8
Rev Col Bras Cir 47:e20202480 DOI: 10.1590/0100-6991e-20202480 INTRODUÇÃO A tualmente, as intervenções bariátricas e metabólicas são os procedimentos gastrointestinais mais comumente realizados nos Estados Unidos 1 . Embora o bypass gástrico em Y de Roux ainda seja o procedimento mais frequente entre as publicações científicas, a gastrectomia vertical é provavelmente a cirurgia bariátrica mais comum no mundo e, certamente, o método que demonstrou a maior taxa de aumento nos últimos anos 2,3 . Pacientes com obesidade têm risco aumentado de tromboembolismo venoso por várias razões, incluindo: obesidade, estase venosa, cirurgia, inflamação crônica e uso de tabaco ou contraceptivos orais. A TPM é complicação rara após cirurgia bariátrica (envolvendo <0,3% dos casos) e é mais frequente após gastrectomia vertical 4 . O número desconhecido de casos subclínicos, os diagnosticados falhos, combinados com a frequência relativamente baixa de TPM e a apresentação imprevisível, impedem o planejamento adequado de ensaios clínicos randomizados 5 . A maioria das experiências associadas à TPM relatadas na literatura são baseadas em séries de casos que podem ser fundamentais para elucidar alguns pontos em comum. A dor abdominal é o sintoma mais frequente associado à TPM, e pode aparecer dias, semanas ou até meses após a cirurgia, embora muitos casos sejam assintomáticos 6 . Náusea, vômito, febre e taquicardia podem ocorrer. Essa variabilidade de apresentação e a falta de sintomas às vezes podem justificar os casos com diagnóstico tardio. Investigação hematológica é obrigatória, pois em quase 43% dos casos existe predisposição genética para trombofilia ou outro estado de hipercoagulabilidade 7 . Artigo original Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos Portomesenteric vein thrombosis after bariatric surgery: a case series FERNANDO DE BARROS, TCBC-RJ 1,2 ; EDUARDO DE SOUZA FERNANDES 2 ; NELSON FIOD 2 ; HENRIQUE SERGIO MORAES COELHO 3 ; SILVIO MARTINS 3 A trombose portomesentérica (TPM) é uma complicação potencialmente grave que pode ocorrer após a cirurgia bariátrica. A TPM ganhou importância devido ao crescente número de cirurgias bariátricas sendo realizadas. Objetivo: Relatar complicação rara após cirurgia bariátrica, porém grave e de difícil manejo. Tentar identificar algumas características comuns aos pacientes e discutir possíveis causas, comparando a pouca literatura disponível. Métodos: Descrevemos seis casos de TPM em mulheres jovens com diferentes apresentações. Resultados: Todos os seis casos ocorreram em mulheres jovens de 29 a 41 anos sem obesidade grave - índice de massa corporal - IMC: 36 a 39 e com peso que variou de 105 a 121 kg. As pacientes apresentavam poucas comorbidades (todas relacionadas à síndrome metabólica) e esteatose hepática moderada, sem sinais de cirrose. Cinco pacientes usavam contraceptivos orais até dias antes da cirurgia. Uma paciente apresentou resultado positivo para trombofilia. Cinco pacientes foram submetidas a gastrectomia vertical e apenas uma submetida ao bypass gástrico sem complicações durante a cirurgia (tempo médio de operação: 61,3 min, variando de 52 a 91 min). A duração média do seguimento após a hospitalização foi de 12,3 meses (variação: 7 a 18 meses) e até o momento apenas uma paciente não teve recanalização. Conclusão: A frequência da TPM parece ser maior em mulheres e após gastrectomia vertical. Nossos achados indicam que pacientes com dor abdominal semanas após a cirurgia bariátrica devem ser investigados. Palavras-chave: Obesidade. Cirurgia Bariátrica. Gastrectomia. Derivação Gástrica. Veia Porta. R E S U M O R E S U M O 1 - Universidade Federal Fluminense, Departamento de Cirurgia Geral e Especializada - Niteroi - RJ - Brasil. 2 - Hospital São Lucas, Departamento de Cirurgia Geral - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. 3 - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Medicina Interna - Divisão de Hepatologia - Rio de Janeiro - RJ - Brasil.

Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

  • Upload
    others

  • View
    13

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

DOI: 10.1590/0100-6991e-20202480

INTRODUÇÃO

Atualmente, as intervenções bariátricas

e metabólicas são os procedimentos

gastrointestinais mais comumente realizados nos

Estados Unidos1. Embora o bypass gástrico em Y

de Roux ainda seja o procedimento mais frequente

entre as publicações científicas, a gastrectomia

vertical é provavelmente a cirurgia bariátrica

mais comum no mundo e, certamente, o método

que demonstrou a maior taxa de aumento nos

últimos anos2,3. Pacientes com obesidade têm

risco aumentado de tromboembolismo venoso por

várias razões, incluindo: obesidade, estase venosa,

cirurgia, inflamação crônica e uso de tabaco ou

contraceptivos orais.

A TPM é complicação rara após cirurgia

bariátrica (envolvendo <0,3% dos casos) e é

mais frequente após gastrectomia vertical4.

O número desconhecido de casos subclínicos, os

diagnosticados falhos, combinados com a frequência

relativamente baixa de TPM e a apresentação

imprevisível, impedem o planejamento adequado

de ensaios clínicos randomizados5. A maioria das

experiências associadas à TPM relatadas na literatura

são baseadas em séries de casos que podem ser

fundamentais para elucidar alguns pontos em comum.

A dor abdominal é o sintoma mais

frequente associado à TPM, e pode aparecer dias,

semanas ou até meses após a cirurgia, embora

muitos casos sejam assintomáticos6. Náusea,

vômito, febre e taquicardia podem ocorrer. Essa

variabilidade de apresentação e a falta de sintomas

às vezes podem justificar os casos com diagnóstico

tardio. Investigação hematológica é obrigatória,

pois em quase 43% dos casos existe predisposição

genética para trombofilia ou outro estado de

hipercoagulabilidade7.

Artigo original

Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos

Portomesenteric vein thrombosis after bariatric surgery: a case series

Fernando de Barros, TCBC-rJ1,2; eduardo de souza Fernandes2 ; nelson Fiod2; Henrique sergio Moraes CoelHo3; silvio MarTins3

A trombose portomesentérica (TPM) é uma complicação potencialmente grave que pode ocorrer após a cirurgia bariátrica. A TPM ganhou importância devido ao crescente número de cirurgias bariátricas sendo realizadas. Objetivo: Relatar complicação rara após cirurgia bariátrica, porém grave e de difícil manejo. Tentar identificar algumas características comuns aos pacientes e discutir possíveis causas, comparando a pouca literatura disponível. Métodos: Descrevemos seis casos de TPM em mulheres jovens com diferentes apresentações. Resultados: Todos os seis casos ocorreram em mulheres jovens de 29 a 41 anos sem obesidade grave - índice de massa corporal - IMC: 36 a 39 e com peso que variou de 105 a 121 kg. As pacientes apresentavam poucas comorbidades (todas relacionadas à síndrome metabólica) e esteatose hepática moderada, sem sinais de cirrose. Cinco pacientes usavam contraceptivos orais até dias antes da cirurgia. Uma paciente apresentou resultado positivo para trombofilia. Cinco pacientes foram submetidas a gastrectomia vertical e apenas uma submetida ao bypass gástrico sem complicações durante a cirurgia (tempo médio de operação: 61,3 min, variando de 52 a 91 min). A duração média do seguimento após a hospitalização foi de 12,3 meses (variação: 7 a 18 meses) e até o momento apenas uma paciente não teve recanalização. Conclusão: A frequência da TPM parece ser maior em mulheres e após gastrectomia vertical. Nossos achados indicam que pacientes com dor abdominal semanas após a cirurgia bariátrica devem ser investigados.

