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CURSO DE DIREITO “O CONCURSO DE PESSOAS NO ATUAL CÓDIGO PENAL BRASILEIRO” VICTOR VINICIUS MENDONÇA DE FREITAS RA: 488972/0 TURMA: 3109A02 FONE: (11) 7215-9926 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2008

CURSO DE DIREITO “O CONCURSO DE PESSOAS NO ATUAL …arquivo.fmu.br/prodisc/direito/vvmf.pdf · 10 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal: Parte Geral, p. 325. determinados

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CURSO DE DIREITO

“O CONCURSO DE PESSOAS NO ATUAL CÓDIGO PENAL BRASILEIRO”

VICTOR VINICIUS MENDONÇA DE FREITAS

RA: 488972/0 TURMA: 3109A02

FONE: (11) 7215-9926 E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO 2008

“O CONCURSO DE PESSOAS NO ATUAL CÓDIGO PENAL BRASILEIRO”

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para Obtenção do título de Bacharel em Direito sob a orientação do Professor Ivan Carlos de Araújo.

SÃO PAULO 2008

BANCA EXAMINADORA:

Professor Orientador:____________________________

Professor Argüidor:_____________________________

Professor Argüidor:_____________________________

À Deus por ter me dado a

oportunidade de viver. À minha mãe por

não ter poupado esforços para me

proporcionar a oportunidade de estudar.

Agradeço a toda a minha família,

amigos e professores que, sem os quais, a

minha vida acadêmica não teria sido tão

especial e maravilhosa.

SINOPSE

O presente trabalho realizará um estudo aprofundado sobre o tema

concurso de pessoas, o qual será feito de forma comparada entre o seu

texto original de 1940 e a Reforma Penal de 1984. Indicará os benefícios,

acertos e modificações realizados pela referida reforma dentro do

concurso de pessoas, dentre as quais destacam-se a divisão do concurso de

pessoas, punibilidade, participação de menor importância e em crime

menos grave. Demonstrará, ainda, as principais questões controvertidas na

doutrina sobre o tema, indicando as respectivas correntes, críticas e

soluções, nos quais mencionam-se: a natureza jurídica do concurso de

pessoas, da autoria e da participação, e aplicação da desistência voluntária

e arrependimento eficaz do autor em relação ao partícipe. Analisará, por

fim, a aplicação, ou não, da comunicabilidade das circunstâncias de

caráter pessoal ao participante no crime de infanticídio, demonstrando

suas principais correntes acerca deste assunto.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 01 CAPÍTULO I – CONCURSO DE PESSOAS: ASPECTOS GERAIS 1. Conceito e Nomenclatura 03 2. Concurso Eventual e Concurso Necessário 05 2.1 Espécies de concurso Necessário 07 3. Natureza Jurídica do Concurso de Pessoas: Teorias 09 3.1 Punibilidade no Concurso de Pessoas e a Teoria Unitária 12 3.2 Exceções Pluralistas 15 4. Requisitos do Concurso de Pessoas 17 5. A homogeneidade do Elemento Subjetivo 25 CAPÍTULO II – DIVISÃO DO CONCURSO DE PESSOAS 1. Aspectos Gerais 29 2. Autoria 30 2.1 Conceito de Autor 30

2.2 Natureza Jurídica da Autoria 30 3. Co-autoria 35 3.1 Conceito de Co-autor e Aspectos Gerais da Co-autoria 35 4. Autoria Mediata 37 4.1 Hipóteses de Autoria Mediata 38 5. Autoria Colateral, Autoria Incerta e Autoria Desconhecida 40 5.1 Autoria Colateral 40 5.2 Autoria Incerta 41 5.3 Autoria Desconhecida 42 6. Autoria Intelectual 43 7. Participação 44 7.1 Natureza Jurídica da Participação 46 7.2 As Classes de Acessoriedade 47 7.3 Modalidades de Participação 50 7.4 Participação nos Casos de Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz do Autor 52 7.5 Participação de Menor Importância 54 7.6 Participação em Crime Menos Grave 57 CAPÍTULO III – AS CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS 1. Aspectos Gerais 60 2. Dicotomia das Circunstâncias: Comunicabilidade e Incomunicabilidade 61 3. Problemática do art. 30 em Relação ao Crime de Infanticídio 65 CAPÍTULO IV – CASOS DE IMPUNIBILIDADE 1. Aspectos Gerais 77 2. Participação Impunível 79 CAPÍTULO V – AGRAVANTES NO CASO DE CONCURSO DE PESSOAS 1. Aspectos Gerais 82 2. Hipóteses de Agravantes 83 CONSIDERAÇÕES FINAIS 89

INTRODUÇÃO

O tema Concurso de Pessoas sempre causou diversas controvérsias

no mundo jurídico, especialmente quando se refere, entre outros aspectos,

a sua natureza jurídica e punição dos infratores. Alvo de diversas críticas,

principalmente antes do advento da Lei n.º 7.209 de 11 de julho de 1984, a

qual foi responsável por modificar toda a parte geral do Código Penal, o

Concurso de Pessoas ainda enseja diversas discussões quanto a sua

aplicabilidade nos casos da vida cotidiana.

Será realizado o estudo sobre o tema concurso de pessoas de forma

bastante ampla, abordando os aspectos mais controversos que até hoje

dividem os entendimentos doutrinários, tal como ao que se refere à

natureza jurídica da autoria, participação e, inclusive, do concurso em si.

Tratará do crime de infanticídio, delito este que até hoje causa debates por

muitos operadores do direito quando praticado em concursus

delinquentium, no tocante à comunicabilidade ou não das circunstâncias

de caráter pessoal. Demonstrará, ainda, a importância da reforma penal

ocorrida no ano de 1984 com a Lei n.º 7.209/84, que, extremamente

aplaudida, solucionou, além de injustiças, diversas controvérsias que

cabiam, até então, a doutrina resolver.

Por fim, este trabalho fará a abordagem do tema Concurso de

Pessoas, em especial o eventual, dentro dos limites do Decreto-lei n.º

2.848 de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, demonstrando as

conseqüências jurídicas e a relevância da reforma penal de 1984 a este

assunto.

CAPÍTULO I

O CONCURSO DE PESSOAS: ASPECTOS GERAIS.

1. CONCEITO E NOMENCLATURA

Segundo o professor Guilherme de Souza Nucci, “trata-se da

cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de

uma infração penal”1. Fala-se em cooperação, como será visto adiante,

ciente e voluntária, pois se assim não for, não há concurso de pessoas.

Ainda, no que tange a “uma infração penal”, entende-se por crime ou

contravenção penal, bem como se deve lembrar que se a união é destinada

a prática de mais de um crime, a hipótese poderia incidir em crime

autônomo de concurso necessário.

Segundo entendimento doutrinário, o concurso de pessoas também

pode ser chamado de co-autoria, participação, co-participação, concurso

de delinqüentes, co-delinqüência, concurso de agentes e cumplicidade.

1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral, p. 343.

Anteriormente a Reforma Penal de 1984, o Código Penal

disciplinava o concurso de pessoas pelo Título IV, art. 25, sob o nome de

“co-autoria”. Tal expressão era equivocada, já que a co-autoria não

esgota todas as possibilidades de concurso de pessoas, sendo, em verdade,

apenas uma de suas espécies juntamente com a participação. Neste

sentido, vale destacar as palavras do professor Cezar Roberto Bittencourt:

“O Código Penal de 1.940 utilizava a expressão ‘co-autoria’ para definir

o concurso eventual de delinqüentes. Mas na verdade co-autoria é apenas

uma espécie do gênero ‘co-delinqüência’, que também pode apresentar-se

na forma de participação”2.

Após o surgimento da Lei n.º 7.209/84 o nome “co-autoria” deixou

de existir, sendo a matéria finalmente disciplinada como “concurso de

pessoas”, novamente no título IV, mas pelo art. 29. A reforma também

não quis utilizar, sabiamente, a terminologia “concurso de agentes”,

utilizada no anteprojeto do Código Penal de 1.969 criado pelo Ministro

Nélson Hungria3, já que, conforme as palavras do mestre René Ariel

Dotti, citado por Cezar Roberto Bittencourt, a reforma penal de 1984

considerou que “concurso de agentes” não era a terminologia mais

adequada por ser extremamente abrangente e poder compreender inclusive

2 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral, p. 510. 3 O anteprojeto do professor Nélson Hungria era disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 1.004/69 que sequer entrou em vigor, sendo que teve seu vacatio legis protelado por diversas vezes até que foi finalmente revogado pela Lei n.º 6.578 de 11 de outubro de 1978.

fenômenos naturais, pois agentes físicos também podem produzir

transformações no mundo exterior.4

A nomenclatura “concurso de pessoas” nunca havia sido utilizada

em um Código Penal brasileiro anteriormente e, por certo que, dentre as

tantas utilizadas, é a mais correta. Assim sendo, são novamente pertinentes

as palavras de René Ariel Dotti, desta vez citado por Julio Fabrinni

Mirabete: “a reunião de pessoas para cometer um crime é um concurso de

pessoas, expressão que soa melhor não somente porque reproduz a

literatura e a legislação de grande aprimoramento técnico – como o

código italiano – mas também porque evoca a existência da pessoa

humana, que é a causa e a conseqüência; o começo e o fim da aventura

do direito”5.

2. CONCURSO EVENTUAL E CONCURSO NECESSÁRIO

O concurso de pessoas pode ser eventual (facultativo) ou necessário

(impróprio). Será eventual, segundo professor Damásio Evangelista de

Jesus, “quando, podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é

cometido por várias”6. Ocorre nos chamados crimes monossubjetivos ou

4 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 510; DOTTI, René Ariel. Concurso e Pessoas In Reforma Penal Brasileira, p. 352. 5 MIRABETE, Julio Fabrinni. Manual de direito Penal: Parte geral, p. 223; DOTTI, René Ariel. O Concurso de Pessoas: Ciência Penal, p. 100. 6 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, p. 406.

unissubjetivos que são aqueles que podem ser tanto praticados por um só

agente, como por mais de um. Exemplos: Homicídio (art. 121), lesão

corporal (art. 129), furto (art. 155), entre outros. Neste caso, o concurso de

pessoas só será reconhecido por conta do art. 29 que, por ser uma norma

de ligação, possibilitará a punição dos infratores em conjunto, em especial

dos partícipes que não realizam a conduta criminosa do tipo penal.

Assim aduz o art. 29, caput, do Código Penal, após a Lei 7.209 de

1984:

“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas

a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Ou seja, todo aquele que concorrer ou atuar no crime, mesmo que

não realizando a conduta típica, mas fornecendo elementos para a sua

realização, incidirá nas penas nele cominadas, na medida de sua

culpabilidade.

Isto já não ocorre no concurso necessário que, consoante ensina a

grande mestra Esthér de Figueiredo Ferraz, “se verifica sempre que a

pluralidade de agentes aparece como elemento constitutivo da própria

figura típica”7. Se encontra no chamado crime coletivo ou plurissubjetivo

que, segundo Guilherme de Souza Nucci, “é aquele que, pra configurar-

se, exige a presença de duas ou mais pessoas”8. Exemplos: Quadrilha ou

bando (art. 288), Rixa (art. 137), bigamia (art. 235), entre outros.

Neste caso o crime só existirá se houver pluralidade de agentes, não

admitindo, assim, que seja praticado por uma só pessoa. Desta forma, não

há necessidade da aplicação da norma de ligação do art. 29, já que a

pluralidade de infratores é responsável pela existência do crime. No mais,

todos estarão praticando a conduta descrita no tipo, levando a conclusão

que todos serão autores, não se podendo falar em co-autoria. É possível

apenas a participação em crimes coletivos que, nesta hipótese, deverá ser

utilizada a norma de ligação do art. 29 do Código Penal. Portanto, nos

dizeres do professor José Frederico Marques, conclui-se que, “enquanto

no crime plurissubjetivo o concurso está previsto na descrição legal da

norma incriminadora, na co-autoria não há esta previsão, pelo que o

crime pode realizar-se monossubjetivamente”9.

Consuma-se o crime plurissubjetivo, consoante lembra Heleno

Cláudio Fragoso, “quando se realiza a conduta típica de todos os agentes

necessários, ainda que a ação de cada um se desenvolva em diversas

circunstâncias de tempo e lugar”10. Ainda, conforme lembra o ilustre

docente, não há possibilidade de o crime plurissubjetivo seja tentado para

7 FERRAZ, Esthér de Figueiredo. A Co-delinqüência no Direito Penal Brasileiro, p. 19. 8 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 345. 9 MARQUES, José Frederico, Tratado de Direito Penal: da Infração Penal, p. 339. 10 FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal: Parte Geral, p. 325.

determinados agentes do concurso necessário, e consumado para outros, já

que ele constitui um “todo unitário”11.

2.1 Espécies de Concurso Necessário

Existem três espécies de concurso necessário, a saber: concurso

necessário de condutas paralelas (ou de conduta unilateral), de condutas

convergentes e de condutas contrapostas (ou de conduta bilateral).

Haverá concurso necessário de condutas paralelas, conforme ensina

professora Esthér de Figueiredo Ferraz, “quando as ações se

desenvolverem, em colaboração, no mesmo plano e na mesma direção,

movendo-se do mesmo ponto ao mesmo resultado”12. Ou seja, os agentes

concorrem juntamente, com a intenção de produzir um mesmo resultado.

As ações partem do mesmo ponto e movem-se paralelamente ao resultado

almejado. Exemplo: Quadrilha ou bando.

11 Idem, ibidem. 12 FERRAZ, Esthér de Figueiredo, Ob. Cit., p. 19.

O concurso necessário de condutas convergentes, segundo a

referida mestra, ocorre quando “as ações se desenvolvem, em

colaboração, movendo-se de pontos opostos e uma em direção a outra”13.

Neste caso, diferentemente com o que ocorre no concurso de condutas

paralelas, as ações partem de pontos opostos e seguem uma em direção a

outra até que se encontrem, consumando o delito. Exemplo: bigamia.

O concurso necessário de condutas contrapostas, por fim, é aquele

que, segundo Paulo José da Costa Jr., ocorre quando todos os concorrentes

são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos e passivos do delito, uns em relação

ao outros14. Ou, pelas palavras do professor Damásio, é aquele em que “os

agentes realizam comportamentos contra a pessoa, que, por sua vez,

comporta-se da mesma maneira e é também sujeito ativo do delito”15.

