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TROMBOSE PRECOCE DE ARTERIA POPLf'TEA POR CLAMP ARTERIAL RELATO DE DOIS CASOS Francisco Angelo Simi * Roberto Lago ** Antonio Carlos Simi *** Relatamos 2 casos de lesao traumatica da arteria po- pI/tea, produzida pelo clamp arterial convencional. No p6s-operat6rio imediato, nao obstante a perviedade do en- xerto femoro-popl/teo, havia evidente isquemia do mem- bra operado. A angiografia p6s-operat6ria e 0 ato cirurgico caracterizaram e comprovaram que houve fratura da placa ateromatosa e trambose arterial no segmento correspon- dente a colocar;ao do clampe arterial, alguns centimetras abaixo da implantar;ao distal do enxerto. Em ambos os ca- sos a reoperar;ao obteve sucesso e consistiu em tromboen- darterectomia e plastia das arterias com remendo. Com medida preventiva, propomos alternativas para os metodos habituais de oclusao arterial. Unitermos: Isquemia dos membros inferiores. Trambose arterial. Enxertos arteriais. Endarterectomia. Trabalho realizado no Hospital do Servidar Publico Muni- Cipal de Sao Paulo. Servic;o de Cirurgia Vascular. Medico-estagiario. Cirurgiao Vascular do Hospital da Benefi- cencia Portuguesa de Bauru. Medico-assistente licenciado. Superintendentc do Inamps-SP. Medico-Chefe do Servic;ode Cirurgia Vascular. Os maus resultados que seguem as cirurgias de revas- cularizac;ao arterial par derivaC;ao no segmento femora-po- pliteo ocorrem, quase invariavelmente, por trombose da pr6tese implantada. As falhas tecnicas sao aventadas com a principal causa do insucesso (2, 3,4). o objetivo deste trabalho e relatar 2 casos de isque- mia aguda ap6s revascularizac;ao dos membros inferiores, decorrentes de lesao da arteria poplitea ao nivel do clampea- mento distal, nao obstante perfeita perviedade do enxerto realizado. Sao propostas alternativas para os metodos convencionais de oclusao das arterias abaixo do ligamenta inguinal. Caso 1: A. S., RH 32390, branco, 58 anos, foi admit i- do no Servic;o de Cirurgia Vascular do Hospital do Servidar Publico Municipal de Sao Paulo com queixa de claudicac;ao intermitente progressiva do membro inferior direito ha 2 meses. Apresentava antecedentes de hipertensao moderada arterial e enxerto femora-popliteo patente no membro infe- rior esquerdo, realizado ha 3 anos. Tabagista ha mais de 40 anos. A propedeutica arterial no membro inferior direito, mostrava ausencia de pulsos popliteo pedioso e tibial pos- terior. Havia hipertrafia ungueal dos pododactilos e rarefa- c;ao de pelos no terc;o distal da perna. No membro inferior esquerdo, a excec;ao do pulso tibial posterior, todos os de- mais eram palpaveis. 0 indice de pressao perna/brac;o obti- do com auxl1io do Doppler ultra-som era de 0,3. Os exa- mes laboratoriais de rotina e 0 exame cardio16gico nada re- velaram de interesse. No estudo angiografico havia obstru- C;aoda arteria femoral superficial ireita desde a sua emer- gencia ate 0 canal dos adutores, com reenchirnento da arte- ria poplitea acirna do joelho e das arterias tibial anterior e peraneira. Foi submetido a enxerto arterial femoro-popli- teo com veia safena interna aut6gena invertida. No p6s- operat6rio irnediato, 0 paciente evoluiu com enxerto per- vio, evidenciado pela palpac;ao de pulso em seu trajeto e pe- 10 auxilio do Doppler ultra-som. Nao obstante, havia evi- dente isquemia do pe direito, intensamente palido, frio e ausencia de pulsos popliteo e distais. A angiografia p6s- operat6ria confrrmou a perviedade do enxerto, mas revela- va obstruC;ao da arteria poplitea, cerca de 2 cm abaixo da anastomose distal, correspondente ao ponto de clampea- mento arterial (Fig. 1).Na reoperaC;ao constatou-se fratura e descolamento de placa ateromatosa, alem de trombose local. Procedeu-se a tramboendarterectomia segmentar aberta com fixac;ao da placa ateromatosa distal e remendo (patch) com material sintetico. A evoluc;ao foi boa, com desaparecimento dos sinais de isquemia e presenc;a de pul- so palpavel na arteria pediosa. 0 indice de pressao passou a 0,9. Caso 2: H.S.B., RH 34956, masculino, pardo, 57 anos, foi admitido no Pronto Socorro do Hospital do Ser- vidor PUblico Municipal de Sao Paulo, com dor de repouso

