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JE E Escola Judiciária Eleitoral do Ceará 8ª Primavera dos Museus 22 a 28/09/2014 Programa de Preservação da Memória Eleitoral Tribunal Regional Eleitoral do Ceará Exposição Machado de Assis e a Política S e i m b SeçãodeBibliotecaeMemóriaEleitoral TRE-CE O Olhar Político de Machado de Assis ão será por falta de matéria que eu deixe de N comunicar todas as segundas-feiras ao meu leitor a opinião que formar acerca das ocorrências da semana anterior. Abrangendo o escrito, por sua natureza, muitos fatos e muitas esferas, à política cabe a parte principal, atenta à gravidade da situação e das questões a ventilar. [Publicado no Diário do Rio de Janeiro de 5 de maio de 1862. Comentários da Semana] uanto às minhas opiniões políticas, tenho Q duas,uma impossível, outra realizada. A impossível é a república de Platão. A realizada é o sistema representativo. É sobretudo como brasileiro que me agrada esta última opinião, e eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que afastem do Brasil o sistema republicano porque esse dia seria o do nascimento da mais insolente aristocracia que o sol jamais alumiou.. Não freqüento o paço, mas gosto do imperador. Tem as duas qualidades essenciais ao chefe de uma nação: é esclarecido e honesto. Ama o seu país e acha que ele merece todos os sacrifícios. [Crônica publicada em 5 de março de 1867] . ex. não pede votos, "para respeitar à consciência do eleitor e deixá-lo na posição elevada, sem S interromper os monólogos íntimos, que devem proceder à sua escolha patriótica". Isso é racional e político, mas não é propriamente o poder que a reforma eleitoral nos conferiu. Nós, eleitores, nada temos com o governo do país, nem com a composição das câmaras: isso é lá com os candidatos que triunfarem. O nosso poder é mais restrito. O meu monólogo, por exemplo, é este: - Disponho de um voto. Quero que o candidato venha à minha casa, que me pergunte pela saúde e pela família, traga doces aos meninos, e depois me peça o voto; que me cumprimente na rua; que me dê bilhetes da tribuna na Câmara; que me arranje duas ou três loterias para uma irmandade; que me dê algumas cartas de recomendação, etc. Posso mudar de estilo, mas o fundo é o mesmo. Portanto, se o sr. Ferreira Viana não pede votos, não digo que ofende o eleitorado, mas arrisca-se a perder a eleição. Se nem todos querem, como eu, duas ou três loterias e algumas cartas, é certo que todos só gostam de dar quando se lhes pede. S. ex., que é filósofo, há de saber que o homem gosta da dependência do homem, e isto, ao menos: "Eleitores, dai-me o vosso voto...", isto é bastante para mostrar um certo ar de subordinação, extremamente agradável ao nosso amor próprio. [Publicado na Gazeta de Notícias, 21 de novembro de 1884, Seção Balas de Estado] s dias passam, e os O meses, e os anos, e as situações políticas, e as gerações, e os sentimentos, e as idéias. [Crônica publicada em 16 de junho de 1878] um dos candidatos à vereança escrevi há dias um bilhete nestes termos: A "Quero um bilhete para assistir aos funerais do município. Espero igualmente ser o poeta escolhido para escrever o epitáfio do ilustre finado." Quando este candidato me encontrou, dias depois, mostrou-se magoado pela liberdade das minhas expressões, e estranhou que eu desse por morto o município, cuja vitalidade demonstrava com as publicações dos jornais... a pedido. - Olha, dizia-me ele ontem, mostrando-me a segunda página do Jornal do Commercio, vês esta infinidade de listas? Queres maior prova da vida do município? - Meu caro, isso prova apenas a vida dos candidatos, não a do município. Se o município não está morto, está doente; a indiferença pública não pode ser maior do que é hoje. Se o povo se agita e comove na ocasião da eleição política, com igual razão devia comover-se e agitar-se na eleição municipal, porque a municipalidade é o poder que lhe fica mais à vista, aquele que mais direta e frequentemente influi na satisfação das suas primeiras necessidades. Poupo aos leitores o resto do meu discurso que, apesar de sensato, como se vê, não abalou o candidato; o que não me admirou porquanto a vaidade dele exigia que o povo tomasse grande interesse na luta eleitoral, e que, naquele momento, debaixo de todos os telhados do Rio de Janeiro se discutisse o valor e o alcance de um nome tão distinto como o seu. Et omnia vanitas. [Crônica publicada no Diário do Rio de Janeiro de 22 de agosto de 1864] u creio que há em todo o império uma soma E de políticos capaz de formar cinco ou seis câmaras. É que não há outra classe mais numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em diversas seções: políticos por vocação, políticos por ambição, políticos por vaidade, políticos por interesse, políticos por desfastio, políticos por não terem nada que fazer. Imagino daqui o imenso trabalho que há de ter V. Exa. em escolher os bons e úteis dentre tantos. E esse é o meu desejo, essa é a necessidade do país. [Crônica publicada em 5 de março de 1867] Machado de Assis colaborou em diversos periódicos: Diário do Rio de Janeiro (1861-1863; 1864-1865), O Futuro (1862-1863), Ilustração Brasileira (1876-1878), O Cruzeiro (1878), Gazeta de Notícias (1883-1886; 1886-1888; 1888-1889); Imprensa Fluminense (1888). Muitos dos seus textos publicados nesses periódicos tiveram como alvo principal políticos e/ou acontecimentos de repercussão política da época. A uns e outros endereçou o escritor, não raras vezes, uma crítica mordaz, permeada de sutilíssimo humor e fina ironia. Apresentamos, aqui, alguns excertos. LEITE NETO, Aluízio, CECÍLIO, Ana Lima, JAHN, Heloísa (org.). Obra completa, em quatro volumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. volume 4. COSTA, João Batista de A. Ferraz.O realismo político de Machado de Assis. <http://catolicadeanapolis.edu.br/revmagistro/wp-content/uploads/2013/05/o-realismo- pol%C3%Adtico-deMacado-se-Assis.pdf>