Nesta espécie, assim como a de condutas convergentes, as ações partem de

pontos opostos, contudo elas se destinam a atingir uma a outra, resultando

na pluralidade de autores e vítimas. Exemplo: Rixa.

3. NATUREZA JURÍDICA DO CONCURSO DE PESSOAS:

TEORIAS

13 Idem, Ibidem. 14 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso de Direito Penal, p. 311. 15 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 406.

São três as teorias que buscam demonstrar a natureza do concurso

de pessoas, sendo que a aplicação de cada uma delas traz como resultado a

quantidade de crimes praticados. Em suma, havendo o concurso, indaga-se

se existe um ou mais de um crime. Existem três teorias a respeito: Teoria

Pluralista, Dualista e Monista.

A Teoria Pluralista ou Pluralística afirma que no concurso de

pessoas não há só pluralidade de pessoas, mas também de crimes.

Conforme ensina o professor Rogério Greco, “para a teoria pluralista,

haveria tantas infrações penais quantos fossem o número de autores e

partícipes”16. É como se cada concorrente pratica-se seu respectivo crime

ou, nas palavras de Damásio, como se cada um dos participantes fossem

considerados responsáveis por um delito próprio e punível em harmonia

com seu significado anti-social17. Assim, conclui-se que “a participação é

tratada como autoria”18, já que todos os concorrentes serão autores de

cada delito. Conforme a crítica apontada por Mirabete, “a falha apontada

nessa teoria é a de que as participações de cada um dos agentes não são

formas autônomas, mas convergem para uma ação única, já que há um

único resultado que deriva de todas as causas diversas”19. Ou seja, as

ações ou omissões de cada co-delinqüente não geram mais de um

16 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, p. 460. 17 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 412. 18 PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral, p. 471 19 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 224.

resultado delitivo, mas apenas um, trazendo, assim, como conseqüência, a

ocorrência de um único crime.

Já a Teoria Dualista ou Dualística entende que há no concurso de

pessoas um crime para os autores e outro para os partícipes 20. Os autores

praticam um crime e os partícipes praticam outro, gerando, assim, mais de

um crime. Há neste caso uma divisão entre participação primária (autores)

e participação secundária (partícipes strictu sensu), sendo cada indivíduo

responsabilizado pela respectiva conduta criminosa. Dessa forma, fazem

oportunas as palavras da professora Esther de Figueiredo Ferraz ao

afirmar: “A consciência e a vontade de concorrer num delito próprio

confere unidade ao crime praticado pelos autores; e a de participar no

delito de outrem atribui essa unidade ao praticado pelos cúmplices”21. A

crítica apontada a esta teoria por, entre tantos autores, Cezar Roberto

Bittencourt e Julio Fabbrini Mirabete, é que, mesmo havendo esta

concepção dupla, o crime continua sendo um só, e, muitas vezes, a ação

do autor é menos importante que a do partícipe, tal como, por exemplo,

casos de mandato e coação moral resistível22. No mais, há de se ressaltar

que a aplicação da mesma não abrangeria os casos de autoria mediata,

bem como seria extremamente difícil tipificar como crime autônomo as

infinitas modalidades de participação.

20 Idem, p. 225. 21 FERRAZ, Esther de Figueiredo. Ob. cit., p. 30.

A teoria Monista, também chamada de Unitária, Igualitária ou

Monística, afirma que há apenas um crime para todos os co-delinqüentes.

Ou seja, muito embora o crime tenha sido praticado por mais de um

criminoso, ele permanecerá único e indivisível23 (unidade do crime). Esta

é a teoria que foi adotada pelo atual Código Penal Brasileiro e por certo

que, dentre as três, é a mais viável. Conforme salienta Esther de

Figueiredo Ferraz, pouco importa se praticado por um ou mais sujeitos, o

crime será sempre único, pois na co-delinqüência cada ato individual

ganha significado, adquire valoração jurídico-penal, por meio as relações

que mantém com as outras condutas convergentes24. Em outras palavras, o

concurso implicará na ocorrência de apenas um único resultado criminoso,

adquirindo relevância jurídica cada ato criminoso praticado pelos

concorrentes em busca de um resultado comum.

3.1 Punibilidade no Concurso de Pessoas e a Teoria Unitária

Anteriormente à Reforma Penal de 1984, a adoção da teoria

monista era vislumbrada através do antigo art. 25 do Código Penal que

explicitava que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide

nas penas a este cominadas”. Dessa forma, conclui-se que a adoção dessa

teoria antes da referida reforma era feita de forma absoluta, não

22 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. cit., p. 225. 23 GRECO, Rogério. Ob. cit., p. 460.

diferenciando, assim, autores de partícipes, bem como punindo todos os

concorrentes igualmente. Isto advinha da chamada Teoria da Equivalência

das Condições adotada pelo nosso Código Penal, uma vez que não havia

distinção entre as causas e condições por serem todas elas equivalentes à

produção do resultado25.

Por esta razão, a aplicação da teoria monista era alvo de grandes

críticas doutrinárias naquela época, uma vez que não seria justo punir

igualmente todos os co-delinqüentes, sem haver qualquer distinção entre

autoria e participação, e entre as causas e condições da prática delitiva.

Ora, pode se pegar como exemplo o dado pelo professor Rogério Greco,

em que dois sujeitos praticam um furto, sendo que um o faz para o

sustento de sua família, e o outro, um rico fazendeiro, pratica por simples

“espírito de aventura”26. Não seria justo puni-los de forma homogênea,

uma vez que o senso de reprovação que recai na conduta do segundo

sujeito é maior que na do primeiro que busca o sustento familiar. Também

é absurdo punir em igualdade autores e partícipes, pois, como já afirmado

anteriormente, são figuras diversas.

Após o surgimento da Lei n.º 7.209 de 1984, o Código Penal ainda

permaneceu aplicando a teoria unitária, contudo de forma “temperada”27.

24 FERRAZ, Esther de Figueiredo. Ob. Cit., p. 32 25 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Ob. Cit., p. 124. 26 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 500. 27 PRADO, Luiz Regis. Ob. Cit., p. 265.

Isto porque, conforme ensina Bittencourt, seus rigores foram atenuados,

distinguindo com precisão a punibilidade de autoria e de participação28.

Isto se traduz pela modificação encontrada no art. 29, caput (antigo art.

25), em que resta expresso: “Quem, de qualquer modo, concorre para o

crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua

culpabilidade”.

A culpabilidade refere-se ao grau de reprovação social que incide

na conduta ilícita praticada, ou seja, um “juízo de valor” sobre a conduta

de alguém que praticou um delito. Sendo a culpabilidade um dos

pressupostos de aplicação da pena29, os concorrentes, a partir de então,

seriam punidos de acordo com sua respectiva conduta, cada qual

submetida, discriminadamente, ao seu senso de reprovação social.

Pegando-se o mesmo exemplo acima mencionado, agora levando-se em

consideração a mudança na parte final do art. 29, caput, as penas a serem

aplicadas aos dois concorrentes deverão ser diversas, sendo que, a conduta

do segundo agente deve ser punida mais severamente que a do primeiro30.

Destaca-se, ainda, que a Reforma Penal de 1984 também incluiu

dois parágrafos no art. 29, os quais foram responsáveis por finalmente

delinear, e distinguir a autoria da participação. Alguns autores, tal como

28 BITTENCOURT, Cézar Roberto. Ob. Cit., p. 512. 29 A culpabilidade foi aqui tratada de acordo com a Teoria Finalista da ação adotada pelo atual Código Penal. 30 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p.500.

Cezar Roberto Bittencourt e Paulo José da Costa Júnior, afirmam que,

além da teoria monista, o Código passou a adotar, como exceção, a

concepção dualista de uma forma “mitigada”, já que passou a existir a

distinção entre autores e partícipes, permitindo uma adequada dosagem da

sanção penal de acordo com a efetiva participação e eficácia causal da

conduta de cada partícipe, na medida da culpabilidade perfeitamente

individualizada31.

O § 1º do art. 29 disciplina a participação de menor importância,

enquanto seu § 2º expressa a participação em crime menos grave (desvio

subjetivo de conduta). Ambos serão objeto de estudo adiante.

Dessa forma, verifica-se que mudança oriunda da Lei n.º 7209/84

foi de grande valia para a punibilidade dos participantes, sendo, inclusive,

destacada no item n.º 25 da Exposição de Motivos do Código Penal da

seguinte forma: “Ao reformular o Título IV, adotou-se a denominação ‘Do

Concurso de Pessoas’ decerto mais abrangente, já que a co-autoria não

esgota todas as hipóteses do concursus delinquentium. O Código Penal de

1940 rompeu a tradição do Código Penal do Império, e adotou neste

particular a teoria unitária ou monística do Código Italiano, como

corolário da teoria da equivalência das causas (Exposição de Motivos do

Ministro Francisco Campos, item 22). Sem completo retorno à

31 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit. , p. 512; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal, p. 232.

experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto ao críticos desta teoria,

ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras

precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção, aliás,

reclamada com eloqüência pela doutrina, em face das decisões

reconhecidamente injustas”32.

3.2 Exceções Pluralistas

Como já afirmado, a teoria adotada pelo Código Penal referente ao

concurso de pessoas é a unitária, uma vez que há a equiparação de todos

os concorrentes, na medida da culpabilidade de cada um. Contudo,

excepcionalmente, alguns dispositivos da parte especial do Código Penal

adotam a teoria pluralística. Há, então, nas palavras de Damásio, “um

crime do autor e outro do partícipe, sendo que ambos são descritos pelas

normas de delitos autônomos”33. São os casos:

1.º) Crime de aborto provocado por terceiro com o consentimento

da gestante, e aborto provocado por terceiro (art. 124, segunda parte e art.

126 do Código Penal). O art. 124, em sua segunda parte, descreve o fato

de a gestante consentir que outrem lhe provoque o abortamento, enquanto

que o art. 126 define a conduta de “provocar aborto com o consentimento

da gestante”. Se for retirado o art. 124, segunda parte, a gestante será co-

32 Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, item n.º 25. 33 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 413.

autora ou partícipe do crime tipificado no art. 126. Se for excluído, por

outro lado, o art. 126, o agente provocador do aborto será co-autor ou

partícipe do crime do art. 124, segunda parte. Contudo, a lei penal

descreve dois crimes distintos quando, pela adoção da teoria unitária,

deveria existir crime único34.

2.º) Crime de bigamia do art. 235, caput, e o previsto no § 1º. O

agente que contrai novo casamento responde por bigamia, na conduta

descrita no caput do art. 235. Já a mulher solteira que contrai matrimônio

com o agente casado responde por Bigamia, só que na descrição legal do

§1º do art. 235. Se este não existisse a mulher solteira responderia como

co-autora no art. 235, caput35.

3.º) Crimes de corrupção ativa e passiva (arts. 333 e 317 do Código

Penal). Exemplo: Particular que oferece quantia a um servidor público,

para que este não elabore um auto de infração. O servidor recebe os

valores e não realiza o referido auto de infração. O particular responderá

por corrupção ativa (art. 333), enquanto o servidor público responderá por

corrupção passiva (art. 317).

4.º) Falso Testemunho e Corrupção de Testemunha (arts. 342 e 343

do Código Penal). Exemplo: O advogado do réu que deu dinheiro a

34 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 413. 35 Idem, Ibidem.

testemunha visual do delito para que ela minta em seu depoimento.

Quando do momento da oitiva da referida testemunha, esta faz afirmação

falsa, nega e cala a verdade como anteriormente pactuou com o advogado.

A testemunha responderá por falso testemunho (art. 342), enquanto o

advogado do réu responderá pelo delito de corrupção de testemunha (art.

343).

4. REQUISITOS DO CONCURSO DE PESSOAS

Para a existência do concurso de pessoas, é necessário que existam

requisitos para a sua formação. Na falta de qualquer um desses requisitos,

sequer se pode falar em concurso de pessoas. Tais requisitos são:

Pluralidade de agentes e de condutas, nexo de causalidade material, nexo

psicológico entre os agentes e unidade de crime.

a-) Pluralidade de agentes e de condutas

A pluralidade de agentes e de condutas, também chamada por Celso

Delmanto de “pluralidade de comportamentos”36, é elemento primordial à

caracterização do concurso de pessoas. Por óbvio, para que exista

concurso, mister se faz a existência de mais de um pessoa praticando uma

conduta delituosa. Conforme afirma o professor Rogério Greco, “o

próprio nome está a induzir sobre a necessidade de, no mínimo, duas

pessoas que, envidando esforços conjuntos, almejam praticar determinada

infração penal”37.

Contudo, há de se lembrar que, conforme ensina Esther de

Figueiredo Ferraz, nem todos praticam uma conduta punível da mesma

forma e nas mesmas condições. Enquanto alguns praticam o fato material

típico, representado pelo verbo núcleo do tipo, outros limitam a instigar,

induzir, auxiliar moral ou materialmente o executor ou executores

praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos38. Ou seja, as condutas

praticadas pelos concorrentes podem ocorrer de diversas formas, inclusive

de forma atípica, sendo que, neste caso, os agentes são punidos a título de

partícipes por força do art. 29, caput, do Código Penal, como já afirmado

anteriormente.

36 DELMANTO. Celso. Código Penal Comentado, p. 58. 37 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 514. 38 FERRAZ, Esther de Figueiredo. Ob. Cit., p. 25.

b-) Nexo de causalidade material

O nexo de causalidade material, ainda denominado por Nucci de

“relação de causalidade material”39 ou, segundo René Ariel Dotti de

“relação de causalidade física”40, diz respeito à necessidade de ser a

conduta do participante importante para a ocorrência do resultado. Ou

seja, a conduta do participante deve ter “relevância causal” para a

ocorrência do resultado. Exemplo: Tício diz a Mévio que deseja muito

matar seu desafeto. Mévio, ao ouvir isto, afirma que possui uma arma de

fogo em casa, e que, caso ele (Tício) precise da mesma para cometer o

crime, poderia pegá-la sem problemas. Tício, então, comete o crime de

homicídio mediante o uso da arma de fogo emprestada por Mévio. Neste

caso, a contribuição de Mévio foi relevante para o cometimento do crime,

já que a arma por ele emprestada serviu de meio para a consumação do

crime.

Conforme leciona Damásio, importante afirmar que “a simples

manifestação de adesão a uma prática delituosa não é participação”41.