Palavras-chave: Obesidade. Cirurgia Bariátrica. Gastrectomia. Derivação Gástrica. Veia Porta.

R E S U M OR E S U M O

1 - Universidade Federal Fluminense, Departamento de Cirurgia Geral e Especializada - Niteroi - RJ - Brasil. 2 - Hospital São Lucas, Departamento de Cirurgia Geral - Rio de Janeiro - RJ - Brasil. 3 - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Departamento de Medicina Interna - Divisão de Hepatologia - Rio de Janeiro - RJ - Brasil.

Page 2: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos2

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

A veia porta é a mais frequentemente

afetada, seguida pela veia mesentérica superior

e, por último pela veia esplênica5. A maioria dos

casos de TPM ocorre nos primeiros dias após a

cirurgia e, geralmente é diagnosticada após a alta8.

O tratamento primário é com anticoagulação em

longo prazo e que geralmente, apresenta bons

resultados5,9.

OBJETIVO

O objetivo deste estudo retrospectivo

é descrever alguns casos de uma complicação

rara após cirurgia bariátrica, a TPM. Apesar de

rara, este tipo de complicação é grave e de difícil

manejo. Não há muitas evidências científicas na

literatura, e por isso tentamos identificar algumas

características comuns entre os casos e discutir

possíveis causas, comparando-os à pouca literatura

disponível.

MÉTODOS

Realizamos análise retrospectiva de seis

casos de TPM com diferentes apresentações.

Todos os pacientes foram atendidos e liberados

pela equipe multidisciplinar antes da cirurgia.

Utilizamos rotineiramente fonte de energia

bipolar avançada e grampeador eletrônico sem

reforço de carga ou sutura de reforço em ambos

procedimentos (gastrectomia vertical e bypass

gástrica). Os pacientes foram submetidos à cirurgia

bariátrica pelo mesmo cirurgião. A dieta foi

introduzida 8 horas após a cirurgia em todos os

casos, com líquidos claros na quantidade de 50 mL

a cada 30 minutos. Rotineiramente, prescrevemos

1500 mL de solução salina após a cirurgia para

todos os pacientes e alta no primeiro dia de pós-

operatório. Como procedimento padrão de rotina,

todos os pacientes, começam a caminhar dentro

de 8 horas após a cirurgia e mantém enoxaparina

após 12 horas (40 mg/dia por 10 dias). Todos os

diagnósticos foram realizados por tomografia

computadorizada (Figura 1).

RESULTADOS

A tabela 1 resume as informações dos

pacientes.

Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da veia porta.

Page 3: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos 3

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

Tab

le 1

. Car

acte

rístic

as d

os p

acie

ntes

incl

uído

s no

est

udo.

PACI

ENTE

SEX

OID

AD

E

(A)

PESO

/ IM

C

COM

ORB

IDA

DES

ACO

CIRU

RGIA

TC

(M)

SIN

TOM

AS

DIA

STI

(D)

VEI

ALÍ

QU

IDO

INFU

ND

IDO

DU

RAN

TE

A

CIRU

RGIA

(ML)

DIS

TÚRB

IO

DE

COA

G.

CLEX

AN

E

APÓ

S

ALT

A

ACO

MP.

(M)

