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ISSN 2176-1396 O SILÊNCIO À AJUDA: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE COMBATE AO BULLYING PELA IMPLANTAÇÃO E EQUIPES DE AJUDA Raul Alves de Souza FCLAr/UNESP 1 Luciene Regina Paulino TognettaFCLAr/UNESP 2 Luciana Zobel LapaFCLAr/UNESP 3 Sandra Cristina Trambaiolli De NadaiFCLAr/UNESP 4 Eixo Psicologia da Educação Agência Financiadora Fundação Lemman CAAE 66086617.6.0000.5400 Resumo O bullying e os demais problemas de convivência na escola têm chamado a atenção das investigações atuais não pelo fato do aumento no número de ocorrências, mas pela urgência com que o tema da convivência está presente nas instituições educativas. A literatura internacional tem apontado um caminho ainda pouco explorado no Brasil: a participação efetiva dos alunos na solução dos problemas vivenciados. Este artigo apresenta uma pesquisa de campo, de caráter exploratório cujo objetivo foi averiguar as possíveis diferenças na frequência das intimidações entre estudantes do Ensino Fundamental II em uma escola em que houve a implantação de um tipo de sistemas de apoio entre pares: as equipes de ajuda, na percepção dos alunos comparando-se antes e depois de sua implementação. Participaram da amostra 270 adolescentes estudantes do sexto ao nono ano de uma escola do interior paulista em que se organizou um Projeto de Formação para a Convivência Ética junto a professores, equipe gestora e alunos do colégio. Tratando-se de uma pesquisa exploratória, de caráter descritivo, o instrumento utilizado constituiu-se em um questionário que trazia vinte situações em que os alunos da escola, sendo das Equipes de Ajuda ou não, apontariam “O quanto você presenciou, viu ou soube de um colega na escola...”. Para as 20 situações, as respostas deveriam apontar “Antes de ter as Equipes de Ajuda na escola”: nunca; uma ou duas vezes; muitas vezes. E “Agora, com as Equipes de Ajuda na escola”: nunca; uma ou duas vezes; muitas vezes. Os dados encontrados corroboram o que as pesquisas internacionais já apontavam: a participação dos alunos nas soluções dos problemas de 1 Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara 2 Professora Doutora do departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara e líder do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) 3 Psicóloga, Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara 4 Psicopedagoga, Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara

O SILÊNCIO À AJUDA: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE COMBATE AO BULLYING … · 2017-08-25 · O bullying e os demais problemas de convivência na escola têm chamado a atenção das

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ISSN 2176-1396

O SILÊNCIO À AJUDA: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE

COMBATE AO BULLYING PELA IMPLANTAÇÃO E EQUIPES

DE AJUDA

Raul Alves de Souza – FCLAr/UNESP1

Luciene Regina Paulino Tognetta– FCLAr/UNESP2

Luciana Zobel Lapa– FCLAr/UNESP3

Sandra Cristina Trambaiolli De Nadai– FCLAr/UNESP4

Eixo – Psicologia da Educação

Agência Financiadora – Fundação Lemman

CAAE 66086617.6.0000.5400

Resumo

O bullying e os demais problemas de convivência na escola têm chamado a atenção das

investigações atuais não pelo fato do aumento no número de ocorrências, mas pela

urgência com que o tema da convivência está presente nas instituições educativas. A

literatura internacional tem apontado um caminho ainda pouco explorado no Brasil: a

participação efetiva dos alunos na solução dos problemas vivenciados. Este artigo

apresenta uma pesquisa de campo, de caráter exploratório cujo objetivo foi averiguar as

possíveis diferenças na frequência das intimidações entre estudantes do Ensino

Fundamental II em uma escola em que houve a implantação de um tipo de sistemas de

apoio entre pares: as equipes de ajuda, na percepção dos alunos comparando-se antes e

depois de sua implementação. Participaram da amostra 270 adolescentes estudantes do

sexto ao nono ano de uma escola do interior paulista em que se organizou um Projeto de