Portanto, utilizando do mesmo exemplo acima citado, se Mévio, ao ouvir

a intenção delituosa de Tício, apenas afirmasse que iria ajudá-lo a cometer

o crime, mas ao final, o mesmo ocorre sem qualquer auxílio ou influência

39 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 348. 40 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral, p. 354. 41 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 420.

dele, não será Mévio responsabilizado. Isto porque é necessária uma

“exteriorização do desígnio criminoso” na conduta do agente. Deve haver

uma real contribuição do criminoso para a produção do resultado

criminoso. A simples manifestação positiva não tem nexo de causalidade

com o resultado, pois sequer existe qualquer contribuição para a sua

ocorrência.

Consoante explica o professor Rogério Greco, ressalta-se, ainda,

que “se a conduta levada a efeito por um dos agentes não possuir

relevância para o cometimento da infração penal, devemos desconsiderá-

la e concluir que o agente não concorreu para a sua prática”42. Pegando-

se o mesmo exemplo do homicídio, suponha-se que, Mévio emprestou a

Tício a sua arma de fogo. Contudo, nesta hipótese, Tício resolve comprar

uma arma de fogo para ele por achar que a arma de Mévio estava com

problemas. Tício, então, pratica o homicídio usando a arma que comprou,

deixando de lado a arma cedida em empréstimo por Mévio. Nesta hipótese

houve a exteriorização por parte do participante, contudo ela não foi

importante (ou não teve “relevância causal”) para a produção do resultado.

c-) Nexo Psicológico

42 GRECO. Rogério. Ob. Cit., p. 458.

O nexo psicológico, também chamado de liame subjetivo, consiste

na consciência que cada concorrente tem em contribuir para a atividade de

outrem43. Não basta apenas o nexo de causalidade material, mas também o

nexo psicológico entre os agentes em concorrer conjuntamente para a

prática da infração penal.

Para a configuração do liame subjetivo, não se faz necessária a

ocorrência de um acordo prévio (pactum sceleris) entre os concorrentes.

Conforme as palavras de Damásio, “basta que uma vontade adira a

outra”44. Desta forma, importante ressaltar que, no caso da participação,

basta que apenas um dos agentes tenha o liame subjetivo para aderir à

conduta do outro em concurso de pessoas. Exemplo: Tício, porteiro de um

imóvel, ouviu dizer que a região pela qual trabalha está sendo alvo de

diversos saques durante a noite. Por odiar a pessoa de seu patrão,

proprietário do imóvel que é responsável, Tício resolve deixar o portão

aberto na esperança dos saqueadores furtarem os objetos no interior da

casa. Se, em razão do portão aberto, os saqueadores furtarem os bens do

imóvel, Tício será responsabilizado pelo crime de furto à título de

participação, mesmo que os co-autores do furto não saibam de sua

existência.

43 DELMANTO, Celso. Ob. Cit., p. 58. 44 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p . 421.

Destaca-se que, mesmo que a participação for recusada pelo autor

do crime, a mesma ocorrerá45. Utilizando-se do mesmo exemplo,

suponha-se que Tício tenha proposto auxílio aos saqueadores antes do

crime, e estes tenham recusado tal ajuda. Mesmo assim Tício seria

responsabilizado como partícipe do crime de furto praticado.

Diante disto, indaga-se se a mera conivência acarreta a ocorrência

da participação. Conforme o entendimento majoritário dos doutrinadores,

dentre os quais destacam-se Mirabete e Bittencourt, a mera conivência não

é punível. Conforme ensina Mirabete, “a mera ciência, a assistência, ou

mesmo a concordância psicológica para o evento, sem que a pessoa

concorra com uma causa, porém, difere da instigação, não é punida”46.

Completa Bittencourt ao dizer que “a mera conivência não é punível, à

título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de

contribuição causal, ou constituir, em si mesma, uma infração típica”47.

Em outras palavras, quis dizer o ilustre doutrinador que a conivência só

será punível se ela contribuir de alguma forma para a ocorrência do delito

(nexo de causalidade material), ou se ela for tipificada como uma infração

penal autônoma (ex: omissão de socorro). Também não há concurso

quando uma pessoa não denuncia às autoridades competentes que um

delito vai ser praticado, salvo quando tiver o dever jurídico de impedir o

45 Idem, Ibidem. 46 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 228. 47 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit. , p. 515.

resultado48. Exemplo: Transeunte que ouve uma conversa entre traficantes

que organizam a venda de entorpecentes, e nada faz por ter medo. Neste

caso o transeunte não será considerado partícipe do crime de tráfico. Outro

exemplo: Policial militar que ouve a conversa os traficantes sobre a venda

de entorpecentes e nada faz. Neste caso ele será responsabilizado como

partícipe, pois é seu dever funcional coibir a prática criminosa.

A falta do requisito em exame, conforme aponta Bittencourt,

“desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas

isoladas e autônomas”49. Exemplo: Dois sujeitos, cada um sem saber da

existência do outro, desferem tiros em Caio, gerando a sua morte. Neste

caso, não há a incidência do art. 29, caput (concurso eventual), e cada um

deles responderá, isoladamente, pelo seu crime. Ocorreram dois crimes,

um praticado pelo primeiro, e o outro praticado pelo segundo,

contrariando, assim, a regra da teoria monista. Existindo o vínculo

psicológico, todos os concorrentes responderão conjuntamente pelo

resultado delitivo, respeitando-se, contudo, a culpabilidade de cada um.

A inexistência do liame subjetivo também pode acarretar as

chamadas autoria colateral, autoria incerta e autoria desconhecida. Tais

casos específicos serão objetos de análise adiante.

48 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 228. 49 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 515.

d-) Unidade do crime

O requisito da unidade do crime, ou identidade de infração penal, se

traduz pela própria teoria monista, regra geral adotada pelo atual Código

Penal. Então, pela redação do art. 29, caput, do Código Penal, conclui-se

que todos os participantes do concurso respondem pelo mesmo crime, ou

seja, incidem na mesma tipificação legal.

Destaca Damásio que tal requisito foi mitigado50 pelo art. 29, § 2º

(participação dolosamente distinta), cujo estudo se dará em momento

oportuno.

Importante ressaltar, por fim, que o professor Guilherme de Souza

Nucci indica como um quinto requisito do concurso de pessoas a

“existência de fato punível”. Afirma que “se o crime não é mais punível,

por atipicidade reconhecida, por exemplo, para um dos co-autores, é

lógico que abrange todos eles”51.

50 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 424.

Ora, por certo que assiste razão o exemplo dado pelo ilustre autor.

Se os agentes não forem apenados em razão de atipicidade do fato, tal

circunstância se entenderá aos demais. Contudo, tal situação não pode ser

adotada como requisito do concurso de pessoas, pois se um fato é

considerado atípico, sequer há crime. Ou seja, a atipicidade do fato não é

requisito do concurso de agentes, mas sim da própria existência da

infração penal, que é fato típico e antijurídico52.

5. A HOMOGENEIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO

Significa afirmar que, para a configuração do concurso de pessoas,

é necessário que os participantes estejam atuando com o mesmo elemento

subjetivo53. Com base nesse entendimento, pode-se afirmar que inexiste

participação dolosa em crime culposo, e participação culposa em crime

doloso.

No caso de participação dolosa em crime culposo, é pacífico o

entendimento que o que ocorre, na verdade, é uma das hipóteses de erro

sobre elementos do tipo (art. 20, caput, do Código Penal). Como bem

lembra Rogério Greco, ocorre o chamado erro de tipo inescusável

determinado por terceiro, uma vez que o primeiro agente se vale de um

51 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 349. 52 O presente trabalho adotou o conceito analítico de crime, segundo o Finalismo de Welzel.

terceiro para a prática do crime, sendo que este último o pratica

culposamente54. Exemplo: O médico que troca o frasco de remédio que

seria ministrado a um doente e, no lugar, coloca um frasco de veneno. A

enfermeira, de forma negligente, ministra o remédio ao doente sem olhar o

que dizia o vidro. Neste caso, há dois crimes, um homicídio doloso pelo

médico, e um homicídio culposo pela enfermeira. Existindo dois crimes,

não há de se falar em concurso de pessoas, já que, como visto, é requisito

da co-delinqüência a existência de crime único (teoria monista).

Agora, no que tange a participação culposa em crime doloso, a

solução é semelhante. Nesta hipótese também não há concurso, pois

existem dois crimes, o que vai contra a regra geral da teoria monista.

Exemplo: O médico que, de forma negligente, entrega veneno à

enfermeira acreditando ser remédio. A enfermeira, percebendo o engano

do médico, mas com o intuito de matar o paciente, ministra-lhe a

substância mortal55. Neste caso, a enfermeira apenas aproveitou-se da

conduta negligente do médico, ocorrendo, assim dois crimes: Homicídio

culposo para o médico e homicídio doloso para a enfermeira.

Feitas as explicações, pergunta-se se é possível participação

culposa em crime culposo. A resposta é controversa, dividida em duas

correntes doutrinárias.

53 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p.422. 54 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p.512.

O primeiro entendimento, que é amplamente majoritário na

doutrina, afirma não cabe participação, mas apenas co-autoria em crime

culposo. Isto porque o crime culposo é constituído de um tipo aberto,

sendo autor todo aquele que descumpre o chamado “dever jurídico de

cautela”. Exemplo: O passageiro apressado que induz o taxista a empregar

maior velocidade ao automóvel, e por ser este imperito, atropela e mata

uma pessoa56. A solução é que ambos são co-autores, uma vez que suas

condutas se amoldam à figura típica do crime culposo que exige apenas a

falta do dever jurídico de cautela.

A segunda corrente, a qual é seguida pelos professores Rogério

Greco e Miguel Reale Júnior, entende que é possível participação culposa

em crime culposo apenas nas modalidades induzir e instigar. O autor será

aquele que realizar a conduta contrária ao dever jurídico de cautela,

enquanto que o partícipe será aquele que induzir ou instigar alguém a

realizar a conduta contrária ao dever de cautela.

Assim afirma Rogério Greco: “Com o devido respeito à autoridade

que possuem os mencionados autores, ousamos discordar de suas

posições. Quando alguém, no exemplo do automóvel, induz ou estimula

outrem a imprimir velocidade excessiva, objetivando, geralmente,

55 JESUS, Damásio Evangelista. Ob. Cit. , p. 422. 56 JESUS, Damásio Evangelista. Ob. Cit., p. 423.

alcançar alguma finalidade ilícita, era-lhe previsível, nas circunstâncias,

que, anuindo ao pedido, a conduta do motorista poderia que detinha o

controle do automóvel. Não foram as condutas conjugadas

simultaneamente que levaram à eclosão do acidente, tal como no exemplo

dos operários que, juntos, arremessam a tábua por sobre o tapume? Autor

será aquele que praticar a conduta contrária ao dever objetivo de

cuidado; partícipe será aquele que induzir ou estimular alguém a realiza

a conduta contrária ao dever de cuidado”57.

Muito embora a segunda posição tenha fundamentos relevantes,

entende-se mais pertinente a primeira corrente, pois a conduta culposa dos

participantes já é considerada a quebra ao dever objetivo de cautela. Se o

participante, de forma culposa, induzir ou instigar alguém a agir

culposamente, estará a descumprir o dever de cautela, juntamente com o

segundo que atendeu a instigação ou induzimento.

De qualquer forma, se adotada qualquer das correntes, é pacífico o

entendimento que inexiste o concurso de pessoas se não restar presente a

homogeneidade do elemento subjetivo.

57 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 516.

CAPÍTULO II

DIVISÃO DO CONCURSO DE PESSOAS: AUTORIA, CO-

AUTORIA E PARTICIPAÇÃO

1. ASPECTOS GERAIS

O Art. 29, caput, do Código Penal não conceitua, e tão pouco

diferencia, as figuras do concurso de pessoas. Adotando a teoria unitária,

como já afirmado, o citado dispositivo apenas expressa que todos que

concorrem para o cometimento do crime, incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade. Entrementes, é inegável

afirmar que existem diferenças entre os participantes do crime, sendo eles

divididos entre autores, co-autores e partícipes.

Antes da ocorrência da Reforma Penal de 1984, o Código Penal

sequer fazia qualquer menção sobre a existência do partícipe, já que, como

afirmado, o referido diploma adotava a teoria monista em sua total

amplitude. Dessa forma, o reconhecimento e a diferenciação das figuras

do concurso de pessoas ficavam a encargo da doutrina e da jurisprudência.

Com a promulgação da Lei n.º 7.209 de 1984, foi finalmente

reconhecida a existência da participação, com o surgimento dos §§ 1º e 2º

do art. 29. Contudo, mesmo reconhecida a divisão do concurso, o

legislador penal não estabeleceu a definição de autor, co-autor e partícipe,

ainda permanecendo tal tarefa para os intérpretes da norma jurídica penal.

2. AUTORIA

2.1 Conceito de autor

Considera-se autor todo aquele que realiza a conduta descrita no

núcleo do tipo penal, ou aquele que, praticando-a ou não, detém o domínio

final sobre o fato criminoso.

2.2 Natureza jurídica da autoria

Para definir a natureza jurídica da autoria, foram criadas três teorias

a respeito: Teoria restritiva, extensiva e do domínio do fato.

A teoria restritiva, adotada em um critério formal objetivo, afirma

que autor é quem realiza a figura típica. Ou seja, “é aquele que pratica o

verbo do núcleo do tipo”58. O partícipe, então, seria aquele que pratica

atos que não se amoldam à figura típica. Esta teoria, muito embora

distingue a autoria da participação, encontra críticas doutrinárias no

sentido de não abranger a chamada autoria mediata.

Dentre os autores brasileiros que adotam a teoria restritiva,

destacam-se Heleno Cláudio Fragoso, José Frederico Marques e Julio

Fabbrini Mirabete.

Para a teoria extensiva, em um critério material-objetivo, considera-

se autor todo aquele que contribuiu de alguma forma para o resultado

criminoso. Este posicionamento tem por base a teoria da equivalência das

condições. Conforme afirma Rogério Greco, a teoria extensiva encontra-se

em uma situação diametralmente oposta ao conceito restritivo. Isto porque

ela não distingue autor e partícipe, uma vez que todos aqueles que, de

algum jeito, colaboram para a prática do delito, são considerados

58 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 516.

autores59. Dentre as críticas apontadas a esta teoria, destaca a de Mirabete,

que afirma: “Tal orientação, porém, desconhece a realidade de que nem

sempre é autor aquele que contribui com uma causa para o resultado e

que a própria lei prevê distinção no tratamento penal daquele que quis

participar de crime menos grave, daquele que teve uma participação

menos no fato etc”60. Ora, como já afirmado no presente trabalho, autores

e partícipes são figuras distintas, não sendo admitida, dessa forma, a

aplicabilidade desta teoria.

