diminuído.

Por fim, o tomador de recurso – pessoa jurídica que pretende adquirir

produtos, serviços, maquinários ou expansão do seu negócio e até mesmo uma

pessoa física que necessita de financiamento para comprar bens de consumo –

poderia também pleitear a renegociação da sua dívida em momentos de redução

da taxa de juros referencial para um patamar de taxa mais adequado ao seu perfil

de envidividamento, até que a sua renda ou receita recupere o poder de compra.

Essa obrigação jurídica é defendida pelo Professor Roberto Senise 14,

que preceitua:

É limitado demais afirmar que as obrigações existem para serem cumpridas. O direito obrigacional não busca assegurar tão-somente o cumprimento do pagamento com prestação que ingressa em um patrimônio. Se objetivo é, tal como nos demais ramos da ciência jurídica, a satisfação da pessoa, desde que harmônica aos interesses da sociedade.

                                                            13 MODÉ, Leandro. Lucro de bancos bate variação da Selic. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 27 fev. 2012. Caderno Economia, p.B8. 

14 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2009, p.12. 

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3 – O ANATOCISMO

3.1 – O tratamento dos juros na legislação brasileira

No Código Comercial de 1850, já havia proibição da cobrança de juros

sobre juros:

Art. 253 – É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. Depois que em juízo se intenta ação contra o devedor, não pode ter lugar a acumulação de capital e juros.

A Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916, que introduziu o Código Civil,

permitia a fixação de juros aos empréstimos em dinheiro, conforme dispunha seu

artigo 1.262:

É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis. Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa (art. 1.062), com ou sem capitalização.

E o artigo 1.062 mencionado acima, dispunha:

A taxa dos juros moratórios, quando não convencionada (art. 1.262), será de seis por cento ao ano.

A Lei do novo código civil de 2002, no. 10.406, revogou os Códigos

Comercial e Civil, tratando dos juros legais no artigo 406:

Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Mais adiante, dada a necessidade de melhor regulamentação, editou-se o

Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, também conhecido como “Lei de Usura”,

dispondo sobre os juros nos contratos:

Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062).

Posteriormente, a chamada Lei da Reforma Bancária, nº 4.595 de 31 de

dezembro de 1964, em seu artigo 4º determinava:

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Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: IX – Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinam a promover: recuperação e fertilização do solo; reflorestamento; combate e epizootias e pragas, nas atividades rurais; eletrificação rural; mecanização; irrigação; investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias.

O STF, interpretando o artigo acima e conferindo dispositivo caráter

público, editou a Súmula 121, vedando a capitalização de juros, ainda que

expressamente convencionada.

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o inciso IX do

artigo 4º da Lei acima, passou a ser substituído pela aplicação do artigo 192,

parágrafo 3º:

As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura 15, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.

Em 1976 para resolver questões jurisprudenciais – que envolviam a

aplicação de juros nos contratos negociados com instituições públicas ou privadas

que integravam o Sistema Financeiro Nacional – o STF editou a súmula nº 596:

As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.

Finalmente, o Código de Defesa do Consumidor 16, estabeleceu normas

de proteção e defesa do consumidor, em especial o seu artigo 52:

No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III – acréscimos legalmente previstos: IV – número e periodicidade das prestações; V – soma total a pagar, com e sem financiamento.

                                                            15 A Lei 1.521 de 26 de dezembro de 1951, chamada Lei dos Crimes Contra a Economia Popular, tipifica o crime de usura, com a definição de cobrança extorsiva de juros, superior a taxa permitida em lei, ou mesmo quando auferir lucro maior do que 20% do valor da operação, punido com detenção de seis meses a dois anos, além da multa. 

16 Instituído pela Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. 

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3.2 – Conceito de Anatocismo

Primeiro é importante trazer a tona a explicação do Professor Roberto

Senise 17 de que “não se confunde o anatocismo com a usura, que é a imputação

de juros sobre o valor principal”.

Não existe, conceitualmente, na legislação brasileira, nada sobre o

significado da palavra “anatocismo”.

Podemos encontrar variados conceitos na doutrina, como o exemplo a

seguir do Professor Scavone 18:

O anatocismo consiste na prática de somar os juros ao capital para contagem de novos juros ou, ainda, nos sistemas de amortização, a contagem de juros sobre o capital total, cujo resultado espelha parcelas cuja soma supera o valor total das parcelas do capital em razão do prazo com a aplicação de juros simples para obtenção do valor futuro pelo método hamburguês.