Formação para a Convivência Ética junto a professores, equipe gestora e alunos do

colégio. Tratando-se de uma pesquisa exploratória, de caráter descritivo, o instrumento

utilizado constituiu-se em um questionário que trazia vinte situações em que os alunos

da escola, sendo das Equipes de Ajuda ou não, apontariam “O quanto você presenciou,

viu ou soube de um colega na escola...”. Para as 20 situações, as respostas deveriam

apontar “Antes de ter as Equipes de Ajuda na escola”: nunca; uma ou duas vezes;

muitas vezes. E “Agora, com as Equipes de Ajuda na escola”: nunca; uma ou duas

vezes; muitas vezes. Os dados encontrados corroboram o que as pesquisas

internacionais já apontavam: a participação dos alunos nas soluções dos problemas de

1 Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara 2 Professora Doutora do departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara e líder do GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) 3 Psicóloga, Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara 4 Psicopedagoga, Especialista em Relação Interpessoais na Escola e Mestrando em Educação Escolar pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara

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convivência, através das Equipes de Ajuda, pode promover a melhoria da convivência e

assim, a diminuição de possibilidades de intimidação.

Palavras-chave: Convivência Ética. Bullying. Protagonismo. Equipes de Ajuda.

“A indiferença é a maneira mais polida de desprezar alguém”

Mario Quintana

Introdução

A percepção da violência no cotidiano escolar tem sido relevante para boa parte

da sociedade no Brasil, aponta Leme (2004). O aumento da sua ocorrência nas escolas

tem sido percebido por professores e pais, chamando assim a atenção da mídia e das

pesquisas sobre a temática. Certamente, como indicam estudos atuais, (Debarbieux,

2006), a violência dura - marcada por atos de agressão e vandalismos, uso de drogas ou

armas - não tem aumentado nem no Brasil nem no mundo de maneira tão crítica como

nos impõe o senso comum. Contudo, o que necessariamente se chama de violência

evidencia um sintoma de que há problemas na convivência escolar e estes têm sido o

‘calcanhar de Aquiles’ daqueles que educam, visto que, por diversas razões, tal temática

dificilmente tenha sido contemplada nas demandas de investigações sobre educação que

possam atravessar as paredes das universidades e dar respostas às escolas (Knöener e

Tognetta, 2016).

Assim, crescem os números que evidenciam situações de falta de civilidade, de

indisciplinas e mesmo de bullying. Fenômenos especiais não apenas em suas

nomenclaturas, mas também em suas especificidades.

Com relação a este último, embora as pesquisas internacionais Olweus (1993),

Del Barrio (2003), Avilés (2013), Cowie e Smith (2002) e nacionais Tognetta e Vinha

(2009), Tognetta e Rosário, (2013) evidenciem a importância do fenômeno a ser

estudado, no Brasil, poucas possibilidades de ultrapassar os diagnósticos são

apresentadas entre as investigações científicas.

Visto como um fenômeno grupal, o bullying configura-se como um mal-estar

entre crianças, jovens e adultos que se manifesta com características peculiares de, por

um lado, escolhas intencionais por parte daqueles que agridem, e por outro, de

fragilidade e timidez daqueles que são escolhidos como vítimas diante de um público

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que reverbera a condição de quem é bem visto ou não dentro de uma comunidade. Um

fenômeno de violência em que a submissão de um a outro, se manifesta na igualdade

das relações estabelecidas – entre pares – assim como na desigualdade configurada na

expressão de um, imbuído de poder físico e psicológico, sobre outro.

Segundo Olweus (1993) o bullying é definido como "comportamento indesejado

e agressivo entre crianças e adolescentes que envolve um desequilíbrio de poder entre as

partes, que se repete ao longo do tempo". Avilés (2013) acrescenta que os que sofrem

tais agressões se mantêm numa questão de vitimização por impossibilidade de se

desvencilhar de uma autoimagem com pouco valor. Ainda que ambos, agressor e

vítima, estejam sempre sob os olhos de seus iguais, que testemunham os fatos.