Com o fim de resolver o problema da teoria extensiva, foi criada a

chamada teoria subjetiva da participação. Tal teoria busca estabelecer um

critério de distinção entre autores e partícipes, sob um crivo subjetivo.

Dessa forma, o autor seria aquele que deseja o fato como próprio, agindo

com vontade de ser autor (animus auctuoris), e o partícipe, por sua vez,

desejaria o fato como alheio, agindo com vontade de partícipe (animus

socii).

Mesmo a teoria extensiva sendo atrelada à teoria subjetiva, a

mesma encontra empecilhos quanto à sua aplicabilidade. Isto porque nem

sempre o autor pratica o crime desejando o fato como próprio, bem como

o partícipe nem sempre que o fato como alheio. Destaca-se o exemplo

59 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 464. 60 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 229.

dado pelo professor Rogério Greco61: o matador de aluguel que causa a

morte da vítima, não porque a desejava, mas, sim, porque fora pago para

tanto.

Por fim, a terceira e última, a teoria do domínio do fato, criada pelo

professor alemão Hans Welzel, sob um critério objetivo-subjetivo, dispõe

que autor é todo aquele que tem o controle final do fato, domina

finalisticamente o decurso do crime e decide sobre a sua prática,

interrupção e circunstâncias62. Ele é o chamado “senhor do fato”. O autor

tem o “poder de decisão sobre a realização do fato”63.

A teoria do domínio do fato tem por base a teoria finalista da ação

também criada por Welzel, e realiza a distinção entre autor e partícipe, já

que este não tem o domínio final do fato, sendo responsável apenas por

induzir instigar e auxiliar. Também abrange a autoria mediata, já que,

neste caso, o autor mediato possui o domínio do fato, enquanto utiliza

como meio para a realização do crime uma pessoa que não tem dolo nem

culpa em sua conduta (autor imediato). Também comporta a chamada

autoria intelectual, ou seja, o chefe do grupo criminoso que, muito embora

não pratique a figura típica, é considerado autor o domínio final sobre o do

fato. Tal teoria encontra aceitação entre os autores brasileiros, dentre os

61 GRECO, Rogério, Ob. Cit., p. 465. 62 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 407. 63 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 229.

quais, mencionam-se Damásio Evangelista de Jesus, Luis Régis Prado,

Cézar Roberto Bittencourt e Rogério Greco.

Também encontra críticas a teoria do domínio do fato, pois sua

aplicação só é possível em relação a crimes dolosos, não podendo

abranger os crimes culposos. Isto porque os crimes culposos caracterizam-

se justamente pela falta de domínio do fato pelo agente64, uma vez que

este causou o resultado por imprudência, negligência ou imperícia. No

mais, conforme afirma o professor Damásio, nos crimes culposos “inexiste

distinção entre autoria e participação: é autor todo aquele que, mediante

qualquer conduta, produz um resultado típico, deixando de observar o

cuidado objetivo necessário”65. Fala-se da falta do já falado dever objetivo

de cautela, requisito indispensável para a ocorrência dos crimes culposos.

Agora, indaga-se qual a teoria adotada pelo Código Penal de 1940.

Anteriormente à Reforma Penal de 1984, entende-se que era adotada a

teoria extensiva, já que a lei não distinguia autores e partícipes. Todo

aquele que contribuía de alguma forma para o cometimento do crime era

considerado autor.

Após a exige da Lei n.º 7.209/84, poderia se dizer que o Código

adotou a teoria restritiva, uma vez que há nítida distinção entre autores e

64 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 519. 65 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 408.

partícipes (art. 29, §§ 1º e 2º; art. 62, III, do Código Penal). Contudo,

como já afirmado acima, a teoria restritiva não resolve o problema da

autoria mediata e, no mais, o Código, com a Reforma Penal, passou a

adotar o finalismo de Welzel. Dessa forma, entende-se mais pertinente

afirmar que após o advento da citada lei, o código adotou a Teoria do

Domínio do Fato. Neste sentido, também afirma Damásio: “realmente, o

CP, na reforma penal de 1984, adotou a tese finalista, como pode ser

demonstrado pela introdução do dolo na estrutura da conduta e na

conceituação do erro de tipo e de proibição. Por coerência lógica,

admitimos que também acolheu a teoria do domínio do fato”66.

3. CO-AUTORIA

3.1 Conceito de Co-autor e Aspectos Gerais da Co-autoria

Considera-se co-autor é todo aquele que pratica conjuntamente a

conduta descrita no tipo penal, ou todos aqueles que concorrerem para

infração com domínio sobre o fato, contribuindo todos efetivamente e de

forma relevante para o aperfeiçoamento do crime67. Há uma união

consciente (liame psicológico) de autores para a prática da infração penal.

Por isso, fala-se que a co-autoria, em última análise, é a própria autoria68.

66 Idem, Ibidem. 67 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 523.

Em se tratando da co-autoria, o domínio final do fato ocorre pelo

chamado “princípio da divisão de tarefas”. Ou seja, para a configuração da

co-autoria, não basta que todos sejam executores, mas sim que tenham

uma contribuição conjunta, relevante e necessária para a prática delitiva69.

Não é necessário que a conduta de todos esteja prevista no tipo penal, mas

sim que, pela divisão de tarefas, o crime constitua conseqüência das

condutas repartidas, produto final da vontade comum70. Com isso, fala-se

que na co-autoria existe o chamado “domínio funcional do fato”.

Dessa forma, relevante demonstrar a classificação de Damásio

sobre este assunto. A co-autoria, segundo o renomado professor se divide

em: Co-autoria direta e parcial (funcional). A co-autoria direta ocorre

quando todos os sujeitos realizam a conduta descrita no tipo penal.

Exemplo: Diversas pessoas que agridem uma pessoa produzindo-lhe

lesões corporais. Já na co-autoria parcial ou funcional ocorre a divisão de

tarefas executórias. Os atos executórios do iter criminis são distribuídos

entre os diversos autores, os quais são responsáveis por um elo da cadeia

causal. As colaborações são diferentes, constituindo partes e dados de

união da ação coletiva, de modo que a ausência de uma faria o delito se

frustrar71. Exemplos: Na prática de um roubo a um banco, são divididas as

ações de apoderamento de dinheiro, constrangimento das vítimas mediante

68 Idem, Ibidem. 69 GRECO, Rogério, Ob. Cit., p. 468. 70 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p.410. 71 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p.410.

ameaça, vigilância e direção do veículo de fuga; em um estupro, um

agente ameaça a vítima, e o outro mantém com ela conjunção carnal.

Portanto, a co-autoria, por ser uma união de autorias, também se

aplica o domínio final do fato, destacando-se a divisão de tarefas (domínio

funcional do fato).

4. AUTORIA MEDIATA

Conforme conceitua Nucci, “trata-se de uma modalidade de

autoria, ocorrendo quando o agente se vale de pessoa não culpável, ou

que atua sem dolo ou culpa, para executar o delito”72. O autor mediato

deseja e tem o controle sobre a conduta criminosa, contudo não a prática

diretamente. Ele utiliza de alguém não culpável como um instrumento

para tanto. Dessa forma, fala-se que o autor mediato é o “homem de

trás”73.

O autor mediato, também chamado de autor indireto, tem o

domínio sobre o fato, e realiza o crime por intermédio de outrem que não

72 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 349. 73 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 521.

pode ser responsabilizado penalmente, que é chamado de autor imediato,

ou direto. O autor imediato não detém o domínio do fato. Ele é apenas um

“instrumento” nas mãos do autor mediato para a prática do crime.

Exemplos: Mévio, com o escopo de não correr risco de ser preso, ordena a

seu filho de dezessete anos cometer diversos furtos em lojas de

conveniência; A enfermeira que, por ordem do médico, ministra um

veneno ao paciente supondo se tratar de um medicamento74.

Relevante dizer que na autoria mediata não há concurso de pessoas,

mas apenas uma espécie de autoria. Neste mesmo sentido afirma com

propriedade o professor Mirabete: “não há concurso de agentes, mas

apenas um autor mediato, pela realização indireta do fato típico”75. Na

autoria mediata apenas o autor mediato reponde pelos crimes, ficando o

autor imediato isento de pena.

Por fim, como última observação, importante lembrar que é

requisito indispensável a falta de culpabilidade por parte do autor imediato

na prática do crime. Caso o autor imediato seja culpável não será autoria

mediata, mas sim um autêntico concurso de pessoas. Exemplo: Mévio,

entendendo que Tício é menor, passa a induzí-lo que pratique um roubo a

uma joalheria. Tício realiza o roubo, contudo ele era maior de dezoito

74 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 232. 75 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 232.

anos na época da conduta. Neste caso Mévio é partícipe, e Tício é autor,

sendo ambos responsabilizados penalmente.

4.1 Hipóteses de Autoria Mediata

O atual Código Penal expressa quatro hipóteses de autoria mediata,

a saber:

a-) inimputabilidade por doença mental ou por menoridade penal

(arts. 26, caput, e 27, do Código Penal) – Exemplos: O pai que dá a arma

ao filho menor e determina que ele mate seu desafeto; O servidor público

do manicômio judiciário que entrega uma faca ao doente mental, e a este

ordena que mate o diretor do estabelecimento;

b-) erro de tipo escusável determinado por terceiro (art. 20, § 2º, do

Código Penal) – Exemplo: O médico que insere veneno no vidro de

remédio de um paciente que é seu inimigo capital, e ordena que a

enfermeira vá ministrá-lo, sem que ela saiba;

c-) coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, do Código

Penal) – Exemplo: O criminoso que ameaça o pai de família dizendo que

se caso ele não roube um determinado estabelecimento, irá matar a sua

amada filha; Destaca-se que esta hipótese de autoria mediata corresponde

a uma das circunstâncias agravantes no concurso de pessoas (art. 62, II, do

código Penal).

d-) obediência hierárquica de ordem manifestamente legal (art. 22,

segunda parte, do código Penal) – Exemplo: O delegado de policia que

determina ao investigador, seu subordinado, que realize a prisão de um

sujeito, dizendo já estar na posse de um mandado de prisão, quando na

verdade não está76;

5. AUTORIA COLATERAL, AUTORIA INCERTA E

AUTORIA DESCONHECIDA

5.1 Autoria Colateral

Fala-se em autoria colateral quando dois ou mais agentes, embora

convergindo as suas condutas para a prática de determinado crime, não

atuam unidos pelo liame subjetivo77. Ou seja, ocorre autoria colateral pela

inexistência do vínculo psicológico entre a conduta dos agentes que, muito

embora, realizam a prática delitiva visando mesmo fim.

76 GRECO, Rogério. Ob. cit. , p. 471. 77 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 479.

O exemplo dado pela doutrina clássica corresponde ao seguinte:

Suponha-se que Tício e Mévio queiram a morte de Caio. Por mera

coincidência, os agentes, sem que um não saiba da existência do outro

naquele local, se colocam em emboscada, aguardando Caio passar.

Quando Caio aparece, Tício e Mévio realizam disparos de arma de fogo

em direção à ele, causando sua morte. Nesta situação, fala-se que ambos

são autores colaterais, não podendo se falar em concurso de pessoas, uma

vez que lhe falta um dos seus requisitos (vínculo psicológico).

No exemplo acima, caso existisse o vínculo psicológico entre os

agentes poderia se falar em concurso de pessoas e, dessa forma, ambos

seriam apenados conjuntamente (na medida de sua culpabilidade) pela

prática de crime de homicídio consumado (art. 121, caput, do Código

Penal), mesmo que apenas um dos agentes tenha atingido a vítima. Isto

decorre da unidade de infração (teoria monista), como já afirmado em

item específico.

Contudo, deve-se indicar qual a solução adequada em relação à

autoria colateral. Como ambos os agentes não agiam em concurso pela

falta de liame psicológico, cada um responderá como autor de uma

determinada infração penal. Utilizando o mesmo exemplo, imagine-se que

a bala que acertou Caio partiu do revolver de Tício, enquanto Mévio, por

ter menos experiência com armas de fogo, errou o alvo pretendido. A

solução dada é que Tício responda por homicídio consumado (art. 121,

caput, do Código Penal), enquanto Mévio será responsabilizado por

homicídio tentado (art. 121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal).

5.2 Autoria Incerta

Em alguns casos pode ocorrer que autoria colateral ocasione a

chamada autoria incerta. Conforme afirma Nucci, “chama-se autoria

incerta a hipótese ocorrida no contexto da autoria colateral, quando não

se sabe qual dos autores conseguiu chegar ao resultado”78.

Imagine-se que no exemplo citado em item anterior, depois de

realizada a perícia, não se conseguiu individualizar o responsável pela

morte de Caio. Neste caso, ambos serão responsabilizados por tentativa de

homicídio (art.121, caput, c/c art. 14, II, do Código Penal). Isto tem por

base o princípio do in dubio pro reo, uma vez que, se punidos ambos por

homicídio consumado, um deles estaria respondendo a um resultado que

não deu causa.

5.3 Autoria Desconhecida

A autoria desconhecida não se confunde com a autoria incerta. A

autoria desconhecida ocorre quando não se faz idéia de quem teria

causado ou ao menos tentado praticar a infração penal79. Na autoria

incerta, sabe-se quem são os responsáveis pela tentativa do crime, muito

embora não se possa individualizar o causador do resultado. Na autoria

desconhecida sequer se pode imputar o falto a alguém, ao passo que não

se conhece o autor ou autores. Exemplo: Dois sujeitos, após cometerem

um furto em um supermercado, se evadem do local sem deixar nenhum

indício de autoria.

6. AUTORIA INTELECTUAL

Conforme afirma o professor Damásio Evangelista de Jesus, “na

autoria intelectual o sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime

produto de sua criatividade”80. É quem cria, organiza e estabelece a forma

pela qual o delito será executado pelos outros criminosos. Ele é o chamado

homem “inteligente do grupo”81. Exemplos: O chefe de uma facção

criminosa; o organizador de um grupo de extermínio.

78 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 350. 79 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p.481. 80 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 409. 81 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 475.