AF

3111

2 /

37

Resi

stên

cia

insu

línic

a D

HG

NA

Sim

Slee

ve61

Dor

abdo

min

al,

vôm

ito

618

Port

a,

mes

enté

rica,

espl

ênic

a

700

Não

Sim

12

BF

3312

1 /

36

Dis

lipid

emia

,

DH

GN

A

Sim

Slee

ve64

Dor

abdo

min

al

214

15Po

rta,

espl

ênic

a

950

Não

Não

18

CF

3411

5 /

39

Hip

erte

nsão

,

DH

GN

A

Não

Slee

ve55

Dor

abdo

min

al

9110

Port

a65

0N

ãoSi

m15

DF

3811

3 /

38

Apn

eia

do s

ono,

DH

GN

A

Sim

Slee

ve45

Dor

abdo

min

al,

vôm

ito

87

Port

a,

mes

enté

rica

700

Não

Não

7

EF

2910

5 /

39

Apn

eia

do S

ono,

DM

2, D

HG

NA

Sim

Bypa

ss

Gás

tric

o

91D

or

abdo

min

al

náus

ea

1013

Port

a,

mes

enté

rica,

espl

ênic

a

1100

Não

Não

13

FF

4110

5 /

36

Apn

eia

do s

ono,

hipe

rten

são,

DH

GN

A

Sim

Slee

ve52

Dor

abdo

min

al,

náus

ea,

vôm

ito

731

Port

a,

mes

enté

rica,

espl

ênic

a

700

Fato

r V

de

Leid

en

Sim

9

IMC

– Ín

dice

de

Mas

sa C

orpó

rea;

DH

GN

A –

Doe

nça

Hep

átic

a N

ão A

lcoó

lica;

ACO

– A

ntic

once

pcio

nal O

ral;

TC –

Tem

po C

irúrg

ico

em m

inut

os; T

I – T

empo

de

Inte

rnaç

ão e

m d

ias;

Co

ag. –

Coa

gula

ção;

Aco

mp.

– A

com

panh

amen

to e

m m

eses

.

Page 4: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos4

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

Paciente A

Paciente do sexo feminino, 31 anos,

112 kg, com IMC de 37 kg/m2, com resistência

insulínica, esteatose moderada e em uso de

contraceptivos orais, foi submetida a gastrectomia

vertical com tempo de cirurgia de 61 minutos.

A paciente iniciou quadro de dor abdominal e

vômitos no sexto dia de pós-operatório. A dor

abdominal persistiu por 10 dias. A tomografia

computadorizada revelou TPM, edema leve

no intestino e pequena área de isquemia no

segmento VII do fígado e no polo inferior do baço.

O Doppler do sistema porta não revelou fluxo

em nenhuma das veias (porta, mesentérica ou

esplênica). A paciente iniciou o tratamento com

heparina de baixo peso molecular (enoxaparina,

160 mg/dia) e após dois dias de medicação a dor

abdominal cessou. A endoscopia não revelou

sinais de hipertensão portal e a paciente recebeu

alta assintomática após 18 dias de internação.

Atualmente (12 meses após a cirurgia), ela está

bem, com 80% de recanalização do fluxo portal e

sem sinais de hipertensão porta.

Paciente B

A paciente B também é mulher jovem

de 33 anos, com 121 kg e IMC de 36 kg/m2.

Antes da cirurgia, apresentava dislipidemia

(usava estatinas), esteatose moderada e usava

contraceptivos orais. A paciente foi submetida à

gastrectomia vertical, cirurgia sem intercorrências

que durou 64 minutos. Após a alta, por razões

econômicas, a paciente não continuou o uso pós-

cirúrgico de enoxaparina. Ela teve perda de peso

adequada e bons exames de acompanhamento

até seis meses após a cirurgia. Sete meses após a

cirurgia, começou leve dor nas costas e procurou

a emergência. A tomografia computadorizada

mostrou oclusão parcial das veias porta e esplênica

(60% e 70%, respectivamente) (Figura 1).

A paciente foi internada por 15 dias em anticoagulação

completa (enoxaparina 80 mg 12/12 h) e liberada

após a endoscopia não mostrar sinais de hipertensão

porta e o os exames laboratoriais descartarem

trombofilia. Atualmente, 18 meses após a cirurgia, a

paciente não apresenta sintomas, nenhum sinal de

hipertensão porta, está se comportando bem sem

medicamentos e recanalizou 75% do fluxo portal.