Se consultarmos qualquer dicionário online de português, encontraremos

a definição do substantivo masculino, como sendo a capitalização dos juros de

uma quantia emprestada.

Na jurisprudência, o termo tem definição confusa, incompleta, como no

caso do Acórdão TJ/SP 19:

Embargos à execução hipotecária. Execução lastreada em contrato de financiamento imobiliário. Renegociação na forma de pagamento que não se configura novação. Financiamento imobiliário. Tabela Price. Distorção do resultado final que implica em aumento brutal da taxa contratada. Anatocismo configurado. Exclusão determinada. Recurso parcialmente provido.

Assim, conclui-se que a pretensão da jurisprudência, ao usar o emprego

do termo “anatocismo” é caracterizar a cobrança indevida de novos juros sobre

aqueles já vencidos, incidentes ao saldo devedor, depois do vencimento da

operação ou empréstimo.

                                                            17 LISBOA, Roberto Senise op. cit. p.368. 

18 JUNIOR, Luiz Antonio Scavone op. cit. p.209. 

19 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão Nº 991070592455 de 21/09/2010. 

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3.3 – Regimes de capitalização

Capitalização é o processo de incorporação dos juros no capital e regime

ou sistema de capitalização é a forma como se adiciona os juros ao capital

durante um período de tempo.

Existem dois regimes de capitalização: simples (ou juros simples) e

composto (exponencial ou juros composto).

Conceito do Professor Dutra Sobrinho 20 para capitalização simples:

Capitalização simples é aquela em que a taxa de juros incide somente sobre o capital inicial; não incide, pois, sobre os juros acumulados. Neste regime de capitalização a taxa varia linearmente em função do tempo, ou seja, se quisermos converter a taxa diária em mensal, basta multiplicarmos a taxa diária por 30; se desejarmos uma taxa anual, tendo a mensal, basta multiplicarmos esta por 12, e assim por diante.

Quando se fala em juros simples, não se pode deixar de mencionar o

método hamburguês, utilizado basicamente nos cálculos com uma única taxa de

juros que remunera um ou mais capitais, aplicados por mais de dois prazos

diferentes. Este método é bastante utilizado pelos bancos brasileiros, no cálculo

dos juros incidentes nos empréstimos de “Cheque Especial”.

Mais adiante, conceitua o Professor Dutra Sobrinho 21:

Capitalização composta é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Neste regime de capitalização, o valor dos juros cresce em função do tempo.

                                                            20 SOBRINHO, José Dutra Vieira op. cit. p.21. 

21 Ibid., mesma página.  

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26 

 

A Tabela 2 abaixo demonstra a aplicação dos conceitos acima:

Capitalização após 1 ano Capitalização após 5 anos Juros Mensais

Simples Composta Simples Composta

1% 12% 12,7% 76,2% 81,8%

5% 60% 79,6% 948,6% 1.767,9%

8% 96% 151,8% 2.792,5% 10.025,7%

10% 120% 213,8% 5.053,6% 30.348,2%

12% 144% 289,6% 8.548,7% 89.659,7%

É notório que uma pessoa leiga não consegue entender a metodologia

dos juros compostos, com base na grandeza dos resultados apresentados. Isto se

deve ao efeito da exponenciação, considerando que na capitalização simples, os

juros seguem uma projeção aritmética, até certo ponto mais fácil de acompanhar,

até uma taxa e prazo razoáveis, por exemplo, usando as duas primeiras linhas do

quadro, ou seja, as taxas mensais de 1% e 5%.

Tal aplicação prática de conceitos matemáticos, explicam porque através

dos tempos, já se condenava a usura. E assim, também facilita o entendimento do

direito que acompanhou desde então, a necessidade de se proteger e valorizar a

pessoa humana em detrimento do seu patrimônio, considerando,

fundamentalmente, que o primeiro serve ao segundo e não ao contrário.

Dessa forma, fica mais fácil compreender que a utilização dos juros

compostos tornou-se o principal instrumento dos banqueiros, que se aproveitaram

do desconhecimento do seu público em geral, bem como, da dificuldade e demora

dos poderes constituídos começarem a disciplinarem sua aplicação.