A autoria intelectual também é abrangida pela teoria do domínio do

fato, pois não se faz necessário que o autor intelectual pratique qualquer

conduta típica para ser assim considerado. Ele é tido como autor por ter o

domínio do fato sobre a prática do crime.

Deve-se ressaltar que a autoria intelectual configura uma das

hipóteses de agravantes no concurso de pessoas (art. 62, I, do código

Penal).

7. PARTICIPAÇÃO

1. Conceito de Partícipe e Aspectos Gerais da Participação

Nas palavras de Magalhães Noronha, “partícipe é todo aquele que,

embora não pratique atos executórios, concorre de qualquer modo para o

resultado. Partícipe, assim, é o que pratica um ato que contribui para a

realização do crime, ato este diverso do realizado pelo autor ou pelos co-

autores”82. Destaca-se, ainda, que é aquele que, além de contribuir para o

crime sem praticar a conduta típica, o faz sem o poder de decisão sobre a

execução ou consumação do crime83. Em suma, o partícipe não detém o

domínio final sobre o fato. Exemplo: O indivíduo que empresta a arma ao

criminoso, a fim de facilitar que este cometa o roubo.

Fala a doutrina que a contribuição do partícipe é sempre acessória

ao do autor. Isto porque ela só tem relevância jurídica quando o autor (ou

co-autor) pratica a conduta descrita no tipo penal, fazendo com que, dessa

forma, o partícipe responda pelo crime por força da norma de ligação do

art. 29, do Código Penal. A relevância da participação está atrelada a

conduta típica daquele que a realiza. Neste mesmo sentido, ensina o

professor Heleno Cláudio Fragoso: “Como já vimos, a participação é

necessariamente acessória, porque está em função da conduta típica

realizada por outrem. Em si mesma, a participação se realiza através de

conduta penal irrelevante, que acede ao fato principal, adquirindo

relevância somente quando, pelo menos, o autor inicia a execução”84. Ou

seja, a conduta do partícipe, por si só, não tem relevância porque não é

típica. Ela somente será penalmente relevante se existir a autoria ou co-

autoria na prática do crime, sendo permitida a sua punição por força do

art. 29.

82 NORONHA, Edgard Magalhães. Ob. Cit., p. 212. 83 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 411.

Para a configuração da participação, mister se faz que o partícipe

saiba que seu comportamento se destina a contribuir para a prática do

crime pelo autor (vínculo psicológico). Exemplo: O indivíduo que

empresta a faca a outro para cortar peixe, quando na verdade, este irá

utilizá-la para matar alguém. Também a contribuição do partícipe deve ser

relevante para a prática delitiva (nexo de causalidade material), pois se for

irrelevante, não há participação. Por isso, fala-se que não é possível

tentativa de participação. Exemplo: indivíduo que solicita uma arma a seu

amigo, dizendo que irá utilizá-la para matar alguém, e o amigo a empresta.

Contudo, aquele indivíduo, ao cometer o homicídio, não utiliza a arma

emprestada pelo amigo, mas sim uma faca.

Por fim, importante mencionar que a participação só pode ser

dirigida a atos praticados pelo autor antes da consumação do delito.

Portanto, dentro do iter criminis, a participação pode ocorrer até os atos de

execução, não se admitindo, assim, a participação após à consumação do

delito. Caso algum indivíduo queira contribuir com o agente depois do

resultado criminoso, não será ele partícipe, mas possível autor de uma

infração penal autônoma. Exemplo: o pai do “roubador” que esconde o

produto do crime para que não haja provas de materialidade delitiva contra

seu filho. Neste exemplo, o pai será autor do crime de favorecimento real

(art. 349, do Código Penal).

TP

84 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ob. Cit., p. 317.

7.2 Natureza Jurídica da Participação

São duas as teorias que buscam definir a natureza jurídica da

participação. A aplicação de uma dessas teorias pode implicar em

classificar a participação como acessória ou principal. As teorias são as

seguintes: teoria causal e teoria da acessoriedade.

A teoria causal, criada por Von Buri em meados do século XIX,

afirma que a prática de atos em união de agentes é a causa do crime, ou

seja, a teoria causal apenas considera a causa do crime, sendo esta causa a

atividade de cada um dos concorrentes para a prática do crime. Ela tem

por base a teoria da equivalência dos antecedentes, portanto, não há

qualquer distinção entre autores e partícipes. Conforme assinala Damásio,

“o partícipe não é responsável pelo fato do crime alheio, mas por crime

próprio, pois este delito é tão próprio em relação àquele que executa

materialmente a conduta típica quanto ao que dá causa ao evento de

modo diferente”85. Assim sendo, de acordo com essa teoria, a

participação não é acessória.

Já a teoria a acessoriedade afirma que a participação é acessória ao

fato principal86, ou seja, ao fato praticado pelo autor ou co-autores. Assim,

85 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 414. 86 Idem, Ibidem.

não se pode falar em participação sem que haja autoria. Como já afirmado

anteriormente, a participação está atrelada à conduta típica do autor, sendo

que aquele só será punido por algo se a conduta típica for praticada.

Anteriormente à vigência da Lei n.º 7.209/84, entende-se que era

aplicada a teoria causal em relação á participação, já que não havia

qualquer diferenciação entre autores e partícipes. Contudo, após o seu

surgimento, restou inaplicável a teoria causal, sendo aplicada em seu lugar

a teoria da acessoriedade, uma vez que, por ela, existe a distinção entre

autoria e participação. No mais, o partícipe exerce uma função acessória à

autoria, como já explicado anteriormente.

7.2.1 As Classes de Acessoriedade

Com a acessoriedade surgiram mais quatro teorias que buscam

definir o momento em que a participação será punível. As teorias são as

seguintes: teoria da acessoriedade mínima, teoria da acessoriedade

limitada, teoria da acessoriedade extrema e teoria da hiperacessoriedade.

a-) Para a teoria da acessoriedade mínima basta que o autor realize

uma conduta típica;

b-) Já pela teoria da acessoriedade limitada, o fato principal deve

ser típico e antijurídico;

c-) Para a teoria da acessoriedade extrema, mister se faz que o autor

pratique fato típico, antijurídico e culpável.

d-) Por fim, pela teoria da hiperacessoriedade, é preciso que o fato

típico praticado pelo autor seja típico, antijurídico, culpável e punível.

A teoria da acessoriedade mínima não pode ser adotada, uma vez

que poderia ocorrer a hipótese de a conduta do autor estar abarcada por

uma causa excludente de ilicitude. Exemplo: Indivíduo que induz alguém

a agir em legítima defesa, vindo a morrer o agressor87. Neste exemplo,

muito embora o fato praticado pelo autor não seja antijurídico, a conduta é

típica. Se teoria da acessoriedade fosse aplicada a este caso, o executor

não seria punido, pois estaria tutelado pela legítima defesa, enquanto o

partícipe seria punido pelo homicídio, uma vez que a conduta do autor foi

típica.

Também não pode ser aplicada a teoria da acessoriedade máxima,

pois o partícipe não seria punido nos casos em que o autor fosse não

culpável. Exemplo: sujeito que, sem o domínio do fato, empresa uma faca

a um menor para que este pratique um roubo em um supermercado. Neste

caso, por ser inimputável o autor, o partícipe também não seria punido.

Ainda, não resta dúvida sobre a inaplicabilidade da teoria da

hiperacessoriedade, já que, além de abranger o defeito da teoria da

acessoriedade máxima, exige a punibilidade do autor, o que é

inadmissível. Exemplo: O sujeito que, sem o domínio do fato, emprestou a

arma utilizada na prática de um homicídio. Contudo, após a prática o

homicídio, o autor se suicida. Ocorre que a morte do agente é uma das

hipóteses de extinção da punibilidade (art. 107, I, do Código Penal), e não

sendo o autor punido, também não é punido o partícipe que emprestou a

arma.

Portanto, de todas as teorias apresentadas, entende-se como mais

pertinente a teoria da acessoriedade limitada, pois, como vislumbrado

acima, as demais encontram defeitos quando aplicadas em determinados

caso concretos. Para que o partícipe seja punido, basta que o autor tenha

praticado o injusto penal.

7.3 Modalidades de Participação

87 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 416.

A participação pode ocorrer por diversas modalidades, tal como

instigação, ajuste, determinação, organização, entre outras. Contudo, para

fins de modalidades de participação, a doutrina considera três:

Induzimento, instigação e auxílio.

O induzimento, também chamado de determinação, significa

“suscitar uma idéia. Tomar iniciativa intelectual, fazer surgir no

pensamento do autor uma idéia até então inexistente”88. O partícipe faz

“brotar a idéia criminosa da cabeça do autor”89. Exemplo: Tício,

desolado, diz a Mévio que está completamente insolvente e não sabe o que

fazer para cumprir suas obrigações. Mévio, querendo dar um conselho a

seu amigo, diz a Tício que a solução para esta situação é roubar o banco

em determinada avenida. Caso Tício, por força de tais palavras, venha a

cometer um roubo, Mévio será considerado partícipe desse crime.

A instigação significa reforçar, estimular uma idéia já existente na

mente do autor90. Neste caso já havia um “propósito de delinqüir e alguém

reforça ou estimula esse propósito”91. Exemplo: Caio e Tibúcio, dois

torcedores, voltam para a casa de metrô após o término do jogo em que o

time de futebol de ambos havia sido derrotado. Em uma das estações surge

um torcedor do time adversário que visualizado por Caio, este afirma que

88 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 524. 89 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 483. 90 Idem, Ibidem 91 FERRAZ, Esther de Figueiredo, Ob. Cit., p. 174.

deseja agredir aquele torcedor. Ao ouvir isto, Tibúcio afirma a Caio que

ele deveria fazer isto mesmo, porque é isto que aquele torcedor merece.

Caso Caio venha a produzir lesões corporais no torcedor do time

adversário, Tibúcio também será responsabilizado penalmente, á título de

partícipe instigador.

Deve-se lembrar que, tanto o induzimento, como a instigação, deve

ser feitos a autores determinados sobre fatos também determinados. Ou

seja, a conduta dolosa do partícipe deve dirigir-se a contribuir,

acessoriamente, à prática de determinado ilícito penal, que será levada a

efeito por uma ou várias pessoas também determinadas92.

Portanto, caso um indivíduo realize, de forma genérica,

induzimento ou instigação, não será ele considerado partícipe dos crimes

eventualmente praticados. Será, na verdade, autor do delito de “incitação

ao crime” (art. 286, do Código Penal). Exemplo: Sujeito, em uma palestra

de faculdade, afirma que a melhor forma de ganhar dinheiro é traficar

drogas, e que pessoas inteligentes assim o fazem.

Por fim, o auxílio, também denominado cumplicidade, significa

contribuir para o crime no aspecto material. O cúmplice ou auxiliador

exterioriza a sua contribuição através de um comportamento93. Exemplos:

92 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 486 93 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 524.

Sujeito que empresta a arma a outro para que este cometa um crime roubo;

O funcionário do banco que revela, por livre e espontânea vontade, ao seu

amigo criminoso o segredo do cofre.

7.4 Participação nos Casos de Desistência Voluntária e

Arrependimento Eficaz do Autor

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são institutos

que têm por finalidade evitar que o autor que desiste voluntariamente de

prosseguir com a execução, ou impede que o resultado delitivo ocorra,

responda pela tentativa do crime por ele anteriormente pretendido.

Indaga-se se a aplicação destes institutos se estende ao partícipe.

Exemplo: Tício induz Mévio a praticar um crime de homicídio contra o

desafeto de ambos, Caio. Mévio, então, ao praticar a conduta criminosa

contra Caio, dispara contra ele todas as balas de seu revolver, contudo,

sem produzir o resultado pretendido. Caio foi atingido por duas vezes, e

Mévio, vendo tal situação, se arrepende e leva Caio ao hospital, salvando a

sua vida.

À respeito deste assunto destacam-se duas correntes:

A primeira corrente, a qual é seguida por Nilo Batista e Esther

Figueiredo Ferraz, afirma que o benefício da desistência voluntária e do

arrependimento eficaz se estende ao partícipe. Isto porque, devido á

acessoriedade (limitada) da participação, a desistência ou arrependimento

do autor levará à atipicidade da conduta inicial por ele praticada94. Ou

seja, retirada a tipicidade, inexiste injusto penal, fazendo com que o

partícipe não responda. Neste mesmo sentido destacam-se as palavras da

professora Esther de Figueiredo Ferraz95: “Se o executor desiste

voluntariamente da consumação do crime ou impede que o resultado se

produza, responderá apenas pelos atos já praticados (art. 13),

beneficiando-se dessa circunstância inteiramente alheia às respectivas

vontades os vários partícipes, uma vez que a isso conduz a doutrina

unitária do concurso acolhida pelo art. 25”96.

Já a segunda corrente afirma que o benefício da desistência

voluntária e do arrependimento eficaz não se estende ao partícipe.

Conforme afirma Rogério Greco, quando o autor ingressa na fase dos atos

de execução, almejando consumar a infração penal por ele pretendida, tal

fato já é suficiente para possibilitar a punição do partícipe. Uma vez

94 BATISTA, Nilo. Concurso de Agentes. p. 135; GRECO, Rogério. Ob. Cit. , p. 487. 95 FERRAZ, Esther de Figueiredo. Ob. Cit., p. 173-174. 96 A referência aos arts. 13 e 15 correspondem, respectivamente, aos atuais arts. 15 e 25 da nova parte geral modificada pela Lei n.º 7.209/84.

iniciados os atos de execução, ali nasce a possibilidade de se punir o

partícipe97. Tal regra pode ser extraída, a contrario sensu, do art. 31 do

Código Penal.

Das duas correntes, entende-se ser mais pertinente a primeira. Não

no aspecto da adoção da teoria monista, uma vez que, como já afirmado, o

Código Penal após à sua reforma em 1984 passou a adotar uma teoria

monista “temperada”. Deve ser entendida pela diretriz da adoção da teoria

da acessoriedade limitada, a qual afirma que para que exista a

participação, mister é a existência da prática pelo autor de um fato típico e

antijurídico. Ora, se os institutos aqui em exame fazem “desaparecer” a

tentativa do crime pretendido, há uma exclusão da tipicidade do fato e,

fazendo com que não exista crime. Portanto, é mais cabível a aplicação do

primeiro entendimento.