Investigações de Tognetta e Rosário (2013) apontam efeitos do bullying tanto

para agressores quanto para as vítimas. Em pesquisa recente com 2600 sujeitos para a

caracterização do fenômeno encontrou-se que os autores da vitimização apresentam

substratos de violência e ausência de respeito, não conseguindo, assim, tomar

consciência do estado e sentimento das vítimas que agridem, lhes faltando, portanto,

sensibilidade moral.

Certamente, os dados de pesquisas brasileiras e internacionais atestam que o

problema em questão é fato em qualquer que seja o espaço físico e psicológico de

relações humanas. Da mesma forma, os números indicam um percentual, ainda que

pequeno de autores e vítimas e um grande número de espectadores cuja falta de

manifestação ou repúdio à violência parece demonstrar certa indiferença ao problema

do outro, e, portanto, também desrespeito.

Nesse interim, pesquisas internacionais Cowie (2000), Salmivalli (2010) e

nacionais Tognetta e Avilés (2016), Lapa e Tognetta (2016), Souza e Tognetta (2016)

têm se projetado a discutir e reiterar o papel essencial dos espectadores para que o

problema de intimidação seja não perpetuado na escola.

Segundo O'Connell, Pepler e Craig (1999), a ação daqueles que assistem uma

cena de intimidação pode ter papel fundamental para a interrupção das agressões. Em

três quartos dos casos descritos pelos autores em suas investigações, quando os

espectadores intervêm em favor das vítimas, é dada a interrupção da agressão.

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Contudo, outros estudos têm apontado que tal defesa da vítima por parte de

quem assiste o problema não é fato tão comum como gostaríamos. Salmivalli e

colaboradores (1996), numa investigação com os espectadores de bullying, encontraram

apenas 4,5% dos meninos e 30% das meninas sendo considerados como defensores

entre os espectadores de bullying. Certamente, a sensação de segurança para esses

alunos envolvidos em situações de intimidação não é tão boa Gini, Pozzoli, Borghi e

Franzoni (2008).

Hawkins, Pepler e Craig (2001), Nishina e Bellmore (2010), Salmivalli et al.

(1996) sugerem que as testemunhas que não se posicionam contra o bullying, o fazem

porque querem proteger seu status entre os pares, alinhando-se com os populares visto

que mais do que agressivos ou vitimizados, os alunos são tipicamente vistos como

‘pares sociais’ – Juvonen e Galvan (2008).

E por que esses espectadores ajudariam as vítimas? Em resposta a essa pergunta,

Thornberg et al. (2012) entrevistaram 30 alunos com idade entre 9 e 15 anos sobre suas

perspectivas e preocupações ao serem testemunhas de um caso de bullying. De maneira

geral, a motivação para agir em favor da vítima depende de como a testemunha avalia e

define a situação, o contexto e sua condição de ajudar. Isso significa que, se, por um

lado, em escolas cujos valores trabalhados sejam os da competição, do “cada um por si”

ou a orientação à obediência à autoridade, a avaliação das testemunhas será meramente

aguardar que outra pessoa cuide do problema ou mesmo se isentar da responsabilidade

dos fatos.

Outros pesquisadores indicam que o medo de ser a próxima vítima é a principal

justificativa das testemunhas por não defender os pares, Chaux (2012).

Assim, pelo contrário, estruturas de funcionamento escolar em que os alunos

sejam chamados a definir quais os valores que admiram e devem ser estabelecidos em

suas relações, sua importância e por que vivenciar valores como generosidade e não

egoísmo, justiça e não absenteísmo, terão condições de transformar situações caóticas

de sofrimento em possibilidades de exercício da cidadania por parte de quem ajuda, e

mesmo do pertencimento, por parte de quem recebe a ajuda. Então, implicar os alunos

na tarefa de garantir o bem-estar de todos por valores de justiça, generosidade,

igualdade, tolerância ao diferente, são ações promissoras para que o bullying e outros

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tantos problemas de convivência possam ser superados.

Isso porque diferentes pesquisas têm demonstrado o quanto se ganha quando a

participação dos alunos é efetiva para a ativação desses valores, Van Schoiack-Edstrom,

Frey e Beland (2002), Cowie, Boardman, Dawkins e Jennifer (2004). Atestam também

o quanto a formação de redes de apoio entre os próprios pares é muito mais eficaz do

que quaisquer que sejam outras estratégias implantadas na escola que venham por

imposição de adultos.