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27 

 

Nessa altura, torna-se perfeitamente cabível, o conceito do Professor

Fábio Ulhoa 22:

Por atividade bancária entende-se, juridicamente falando, a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros em moeda nacional ou estrangeira. Esse conceito, que se conclui da definição legal de instituições financeiras (LRB, art. 17), abarca uma gama considerável de operações econômicas, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação ou administração do crédito. Estabelecendo-se um paralelo com a atividade industrial, poder-se-ia dizer que a matéria-prima do banco e o produto por ele oferecido ao mercado é o crédito. Como todo conceito jurídico, porém, o de atividade bancária apresenta algumas dificuldades na sua aplicação a situações-limite, o que tem gerado dúvidas quanto à natureza bancária de determinados contratos.

A capitalização composta ou a aplicação dos juros exponenciais nas

operações bancárias, causa onerosidade excessiva ao tomador de recurso, seja

na pessoa jurídica ou física.

Onerosidade excessiva é o fenômeno pelo qual a obrigação se torna mais

gravosa no momento de seu cumprimento do que se poderia esperar, quando da

celebração do contrato, em face de acontecimentos externos ou exógenos

extraordinários e imprevisíveis, caso em que a resolução contratual somente pode

se verificar através de sentença.23

Diverge da boa fé objetiva, pois desvia do comportamento leal com que

as partes tem de se portar uma diante da outra, onde se percebe que a aplicação

de um instituto de conteúdo obscuro e injusto demasiadamente à outra parte.

Nesse contexto, define o Professor Roberto Senise 24:

Pode-se afirmar que a boa-fé objetiva resulta do dever de prestação mais amplo que aquele expressamente disposto em lei ou no negócio jurídico. A boa-fé como regra de conduta é o objeto de estudo da jurisprudência, que se encontra revalorizada ante a abertura concedida para o julgador aplicar a solução mais justa ao caso concreto.

É notório que os juros compostos não estão em conformidade com o

princípio da justiça contratual, porque trás uma arquitetura de cálculo

                                                            22 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2011, p.492. 

23 LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil – Contratos. São Paulo: Saraiva, 2009, p.82. 

24 Ibid.,mesma página. 

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28 

 

absolutamente desproporcional em relação a prestação, prejudicando a ideia de

equidade.

Cabe assim, expressar o conceito do Professor Roberto Senise 25:

O princípio da igualdade propugna o estabelecimento da relação jurídico-contratual de modo equânime, isto é, proporcionando direitos e obrigações correlatos, em igualdade de tratamento aos negociantes. Mesmo durante a modernidade jurídica isso se demonstrava absolutamente metafísico, falso, irreal. Não há, e jamais haverá, igualdade absoluta entre as pessoas em uma sociedade heterogênea e com inúmeras distorções. Ainda hoje, as injustiças sociais são notórias em praticamente todas as partes do globo terrestre.

Exemplo mais recente da incompreensão em nossa sociedade da forma

como a taxa de juros está sendo cobrada em determinadas operações bancárias,

na sua grande maioria através de “contratos de adesão”, que é o negócio jurídico

cujas cláusulas não tiveram o seu conteúdo livremente discutido por ambas as

partes, submetendo-se uma delas aos termos anteriormente fixados pela outra

parte (contrato padronizado) ou por terceiro (contrato formulário). 26

Apesar de previsão legal, o consumidor brasileiro ainda está carente de

informações, que permitam o mínimo entendimento da aplicação do conceito de

taxa de juros compostos, ou exponencial, nos contratos de adesão e até mesmo

nos contratos que amparam as demais operações bancárias.

Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor 27 já trás uma maior

proteção ao consumidor, na regulamentação dos contratos de adesão, conforme

disposto no parágrafo 3º, do artigo 54:

Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

Da mesma forma, o artigo 46 dispõe que os contratos não obrigarão os

consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio

de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a

dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

                                                            25 Ibid. p. 40. 

26 Ibid. p.28. 

27 Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. 