O Olhar Político de Machado de Assis - apps.tre-ce.jus.brapps.tre-ce.jus.br/tre/servicos/trece_publicacoes/arquivos/2014/... · Não freqüento o paço, mas gosto do imperador. Tem

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JEEEscola Judiciária Eleitoral do Ceará

8ª Primavera dos Museus 22 a 28/09/2014

Programa de Preservação da

Memória EleitoralTribunal Regional Eleitoral do Ceará

Exposição Machado de Assis

e a PolíticaSe imb Seção de Biblioteca e Memória Eleitoral

TRE-CE

O Olhar Político de Machado de Assis

ão será por falta de matéria que eu deixe de

Ncomunicar todas as segundas-feiras ao meu leitor a

opinião que formar acerca das ocorrências da semana

anterior. Abrangendo o escrito, por sua natureza, muitos

fatos e muitas esferas, à política cabe a parte principal,

atenta à gravidade da situação e das questões a ventilar.

[Publicado no Diário do Rio de Janeiro de 5 de maio de 1862. Comentários da Semana]

uanto às minhas opiniões políticas, tenho

Q duas,uma impossível, outra realizada. A

impossível é a república de Platão. A

realizada é o sistema representativo. É sobretudo

como brasileiro que me agrada esta última opinião, e

eu peço aos deuses (também creio nos deuses) que

afastem do Brasil o sistema republicano porque esse

dia seria o do nascimento da mais insolente

aristocracia que o sol jamais alumiou..

Não freqüento o paço, mas gosto do imperador. Tem

as duas qualidades essenciais ao chefe de uma nação:

é esclarecido e honesto. Ama o seu país e acha que

ele merece todos os sacrifícios.

[Crônica publicada em 5 de março de 1867]

. ex. não pede votos, "para respeitar à consciência do eleitor e deixá-lo na posição elevada, sem

S interromper os monólogos íntimos, que devem proceder à sua escolha patriótica".

Isso é racional e político, mas não é propriamente o poder que a reforma eleitoral nos conferiu.

Nós, eleitores, nada temos com o governo do país, nem com a composição das câmaras: isso é lá com

os candidatos que triunfarem. O nosso poder é mais restrito. O meu monólogo, por exemplo, é este: -

Disponho de um voto. Quero que o candidato venha à minha casa, que me pergunte pela saúde e pela

família, traga doces aos meninos, e depois me peça o voto; que me cumprimente na rua; que me dê

bilhetes da tribuna na Câmara; que me arranje duas ou três loterias para uma irmandade;

que me dê algumas cartas de recomendação, etc. Posso mudar de estilo, mas o fundo é o mesmo.

