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Revisão bibliográfica sobre Traumatismo Cranioencefálico
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Considerações Gerais e Epidemiologia
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é a principal causa de morte e de
sequelas em indivíduos de 1 a 45 anos, nos países industrializados ocidentais. Resulta
em grande ônus socioeconômico, com custos médicos elevados e perda de
produtividade. A incidência global de TCE, nos Estados Unidos, foi de 538,2 casos por
10.000 habitantes em 2003, envolvendo principalmente pacientes de até quatro anos de
idade, adolescentes e adultos jovens (15 a 24 anos). Outro pico de incidência, menos
pronunciado, ocorre em idosos (> 65 anos), o qual tende a aumentar nas próximas
décadas, com o envelhecimento populacional.
Como a maioria das lesões traumáticas, a incidência de TCE é
significativamente maior nos homens do que nas mulheres, com índices que variam de
2:1 a 2,8:1, podendo atingir valores de até 3,5:1, quando considerados apenas os casos
graves. Entre as principais causas de TCE destacam-se os acidentes com veículos
motorizados, envolvendo principalmente jovens, e as quedas, particularmente em
idosos, com aumento significativo da proporção de casos decorrentes da violência, na
última década. Baixo nível socioeconômico e distúrbios psiquiátricos ou cognitivos
subjacentes são considerados fatores de risco para o TCE.
O estudo IMPACT evidenciou forte relação entre causa de TCE e prognóstico a
longo prazo, considerando casos de gravidade moderada a alta. Acidentes de tráfego,
agressões e lesões decorrentes de atividades desportivas ou recreativas, foram
associados a melhor prognóstico em relação às quedas. Estas predominam em faixa
etária avançada e estão associadas a maior incidência de lesões com efeito de massa.
Após o ajuste para idade, na análise, a relação entre a causa da lesão e o prognóstico foi
perdida.
O TCE de gravidade moderada a alta está associado a comprometimento
funcional e neurológico. Nesses pacientes, o risco de evolução com doença de
Alzheimer é 2,3 a 4,5 vezes maior do que a população geral. Nos Estados Unidos, a
prevalência de incapacidade a longo prazo, relacionada ao TCE, varia de 3,2 a 5,3
milhões de indivíduos (cerca de 1 a 2% da população), e inclui comprometimento da
memória e da capacidade de resolução de problemas, dificuldade no manejo do estresse
e de transtornos emocionais, além de prejuízo às relações interpessoais.
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Classificação
O TCE é uma doença heterogênea com prognósticos e indicações terapêuticas
variados. Sua classificação, na prática clínica, deve levar em conta fatores como
gravidade, mecanismo de lesão e fisiopatologia, bem como idade do paciente,
comorbidades associadas e parâmetros laboratoriais. Apesar de existirem escores de
avaliação da gravidade clínica, comumente utilizados na prática médica, como a Escala
de Coma de Glasgow (ECG) e o Full Outline of Responsiveness (FOUR) Score, a
abordagem terapêutica é provavelmente mais bem direcionada quando as variáveis são
consideradas individualmente, ao invés de serem utilizadas como um resultado fixo.
A ECG é universalmente aceita como uma ferramenta para classificação da
gravidade do TCE devido à sua simplicidade de aplicação prática, reprodutibilidade e
valor preditivo para o prognóstico geral. Considera como parâmetros a abertura ocular,
a melhor resposta verbal, e a melhor resposta motora, podendo variar de 3 a 15. Valores
de 13 a 15 na ECG correlacionam-se com lesão cerebral leve; valores de 9 a 12 são
considerados lesão moderada; e valores menores ou iguais a oito são classificados como
TCE grave. Fatores que limitam a utilização da ECG, causando confusão na equipe
médica, principalmente em pacientes com baixo escore, são: sedação médica, paralisias,
intubação endotraqueal e intoxicação.
O TCE também pode ser classificado de acordo com a gravidade dos achados de
neuroimagem (tomografia computadorizada, TC), sendo as escalas de Marshall e a de
Rotterdam as mais utilizadas. A escala de Marshall, amplamente utilizada em centros de
neurotrauma, gradua o TCE em seis categorias diferentes. É capaz de prever com
precisão o risco de aumento da pressão intracraniana (PIC) e o prognóstico, mas peca
em reprodutibilidade, nos pacientes com múltiplos tipos de lesão cerebral. A escala de
Rotterdam foi desenvolvida para superar as limitações da anterior. Tem mostrado
resultados iniciais promissores, mas necessita de mais ampla validação.