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29 

 

3.4 – Sistema de Amortização Francês (Tabela Price)

Apesar do amadurecimento da indústria bancária, com seguidos lucros a

partir da estabilização do real, a chamada “Tabela Price”, que incorpora os

cálculos dos juros compostos, tem sido a grande vilã nos processos em

tramitação na justiça brasileira, desde então, por conta da queda consistente da

taxa de juros.

Mas em princípio, é importante lembrar que o “Sistema Francês de

Amortização” é mais conhecido como “Tabela Price”.

Com fundamento na dissertação de doutorado do Professor Mário

Geraldo Pereira, preconiza Dutra Sobrinho 28:

A denominação “Tabela Price” se deve ao nome do matemático, filósofo e teólogo inglês Richard Price, que viveu no Século XVIII e que incorporou a teoria dos juros compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A denominação “Sistema Francês”, de acordo com o autor citado, deve-se ao fato de o mesmo ter-se efetivamente desenvolvido na França, no Século XIX. Esse sistema consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de juros e outra de capital (chamada amortização).

Observa ainda o Professor Dutra Sobrinho em nota:

É importante observar que o Sistema Francês (ou Tabela Price) não implica necessariamente prestações mensais, como geralmente se entende. As prestações podem ser também trimestrais, semestrais ou anuais; basta que sejam iguais, periódicas, sucessivas e de termos vencidos. Também é importante que se esclareça que a Tabela Price não implica necessariamente taxas de juros de 1% ao mês (ou de 12% ao ano, como normalmente é indicado), podendo ser definida para qualquer taxa.

A seguir, a Tabela 3 exemplifica um plano de pagamento pelo sistema de

amortização francês ou Tabela Price para um empréstimo de R$ 5.000,00, à taxa

de 3% de juros ao mês, que deverá ser pago em 6 prestações iguais e

consecutivas:

                                                            28 SOBRINHO, José Dutra Vieira op. cit. p.220. 

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30 

 

Prazo Saldo Devedor Amortização Juros Prestação

0 5.000,00 0,00 0,00 0,00

1 4.227,01 772,99 150,00 922,99

2 3.430,84 796,18 126,81 922,99

3 2.610,77 820,06 102,93 922,99

4 1.766,11 844,66 78,32 922,99

5 896,10 870,00 52,98 922,99

6 0,00 896,10 26,88 922,99

TOTAIS 5.000,00 537,93 5.537,93

A Tabela Price também tem sido muito utilizada, além dos bancos, pelas

construtoras e agentes financeiros (no âmbito do Sistema Financeiro da

Habitação – SFH ou através da carteira hipotecária), nos financiamentos para

aquisição de moradias.

Percebe-se assim, a constatação de que esse método vem possibilitando

os ganhos estratosféricos das instituições financeiras, muitas vezes tuteladas

pelos sucessivos governos, com as constantes interferências na competência do

Poder Legislativo, editando medidas provisórias que visavam a manutenção dos

interesses dos banqueiros e afrontamento do Poder Judiciário, no repúdio ao

“anatocismo”.

Conclui José Jorge Meschiatti, que Richard Price não é o inventor do

cálculo de Juro Composto. Apenas se utilizou deste método como forma

instrumental na celebração de suas tabelas, destinadas inicialmente a seguro de

vida e aposentadoria, sendo, após sua concepção inicial, utilizadas para

empréstimos. 29

                                                            29 NOGUEIRA, José Jorge Meschiatti. Tabela Price – Mitos e Paradigmas. Campinas, SP: Millennium, 2008, p.5. 

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31 

 

Nessa medida, prossegue o autor:

Se ainda existiam dúvidas quanto à Capitalização de Juro Composto, via Tabela Price, a obra do seu criador termina de vez com a polêmica da questão, pois o próprio Richard Price escreve, de forma claríssima em seu livro, aliás, utilizado por mim incisivamente como instrumento de confissão, que suas tabelas são de Juro Composto. Logo, diante de tais provas, ninguém poderá dizer que a Tabela Price não possui o componente ilegal do Juro Composto, sinônimo de anatocismo, sob pena de contrariar o autor dos escritos.

Mas já existem vários julgados do Poder Judiciário, no sentido de

restabelecer o equilíbrio na relação cliente/instituição financeira, que já vem sendo

bastante prejudicada com as constantes taxas de juros abusivas.