Trombose Precoce De Artéria Poplítea Por Clamp Arterial Relato de

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Page 1: Trombose Precoce De Artéria Poplítea Por Clamp Arterial Relato de

TROMBOSE PRECOCE DE ARTERIAPOPLf'TEA POR CLAMP ARTERIALRELATO DE DOIS CASOS

Francisco Angelo Simi *Roberto Lago **Antonio Carlos Simi * * *

Relatamos 2 casos de lesao traumatica da arteria po-pI/tea, produzida pelo clamp arterial convencional. Nop6s-operat6rio imediato, nao obstante a perviedade do en-xerto femoro-popl/teo, havia evidente isquemia do mem-bra operado. A angiografia p6s-operat6ria e 0 ato cirurgicocaracterizaram e comprovaram que houve fratura da placaateromatosa e trambose arterial no segmento correspon-dente a colocar;ao do clampe arterial, alguns centimetrasabaixo da implantar;ao distal do enxerto. Em ambos os ca-sos a reoperar;ao obteve sucesso e consistiu em tromboen-darterectomia e plastia das arterias com remendo. Commedida preventiva, propomos alternativas para os metodoshabituais de oclusao arterial.

Unitermos: Isquemia dos membros inferiores. Trambosearterial. Enxertos arteriais. Endarterectomia.

Trabalho realizado no Hospital do Servidar Publico Muni-Cipal de Sao Paulo. Servic;o de Cirurgia Vascular.

Medico-estagiario. Cirurgiao Vascular do Hospital da Benefi-cencia Portuguesa de Bauru.Medico-assistente licenciado. Superintendentc do Inamps-SP.Medico-Chefe do Servic;ode Cirurgia Vascular.

Os maus resultados que seguem as cirurgias de revas-cularizac;ao arterial par derivaC;ao no segmento femora-po-pliteo ocorrem, quase invariavelmente, por trombose dapr6tese implantada. As falhas tecnicas sao aventadas com aprincipal causa do insucesso (2, 3,4).

o objetivo deste trabalho e relatar 2 casos de isque-mia aguda ap6s revascularizac;ao dos membros inferiores,decorrentes de lesao da arteria poplitea ao nivel do clampea-mento distal, nao obstante perfeita perviedade do enxertorealizado. Sao propostas alternativas para os metodosconvencionais de oclusao das arterias abaixo do ligamentainguinal.

Caso 1: A. S., RH 32390, branco, 58 anos, foi admit i-do no Servic;o de Cirurgia Vascular do Hospital do ServidarPublico Municipal de Sao Paulo com queixa de claudicac;aointermitente progressiva do membro inferior direito ha 2meses. Apresentava antecedentes de hipertensao moderadaarterial e enxerto femora-popliteo patente no membro infe-rior esquerdo, realizado ha 3 anos. Tabagista ha mais de 40anos. A propedeutica arterial no membro inferior direito,mostrava ausencia de pulsos popliteo pedioso e tibial pos-terior. Havia hipertrafia ungueal dos pododactilos e rarefa-c;ao de pelos no terc;o distal da perna. No membro inferioresquerdo, a excec;ao do pulso tibial posterior, todos os de-mais eram palpaveis. 0 indice de pressao perna/brac;o obti-do com auxl1io do Doppler ultra-som era de 0,3. Os exa-mes laboratoriais de rotina e 0 exame cardio16gico nada re-velaram de interesse. No estudo angiografico havia obstru-C;aoda arteria femoral superficial ireita desde a sua emer-gencia ate 0 canal dos adutores, com reenchirnento da arte-ria poplitea acirna do joelho e das arterias tibial anterior eperaneira. Foi submetido a enxerto arterial femoro-popli-teo com veia safena interna aut6gena invertida. No p6s-operat6rio irnediato, 0 paciente evoluiu com enxerto per-vio, evidenciado pela palpac;ao de pulso em seu trajeto e pe-10 auxilio do Doppler ultra-som. Nao obstante, havia evi-dente isquemia do pe direito, intensamente palido, frio eausencia de pulsos popliteo e distais. A angiografia p6s-operat6ria confrrmou a perviedade do enxerto, mas revela-va obstruC;ao da arteria poplitea, cerca de 2 cm abaixo daanastomose distal, correspondente ao ponto de clampea-mento arterial (Fig. 1). Na reoperaC;ao constatou-se fraturae descolamento de placa ateromatosa, alem de tromboselocal. Procedeu-se a tramboendarterectomia segmentaraberta com fixac;ao da placa ateromatosa distal e remendo(patch) com material sintetico. A evoluc;ao foi boa, comdesaparecimento dos sinais de isquemia e presenc;a de pul-so palpavel na arteria pediosa. 0 indice de pressao passou a0,9.