Outros fatores que influenciam no prognóstico e no tratamento de pacientes
com TCE grave são o mecanismo de lesão cerebral (trauma fechado ou penetrante,
trauma por explosão ou contuso), e a presença de lesões extracranianas. Estas estão
presentes em 35% dos casos, sendo representadas por perdas sanguíneas, hipóxia e
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outras complicações sistêmicas relacionadas, que podem agravar ainda mais a lesão
cerebral.
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Fisiopatologia
A lesão encefálica definitiva que se estabelece após o TCE é resultado de
mecanismos fisiopatológicos que se iniciam no momento do trauma (lesão cerebral
primária) e se estendem por dias a semanas (lesão cerebral secundária). O foco dos
cuidados neurointensivos para pacientes com TCE grave deve basear-se no tratamento
cirúrgico da lesão primária, identificação, prevenção e tratamento da lesão secundária.
Os mecanismos que produzem a lesão cerebral primária são bastante
heterogêneos – impacto direto, rápida aceleração/desaceleração, lesões penetrantes e por
explosão – mas comumente resultam de forças mecânicas externas transferidas ao
crânio e ao conteúdo intracraniano. O dano resultante inclui uma série de contusões
focais, lacerações e hematomas, bem como a ruptura de tratos axonais na substância
branca (lesão axonal difusa).
Nas lesões decorrentes de forças de aceleração e desaceleração, em que há
impacto direto do cérebro sobre superfícies da base do crânio, as lesões mais frequentes
são as contusões focais. Coalescência de contusões cerebrais ou ruptura de vasos
sanguíneos intraparenquimatosos podem provocar hematoma intraparenquimatoso.
O mecanismo que provoca a lesão axonal difusa inclui a aplicação de forças
rotacionais abruptas (cisalhamento), capazes de produzir deformações
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intraparenquimatosas que tracionam e rompem axônios e vasos ao longo do parênquima
cerebral. Em estudos de neuroimagem, é vista como múltiplas pequenas lesões dentro
da substância branca, e nos casos graves, associam-se tipicamente a coma profundo sem
elevação da PIC, geralmente com mal prognóstico.
A distribuição de forças para a abóbada craniana e camadas cerebrais
superficiais produz hematomas extra-axiais, representados pelas hemorragias epidural,
subdural e subaracnoidea. Em adultos, o hematoma epidural é tipicamente associado à
ruptura de vasos durais como a artéria meníngea média, quase sempre decorrente de
fratura do crânio; tem aspecto lenticular à TC e geralmente não está associado a dano
cerebral subjacente, apresentando bom prognóstico quando isolado. O hematoma
subdural resulta de dano às veias ponte que drenam a superfície do córtex cerebral para
seios venosos durais, ou a partir de contusões corticais superficiais; tem formato de
crescente e geralmente associa-se a lesão cerebral subjacente. A hemorragia
subaracnoidea decorre da ruptura de pequenos vasos piais e comumente ocorre nas
fissuras silvianas e cisternas interpedunculares. Hemorragias intraventriculares ou
intraparenquimatosas superficiais podem também se estender para o espaço
subaracnoideo. Hemorragia intraventricular resulta da ruptura de veias subependimais,
ou por extensão de hemorragia intraparenquimatosa ou subaracnoide adjacentes.
As lesões secundárias decorrem de agressões que se iniciam após o acidente,
resultantes da interação de fatores intra e extracerebrais que inviabilizam a
sobrevivência de células encefálicas poupadas pelo trauma inicial. Intercorrências
clínicas que se desenvolvem no pós-trauma imediato, como hipotensão arterial,
hipoglicemia, hipercapnia, hipóxia respiratória, hipóxia anêmica e distúrbios
hidroeletrolíticos, são os principais determinantes de lesão secundária. Posteriormente, o
surgimento de outros distúrbios metabólicos e infecciosos sistêmicos, assim como a
presença de substâncias neurotóxicas, hidrocefalia e alterações hemodinâmicas no
espaço intracraniano, são responsáveis pela exacerbação da lesão cerebral.