Paciente C

Paciente do sexo feminino, 35 anos, 115

kg, com IMC de 39 kg/m2, portadora de hipertensão

arterial sistêmica e esteatose moderada. Paciente

não fazia uso de contraceptivos orais, mas usava

medicação para a hipertensão (atenolol). A paciente

foi submetida a gastrectomia vertical com duração

de 55 min. Após a alta hospitalar, o paciente utilizou

enoxaparina (40 mg/dia) por 10 dias. Três meses

após a cirurgia, a paciente começou a queixar-se

de dor abdominal e a tomografia computadorizada

revelou a trombose porta. A paciente foi internada

por 10 dias com anticoagulação plena e foi liberada

assintomática com enoxaparina (160 mg/dia). Após

15 meses de acompanhamento paciente se encontra

assintomática e recanalizou 75% do fluxo portal.

Paciente D

Paciente do sexo feminino, 38 anos,

113 kg, com IMC de 38 kg/m2, sem uso de

medicação a não ser contraceptivo oral. Fazia uso

de CPAP regularmente para apneia do sono. A

laparoscopia revelou esteatose moderada que não

foi diagnosticada com ultrassonografia no período

pré-operatório. Foi submetida a gastrectomia vertical

(duração da cirurgia: 45 min, sem complicações) e

alta com prescrição de enoxaparina; no entanto,

por razões econômicas, não usou o medicamento.

Oito dias depois, começou a se queixar de dor

abdominal, vômito pós-prandial e foi diagnosticada

como tendo TPM por tomografia computadorizada.

Page 5: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos 5

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

A paciente ficou internado por sete dias e, após

o desaparecimento dos sintomas, foi liberada

com enoxaparina (160 mg/dia). Após sete meses

de acompanhamento, ela não usava nenhum

medicamento e obteve 90% de recanalização do

fluxo portal, sem sinais de hipertensão portal.

Paciente E

Paciente do sexo feminino, 29 anos,

105 kg, com IMC de 39 kg/m2, apresentava

antes da cirurgia apneia do sono leve, diabetes

tipo 2 (DM2) e esteatose moderada diagnosticada

no momento da cirurgia. O único medicamento

utilizado era o contraceptivo oral. Este foi o

único caso da série que foi submetido a bypass

gástrico (tempo cirúrgico: 91 min). Por razões

econômicas, a paciente não usou heparina não

fracionada após a alta. O início dos sintomas

(dor abdominal e náusea) ocorreu no 10º dia

de pós-operatório. A intensidade da dor sugeria

a possibilidade de hérnia interna, mas isso foi

descartado por tomografia computadorizada

do abdome que mostrou grande trombose

das veias porta, esplênica e mesentérica.

A paciente ficou internada por 13 dias, e a dor tenha

persistiu por 11 dias. Foi liberada com enoxaparina

(160 mg/dia). Esta paciente desenvolveu

degeneração cavernosa na veia porta com

hipertensão porta e varizes no fundo do

remanescente gástrico. Assim como nos outros

casos, a paciente usou enoxaparina por seis meses

e atualmente está assintomática e continua com

rivaroxabana (10 mg/dia).

Patient F

Paciente mais velha desta série, 41 anos, 105

kg e com IMC de 36 kg/m2, apresentava hipertensão,

apneia do sono e esteatose moderada. O único

medicamento utilizado era o contraceptivo oral.

A paciente foi submetida a gastrectomia vertical

(duração da cirurgia: 52 min), recebeu alta no dia

seguinte à cirurgia e tomou enoxaparina por 10 dias.

Os sintomas da TPM começaram a aparecer sete

dias após a cirurgia. A tomografia computadorizada

mostrou trombose grande e Doppler sem fluxo no

sistema portal. A paciente apresentou dor abdominal

durante quase toda a permanência no hospital (31

dias; bem mais do que nos outros casos). Durante a

hospitalização, a paciente apresentou resultado

positivo para trombofilia no fator V de Leiden e,

desde então, foi mantida com enoxaparina. Evoluiu

com 60% de recanalização e, até o momento, está

assintomática.