Uma dessas formas de protagonismo (redes de apoio) são as chamadas “equipes

de ajuda” (MARTÍNEZ, 2013). Tal sistema é estudado por autores no Brasil (Lapa e

Tognetta, 2016; Souza e Tognetta, 2016; Daud e Tognetta, 2016; Bomfim e Tognetta

2016; De Nadai e Tognetta, 2016) e na Espanha (Avilés, 2013; Avilés, Torres e Vian,

2008) e correspondem a grupos de referência em que crianças e jovens, trabalhando de

forma colaborativa e fortalecidos por uma formação em conteúdos de assertividade

como ajuda, comunicação e valores, podem atuar frente a outros colegas que passam

por problemas. Em uma palavra, sabe-se que só os pares, têm acesso, segundo como

aponta Cowie e Wallace (2000) aos problemas vividos pelos iguais. Esses autores

identificaram anteriormente as contribuições que um sistema de apoio entre pares pode

propiciar. Dentre elas, destaca-se:

A probabilidade de um jovem contar o que se passa com ele a um igual é muito

maior do que a de ele contar a uma autoridade.

Os alunos identificam com mais facilidade as formas de violência que ocorrem

entre seus pares do que os adultos.

A proposta brasileira – a descrição do caminho percorrido na implementação das

Equipes de Ajuda

Como apresentado, as Equipes de Ajuda têm sido implantadas em escolas

públicas e particulares no Brasil por um grupo de pesquisadores brasileiros (GEPEM –

Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) e estrangeiros – da universidade de

Valladolid na Espanha.

Durante os anos de 2015 e 2016 dentro de um projeto em parceria com a

Fundação Lemman de Pesquisas intitulado “Em busca de caminhos que desenvolvam a

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convivência respeitosa em sala de aula todos os dias” desenvolvido pelo Grupo no

interior paulista, duas escolas pilotos instituíram um programa de convivência e

implantação desse sistema de apoio entre iguais. Assim, 270 alunos passaram pela

experiência de refletir, escolher e praticar ou ter presente em suas escolas, as Equipes de

Ajuda. Também em seções de formação de professores, foram discutidos conteúdos

sobre o fenômeno bullying e a abordagem necessária ao fortalecimento tanto dos grupos

de apoio como a atuação da autoridade no processo de combate a violência.

O trabalho realizado pelas Equipes de Ajuda configura-se como uma estratégia

das escolas para o desenvolvimento da empatia, da solidariedade, do respeito e justiça

entre os adolescentes. É também, no caso do Brasil, uma resposta a lei número 13.185

(06 de novembro de 2015), a chamada "Lei Antibullying", que obriga os

estabelecimentos educacionais a organizarem ações e medidas de conscientização,

diagnose e prevenção do problema. Conforme a legislação, os objetivos desses trabalhos

devem ser: "prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying)" e o de

"promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de

uma cultura de paz e tolerância mútua" (Art. 4o.)

Para a formação das Equipes de Ajuda, seus integrantes são escolhidos pelos

pares, baseados no critério de confiabilidade. Além disso, fazer parte de um sistema de

apoio entre pares exige que o aluno tenha boas habilidades de comunicação e um

importante nível de empatia e assertividade. São formados em momentos

extracurriculares para que possam ser instrumentalizados e necessariamente, poderem

agir para ajudar aqueles que mais precisam de apoio na escola. Importante ressaltar

também, que todo o processo de escolha, formação e acompanhamento são feitos

diretamente pelos seus professores e por membros do GEPEM.

Cowie e Wallace (2000) apontam algumas características principais para o

sistema de apoio entre pares:

As crianças e os adolescentes que participam dos sistemas de apoio são

formados para trabalhar em grupos para além das relações de amizade.

Os participantes dos sistemas de apoio entre pares têm a oportunidade de

conhecer o outro e aprender a se conhecer, além de perceber suas

próprias emoções nas relações que estabelecem com os colegas e praticar

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formas de comunicação mais efetivas.