Dessa maneira, fica difícil compreender durante essas ocasiões, aqueles

defensores da capitalização de juros nos empréstimos e financiamentos, com o

único propósito de subserviência ao crescimento patrimonial, centrado,

exclusivamente, no aumento do lucro.

Até a estabilização econômica do Brasil, os bancos dependiam do juro

básico nas alturas para garantia de grandes lucros.

Após o Plano Real, com a economia deslanchando, os bancos também

aumentaram as bases para concederem mais empréstimos, possibilitando assim,

constantes elevações nos seus lucros, tanto é, que de 2003 a 2011, os resultados

somados dos 5 maiores bancos apontavam para um crescimento de 316% ou R$

46,4 bilhões de reais.30

São cada vez mais frequentes os julgados vedando a utilização da Tabela Price,

em tribunais de justiça do país, garantindo o cumprimento da obrigação contratual em

bases mais equilibradas aos tomadores de recursos. 31

                                                            30 MODÉ, Leandro op. cit. p.B8. 

31 Algumas decisões sobre a utilização da Tabela Price, que merecem destaque: 27ª Vara Cível do Foro Central Central João Mendes: “Contrato – Compra e Venda de Imóveis – Cláusulas abusivas e deficiência de informação aos consumidores – utilização do sistema de capitalização de juros compostos conhecido por tabela price, cobrados retroativamente, sem suficiente esclarecimento ao comprador – cláusula penal compensatória abusiva – cobrança de juros compensatórios à data da celebração do contrato – ação civil pública visando declarar a nulidade das cláusulas abusivas, bem como a condenação da requerida a prestar as devidas informações ao consumidor e a se abster de inserir as cláusulas impugnadas nos contratos que vier a celebrar. Pede-se, ainda, a restituição ou a compensação dos valores indevidamente pagos a maior pelos consumidores”. (Ação Civil Pública - Processo Nº 583.00.2000.536552-0 – Requerente: Ministério Público do

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32 

 

As ações mencionadas não podem estimular advogados e indivíduos, no

atropelamento de contratos, sob o simples argumento da taxa de juros abusiva. Há que

se esclarecer que tal procedimento passa por tamanha subjetividade, pois como calcular

o abuso?

A taxa de juros referencial (ou Selic) também pode ser considerada abusiva?

Apesar de muitos acharem que em comparação a outros países a taxa acima é

excessivamente alta, não há como baixá-la por decreto, mas temos acompanhado

recentes decisões do governo, direcionando-a para um patamar mais baixo na medida

em que a economia responda com crescimento sustentável, através da geração de

empregos, evitando reflexos na inflação, como ocorreu no inicio deste mês, quando o

BACEN reduziu para 9,75% ao ano.

Apenas para exemplificar a situação acima, em 19 de janeiro deste ano, a Juíza

de Direito da 1ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara, Doutora Laura Mota Lima de

Oliveira Macedo julgou improcedente o pedido de Wagner em face do Banco Itaú,

alegando ter firmado contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, com

cláusulas abusivas, acarretando aumento irregular da dívida, bem como, da ocorrência

de anatocismo, sobre a abusividade dos juros contratados. 32

                                                                                                                                                                                    Estado de São Paulo, representado pelos promotores Roberto Senise Lisboa e Parisina Lopes Zigler – Requerido: Goldfarb Comércio e Construções Ltda.).

Apelação Cível - 200302361540 – TJ/GO. Cognição da corte revisora. Revisional de financiamento bancário. Decadência do direito de ação. Juros. Limitação. Comissão de permanência. Capitalização. 1. Se o autor optou por imprimir rito ordinário à ação, a divergência de ritos não obsta a cumulação de pedidos. 2. O artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor não se aplica à ação revisional quando a pretensão do autor não é discutir vícios redibitórios nos produtos ou serviços, mas, apenas, expurgar cláusulas abusivas do contrato. 3. Tratando-se de contrato de financiamento constituído ainda na vigência do § 3 ºdo art. 192 da Constituição Federal, correta a aplicação de juros limitada no percentual de 12% ao ano. IV. A comissão de permanência, calculada à taxa do mercado, trata-se de uma forma flutuante de remuneração do mútuo bancário, que não permite ao consumidor tomar prévio conhecimento quanto aos seus limites, sendo, evidentemente, ilegítima. V. Não se tolera a capitalização mensal dos juros quando não prevista expressamente em lei. Apelação conhecida e improvida. Data: 20/04/2004

 

32 Procedimento Ordinário – Processo Nº 0006886-26.2011.8.26.0003 – TJ/SP Foro Regional III Jabaquara – 1ª Vara Cível. Requerente: Wagner de Jesus Cruz. Requerido: Itaú Unibanco S.A. Juíza de Direito: Dra. Laura Mota Lima de Oliveira Macedo. 