7.5 Participação de Menor Importância

Entende-se como participação de menor importância aquela que

teve leve eficiência causal para a prática do crime98. Ela é uma

colaboração dispensável, que, embora dentro da causalidade, se não

97 GRECO, Rogério. Ob. Cit. , p. 488. 98 DOTTI, René Ariel. Ob. Cit., p. 358.

prestada não impediria a realização do crime99. O crime ocorreria mesmo

se não tivesse ocorrido a atuação do partícipe. Exemplo: Tício empresta a

Mévio uma arma de fogo para que este cometa um crime de roubo. Mévio,

quando dos atos de execução, ameaça a vítima utilizando a arma que Tício

o emprestou juntamente com mais uma de sua propriedade.

Tal hipótese corresponde a um dos benefícios trazidos pela Lei

Penal n.º 7.209 de 1984. Além de tornar expressa a existência da

participação, possibilita uma punição menos severa ao participe que

contribuiu de forma menos relevante para a prática do crime.

Anteriormente à Reforma Penal de 1984, existia dispositivo

corresponde à participação de menor importância no antigo art. 48, inciso

II, do Código Penal, no qual era tratada como circunstância atenuante.

Dessa forma, ficava a livre critério do juiz o quantum da pena a ser

atenuado. Assim disciplinava o aludido dispositivo:

“Art. 48. São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I – [...];

II – ter sido de somenos importância sua cooperação no crime.”

Verifica-se no antigo art. 48, II, do Código Penal que a expressão

utilizada pelo legislador foi “cooperação”, e não participação. Isto porque,

TP

99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., 237.

como já afirmado no presente trabalho, o Código Penal, antes da Reforma

Penal, não reconhecia legalmente a participação, uma vez que adotava a

teoria monista de forma absoluta.

Com redação dada pela Lei n.º 7.209/84, assim disciplina o art. 29,

§ 1º, do Código Penal:

“Art. 29. [...]

§ 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser

diminuída de um sexto a um terço”.

Portanto, pela lei atual, a participação de menor importância é tida

como uma causa de diminuição de pena, com critérios estabelecidos

legalmente, não podendo, assim, o juiz ficar respeitar os limites de um

sexto a um terço.

Por se tratar de uma causa de diminuição especial, fica obrigado o

juiz aplicá-la quando ocorrer a sua configuração. A faculdade judicial se

refere apenas ao quantum a ser reduzido. Contudo, destaca-se que o

professor Mirabete é contra esse entendimento, afirmando que “trata-se de

uma redução facultativa da pena, podendo o juiz deixar de aplicá-la

mesmo convencido da apoucada importância da contribuição causal para

o delito”100.

7.6 Participação em Crime Menos Grave

Trata-se da chamada “cooperação dolosamente distinta” ou do

nomeado “desvio subjetivo de conduta”. Tal hipótese de participação

ocorre quando o partícipe pretende concorrer para um resultado menos

grave que o efetivamente produzido pelo autor101. Exemplo: Caio solicita

que Tício provoque lesões corporais em Mévio. Contudo, em razão de

Tício odiar a pessoa de Mévio, o agride até provocar a sua morte.

Anteriormente ao surgimento da lei 7.209 de 1984, todos

responderiam pelo crime de homicídio, inclusive o partícipe que quis a

consumação do crime menos grave. Ou seja, o crime mais grave praticado

pelo autor também era imputado ao partícipe, fato extremamente criticado

pela doutrina por caracterizar um caso de “responsabilidade objetiva”102,

algo que é inadmissível no Direito Penal.

100 MIRABETE, Julio Fabbrini. Ob. Cit., p. 237. 101 DOTTI, René Ariel. Ob. Cit., p. 358. 102 A responsabilidade objetiva é aquela que ocorre independentemente de culpa. Atualmente é aceita em outros ramos do Direito, tal como o Civil e o do Consumidor.

Há de se lembrar, porém, que antes da Reforma Penal de 1984,

existia um dispositivo referente ao agente que quis participar de crime

menos grave. Tratava-se de uma causa de diminuição de pena prevista no

art. 48, parágrafo único do Código Penal, nomeada erroneamente de

“atenuação especial da pena”.

Assim disciplinava o citado dispositivo, antes da Reforma Penal:

“art. 48. [...]

Parágrafo único. Se o agente quis participar de crime menos

grave, a pena será diminuída de um terço até metade, não podendo,

porém, ser inferior ao mínimo da cominada ao crime cometido”.

No caso do exemplo acima, sob a égide da lei anterior, Caio

responderia pelo crime de homicídio juntamente com Tício, podendo a

pena de aquele ser reduzida de um terço até metade. Mesmo recebendo o

benefício da diminuição, a Lei não afastava a responsabilidade objetiva do

partícipe, já que ele era punido por um crime cujo resultado não desejou.

Com o advento da Lei 7.209/84, tal problema foi resolvido com a

criação do § 2º do art. 29 do Código Penal, o qual disciplina:

“art. 29. [...]

“§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos

grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até

metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Pela nova disposição, o resultado não desejado pelo partícipe não é

a ele imputado, respondendo apenas pelo crime que desejou praticar.

Conforme afirma Celso Delmanto, “cada concorrente responde de acordo

com o que quis, isto é, de acordo com seu dolo ( não de acordo com o

dolo diverso do autor)”103. Pelo exemplo acima, agora com a aplicação do

novo dispositivo, responderá Caio por lesões corporais, enquanto Tício

responderá por homicídio.

No que tange à segunda parte do § 2º, será plicada a pena do crime

desejado pelo partícipe, aumentada até metade, quando seria previsível

que o resultado indesejado ocorreria. Utilizando do mesmo exemplo,

suponha-se que Caio soubesse do ódio que Tício sentia pela vítima. Seria

previsível o resultado, e Caio responderia por lesões corporais, tendo a

pena aumentada até metade. Destaca-se que o partícipe não pode ter

assumido o risco de ser produzido o resultado, pois nesta hipótese, estaria

ele atuando com dolo eventual, fazendo ele também responder pelo

resultado.

CAPÍTULO III

AS CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNÍCÁVEIS

1. Aspectos Gerais

Assim disciplina o art. 30 do Código Penal, após a vigência de Lei

7.209/84:

“Circunstâncias Incomunicáveis”

“Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de

caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Antes da vigência da Reforma Penal, o atual art. 30 encontrava

dispositivo correspondente no antigo art. 26, que, por sua vez disciplinava:

“Circunstâncias Incomunicáveis”

TP

103 DELMANTO, Celso. Ob. Cit., p. 60.

“Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal,

salvo quando elementares do crime”.

Utilizando do conceito de Damásio, “circunstâncias são dados

acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar

ou diminuir a pena”104. Esses dados não implicam na definição do tipo

penal, mas apenas no que tange ao quantum da pena. Não são

consideradas como circunstâncias as causas de exclusão de ilicitude e de

culpabilidade105.

2. Dicotomia das Circunstâncias: Comunicabilidade e

Incomunicabilidade

As circunstâncias podem ser divididas em objetivas ou subjetivas.

As circunstâncias objetivas, também chamadas de materiais ou

reais, são aquelas relacionadas com os meios e modos de execução do

crime, qualidade da vítima, lugar, tempo, ocasião e natureza do objeto

material do crime106. Para que esta espécie de circunstância se comunique

ao outro participante, deve este conhecer de sua existência107. Exemplo:

104 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 438. 105 Idem, Ibidem. 106 DELMANTO, Celso. Ob. Cit., p. 63. 107 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Ob. Cit., p. 127.

Dois co-autores traçam um plano para matar um desafeto em comum,

ficando estabelecido que um deles fique de tocaia para dar o sinal quando

a vítima se aproximar, enquanto o outro ficará responsável por matá-la

utilizando uma bomba. Quando a vítima aparece o primeiro participante

dá o sinal, e o outro lança a bomba, causando a morte da vítima. Neste

exemplo, ambos participantes responderão pelo crime de homicídio

qualificado pelo meio explosivo (art. 121, § 2º, III, do Código Penal).

Caso o co-autor responsável pela tocaia não soubesse que o outro utilizaria

do explosivo (circunstância objetiva), não será a ele responsabilizado pela

citada qualificadora.

Todavia, muito embora a Reforma Penal de 1984 tenha mantido

quase que integralmente o texto do art. 26, agora art. 30, o entendimento

doutrinário e jurisprudencial naquela época era no sentido de serem

incondicionalmente transmissíveis as circunstâncias de caráter objetivo.

Ou seja, tais circunstâncias eram transmitidas pouco importando se o outro

participante sabia da existência das mesmas. O fundamento desse

entendimento se dava pela interpretação literal do antigo art. 26, que

afirmava que as circunstâncias de caráter pessoal não eram comunicáveis,

salvo quando elementares do crime. Assim, a contrariu sensu, seriam

sempre comunicáveis as de caráter real (objetivo). Dente os seguidores

dessa corrente, destaca-se o professor Nelson Hungria que afirmava que

tal hipótese não correspondia a responsabilidade objetiva, já que, quem

adentra a uma empresa criminosa, aceita-lhe seus riscos108.

Contudo, após o advento da Lei 7.209/84, tal entendimento restou

rechaçado. Conforme ensina o professor Damásio, “a regra do art. 30, que

trata da comunicabilidade das elementares e circunstâncias deve ser

interpretado à luz do art. 29, ‘caput’, parte final, do CP, segundo o qual a

pena deve ser medida de acordo com a culpabilidade de cada um dos

participantes, levando-se em conta a presença do dolo e da culpa”109. Ou

seja, se o agente, sabendo da circunstância objetiva, concorre de forma

livre e consciente para a prática do crime, a ele será comunicada tal

circunstância.

Por outro lado, define-se como circunstância subjetiva, também

chamada de pessoal, como sendo aquela que se refere aos motivos

determinantes, à qualidade ou condição pessoal do agente, às suas relações

com à vítima ou com os demais participantes110. Essas são as

circunstâncias e condições tratadas no art. 30 do Código Penal.

Destaca-se que a reforma inseriu junto às circunstâncias a palavra

“condições”, com o fim de tornar o dispositivo mais abrangente. Contudo,

108 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, p. 436 e nota 20; JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p.440 e nota 54. 109 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 442 110 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ob. Cit., p. 324.

conforme bem lembra Paulo José da Costa Júnior tal acréscimo é

dispensável, pois a condição de caráter pessoal é uma circunstância de

caráter pessoal111.

Pela leitura do art. 30 do Código Penal, “não se comunicam as

circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando elementares

do crime”. As circunstâncias elementares são dados, fatos, elementos e

condições que integram determinadas figuras típicas112. Com isso, criam-

se duas conclusões:

a-) as circunstâncias de caráter pessoal que não forem elementares

não se comunicam entre os participantes. Exemplos: O filho, juntamente

com um amigo, mata o pai. A este amigo não recai a agravante genérica

de crime praticado contra ascendente (art. 61, II, “e”, do Código Penal); O

co-autor menor de 21 anos não transmite ao outro esta causa atenuante

113(art. 65, I, do Código Penal).

b-) as circunstâncias de caráter pessoal que se comunicam entre os

concorrentes são apenas as elementares. Exemplo: Tício, funcionário

público, e Mévio, pessoa estranha a Administração Pública, resolvem

subtrair um computador na repartição na qual Tício exerce as suas

funções. Valendo-se da facilidade proporcionada a seu cargo, Tício

111 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Ob. Cit., p. 127. 112 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit., p. 536-537.

adentra na repartição e subtrai o computador, indo até o encontro de

Mévio que o aguarda do lado de fora, a fim de que ambos possam carregar

juntos todo o equipamento114.

No exemplo acima citado não resta dúvida que Tício responderá

pelo crime de peculato (art. 312, § 1º, do Código Penal). Contudo, a maior

indagação é no sentido de o segundo participante responder por peculato

ou por furto (art. 155 do Código Penal). Ora, ser funcionário público é

circunstância de caráter pessoal elementar, e pela regra do art. 30, ela se

comunica ao concorrente que não possui tal qualidade. Portanto, Mévio

também responderá pelo crime de peculato, e não de furto, por força do

art. 30 do Código Penal.

Deve-se ressaltar que, para que ocorra a comunicação, mister se faz

que o participante conheça da qualidade pessoal do outro115. Utilizando do

exemplo do peculato, caso o Mévio não soubesse da qualidade de

funcionário público de Tício, responderia aquele pelo crime de furto, e não

por peculato.

3. Problemática do art. 30 em Relação ao Crime de Infanticídio

113 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 354. 114 GRECO, Rogério. Ob. Cit., p. 501.

Segundo o professor Pedro Franco de Campos, conceitua-se o

crime de infanticídio, previsto no art. 123 do Código Penal, como sendo

“a morte do nascente ou neonato, provocada pela própria mãe, sob

influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após este”116.

O estado puerperal, segundo a Exposição de Motivos do Código

Penal, em seu item n.º 40, é a loucura emotiva das parturientes117.

Corresponde a um estado de anormalidade psíquica momentânea que

ocorre nas mulheres durante e após o parto, que torna o tratamento penal

mais brando. Por isso, fala-se que o infanticídio também é uma

modalidade de homicídio privilegiado.

O problema ocorre no sentido de ser possível que o participante

responda por infanticídio em razão do disposto no art. 30 do Código

Penal. Indaga-se se a circunstância do estado puerperal seria transmissível

ao concorrente, uma vez que este não estaria sob o efeito desse estado de

perturbação psíquica. Quanto a isto, três grandes correntes doutrinárias se

formaram a fim de definir se o estado puerperal é circunstância

transmissível ao participante por força do art. 30, ou não.

A primeira corrente afirma que o estado puerperal não pode ser

comunicado ao participante em razão de ser uma circunstância

115 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. Cit., p. 443. 116 CAMPOS, Pedro Franco. Direito Penal Aplicado, p. 16.

“personalíssima”. Apenas a parturiente está sob este estado de psiques,

não podendo o co-autor ou partícipe gozar de um benefício legal dado à

autora do crime em razão daquele estado. Dessa forma, a solução dada é

que a parturiente responderia por infanticídio, enquanto os concorrentes

responderiam por homicídio, uma vez que o estado puerperal é

incomunicável. Dos autores brasileiros que adotaram este posicionamento,

destacam-se Nelson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso e Aníbal Bruno.