A lesão cerebral a longo prazo no TCE envolve uma cascata de mecanismos
moleculares, deflagrada no momento inicial do trauma e mantida no período que se
segue. A apoptose representa a morte celular programada; ocorre tanto em sítios
perilesionais quanto em estruturas distantes do trauma, e é responsável por pequena
parte das mortes neuronais no TCE, suscitando pouca reação inflamatória. Já a necrose,
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principal mecanismo de morte celular no TCE, envolve resposta inflamatória de maior
intensidade, e tem como estímulos deflagradores a excitotoxicidade e o estresse
oxidativo.
A excitotoxicidade é o mecanismo pelo qual o glutamato e outros
neurotransmissores excitatórios, liberados em decorrência do trauma, promovem lesão
celular por permitirem maior acúmulo de íons sódio – que causa edema celular – e
cálcio – que ativa proteases, fosfolipases e óxido nítrico –, culminando com acúmulo de
ácido aracdônico e radicais livres. No TCE, a hipóxia é o principal fator para o acúmulo
de radicais livres, cuja ação lesiva sobre as células constitui o estresse oxidativo.
A produção do óxido nítrico (NO) está diretamente associada aos mecanismos
de agressão celular presentes no trauma. No TCE, sua ação pode ser dividida em três
fases. Durante os 30 primeiros minutos após o trauma, o NO parece agir preservando o
fluxo sanguíneo cerebral (FSC); entre 30 minutos e seis horas após o trauma, existe uma
depleção do NO acompanhada de diminuição do FSC; e após seis horas, o NO volta a
aumentar e se acumula no endotélio, promovendo potente vasodilatação e aumento da
permeabilidade vascular, o que culmina com o aumento do FSC, da PIC e do edema
cerebral.
Cerca de um terço dos pacientes com TCE grave desenvolvem coagulopatia, que
associa-se a risco aumentado de expansão da hemorragia, mal prognóstico neurológico,
e morte encefálica. Apesar de o uso prévio de medicamentos como a varfarina ou
agentes antiplaquetários contribuírem para a ocorrência de coagulopatia, o próprio TCE
agudo também pode produzir distúrbios da coagulação sanguínea através da liberação
sistêmica de fatores teciduais e fosfolipídios cerebrais, levando a coagulação
intravascular disseminada e coagulopatia de consumo.
No TCE, a presença de hematomas, contusões, edema, acúmulo de líquor e
aumento do volume intravascular, que superam a capacidade de acomodação
intracraniana, elevam a PIC. Valores de PIC persistentemente acima de 15 mmHg são
considerados anormais; valores entre 20 e 40 mmHg indicam hipertensão intracraniana
(HIC) moderada, e acima de 40 mmHg representam HIC grave com risco de morte.
Níveis de HIC mantidos acima de 60 mm Hg correlacionam-se a ausência de fluxo
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cerebral e são quase sempre fatais. Cerca de 50% dos TCE graves cursam com HIC,
mais comum nas lesões expansivas.
Um aspecto crítico para amenizar a lesão cerebral secundária após TCE é a
prevenção de insultos cerebrais que agravem a condição do tecido já vulnerável, como
hipotensão e hipóxia – que reduzem a oferta de glicose e oxigênio –, febre e convulsões
– que aumentam a demanda metabólica –, e hiperglicemia – que pode exacerbar
mecanismos de lesão em curso.
Manejo do TCE
Aproximadamente 80% dos pacientes com TCE apresentam trauma leve, que
geralmente evolui com recuperação sem intercorrências. Apenas 3% desses pacientes
evoluem com disfunção neurológica grave, necessitando de uma abordagem mais ampla
e específica.
O TCE leve de baixo risco pode ser totalmente assintomático, com exame físico
normal e ausência de alterações neurológicas. Pode cursar com cefaleia não progressiva,
tontura ou vertigem e hematomas subgaleais discretos. Pacientes assintomáticos com
ECG de 15 não têm indicação de TC, podendo ser realizada apenas radiografia simples
de crânio para avaliar fraturas de face ou outras lesões associadas.