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33 

 

Assim, resta a análise da cobrança excessiva de encargos sobre a dívida expressamente reconhecida. Na esteira do quanto já decidido pelo Excelso Pretório, no julgamento da ADIN nº 4, a norma do artigo 192, parágrafo 3º, da Lei Maior pátria é de eficácia limitada, carecendo de regulamentação infraconstitucional, para se tornar aplicável. No mesmo sentido, a súmula 648, do Supremo Tribunal Federal, determina que a “norma do parágrafo 3º do artigo 192, da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”. De qualquer sorte, o art. 192, parágrafo 3º, da CF foi revogado, encerrando a discussão sobre o tema.

Finalizando sobre o caso julgado acima, o Banco Itaú apresentou contestação,

sustentando que o autor teve prévio conhecimento das cláusulas contratuais de seu

firmamento e a inexistência de onerosidade excessiva, visto que os valores cobrados

condizem com os do mercado.

Foi uma decisão em sentido contrário à pretensão do tomador de financiamento,

reconhecendo a aplicação de taxa de juros superior aos 12% ao ano, além da

capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Mas retomando a questão essencial, os juízes não podem intervir nos contratos,

pelo puro objetivo de exercer a justiça ao polo mais fraco na negociação, sob pena de

gerar insegurança jurídica. Além disso, esse poderá ser um fator contributivo do aumento

na taxa de juros, pela consequente restrição ao crédito, pois os bancos se prestarão a

emprestar, somente aos clientes comprovadamente “seguros”. Isso também já foi

colocado em outro capítulo sobre a composição do spread bancário, que na situação

citada, captaria forte oscilação para aumento no custo dos empréstimos, por conta da

maior seletividade do crédito.

A arbitrariedade não traria bons resultados somente pelo fato de se estar

praticando-a em favor da população, apesar de os magistrados possuírem a prerrogativa

de utilizarem suas convicções para julgarem acima da lei e dos contratos plenamente

estabelecidos entre as partes.

Além dos mais, juízes não mudam nem tão pouco escrevem as leis, mas são

privilegiados na percepção de mudanças nos comportamentos das pessoas e

instituições, detectando situações nos casos concretos que não estão amparadas pelo

ordenamento jurídico e neste caso, poderão prestar ajuda plena no encaminhamento de

demandas aos parlamentares constituídos, que desempenharão seus papéis nesse

sentido.

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34 

 

CONCLUSÃO

A estabilização conquistada pelo Plano Real ainda não foi suficiente para

colocar o Brasil fora da primeira colocação, na lista de juros reais mais altos do

mundo, atingindo o patamar de 6,8% ao ano em meados de 2011. Mas esse

trabalho demonstrou melhoras atingidas ao longo do tempo, interrompidas por

necessidades de adequações do governo para manutenção da estabilidade

econômica, em decorrência, principalmente, da crise no sistema financeiro

internacional ocorrida no último trimestre de 2008.

Apesar das medidas contracionistas, ocasionando a elevação da taxa

básica de juros (Selic), pôde-se notar que o crescimento da inadimplência ocorreu

a partir do final de 2010 até quase meados de 2011. Em consequência, aumentou

o nível de contingenciamento no crédito bancário, principalmente para frear o

comprometimento inadequado da renda dos consumidores, que estavam com

excesso de endividamento.

O consumidor brasileiro continua carente de orientação para entender o

efeito dos juros compostos (cálculo ou capitalização exponencial) cobrados em

todas as operações bancárias. O Código de Defesa do Consumidor trouxe maior

proteção, com a regulamentação sobre os contratos de adesão. Constatou-se,

também, iniciativas da CVM, em conjunto com o governo federal e alguns bancos

privados, com projetos de educação financeira. Entretanto, há muito a se fazer,

principalmente considerando que o setor financeiro brasileiro obteve excelente

crescimento na última década, mas somente no final dela é que houve percentual

maior de redução na taxa de juros dos empréstimos. Contudo, o spread bancário

ainda é muito alto e nesse sentido caberia uma participação mais efetiva da

autoridade monetária agisse para reduzir a distância entre os juros cobrados nos

empréstimos e a taxa básica Selic.