DISCUSSÃO

A TPM é complicação rara após cirurgia

bariátrica. Shoar et al.10, em metanálise, avaliaram 41

estudos envolvendo 110 casos de TPM. Treze estudos

relataram o número de casos dessa complicação em

16.137 cirurgias bariátricas, sendo a incidência de

0,4% (68 pacientes). No entanto, com o aumento do

número de gastrectomias verticais sendo realizado,

esse tipo de complicação se tornou mais frequente e

provavelmente há muitos casos não diagnosticados.

Acreditamos que alguns fatores que reduzem o fluxo

sanguíneo no sistema da veia porta provavelmente

sejam o maior problema, por exemplo, desidratação,

pneumoperitônio (> 15 mmHg), retração hepática,

duração da operação e a própria gastrectomia.

Muitos fatores de risco pré-operatórios para trombose

também podem estar presentes, incluindo obesidade

grave, síndrome metabólica, tabagismo, múltiplas

operações abdominais, uso de contraceptivos orais

e trombofilia hereditária não diagnosticada11,12.

O trombo pode se estender até os ramos portais, às veias

esplênicas e/ou veias mesentéricas3, com diferentes

manifestações clínicas, dependendo do grau, local e

extensão da obstrução.

Page 6: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos6

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

O aumento no estado inflamatório

e a hipercoagulabilidade da veia porta após

grampeamento múltiplo do músculo e da mucosa

gástrica, juntamente com ressecção de ≥80% do

estômago, pode alterar a estase circulatória do

sistema porta, predispondo à TPM. Normalmente,

grampeamos primeiro o estômago e depois, usando

fonte de energia bipolar avançada, desconectamos

os vasos da grande curvatura, evitando sempre

a proximidade do pâncreas e a vascularização do

baço, minimizando a transferência de calor.

Em recente revisão sistemática, Shaheen

et al.6 detectaram trombofilia herdada ou adquirida

em pelo menos 56% dos casos de TPM. Shoar

et al.10 relataram incidência de 43% para distúrbios

da coagulação em 68 pacientes, sendo a deficiência

mais comum de anticoagulantes naturais as proteínas

S e C seguida das mutações no gene da protrombina.

Altos níveis de fator VIII foram observados em 76%

dos 40 casos de TPM após gastrectomia vertical no

estudo de Parikh et al.13, mas isso não foi relatado

por outros autores. Examinamos nossas pacientes

quanto a distúrbios de coagulação e apenas uma

apresentava trombofilia - fator V Leiden.

A estreita relação entre obesidade e

esteatohepatite torna difícil acreditar em relação

de causa e efeito, mas alguns autores defendem

que pacientes portadores dessas condições podem

ter maior probabilidade de desenvolver trombose da

veia porta14. Verrikjen et al.15. encontraram níveis

elevados de inibidor do ativador do plasminogênio

(PAI-1) em pacientes com doença hepática gordurosa

não alcoólica, principalmente naqueles com doença

grave. Nossas seis pacientes apresentaram esteatose

moderada e sem fibrose importante.

A TPM manifesta-se de maneira indolente

com consequência benigna ou aguda com sequelas

mais graves, incluindo a morte. Apesar do início

variável dos sintomas, o problema geralmente

ocorre nos primeiros dias após a cirurgia bariátrica.

Uma de nossas pacientes apresentou o primeiro

sintoma (envolvendo obstrução completa do

sistema porta sem fluxo sanguíneo) no sexto

dia pós-operatório, enquanto em outra a dor

abdominal começou após nove meses e envolveu

oclusão parcial do sistema portal. Recomenda-

se investigação posterior com ultrassonografia

com Doppler para diagnosticar trombose porta

silenciosa que pode evoluir insidiosamente para

hipertensão portal. A recanalização da veia

porta trombosada pode levar a transformação

cavernomatosa com sequelas tardias, como

vista na paciente E. Assim, sugerimos que o

acompanhamento em longo prazo após a cirurgia

bariátrica deva incluir a ultrassonografia com

Doppler a cada seis meses.