Caso 2: H.S.B., RH 34956, masculino, pardo, 57anos, foi admitido no Pronto Socorro do Hospital do Ser-vidor PUblico Municipal de Sao Paulo, com dor de repouso

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de origem isquemica ha 10 dias, localizada no membro in-ferior direito. Apresentava antecedentes de c1audicarraointermitente no membro inferior direito M 5 meses e an-gina pectoris. Tabagista ha 40 anos. 0 exame fisico, espe-cificamente nos membros inferiores, mostrava hipertrofiaungtieal, e cianose de podadactilos no membro inferior di-reito. Ausencia de pulsos poplfteo, tibial posterior e pedio-so bilateralmente. 0 indice de pressao no membro inferiordireito era de 0,2. 0 estudo angiografico revelou obstru-rrao segmentar da arteria femoral superficial direita, desdea sua emergencia ate 0 canal dos adutores. Havia reenchi-mento da arteria poplftea acima do joelho e da arteriaperoneira. Foi submetido a enxerto arterial femoro-popli-teo acima do joelho. com veia safena interna aut6gena in-vertida. No p6s-operatorio imediato nao houve qualquermelhora c1inica, embora evoluisse com enxerto funcionan-te, evidenciado pela palparrao de pulso em seu trajeto e peloauxlllo do Doppler ultra-som. Persistiam os sinais de isque-mia do pEl direito. A angiografia de controle confrrmou aperviedade do enxerto e constatou obstrurrao segmentar daarteria poplftea, 2 centimetros abaixo da anastomose distal,ate a interlinha articular do joelho.

Na reoperarrao havia fratura e descolamento da placaateromatosa no ponto correspondente ao clampeamento,alem da trombose local. Foi realizada a tromboendarterec-tomia segmentar aberta da arteria poplftea, com fixarraodistal da placa ateromatosa e remendo com material sinte-tieo. A evolurrao foi favoravel. Houve desaparecimento dossinais de isquemia, com indice de pressao p6s-operat6riode 0,7.COMENTARIOS

Nos casos operados, nao obstante a perviedade doenxerto femoro-popliteo, havia evidente isquemia do mem-bro inferior. 0 estudo angiogrffico realizado 24 horas ap6sa cirurgia foi esclarecedor, evidenciando les6es da arteriapoplitea, alguns centimetros abaixo da implantarrao distaldo enxerto e correspondente ao nivel do c1ampeamentodistal. Ficou desta forma caracterizado em ambos os casosuma lesao arterial traumatica produzida pelo clamp con-vencional. 0 clampeamento gerou fratura e descolamentodas placas, com consequente trombose arterial. A reopera-rrao consistiu na remorrao dos trombos e das placas fratura-das.

A trombose arterial secundaria ao c1ampeamento vas-cular e provavelmente mais comum do que geralmente sesup6e. Alem da fratura das placas, muitas vezes ocorre des-preendimento do material ateromatoso com embolizarraoe obstrurrao das arterias distais. Observarr6es realizadas noHospital do Servidor PUblico Municipal, nao deixam duvi-das de que os modelos convencionais dos clampes arteriaissaD capazes de produzir importantes traumatismos nas arte-rias abaixo do ligamenta inguinal, colaborando desta formapara provaveis insucessos nas cirurgias de revascularizarrao.De Weese (3), relata urn caso de lesao da arteria poplitea,produzido por c1ampeamento, mas com aparecimento tar-dio de sintomas, urn ana ap6s a cirurgia. Refere, ainda,12· casos de maus resultados imediatos devidos a procedi-mentos tecnicos inadequados, mas nao faz referencia aoclampeamento arterial. 0 conhecimento e as implicarr6esdecorrentes de qualquer tipo de complicarrao nas restaura-