Quanto ao tratamento dos juros na legislação brasileira, prepondera o

entendimento da súmula 596 do STF, quanto a não aplicação às taxas e outros

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35 

 

encargos cobrados nas operações oferecidas pelos bancos integrantes do

Sistema Financeiro Nacional, sejam eles públicos ou privados.

Mas a questão levantada no trabalho é sobre casos de tomadores de

empréstimos que no decorrer do contrato, não conseguem arcar com as

prestações, sob a alegação da cobrança de juros abusivos ou prática do

anatocismo. Ficou caracterizada a aplicação dos juros exponenciais, causando

onerosidade excessiva a qualquer tomador de recurso que não fosse

devidamente instruído, evitando nesse sentido, qualquer divergência da boa fé

objetiva. Quanto a prática do anatocismo, é alegada para justificar a incorporação

dos juros compostos às amortizações de financiamentos, o chamado Sistema

Francês, mais conhecido no mercado como Tabela Price, amplamente utilizada

pelos bancos e outros agentes financeiros, principalmente nos financiamentos

para compra da casa própria. O trabalho apresentou casos em que o judiciário

atendeu as duas partes, ora decidindo a favor do tomador do empréstimo e ora a

favor da instituição financeira.

Importante destacar que apesar de não haver conceituação de

anatocismo na legislação, cumpre esclarecer posição doutrinária tratando-a como

a prática de somar juros ao capital para contagem de novos juros, diferentemente

do entendimento jurisprudencial, caracterizando-a como cobrança indevida de

novos juros sobre aqueles já vencidos.

Finalizando, há que se melhorar as condições de entendimento do

tomador de recurso, seja com educação financeira ou com explicações básicas de

funcionamento da forma como os juros são calculados no plano de financiamento,

a fim de ampliar a visão adequada da dívida no seu orçamento mensal, evitando

que ao longo do contrato, seja impossível o pagamento, causando litígio e outros

prejuízos às partes.

Nesse contexto, caberia toda e qualquer ajuda para revisão das leis e

mecanismos estabelecidos de defesa, facilitando a função social do contrato e

facilitando sua compreensão e alcance.

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36 

 

REFERÊNCIAS

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JUNIOR, Luiz Antonio Scavone. Juros no direito brasileiro. 4.ed. São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2011.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, v. 2: Obrigações e Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil, v. 3: Contratos. 4.ed. São

Paulo: Saraiva, 2009.

MODÉ, Leandro. Lucro de bancos bate variação da Selic. O Estado de S. Paulo,

São Paulo, 27 fev. 2012, Caderno Economia, p.B8.

NOGUEIRA, José Jorge Meschiatti. Tabela Price – Mitos e Paradigmas. 2.ed.

Campinas, SP: Millennium Editora, 2008.

REHDER, Marcelo. Inflação e aperto no crédito elevam calote em 20%. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 jun. 2011. Caderno Economia, p.B5.

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SCRIVANO, Roberta. BC e Sinal dão aula de educação financeira. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 dez. 2011. Caderno Economia, p.B10.

SCRIVANO, Roberta. Só Brasil e mais 9 países, entre 40, têm juro positivo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 jun. 2011. Caderno Economia, p.B8.

SOBRINHO, José Dutra Vieira. Matemática Financeira. 7.ed. São Paulo: Atlas,

2010.

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DOCUMENTOS ELETRÔNICOS

BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Departamento de Estudos e Pesquisas

- DEPEP. Juros e Spread Bancário no Brasil. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/ftp/juros-spread.pdf>. Acesso em: 3 mai. 2011.

BRASIL. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Taxa de juros de operações de crédito.

Pessoa física – Crédito Pessoal. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/fis/taxas/htms/tx012020.asp>. Acesso em: 21mar. 2012.

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ANEXOS

ANEXO A: Missão do Banco Central do Brasil