Assim lecionava o professor Nelson Hungria118 sobre o tema:

“Não diz com o infanticídio a regra do art. 25. Trata-se de um

crime personalíssimo. A condição sob a influência do estado puerperal é

incomunicável. Não tem aplicação, aqui, a norma do art. 26, sobre as

circunstâncias de caráter pessoal, quando elementares do crime. As

causas que diminuem (ou excluem) a responsabilidade não podem, na

linguagem técnico-penal, ser chamadas circunstâncias, pois estas só

dizem com o maior ou menor grau de criminosidade do fato, ou seja, com

maior ou menor intensidade de elemento subjetivo ou gravidade objetiva

do crime. O partícipe (instigador, auxiliar ou co-executor material) do

infanticídio responderá por homicídio. O ‘privilegium’ legal é

inextensível. A quebra da regra geral sobre a unidade do crime no

‘concursus delinquentium’ é, na espécie, justificada pela necessidade de

117 Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, item n.º 40.

evitar-se o contra-senso, que orçaria pelo irrisório de imputar-se a

outrem que não parturiente um crime somente reconhecível quando

praticado sobre a influência do estado puerperal.”119

Acerca do assunto, relevante colocar as palavras do professor

Heleno Cláudio Fragoso120, o qual também era seguidor dessa primeira

corrente:

“O infanticídio constitui homicídio privilegiado porque a ação de

matar o próprio filho é praticada pela mãe sob a influência do estado

puerperal. Surgem, em conseqüência de tal elemento, problemas difíceis

relativamente à participação e à co-autoria. Trata-se de saber se os que

eventualmente participam da ação praticam o crime de infanticídio ou de

homicídio.

Em face do nosso direito, importantes autores entendem que a

regra do art. 26 do CP impõe a solução que admite a participação e a co-

autoria. Assim, responderia por infanticídio, portanto, quem auxilia a mãe

a matar o filho e também executa o crime a seu pedido, por lhe faltarem

forças ou coragem. Entendemos que deve ser adotada a lição de Hungria,

fundada no direito suíço, segundo a qual o concurso de agentes é

118 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. p. 266; RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Infanticídio. p. 120. 119 Os arts. 25 e 26 correspondem, respectivamente, aos atuais arts. 29, “caput” e 30 do Código Penal, alterados por força da Lei n.º 7.209/84. 120 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: Parte Especial, p. 79.

inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade,

que não em possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria

(realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos

evidente que o crime deste será o de homicídio”121.

Assim, no tocante à participação, entende-se que não era cabível

concurso de pessoas, respondendo a autora (parturiente) pelo crime de

infanticídio, enquanto o participante (co-autor ou autor) responderia pelo

crime de homicídio.

No entanto, há a segunda corrente que sustenta posicionamento

diverso. Esta sustenta que há comunicabilidade do estado puerperal no que

tange à participação, pois se trata de circunstância de caráter pessoal

elementar do tipo, o que enseja, assim, a aplicação do disposto no art. 30

do Código Penal. No que tange ao co-autor, entende-se que este

responderia por homicídio, pois este, ao matar o nascente, estará

praticando a conduta do art. 121, do Código Penal. Portanto, o estado

puerperal era transmissível apenas àquele que praticasse uma conduta

acessória (partícipe), fazendo-o responder por infanticídio. No caso do co-

autor, responderia ele por homicídio, pois em relação a ele não há

comunicabilidade do estado puerperal. Dos seguidores dessa corrente,

mencionam-se José Frederico Marques e Edgard Magalhães Noronha.

TP

121 O art. 26 corresponde ao atual art. 29 do Código penal, alterado por força da Lei n.º 7.209/84.

Assim expõe José Frederico Marques122 acerca de seu

posicionamento:

“O infanticídio é um crime próprio, pois somente o pode cometer a

mãe em relação ao filho recém-nascido. Outras pessoas, no entanto,

podem figurar como co-autores, muito embora pense de modo contrário o

insigne Nélson Hungria. Mas é preciso que o co-autor tenha, como é

óbvia, participação exclusivamente acessória.

Se for ele o autor da morte, isto é, a pessoa que executa a ação

contida e definida no núcleo do tipo, então sua conduta, matando o

nascente ou ao rescém nascido, será enquadrada no art. 121.”

Em relação à corrente adotada por Nelson Hungria, José Frederico

Marques a critica no sentido de que a sua adoção implica na quebra na

unidade do crime. Também afirma que não existe circunstância de caráter

personalíssimo, mas apenas então só de caráter pessoal e real. “Onde a lei

não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”123.

Por fim, a terceira e última corrente afirma que o estado puerperal é

circunstância de caráter pessoal e elementar, portanto é transmissível em

virtude do art. 30 do Código Penal. Contudo, diferentemente da segunda

122 MARQUES, José Frederico, Ob. Cit., p. 141; RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Ob. Cit., p.124. 123 MARQUES, José Frederico. Ob. Cit., p. 410

corrente, o estado puerperal também é transmissível ao co-autor, e não

apenas àquele que contribuiu para o infanticídio de forma acessória

(partícipe). Assim, respondem, tanto co-autor como o partícipe, por

infanticídio. Entre os seguidores deste posicionamento está Damásio

Evangelista de Jesus.

Assim afirma o professor Damásio, ao criticar a segunda corrente:

“Não comungamos da opinião dos que afirmam que o terceiro só

responde por infanticídio se participa de maneira meramente acessória.

Para nós, diante da lei, tanto faz que pratique o núcleo do tipo ou

participe do fato induzindo, instigando a autoria principal. De outra

forma, haveria soluções díspares”. [...]

A opinião restritiva de José Frederico Marques não é satisfatória.

Quando afirma a comunicabilidade , diz que a tese contrária quebra ‘a

unidade do crime que existe na co-autoria’. Ensinando, porém, que o

terceiro só responde por infanticídio quando a participação é

‘exclusivamente acessória’, havendo homicídio ‘se executa a ação

definida e no núcleo do tipo’, cria uma solução que também se choca

com o princípio da ‘unidade do crime para todos os sujeitos’ que rege a

co-delinqüência, pois o Código adotou a teoria unitária do concurso de

pessoas. E não se trata de exceção pluralística do princípio unitário, uma

vez que depende de preceito expresso”124.

Das três teorias apresentadas, entende-se ser mais pertinente a

última adotada pelo professor Damásio. Muito embora seja respeitável os

fundamentos da primeira corrente, seria inadmissível a sua aplicação, pois

iria contra unidade do crime oriunda da aplicação da teoria monista,

requisito indispensável para a existência da co-delinqüência. No mais,

inexiste legalmente a figura da circunstância personalíssima, falando-se

apenas em circunstância de caráter real e pessoal. Como já mencionado

acima, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.

O professor Nelson Hungria foi o maior seguidor da primeira

corrente, entrementes, importante ressaltar que o ilustre doutrinador cedeu

às críticas e a abandonou na 5ª e última edição de sua obra, conforme

abaixo aduzido:

“Comentando o art. 116 do Código Suíço, em que se inspirou o

art. 123 do nosso, Logoz (op. cit., p. 26) e Hafter (op. cit., p. 22),

repetindo o entendimento de Gautier, quando da revisão do Projeto Stoos,

acentuam que um terceiro não pode ser co-partícipe de um infanticídio,

desde que o ‘privilegium’ concedido em razão da ‘influência do estado

124 JESUS, Damásio Evangelista de. Ob. cit., p.448-449.

puerperal’ é incomunicável. Nas anteriores edições deste volume,

sustentamos o mesmo ponto de vista, mas sem atentarmos no seguinte: a

incomunicabilidade das qualidades e circunstâncias pessoais, seguindo o

Código Helvético (art. 26), é irrestrita (‘Les relations, qualités et

circonstances personnelles spéciales dont l’effet est d’augmenter, de

diminuer ou d’exclure la peine, n’auront cet effet qu’à l’égard de l’auteur,

instigateur ou complice qu’elles concernent’), ao passo que perante o

Código pátrio (também art. 26) é feita uma ressalva: ‘Salvo quando

elementares do crime.’ Insere-se nesta ressalva o caso de que se trata.

Assim, em face do nosso Código, mesmo os terceiros que concorrem para

o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do

homicídio”125.

Portanto, o estado puerperal é circunstância pessoal e elementar do

crime de infanticídio e, portanto, é comunicável aos participantes por

força do art. 30 do Código Penal.

No que tange à segunda teoria adotada pelo professor José

Frederico Marques, entende-se que ela também possui defeitos. Muito

embora a teoria do grande mestre Marques tenha supedâneo, ela também

encontra contradições. Ela afirma que o estado puerperal é circunstância

pessoal elementar, contudo, não permite a sua comunicabilidade ao

concorrente que praticou atos de execução. Critica a teoria do professor

TP

125 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, p. 266;

Nelson Hungria no sentido da quebra da unidade do crime, contudo, o que

tange à co-autoria, nela também isto ocorre, conforme às palavras do

professor Damásio já destacadas.

Seguindo a regra geral da teoria monista adotada pelo Código

Penal, bem como adotando como requisito existencial do concurso de

pessoas a unidade do crime, a comunicabilidade do estado puerperal

atinge a todos os participantes, sejam eles co-autores ou partícipes.

Todavia, há de se lembrar que, no sentido de bom senso e de justiça, o

correto seria que o participante respondesse pelo crime de homicídio, nos

termos da corrente adotada pelo professor Nelson Hungria. Tal teoria

restou rechaçada por falta de supedâneo jurídico, contudo ela encontra

apoio no sentido de legitimidade diante do no ordenamento pátrio. O

crime do art. 123 foi criado justamente porque se entende que o grau de

reprovabilidade social que recai na conduta da parturiente é menor devido

ao seu estado momentâneo de loucura emotiva, razão pela qual denomina-

se como sendo uma espécie de homicídio privilegiado. Ora, é inconcebível

dessa forma, que alguém receba este benefício legal não estando

submetido àquele estado de loucura momentânea.

Ao que se verifica, conclui-se que houve uma falha legislativa em

relação ao crime de infanticídio e o art. 30, falha esta que nem a Reforma

Penal de 1984 conseguiu resolver. Permitiu-se legalmente um absurdo

jurídico em decorrência da falha técnica legislativa. Neste diapasão,

importante colocar aqui as palavras do professor Basileu Garcia, que neste

mesmo sentido ensina:

“Também em face da doutrina unitária do concurso de agentes, e

aceita a regra da comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal

quando elementares do crime, pode-se sustentar, com êxito, a tese de que

cometeria infanticídio todo aquele que, de qualquer modo, concorresse

para o crime do art. 123, embora não militando em seu favor a condição

personalíssima – a qualidade da mulher, de mãe, de parturiente, de

puérpera – que justifica o regime de excepcional benignidade dispensado

à autora natural da infração.

[...]

Pela redação do art. 26, dizendo que não se comunicam as

circunstâncias de caráter pessoal (salvo quando elementares do crime),

transparece que se comunicam as de caráter objetivo. Se essa, realmente,

foi a intenção do legislador, fez mal em não dizer claramente. Deveria

enunciá-lo de forma nítida, para evitar possíveis dúvidas 126.

[...]

126 O art. 26 corresponde ao atual art. 29 do Código penal, por força da Lei n.º 7.209/84.

Esse absurdo provém de sensível falha técnica legislativa,

porquanto não deveria ser erigida a elemento de determinada figura

delituosa, como o infanticídio, uma causa de diminuição da

responsabilidade, qual seja a influência do estão puerperal, tornando-se

obrigatória sua comunicabilidade, por força do disposto no art. 26”127.

Consoante apontado por Gláucio Vasconcelos Ribeiro, em obra

voltada especificamente ao crime de infanticídio, tal vício legiferante

apenas poderia ser solucionado por meio de uma mudança legislativa

consistente em tipificar o infanticídio como outra forma de homicídio

privilegiado, o que faria desaparecer da circunstância do estado puerperal

o seu caráter elementar. Assim afirma o citado doutrinador: “A única

forma jurídica de se afastar a comunicabilidade da elementar em exame,

seria, com alteração legislativa, tipificar o infanticídio, como outra

espécie de homicídio privilegiado, quando então o estado puerperal

deixaria de ser uma elementar do tipo (comunicável), para se transformar

em simples circunstância pessoal (incomunicável), como sugeria

Magalhães Noronha”128.

127 GARCIA, Basileu. Instituições de direito Penal. 1952, p. 382-385; RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Ob. Cit., p. 138-139.

CAPÍTULO IV

CASOS DE IMPUNIBILIDADE

1. ASPECTOS GERAIS

Trata-se de chamada pela doutrina de “participação impunível”, a

qual resta expressa no art. 31 do Código Penal:

128 RIBEIRO, Gláucio Vasconcelos. Ob. Cit., p. 128.

“art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo

disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega,

pelo menos, a ser tentado”.

Tal norma cuida apenas da participação, a qual não será punível se,

ao mínimo, não existiu a conduta do autor (ou co-autores) que resulte

crime tentado. As hipóteses expressas são: ajuste, determinação,

instigação e auxílio.

Ajuste é o chamado “pactum seceleris”, ou seja, o acordo que

fazem previamente os agentes, visando á prática do crime129. Lembre-se

que não é necessário o ajuste para a existência o concurso de pessoas.

As outras hipóteses mencionadas pelo art. 31 são as modalidades de

participação já tratadas no presente trabalho. A determinação é o

induzimento, o qual consiste em inovar, dar a idéia da prática criminosa ao

autor, como já falado anteriormente. A instigação é reforçar a idéia

criminosa já existente, e o auxílio é a cooperação material.

Antes da Reforma Penal e 1984, o art. 31 encontrava dispositivo

correspondente no antigo art. 27. Este possuía igual redação ao do art. 31,

ressalvando-se, contudo, em sua parte final que fazia alusão ao antigo art.

76, parágrafo único.

O antigo art. 76 cuidava das condições de aplicabilidade da medida

de segurança, conforme abaixo demonstrado:

“Art. 76. A aplicação da medida de segurança pressupõe:

I – a prática de fato previsto como crime;

II – a periculosidade do agente.

Parágrafo único. A medida de segurança também é aplicável nos

casos do art. 14 e 27, se ocorre a condição do n. II.” 130

Ou seja, pelo antigo art. 76, parágrafo único, se o agente era

considerado perigoso, ele podia ser punido se participasse de um delito

que sequer resultou em tentativa. Atualmente isto não encontra qualquer

aplicação, sendo a medida de segurança sendo aplicável apenas nos casos

de inimputabilidade do agente (art. 26 e seguintes do Código Penal)131.