Atualmente, a heparina não fracionada,

os antagonistas da vitamina K e a heparina de

baixo peso molecular são as opções de tratamento

mais comuns para a TPM após cirurgia bariátrica,

conforme sugerido por metanálise recente10. A

terapia de anticoagulação deve ser iniciada após

o diagnóstico de trombose e pode melhorar a

probabilidade de recanalização e evitar recorrências

futuras16. Todos os nossos casos usaram

enoxaparina (160 mg/dia por seis meses) e apenas

um teve transformação cavernomatosa após esse

período. Nesse caso, iniciamos o tratamento com

rivaroxabana (10 mg/dia).

Devido à raridade da TPM, ensaios clínicos

randomizados são difíceis de serem desenhados

para identificar pacientes com alto risco de

trombose. Além disso, a obtenção de análises

estatisticamente significativas é extremamente

difícil para doenças incomuns (amostra pequena).

Portanto, a publicação de dados de vários

estudos pode aumentar o poder estatístico da

análise. Nesse contexto, os relatos de casos em

série fornecem um meio importante de elucidar

possíveis fatores causais.

Page 7: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos 7

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

A B S T R A C TA B S T R A C T

Portomesenteric vein thrombosis (PMVT) is a potentially severe complication that can occur after bariatric surgery. PMVT has gained importance because of the increasing number of bariatric surgeries being performed. Objective: to report a rare and severe complication after bariatric surgery, which is difficult to manage. To try to identify common characteristics among the cases and discuss potential causes comparing our data to the available literature. Methods: We describe six cases of PMVT in young women with different presentations. Results: All six cases occurred in young women 29-41 years old with obesity - body mass index - BMI: 36-39) and weighing 105-121 kg. The patients had few comorbidities (all of which were related to metabolic syndrome) and moderate hepatic steatosis with no sign of cirrhosis. Five patients used oral contraceptives until a few days before the operation. One patient tested positive for thrombophilia. Five patients underwent a laparoscopic sleeve gastrectomy and one underwent a gastric bypass with no complications during the operation (median operating time: 61.3 min, range 52-91 min). The mean duration of follow-up after hospitalization was 12.3 months (range: 7-18 months) and to-date only one patient has had no recanalization. Conclusion: The frequency of PMVT appears to be increased in woman and after sleeve gastrectomy. Our findings indicate that patients with abdominal pain weeks after bariatric surgery must be investigated.

Keywords: Obesity. Bariatric Surgery. Sleeve Gastrectomy. Gastric Bypass. Portal Vein.

CONCLUSÃO

A TPM pós cirurgia bariátrica é rara e

muitos casos provavelmente não são diagnosticados.

O grau de oclusão do sistema porta pode

determinar o início e a gravidade dos sintomas.

A TPM parece estar mais associada com a gastrectomia

vertical, embora as razões para isso sejam

desconhecidas. Estudos prospectivos com busca de

fatores de riscos conhecidos e a implementação de

medidas cirúrgicas e clínicas para prevenir a TPM

devem ser incentivados.

REFERÊNCIAS

1. Buchwald H, Oien DM. Metabolic/bariatric surgery

worldwide 2011. Obes Surg. 2013;23(4):427-36.

2. Ozsoy Z, Demir E. Which bariatric procedure is

the most popular in the world? A bibliometric

comparison. Obes Surg. 2018;28(8):2353.

3. Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, Vitiello A, Higa K,

Himpens J, Buchwald H, Scopinaro N. IFSO worldwide

survey 2016: primary, endoluminal, and revisional

procedures. Obes Surg. 2018;28(12):3783-94.

4. Moon RC, Ghanem M, Teixeira AF, De La Cruz-

Munoz N, Young MK, Domkowski P, et al. Assessing

risk factors, presentation, and management of

portomesenteric vein thrombosis after sleeve

gastrectomy: a multicenter case-control study. Surg

Obes Relat Dis. 2018;14(4):478-83.