Portanto, se o sr. Ferreira Viana não pede votos, não digo que ofende o eleitorado, mas arrisca-se a

perder a eleição. Se nem todos querem, como eu, duas ou três loterias e algumas cartas, é certo que

todos só gostam de dar quando se lhes pede. S. ex., que é filósofo, há de saber que o homem gosta da

dependência do homem, e isto, ao menos: "Eleitores, dai-me o vosso voto...", isto é bastante para

mostrar um certo ar de subordinação, extremamente agradável ao nosso amor próprio.

[Publicado na Gazeta de Notícias, 21 de novembro de 1884, Seção Balas de Estado]

s dias passam, e os

Omeses, e os anos, e as

situações políticas, e

as gerações, e os sentimentos,

e as idéias.

[Crônica publicada em 16 de junho de 1878]

um dos candidatos à vereança escrevi há dias um bilhete nestes termos:

A"Quero um bilhete para assistir aos funerais do município. Espero igualmente

ser o poeta escolhido para escrever o epitáfio do ilustre finado."

Quando este candidato me encontrou, dias depois, mostrou-se magoado pela liberdade

das minhas expressões, e estranhou que eu desse por morto o município, cuja

vitalidade demonstrava com as publicações dos jornais... a pedido.

- Olha, dizia-me ele ontem, mostrando-me a segunda página do Jornal do Commercio, vês esta infinidade de listas? Queres maior prova da vida do município?

- Meu caro, isso prova apenas a vida dos candidatos, não a do município. Se o

município não está morto, está doente; a indiferença pública não pode ser maior do

que é hoje. Se o povo se agita e comove na ocasião da eleição política, com igual

razão devia comover-se e agitar-se na eleição municipal, porque a municipalidade é o

poder que lhe fica mais à vista, aquele que mais direta e frequentemente influi na

satisfação das suas primeiras necessidades.

Poupo aos leitores o resto do meu discurso que, apesar de sensato, como se vê, não

abalou o candidato; o que não me admirou porquanto a vaidade dele exigia que o

povo tomasse grande interesse na luta eleitoral, e que, naquele momento, debaixo de

todos os telhados do Rio de Janeiro se discutisse o valor e o alcance de um nome tão

distinto como o seu.

Et omnia vanitas. [Crônica publicada no Diário do Rio de Janeiro de 22 de agosto de 1864]

u creio que há em todo o império uma soma

Ede políticos capaz de formar cinco ou seis

câmaras. É que não há outra classe mais

numerosa no Brasil. Divide-se essa classe em diversas

seções: políticos por vocação, políticos por ambição,

políticos por vaidade, políticos por interesse, políticos

por desfastio, políticos por não terem nada que fazer.

Imagino daqui o imenso trabalho que há de ter V.

Exa. em escolher os bons e úteis dentre tantos. E esse

é o meu desejo, essa é a necessidade do país.

[Crônica publicada em 5 de março de 1867]

Machado de Assis colaborou em diversos periódicos: Diário do Rio de Janeiro (1861-1863; 1864-1865), O Futuro (1862-1863), Ilustração Brasileira (1876-1878), O Cruzeiro (1878), Gazeta de Notícias (1883-1886; 1886-1888; 1888-1889); Imprensa Fluminense (1888). Muitos dos seus textos publicados nesses periódicos tiveram

como alvo principal políticos e/ou acontecimentos de repercussão política da época. A uns e outros endereçou o escritor, não raras vezes, uma crítica mordaz, permeada de sutilíssimo humor e fina ironia. Apresentamos, aqui, alguns excertos.

LEITE NETO, Aluízio, CECÍLIO, Ana Lima, JAHN, Heloísa (org.). Obra completa, em quatro volumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008. volume 4.

COSTA, João Batista de A. Ferraz.O realismo político de Machado de Assis. <http://catolicadeanapolis.edu.br/revmagistro/wp-content/uploads/2013/05/o-realismo-pol%C3%Adtico-deMacado-se-Assis.pdf>