Critérios para indicação de TC no TCE leve de baixo risco são: ECG menor de
15, vômitos, amnésia, uso de álcool ou drogas ilícitas, idosos com mais de 60 anos,
crianças pequenas e pacientes com coagulopatias, ou em uso de anticoagulantes.
Paciente assintomático, alerta e sem alterações neurológicas, deve ser observado em
ambiente hospitalar por algumas horas e pode receber alta após reavaliação normal.
Deve ser orientado a receber observação por acompanhante por 24 a 48 horas, e retornar
ao serviço de emergência se evoluir com cefaleia, sonolência excessiva, irritabilidade,
ansiedade, desmaio, fraqueza, perda de força muscular, parestesias, dificuldade na fala,
compreensão ou memória, distúrbios de personalidade, confusão mental, rebaixamento
do nível de consciência, náuseas, vômitos, tonturas, déficit auditivo ou visual.
O TCE leve de médio risco pode cursar com equimoses orbitopalpebrais, lesão
de couro cabeludo, intoxicação por álcool ou drogas de abuso, cefaleia progressiva,
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vômitos e náuseas, perda momentânea da consciência ou desorientação
temporoespacial. Esses pacientes devem ser internados e mantidos em observação
constante pela equipe multiprofissional, necessitando de TC de crânio.
O TCE leve de alto risco abrange casos de crianças espancadas, gestantes e
pacientes com distúrbios da coagulação, pacientes que apresentem fístula liquórica com
ou sem débito, lesões petequiais sugestivas de embolia gordurosa, piora do nível de
consciência, síndrome de irritação meníngea, distúrbios de funções motoras superiores,
ferimento por arma branca, déficit de acuidade visual e lesão vascular traumática
cervicocraniana. Esses pacientes devem sempre ser submetidos à TC de crânio,
internados e mantidos em observação até estabilização do quadro neurológico.
O TCE moderado corresponde a 10% dos casos, podendo cursar com confusão
ou sonolência, rebaixamento do nível de consciência e déficits neurológicos focais.
Esses pacientes devem ser prontamente avaliados para a necessidade de intervenção
cirúrgica e internados em unidade de terapia intensiva sob constante avaliação médica,
necessitando de reavaliação dentro das primeiras 24h após o trauma. Recomenda-se
realizar TC de controle após 12h da primeira, e 24h após, a fim de descartar lesões
cerebrais secundárias.
Especialistas recomendam que a abordagem do TCE grave deva ser feita em
grandes centros de trauma que ofereçam tratamento neurocirúrgico e acesso a cuidados
neurointensivos. Pacientes com lesão grave na cabeça frequentemente apresentam
outras lesões traumáticas, como em órgãos internos, membros, ou medula espinhal, e
por isso, exigem uma abordagem multidisciplinar baseada em protocolos de
atendimento padronizados.
O objetivo primário do manejo pré-hospitalar do TCE grave é a prevenção de
hipotensão e hipóxia, principais fatores sistêmicos responsáveis pela lesão secundária
após o trauma e associados a mau prognóstico.
A intubação endotraqueal precoce é geralmente recomendada para pacientes
com ECG ≤ 8, desde que realizada por pessoal treinado. Estudos evidenciaram que a
intubação pré-hospitalar rápida adequada permite melhores resultados funcionais em
seis meses, em comparação com a intubação em ambiente hospitalar. A intubação pré-
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hospitalar realizada por pessoal não-treinado pode estar associada a aumento da
mortalidade e deve ser substituída por ventilação com balão e máscara. A prevenção da
hipotensão em ambiente pré-hospitalar deve ser realizada por reposição volêmica
adequada usando cristaloides isotônicos.
Até que se prove o contrário, deve-se considerar que pacientes com TCE
apresentam fraturas da coluna vertebral e adotar as devidas precauções de estabilização
e imobilização durante o transporte. A avaliação pré-hospitalar da ECG pode ser útil
para as decisões de triagem inicial.
Na fase inicial da admissão hospitalar, pacientes com TCE grave devem ser
conduzidos de acordo com o protocolo ATLS (Advanced Trauma Life Support).