A formação das crianças e dos jovens tem como objetivo maior favorecer

as relações interpessoais entre eles, para que os conflitos sejam

resolvidos de maneira não violenta.

Seu funcionamento desde então, sugere que atestemos a veracidade com que os

problemas de convivência possam ser diminuídos com tais ações. Passemos então, à

apresentação da atual pesquisa.

A investigação propriamente dita: os resultados que nos apontam caminhos.

Nosso problema de pesquisa pode ser assim formulado: qual a percepção dos

alunos das escolas públicas em que foram implantadas as Equipes de Ajuda, um

ano após o trabalho, sobre a frequência de situações de intimidação antes e após a

implementação desse sistema de apoio?

Numa amostra intencional, participaram da investigação 270 alunos, estudantes

do Ensino Fundamental II, de duas escolas públicas do interior paulista em que foi

implantado o sistema de apoio entre iguais. Tratando-se de uma pesquisa exploratória,

de caráter descritivo, o instrumento utilizado constituiu-se em um questionário que

trazia vinte situações em que os alunos da escola, sendo das Equipes de Ajuda ou não,

apontariam “O quanto você presenciou, viu ou soube de um colega na escola...”. Para as

20 situações, as respostas deveriam apontar “Antes de ter as Equipes de Ajuda na

escola”: nunca; uma ou duas vezes; muitas vezes. E “Agora, com as Equipes de Ajuda

na escola”: nunca; uma ou duas vezes; muitas vezes.

Assim, os objetivos dessa investigação foram:

1. Avaliar se houve mudança na frequência das intimidações considerando a

perspectiva de antes e após a implantação das Equipes de Ajuda e;

2. Comparar os resultados encontrados entre os alunos que fazem parte do

sistema de apoio entre pares e os que não fazem parte.

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Os resultados

Para comparação de variáveis categóricas entre os 2 momentos foi utilizado o

teste de McNemar e para variáveis numéricas o teste de Wilcoxon para amostras

relacionadas. Com auxílio da figura 1 podemos destacar os resultados encontrados:

Figura 1 . Distribuição de frequência de respostas para a categoria “uma ou mais vezes”

em cada situação de intimidação antes e após as equipes de ajuda.

Na figura, os itens identificados com asterisco, representam uma mudança

significativa nos conteúdos de intimidação apresentados. Como podemos constatar,

dentre as vinte formas de intimidação possíveis, oito delas sofreram diminuição,

conforme percepção dos discentes. Aplicando-se os testes de McNemar para variáveis

numéricas e o teste de Wilcoxon para amostras relacionadas, há diferença

estatisticamente significativa (p<0,01) para tais resultados.

Os alunos destacam em suas percepções que houve diminuição da frequência das

seguintes formas de intimidação: 1* mensagens de insulto pelo celular (p < 0.0143) 3*

fotos na internet/celular (p< 0.0114); 6* ameaça e medo (p< 0.0339); 7* apanhar dos

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colegas (p< 0.0339); 9* falar mal (p<0.0339); 11* que foi discriminado (p<0.0114) 12*

acusações (p< 0.0006); 17* brincadeiras/constrangimento (p< 0.0339); 19* mentiras

(p<0.0209). Perceba-se também que, ainda que não haja diferença significativa entre a

frequência antes e depois, também não houve aumento dos índices após a implantação

das Equipes de Ajuda.

O outro objetivo proposto era comparar as respostas de alunos de Equipes de

Ajuda e aqueles que não pertenciam a elas. Havia a preocupação de que fossem os

próprios alunos das equipes de ajuda quem tivesse indicado a diminuição da frequência

das diferentes formas de intimidação. Para atender a esse objetivo, foi aplicado o teste

das Equações de estimação Generalizadas (EEG), afim de se obter a certificação que

não haveria interferência dos resultados com a variável “pertencer as Equipes de

Ajuda”. Os resultados podem ser encontrados no quadro a seguir.

Quadro 2. Resultados das Equações de Estimação Generalizadas (EEG) para

comparação das respostas entre tempos (antes-após), entre equipes de ajuda.