rr6es femoro-popliteas sao muito import antes (5). Deterrni-nadas arr6es fisieas podem evitar ou diminuir a incidencia decomplica¢es. Neste sentido temos procurado utilizar ou-tros metodos de oc1usao das arterias localizadas abaixo doligamenta inguinal. Temos preferido envolver 0 segmentoarterial dissecado, proximal e distalmente ao local da ar-teriotomia com "dupla larrada" de fita cardiaca. Mais re-centemente optamos pelouso sistematico de fita de silico-ne, denominada identificador cinirgico "Vas Loop", queperrnite perfeita oclusao sem traumatizar a parede arterial.Estes metodos, basicamente muito simples, tern ainda avantagem de prevenir complica¢es graves, uma vez queexercem pressao na parede arterial anterior, geralmentelivre, ja que as placas ateromatosas tern localizarrao, prefe-rentemente, posterior. Este sistema de oc1usao possibilitaa introdurrao atraves da arteriotomia de sonda ou cateterpara injerr6es intermitentes de solurrao heparinizada. Asse-gura ainda, 0 controle do fluxo retr6grado, alem de facilitartecnicamente a anastomose distal (Fig. 2). Tambem com afmalidade de evitar complica¢es, Dunn (6) propos 0 usode urn oc1usor inflavel. Em 1980, Bernhard (1), prop6e autilizarrao de urn torniquete pneumatico para evitar 0 clam-peamento das arterias da perna. Com a mesma finalidade,ao pro ceder a anastomose distal nos enxertos arteriais coma veia safena "in situ", Levine (8) recomenda: evitar adissec~o de toda circunferencia arterial; elevarrao do mem-bro e enfaixamento com atadura elastica. Inflar 0 tornique-te entre 250 e 350 mmHg e remover a faixa elastica. Aoconc1uir a anastomose, 0 torniquete e desinflado.

Ao encerrar 0 procedimento operat6rio, e essenciala avaliarrao da perviedade das arterias distais a anastomose.A simples palpayao de pulsos nestes segmentos ou nos ca-sas de duvida, 0 emprego da fluxometria per-operat6riacom 0 Doppler ultra-som (9) saD uteis e devem ser, roti-neiramente, realizados. Menos frequente, mas com maiorprecisao, tem-se preconizado 0 fluxometro eletromagm5-tico (7). Em certas circunstancias e imperativa a realizarraoda arteriografia intra-operat6ria, cuja indicarrao jamais deveser esquecida ou negligenciada (8).

Levando-se em considerarrao que e frequente a exis-tencia de placas ateromatosas no segmento femoro-popli-teo determinando estreitamento excentrico da luz arterial,raramente visiveis na arteriografia sagital; que estas placassaD facilmente fraturadas e descoladas quando comprimi-das pelos clampes arteriais convencionais, optamos, atual-mente, por abolir sistematicamente a utilizarrao dos referi-dos clampes nas cirurgias de revascularizarrao abaixo do li-gamento inguinal.

Fig. 1. Angiografia pOs-<Jperatoria.Demonstra lesao da arteriapoplltea no segmento correspondente a colocac;:iiode clamp arte-rial. Enxerto femoro-popllteo pervio.

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Fig. 2. 0 diagrama ilustra diferentes metodos de oc1usao arterialnao-traumatica para a realizal;ao da anastomose distal: A - oc1usaocom fita cardiaca, mantendo sonda de polietileno intra-arterial pa-ra controle do fluxo retrogrado e injel;oes de solul;ao heparinizada.B - oclusao simples, com tubo de polietileno "vas loop"

We related 2 cases of acute arterial insufficiencyafter femoro-popliteal artery by pass utilizing internalsaphenous vein, with patent grafts. There was thrombosisof popliteal artery secondary to a clamp injury, just distalto the anastomosis. The arteriogram demonstrated an arte-rial occlusion at the site where the clamp was applied.An endarterectomy and patch graft successfully 'corretedthe defect. The reasonsare discussedand modifications ofcontentional technics of arterial occlusion are proposed.

Uniterms: Ischemia of the limbs, arterial thrombosis,vascularprosthesis, endarterectomy.

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