Oxigenação adequada (PaO2 > 60 mmHg) e suporte de pressão arterial (PA sistólica >
90 mmHg) continuam como medidas prioritárias, sendo que sinais vitais como
frequência cardíaca, pressão arterial, estado respiratório (oximetria de pulso,
capnografia) e temperatura requerem monitoramento contínuo. O exame neurológico
deve ser concluído o mais rapidamente possível para se determinar a gravidade clínica
do TCE, necessitando de avaliação contínua. A deterioração do estado neurológico é
comum nas primeiras horas após a lesão.
Hemograma completo, eletrólitos, glicemia, parâmetros de coagulação, nível de
álcool no sangue, urina e toxicologia devem ser verificados. Valores elevados de RNI
exigem intervenção imediata no sentido de reverter a coagulopatia.
Os esforços para avaliar e gerir o aumento da PIC devem começar no
departamento de emergência. Pacientes com TCE grave e sintomas clínicos sugestivos
de HIC (midríase fixa uni ou bilateral, posturas de decorticatição ou descerebração,
bradicardia, hipertensão e/ou depressão respiratória) devem sofrer intervenção imediata,
com elevação da cabeça, terapia osmótica (manitol, 1g/kg) e exames de neuroimagem.
Estes pacientes devem ser transferidos para centros de neurocirurgia assim que
atingirem estabilidade hemodinâmica.
A TC é o exame de escolha na fase aguda do TCE e deve ser realizada o mais
precocemente possível. É capaz de detectar fraturas do crânio, hematomas
intracranianos e edema cerebral. Diretrizes atuais recomendam TC de crânio em todos
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os pacientes com TCE, com ECG ≤ 14. TC de crânio subsequente deve ser realizada se
houver deterioração clínica. Evolução dos achados da TC é comum e pode indicar
necessidade de abordagem terapêutica alternativa.
Indicações de tratamento cirúrgico de emergência para TCE grave incluem o
acometimento do estado neurológico e resultados da TC de crânio, como hematomas
volumosos ou extensos e evidência de efeito de massa, como o desvio da linha média.
Diretrizes recomendam a drenagem cirúrgica de hematomas epidurais (HE) com
mais de 30 mL de volume, independentemente da pontuação na ECG. Esvaziamento
cirúrgico de urgência é recomendado para pacientes com HE agudo e coma (ECG ≤ 8)
associados a anormalidades pupilares (anisocoria).
Hematoma subdural agudo > 10 mm de espessura ou associado a desvio da linha
média > 5 mm na TC deve ser esvaziado cirurgicamente, independentemente da ECG.
Além disso, a cirurgia é recomendada se ECG ≤ 8 ou se a pontuação no ECG diminuiu
2 ou mais pontos entre o momento da lesão e a admissão hospitalar, e/ou o paciente
apresenta pupilas assimétricas ou fixas e dilatadas, e/ou medições de PIC
consistentemente > 20 mmHg.
O esvaziamento cirúrgico de uma hemorragia intracerebral traumática (HIT) na
fossa posterior é recomendado quando há evidência de efeito de massa significativo
(distorção, deslocamento, obliteração do quarto ventrículo, compressão das cisternas
basais, ou hidrocefalia obstrutiva). Para HIT envolvendo hemisférios cerebrais, as
indicações cirúrgicas não são bem definidas. Diretrizes recomendam craniotomia com
drenagem para hemorragias superiores a 50 cm³ de volume, e para pacientes com ECG
entre 6 e 8, que apresentem hemorragia frontal ou temporal superior a 20 cm³, com
desvio da linha média de pelo menos 5 mm e/ou compressão cisternal em TC.
Em lesões penetrantes recomenda-se debridamento superficial e fechamento
dural para evitar extravasamento de líquor. Pequenos ferimentos de entrada podem ser
tratados com simples oclusão. Desbridamento agressivo e remoção de corpos estranhos,
como fragmentos ósseos ou de projéteis não demonstraram eficácia na prevenção da
infecção tardia. A antibioticoprofilaxia de amplo espectro (geralmente com
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cefalosporina) é rotina neste cenário, tendo contribuído para reduzir a incidência de
infecções.
Nas fraturas com afundamento da calota craniana, recomenda-se elevação e
desbridamento se houver penetração dural, hematoma intracraniano significativo,
envolvimento do seio frontal, deformidade estética, infecção ou contaminação, ou
pneumoencéfalo.