Situação de

intimidação

Valor-p

(antes-após)

Valor-p

Equipes ajuda

S1 0.0143 0.1623

S2 1.0000 -

S3 0.0114 0.3484

S4 0.6547 0.2784

S5 0.3173 0.3140

S6 0.0339 0.2908

S7 0.0339 0.2374

S8 0.1317 0.2575

S9 0.0339 0.8201

S10 0.1797 0.5034

S11 0.0114 0.0012 equipe 2

S12 0.0006 0.4388

S13 0.7815 0.3188

S14 0.4795 0.1629

S15 0.1655 0.3181

S16 0.0588 0.5780

S17 0.0339 0.1014

S18 0.0833 0.5225

S19 0.0209 0.6027

S20 0.2568 0.7295

Soma total <0.0001 0.2693

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Analisando as variáveis é possível constatar que somente em um caso – S11

(zoação e discriminação) fazer parte das Equipes de Ajuda fez diferença (p=0.0012),

indicando assim que meninos e meninas participantes das Equipes de Ajuda não

influenciaram as respostas para a diminuição das frequências da intimidação.

Discussão e considerações

Os resultados encontrados por esta investigação reiteram outros anteriormente

apontados por Cowie e Wallace (2000), Cowie e Smith (2002), Menesini et al (2003),

Avilés (2013). Sugerem que quando se trata de situações de intimidação e violência que

acontecem entre pares no ambiente escolar, os sistemas de apoio, aqui representados

pelas “Equipes de Ajuda”, se tornam uma importante ferramenta tanto de combate,

quanto de prevenção ao problema. Além disso, a implantação dos sistemas de apoio

entre pares, notadamente o modelo espanhol das Equipes de Ajuda, adotado por

algumas escolas brasileiras, reflete a preocupação da comunidade escolar em relação ao

fenômeno bullying como um problema cuja ausência de valores morais é sentida.

Acreditamos que, se na atual investigação, das vinte formas de intimidação

possíveis, nove delas sofreram diminuição na percepção dos alunos podemos considerar

a estreita relação entre o decréscimo apresentado à atuação direta das Equipes de Ajuda.

Pesquisas como essa nos confirmam a necessidade das intervenções cotidianas ao

combate às situações de bullying e maus tratos entre os iguais. Reverberam também a

necessária sensação de segurança e proteção frente a quem é seu par, seu companheiro,

na constituição de um clima escolar positivo.

A utilização de um modelo de intervenção que permita a participação efetiva de

quem, principalmente assiste as cenas de bullying nos permite reiterar o quanto os

estudantes não aprovam espectadores que se apresentam de forma passiva as agressões e

se comportam como uma “maioria silenciosa” (Gini et al, 2008).

A experiência de meninos e meninas brasileiros mostra-nos a possibilidade de

dar voz e vez aos alunos, como protagonistas de sua própria atuação e, como sujeitos

cuja escola objetiva que sejam autônomos no futuro, experimentem a autonomia no

presente. É possível reconhecer que a implantação de sistemas de apoio entre iguais

proporciona, na escola, a mudança do clima de confiança e a presença de valores morais

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num cotidiano, que muitas vezes, era marcado pela violência (Avilés, Torres e Vian,

2008; Honig e Zdunowski-Sjoblom, 2014).

Assim, se bullying é um problema moral, a resolução deste não se dá por meio

apenas de “remédios“ ou intervenções pontuais no momento da intimidação. Espera-se

por uma “vacina”, ou seja, a criação de um cotidiano em que todos os implicados na

convivência da escola possam repensar suas ações. A construção de um ambiente livre

de tensões, promotor da igualdade e de relações de respeito requer um novo olhar ao

papel da autoridade e das relações de poder na escola. Requer que meninos e meninas

possam discutir as regras que regulam sua convivência, ter escolhas, ter seus

sentimentos reconhecidos e manifestados para que possam aprender a resolver seus

conflitos de forma mais elaborada e evoluída. E ainda, que possam sentir em seus pares

a confiança de que precisam para se tornarem uma personalidade fortalecida e

adjetivada de ética. Em uma palavra: não se combate a violência, senão, pela

convivência.

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