Sobre este assunto, importante destacar o que afirma Paulo José da Costa

Júnior132: “O art. 31 do novo diploma legislativo corresponde ao antigo

art. 27, que cuidou dos mesmos casos de impunibilidade. Uma diferença

substancial fez-se sentir: enquanto a sistemática anterior previa a

aplicação de medida de segurança se o agente demonstrasse

periculosidade (liberdade vigiada), a exemplo do que se fazia com o crime

129 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Ob. Cit., p. 128. 130 O antigo art. 14 expressava o crime impossível agora previsto no atual art. 17 em decorrência da Lei 7.209/84. 131 O Código Penal passou a adotar o sistema Vicariante após a Lei n.º 7.209/84. 132 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Ob. Cit., p. 127.

impossível, a reforma penal aboliu por completo a aplicação da medida.

Permaneceu, desse modo, fiel às diretrizes que nortearam a recente

reforma, no sentido de que a pena se aplica aos imputáveis e a medida de

segurança aos inimputáveis.”

2. PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL

A regra do art. 31 advém da teoria da acessoriedade atribuída à

participação. A participação só ganha relevância jurídico-penal se existe

um autor que pratique a figura do tipo. Se o autor não pratica a conduta

descrita no tipo penal, a participação torna-se impunível, pois o fato será

atípico.

Como já afirmado no presente trabalho, o partícipe só é

responsabilizado por força da norma de ligação do art. 29, uma vez que o

ajuste, induzimento, instigação e auxílio, em si mesmos, são condutas

atípicas. Se o autor não adentrar na fase de execução do iter criminis, não

há de se falar em ilícito penal (em regra). Dessa forma, se inexiste crime

para o autor, não faria sentido que para o partícipe também não haveria.

Exemplo: Mévio induz Tício a roubar um banco, contudo, este, por medo,

não o faz. Neste caso, ambos não serão responsabilizados penalmente.

Se iniciados os atos de execução pelo autor, mesmo resultando em

tentativa, o partícipe é punido. Exemplo: Mévio induz Tício a roubar um

banco. Tício adentra à agência e, mediante grave ameaça retira o dinheiro

do cofre. Contudo, ao tentar sair da agência, é preso por policiais militares

sem conseguir retirar a res furtiva da sua respectiva área de vigilância e

proteção. Neste caso, Mévio e Tício serão responsabilizados por tentativa

de roubo (art. 157 c/c art. 14, II, do Código Penal).

Ressalta-se, porém, que o art. 31 indica a expressão “salvo

disposição expressa em contrário”. Tal ressalva corresponde à previsão de

um tipo incriminador autônomo133 que atribua tipicidade na conduta do

autor, mesmo quando ele ainda não iniciou atos de execução. Exemplos:

quadrilha ou bando (art. 288 do Código Penal) e incitação ao crime (art.

286 do Código Penal). Se não houvesse a previsão “salvo disposição

expressa em contrário”, o ajuste entre integrantes de um bando não seria

punível, caso não houvesse início a execução do delito arranjado134.

133 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 357. 134 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob. Cit., p. 357.

CAPÍTULO V

AS AGRAVANTES NO CASO DE CONCURSO DE

PESSOAS

1. ASPECTOS GERAIS

Há casos em que a conduta praticada por um criminoso seja dotada

de maior gravidade e, em conseqüência, tenha maior reprovabilidade

social. Para tal conduta, o legislador penal criou as chamadas

circunstâncias agravantes, ou agravantes genéricas, estabelecidas no art.

61 no Código Penal.

Foram criadas, ainda, agravantes especificamente para o caso de

co-delinqüência, em que a conduta de um dos participantes enseja

tratamento penal mais rigoroso que os demais. Tratam-se das “agravantes

no caso de concurso de pessoas” cuja previsão se dá no atual art. 62 do

Código Penal. Anteriormente ao surgimento da Lei 7.209/84, tais

agravantes encontravam-se previstas no antigo art. 45, e detinham a

nomenclatura “agravantes no caso de concurso de agentes”.

Uma vez ocorrida alguma das hipóteses de agravantes no caso

concreto, é dever do magistrado aplicá-la na segunda fase de dosimetria da

pena, ficando apenas a seu critério o quantum a ser agravado. Isto pode ser

verificado pelo caput do artigo 62 que expressa: “a pena será ainda

agravada em relação ao agente que:”. Se houvesse faculdade quanto à

sua aplicabilidade pelo juiz, a lei teria utilizado a expressão “pode ser

agravada”.

2. HIPÓTESES DE AGRAVANTES

O rol de agravantes encontra-se prevista no atual art. 62 do Código

Penal. Trata-se de rol taxativo, portanto não pode o juiz agravar a pena por

uma hipótese que não esteja expressa neste dispositivo. São as seguintes:

“I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a

atividade dos demais agentes;”

Como já afirmado anteriormente no presente trabalho, tal hipótese

corresponde à chamada “autoria intelectual”. Refere-se ao promotor,

organizador, a “cabeça pensante” do grupo criminoso que dirige a

atividade dos demais concorrentes. Deve ele responder mais severamente,

“porque são maiores a sua culpa e sua responsabilidade no evento”135. O

mero conselho não pode ser entendido por promoção ou organização da

cooperação do crime136.

Antes da Reforma Penal de 1984, a redação era a mesma no inciso I

do artigo 45.

“II - coage ou induz outrem à execução material do crime;”

135 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Ob. Cit., p. 430. 136 COSTA JÚNIOR. Paulo José. Ob. Cit., p. 190.

Coagir significa obrigar alguém a fazer algo que não queira. A

coação aqui tratada pode ser tanto resistível como irresistível. Se for

irresistível, a hipótese será de autoria mediata, portanto, como já aqui

estudado, apenas o autor mediato será punido (art. 22 do Código Penal),

excluindo-se a punibilidade do autor imediato (coagido). Caso a coação

seja resistível, ambos respondem pelo delito, sendo somente a pena do

coator agravada, enquanto que a do coagido será atenuada (art. 65, III, do

Código Penal).

A segunda hipótese, o induzimento, constitui uma inovação trazida

pela Lei n.º 7.209/84. Anteriormente a sua vigência o art. 45, II, do

Código Penal, dispositivo correspondente ao atual art. 62, II, só previa a

hipótese de coação. O motivo da inserção de tal hipótese é explicada pelo

item n.º 53 da Exposição de Motivos do Código Penal: “o Projeto

dedicou atenção ao agente que no concurso de pessoas desenvolve papel

saliente. No art. 62, reproduz-se o texto do Código atual, acrescentando-

se, porém, como agravante, a ação de induzir outrem à execução material

do crime. Estabelece-se, assim, paralelismo com os elementos do tipo do

art. 122 (induzimento, instigação e auxílio ao suicídio)”137.

137 Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, item n.º 53.

Há de se lembrar que, conforme afirma Paulo José da Costa Júnior,

que “o mero convite, prontamente aceito pelo comparsa não configura a

agravante”138.

“III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua

autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal;”

Diferentemente do induzimento que será sempre considerado

agravante, a instigação só será dessa forma considerada em duas

hipóteses: Quando o autor do crime estiver submetido à autoridade do

instigador; e quando a instigação for dirigida à pessoa não punível por

condições ou qualidades de caráter pessoal (exemplos: Doente mental e

menores de dezoito anos).

O primeiro caso ocorre quando a instigação é dirigida á pessoa que

esteja em situação hierarquicamente inferior em relação ao instigador.

Pouco importa o grau ou o gênero da hierarquia, podendo ela ser admitida,

inclusive, em casos de parentesco, educação e serviço139.

Relevante destacar que tal hipótese não se confunde com o caso de

autoria mediata do art. 22, segunda parte (obediência hierárquica), uma

138 COSTA JÚNIOR, Paulo José da Costa, Ob. Cit., p. 190. 139 COSTA JÚNIOR, Paulo José da Costa, Ob. Cit., p. 190.

vez que nesta é necessário que exista uma ordem manifestamente legal

dirigida ao autor imediato. No caso da agravante em questão, fala-se em

instigação, ou seja, reforçar uma idéia criminosa que já existia na mente

do instigado. No mais, sendo uma mera instigação, não estará presente o

domínio do fato exigido na autoria mediata.

No segundo caso, o instigador se aproveita da inimputabilidade de

outrem140. Também não se confunde com autoria mediata, já que também

inexiste na pessoa do instigador o domínio do fato. Tal dispositivo foi

criado, porque acredita-se que o inimputável é mais fácil de ser instigado

em razão de suas condições e qualidades pessoais. Exemplo: O

funcionário público do hospital de custódia, sabendo que um dos internos

sempre guardou uma grande vontade de matar o seu desafeto, o instiga

dizendo que “deve mesmo matá-lo, pois assim ele poderá ser considerado

normal”.

O dispositivo correspondente antes da Lei n.º 7.209/84, o antigo art.

45, III do Código Penal, permaneceu com mesma redação. Não houve

qualquer mudança com a Reforma Penal de 1984.

140 DELMANTO, Celso. Ob. Cit., p. 117.

“IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou

promessa de recompensa”.

Por fim, a última hipótese de agravantes no concurso de pessoas

trata do chamado crime mercenário. Refere-se ao autor, co-autor, ou

partícipe que contribui para a prática do crime em troca de alguma

vantagem que pode ser de qualquer natureza, incluindo natureza

patrimonial.

Muito embora a paga e a promessa de recompensa tenham o mesmo

escopo, qual seja, agravar o crime praticado pelos co-delinqüentes, eles

são diferentes. Na paga há recebimento prévio da vantagem, enquanto que

na promessa de recompensa, o recebimento é posterior141. Destaca-se que

não é necessário que a promessa de recompensa se efetive para a

configuração dessa agravante142.

A Reforma Penal de 1984 também não realizou modificações no

antigo inciso IV do artigo 45, permanecendo com a mesma redação no

dispositivo atual.

141 CAMPOS, Pedro Franco de. Ob. Cit., p. 08. 142 DELMANTO, Celso. Ob. Cit., p. 117.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente trabalho observou-se que o tema concurso de

pessoas é dotado de grande abrangência e controvérsias, razão pela qual,

desde as legislações passadas, enseja discussões em vários de seus

aspectos. Entre os debates, destacam-se a natureza jurídica do próprio

concurso de pessoas, da autoria e da participação, a aplicabilidade da

desistência voluntária e arrependimento eficaz e da possibilidade, ou não,

da comunicabilidade da circunstância “estado puerperal” ao concorrente

no crime de infanticídio.

Em relação aos pontos de maior controvérsia acima destacados,

concluiu este trabalho que:

1 – O Código Penal adotou, para o concurso, a teoria monista, uma

vez que o crime sempre será considerado único quando praticado em

concurso;

2 – Para fins de autoria, entende-se mais pertinente a teoria do

domínio do fato, já que, além de ter o Código Penal ter adotado o

finalismo de Welzel, há distinção entre autor e partícipe, uma vez que

aquele pratica a conduta típica do crime, bem como tem o domínio do

fato, enquanto que o segundo apenas pratica atos acessórios a ação ou

omissão criminosa. Diante disto, pode-se afirmar que para a participação

aplica-se a teoria da acessoriedade limitada;

3 – Os institutos da desistência voluntária e arrependimento eficaz

se transmitem ao partícipe, uma vez que a conduta dele está atrelada ao do

autor em razão de sua acessoriedade limitada. Estando presente qualquer

dos institutos, a conduta do autor será atípica, razão pela qual a do

partícipe também estará.

4 – O estado puerperal é circunstância de caráter pessoal

transmissível ao agente que, muito embora não se encontre em tal estado

de perturbação psíquica, pratique atos de execução ou não no momento do

crime. Assim, o co-autor ou partícipe também respondem por infanticídio

por força do art. 30 do Código Penal.

Verificou-se, ainda, que a lei penal reguladora da co-delinqüência

evoluiu bastante com a Lei n.º 7.209 de 1984, já que esta foi responsável

por resolver grandes injustiças e lacunas que anteriormente podiam ser

observadas na codificação penal anterior.

Foram vários os benefícios trazidos pela Reforma Penal de 1984

em relação ao assunto abordado, destacando-se como principais a

delimitação da culpabilidade na punição dos concorrentes com o

“temperamento” da teoria unitária (art. 29, caput), o reconhecimento legal

da participação de menor importância como causa de diminuição de pena

(art. 29, §1º), e a afastabilidade da responsabilidade objetiva da

participação em crime menos grave (art. 29, §2º). Assim sendo, pode-se

concluir da seguinte forma:

1 – Com a vigência da Lei n.º 7.209, o crime continua sendo

considerado único quando praticado em concurso, mas não são mais

punidos igualmente os infratores, sendo delimitada, no momento da

aplicação da pena, a culpabilidade de cada um;

2 – O partícipe cuja conduta teve pouca relevância na cadeia causal

do crime tem direito à diminuição de sua pena. Assim, não se tratará mais

de mera atenuação penal como ocorria na legislação pretérita;

3 – O concorrente que quis a prática do crime menos grave não

mais será punido pelo resultado delitivo que não previa, mas sim pelo

crime cuja consumação desejava.

Outro ponto que merece destaque é a da punição mais severa ao

partícipe que induz alguém a praticar um crime, em razão da modificação

em uma das causas de agravantes no concurso de pessoas (art. 62, II).

Como bem salientou o legislador na Exposição de Motivos, há uma

preocupação maior àquele agente que teve “papel saliente” no concurso de

pessoas.

Por fim, há de se destacar que a Reforma Penal não conseguiu

resolver todos os problemas presentes na co-delinqüência. Quanto a isto,

merece destaque o problema relacionado crime de infanticídio e o art. 30.

Por ausência de previsão legal, ainda é beneficiado o agente que, mesmo

não estando em estado puerperal, é punido por infanticídio, e não por

homicídio.

Entre erros e acertos encontrados no tema aqui abordado, é

indiscutível a sua importância, não só apenas no mundo acadêmico, mas

também na sociedade. Pode-se citar, como exemplo, desde pequenos

grupos criminosos encontrados em subúrbios, até grandes organizações

criminosas detentoras de grande poderio bélico e financeiro. Trata-se de

um assunto que sempre esteve e estará presente no cotidiano, fato que o

torna extremamente rico e abragente. Enfim, o tema concurso de pessoas

sempre estará vivo entre os operadores do direito, ensejando debates tanto

no mundo acadêmico, como na vida prática.

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