Na craniotomia descompressiva, parte substancial do crânio é removida a fim de
reduzir a PIC, aumentada em decorrência das lesões produzidas pelo trauma. Pode ser
associada a um procedimento de drenagem ou como adotada como tratamento primário
para o aumento da PIC. O uso desta técnica é controversa e sua eficácia no TCE é
incerta.
O principal foco dos cuidados intensivos para TCE grave é limitar a lesão
cerebral secundária. Em geral, os esforços de tratamento visam o controle da PIC e a
manutenção da perfusão cerebral, bem como a otimização da oxigenação e da pressão
arterial, além do controle térmico, da glicemia, das convulsões e de outros mecanismos
potencialmente produtores de lesão cerebral.
Pacientes com TCE apresentam maior risco de desenvolverem trombose venosa
profunda (TVP), que pode ser evitada através da tromboprofilaxia mecânica com meias
de compressão pneumática intermitente. O risco de TVP também pode ser minimizado
com a terapia antitrombótica, embora exista risco potencial de expansão da hemorragia,
mais intensa nas primeiras 24 a 48 horas. Embora alguns estudos tenham sugerido que a
terapia antitrombótica não esteja associada a aumento do risco de expansão da
hemorragia intracraniana, outros têm encontrado maior taxa de progressão da
hemorragia com a utilização de heparina de baixo peso molecular.
O suporte nutricional não deve ser negligenciado em pacientes com TCE, uma
vez que a desnutrição está associada a maior mortalidade. Os pacientes devem ser
alimentados com reposição calórica plena por pelo menos sete dias após a lesão.
A HIC está associada a aumento da mortalidade e desfecho negativo. Indicações
para a monitorização da PIC no TCE são ECG ≤ 8 e tomografia computadorizada
anormal evidenciando lesões com efeito de massa, como hematomas, contusões, ou
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edema. Monitorização da PIC em pacientes com TCE grave com TC normal pode ser
indicada se duas das seguintes características estiverem presentes: > 40 anos; postura
motora patológica; PA sistólica < 90 mmHg. O método mais preciso e eficaz em termos
de custos de monitoramento de PIC utiliza um cateter ventricular ligado a um transdutor
medidor de tensão, e tem a vantagem terapêutica de permitir drenagem de líquor para
tratar aumentos na PIC.
A maioria das diretrizes recomendam que o tratamento para HIC deve ser
iniciado quando a PIC sobe acima de 20 mmHg. Drenagem ventricular deve ser a
primeira tentativa. FSC deve ser removido a uma taxa de cerca de 1 a 2 ml/minuto,
durante dois a três minutos por vez, com intervalos de dois a três minutos entre eles, até
que uma PIC satisfatória tenha sido alcançada (PIC < 20 mm Hg) ou até o FSC não ser
mais facilmente obtido. Remoção lenta também pode ser conseguida por drenagem
gravitacional passiva através da ventriculostomia. Se a PIC permanecer elevada, outras
intervenções específicas como a terapia osmótica, hiperventilação, e sedação, podem ser
utilizadas. Em casos refratários, coma barbitúrico, hipotermia induzida e craniotomia
descompressiva podem ser considerados.
A injeção intravascular de agentes hiperosmolares (manitol, solução salina
hipertônica) cria um gradiente osmolar, que promove a drenagem de água através da
barreira hematoencefálica, levando à diminuição do volume intersticial e da PIC. O
manitol é o agente mais utilizado para se obter o controle da PIC e produzir melhora do
fluxo sanguíneo cerebral. É administrado em bolus de 0,25 a 1 g/kg a cada quatro a seis
horas, conforme necessário. Monitorização da osmolaridade sérica (mantida <
320mMol/L), do balanço hídrico, da função renal, e de eletrólitos, são necessárias. A
solução salina hipertônica está sendo cada vez mais utilizada neste cenário, mas com
diferentes volumes e tonicidade (3 a 23,4%), tanto em bolus quanto em infusão
contínua.
A maioria dos pacientes com TCE grave são sedados e ventilados artificialmente
durante os primeiros dias de internação. O controle da ventilação ajuda a evitar o
aumento da pressão intratorácica, que pode elevar a pressão venosa central e prejudicar
a drenagem venosa cerebral. A hiperventilação pode ser utilizada para reduzir a PIC.