5. Hall TC, Garcea G, Metcalfe M, Bilku D, Dennison

AR. Management of acute non-cirrhotic and non-

malignant portal vein thrombosis: a systematic

review. World J Surg. 2011;35(11):2510–20.

6. Shaheen O, Siejka J, Thatigotla B, Pham DT.

A systematic review of portomesenteric vein

thrombosis after sleeve gastrectomy. Surg Obes

Relat Dis. 2017;13(8):1422-31.

7. Berthet B, Bollon E, Valero R, Ouaissi M, Sielezneff

I, Sastre B. Portal vein thrombosis due to factor 2

Leiden in the post-operative course of a laparoscopic

sleeve gastrectomy for morbid obesity. Obes Surg.

2009;19(10):1464–67.

8. Belnap L, Rodgers GM, Cottam D, Zaveri H, Drury C,

Surve A. Portal vein thrombosis after laparoscopic

sleeve gastrectomy: presentation and management.

Surg Obes Relat Dis. 2016;12(10):1787–94.

9. Bridges F, Gibbs J, Hoehmann C. Laparoscopic

sleeve gastrectomy complicated by portomesenteric

vein thrombosis: a case series. Obes Surg.

2017;27(4):1112–14.

10. Shoar S, Saber AA, Rubenstein R, Safari S, Brethauer

SA, Al-Thani H, et al. Portomesentric and splenic

vein thrombosis (PMSVT) after bariatric surgery: a

systematic review of 110 patients. Surg Obes Relat

Dis. 2018;14(1):47-59.

11. James AW, Rabl C, Westphalen AC, Fogarty PF,

Posselt AM, Campos GM. Portomesenteric venous

thrombosis after laparoscopic surgery: a systematic

literature review. Arch Surg. 2009;144(6):520–26.

12. Jakimowicz J, Stultiens G, Smulder F. Laparoscopic

insufflation of the abdomen reduces portal venous

flow. Surg Laparosc Endosc. 1998;12(2):129–32.

Page 8: Trombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica ... · A tabela 1 resume as informações dos pacientes. Figura 1. A - Trombose da veia esplênica. B – Trombose da

BarrosTrombose venosa portomesentérica após cirurgia bariátrica: série de casos8

Rev Col Bras Cir 47:e20202480

13. Parikh M, Adelsheimer A, Somoza E, Saunders

JK, Welcome AU, Chui P, et al. Factor VIII

elevation may contribute to portomesenteric vein

thrombosis after laparoscopic sleeve gastrectomy: a

multicenter review of 40 cases. Surg Obes Relat Dis.

2017;13(11):1835-39.

14. Zhang JY, Wang YB, Gong JP, Zhang F, Zhao Y.

Postoperative anticoagulants in preventing portal

vein thrombosis in patients undergoing splenectomy

because of liver cirrhosis: a meta-analysis. Am Surg.

2016;82(12):1169–77.

15. Verrikjen A, Francque S, Mertens I, Prawitt J,

Caron S, Hubens G, et al. Prothrombotic factors

in histologically nonalcoholic fatty liver disease

and nonalcoholic steatohepatitis. Hepatology.

2014;59(1):121–129.

16. Sanyal AJ. Acute portal vein thrombosis in adults:

clinical manifestations, diagnosis, and management.

In: Chopra S, Travis AC, editors. Wolters Kluwer;

2016. Available from: https://www.uptodate.com/

contents/acute-portal-vein-thrombosis-in-adults-

clinical-manifestations-diagnosisand-management.

Accessed 2019 Apr 23.

Recebido em: 03/02/2020

Aceito para publicação em: 29/03/2020

Conflito de interesses: Não

Fonte de financiamento: Não

Endereço para correspondência:

Fernando de Barros

E-mail: [email protected]