Com hiperventilação, a PaCO2 diminui, levando a vasoconstrição cerebral, diminuição
do volume sanguíneo cerebral e, consequentemente, redução da PIC. No entanto, a
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vasoconstrição induzida pela hiperventilação também pode causar isquemia secundária,
agravando o prognóstico. A hiperventilação também pode aumentar os níveis de lactato
e glutamato extracelulares, os quais contribuem para lesão cerebral secundária. Por isso,
as diretrizes recomendam evitar hiperventilação, especialmente na fase aguda (primeiras
24 a 48 horas) após o TCE. Hiperventilação leve a moderada pode ser considerada em
estágios posteriores, sempre evitando PaCO2 menor que 30 mmHg.
Medicamentos sedativos e paralisia farmacológica são usados frequentemente
em pacientes com TCE grave e PIC elevada. A sedação adequada pode diminuir a PIC e
a demanda metabólica; pode melhorar assincronias de ventilação e atenuar as respostas
simpáticas de hipertensão e taquicardia. Estes possíveis efeitos benéficos são
contrabalanceados pelo potencial de hipotensão e vasodilatação cerebral, que por sua
vez, podem agravar a hipoperfusão cerebral e elevar a PIC.
Prefere-se o uso de propofol devido a sua curta duração de ação, que permite a
avaliação neurológica clínica intermitente. Curiosamente, sedação com propofol pode
produzir reduções da PIC. O propofol também tem efeitos neuroprotetores. Em um
ensaio, o propofol foi associado a melhor controle da PIC e prognóstico, quando
comparado com a sedação por morfina. No entanto, existe a possibilidade de que
pacientes com TCE desenvolvam a rara síndrome de infusão de propofol,
potencialmente fatal, caracterizada por acidose metabólica grave, rabdomiólise,
hipercalemia, insuficiência renal e colapso cardiovascular. Nesse sentido, sugere-se que,
quando administrado em pacientes com TCE, a taxa de perfusão de propofol não exceda
4 mg/kg/hora e que estes pacientes sejam monitorizados para alterações na ECG,
acidose láctica, e elevações da creatinina quinase e mioglobina.
Na ausência de protocolos específicos, o uso de sedação deve ser
individualizado de acordo com as circunstâncias clínicas específicas, podendo ser
utilizados como medicamentos alternativos, barbitúricos, fentanil, benzodiazepínicos e
morfina. Monitorização da pressão de perfusão cerebral é aconselhável para avaliar
efeitos imprevisíveis desses agentes sobre a pressão arterial e a PIC.
Evidências sugerem que a indução de hipotermia moderada (até 33°C) na
admissão esteja associada à redução da mortalidade e aumento da sobrevida de 3 a 6
meses após o trauma. A hipotermia é capaz de reduzir a PIC em 25%, com consequente
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queda do FSC em 40%, podendo estar associada a aumento do risco de infecções
pulmonares.
O TCE gera um estado hipercatabólico que culmina com hiperglicemia. A
hiperglicemia possui efeito deletério na função celular e está diretamente relacionada à
lesão axonal difusa. O controle glicêmico com insulina é capaz de prevenir a falência de
múltiplos órgãos com sepse, mesmo com história diabetes ou hiperglicemia. Em
pacientes com TCE, a hiperglicemia está associada com aumento da PIC, aumento no
tempo de internação, piora das lesões neurológicas secundárias e redução da sobrevida.
A introdução de um protocolo de controle glicêmico com a manutenção da
glicose dentro de parâmetros normais (entre 140 e 180 mg/dL) em pacientes
traumatizados, é capaz de reduzir a mortalidade em até 30%.
Em um grande ensaio com pacientes vítimas de TCE moderado e grave, a
terapia com glicocorticoides foi considerada prejudicial ao invés de benéfica, com
aumento da mortalidade em duas semanas.
O uso de agentes com possível atividade neuroprotetora tem sido alvo de uma
série de estudos em pacientes com lesão grave. O uso intravenoso de progesterona,
magnésio, oxigênio hiperbárico, ciclosporina, eritropoietina parecem promover
neuroproteção para vítimas de TCE, embora mais estudos sejam necessários para
validar esses resultados.
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Referência Bibliográfica
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