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O SISTEMA NÚCLEO INTERSINDICAL DE CONCILIAÇÃO TRABALHISTA Do fato social ao instituto jurídico: uma transição neoparadigmática do modelo de organização do trabalho e da administração da justiça

Sistema Núcleo Intersindical De Conciliação Trabalhista, O

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O SiStema NúcleO iNterSiNdical de cONciliaçãO trabalhiSta

Do fato social ao instituto jurídico: uma transição neoparadigmática do modelo

de organização do trabalho e da administração da justiça

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Antônio Gomes de VasconcelosMestre e doutor em Direito Constitucional (UFMG).

Especialista em Direito Público (CUMM). Bacharel em Filosofia (PUC-MG). Professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Juiz do Trabalho.

Prof. Coord. do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração da Justiça da Universidade Federal de Minas Gerais (PRUNART-UFMG).

O SiStema NúcleO iNterSiNdical de cONciliaçãO trabalhiSta

Do fato social ao instituto jurídico: uma transição neoparadigmática do modelo

de organização do trabalho e da administração da justiça

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Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: R. P. TIEZZI x Projeto de Capa: FABIO GIGLIO Impressão: PAYM GRÁFICA

Julho, 2014

Vasconcelos, Antônio Gomes de

O Sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista : do fato social ao instituto jurídico... / Antônio Gomes de Vasconcelos — São Paulo : LTr, 2014.

Bibliografia

1. Conciliação industrial — Brasil 2. Dissídios trabalhistas — Brasil 3. Negociações coletivas — Brasil 4. Relações industriais — Brasil 5. Sindicatos Brasil I. Título.

14-01916 CDU-34:331.88:331.153(81)

1. Brasil : Conciliação trabalhista : Núcleos intersindicais : Direito do trabalho 34:331.88:331.153(81)

2. Brasil : Núcleos intersindicais : Conciliação trabalhista : Direito do trabalho 34:331.88:331.153(81)

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Versão impressa - LTr 5008.9 - ISBN 978-85-361-2864-1Versão digital - LTr 8067.8 - ISBN 978-85-361-3081-1

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Dedicatória

Eliana, Octávio Augusto e Thiago Eduardo! O amor e o carinho inesgotáveis que me dedicastes foram a

sustentação e o dínamo das energias consumidas neste trabalho. A necessária solidão da introspeção profunda, por vezes dolorosa,

somente é possível se acompanhada da certeza de não estar só.

Às abnegações, renúncias e ausências necessárias, sem qualquer cobrança, compensam o meu

amor e minha gratidão.

A Elza Pereira de Vasconcelos Santos e aos meus irmãos Edson, Elson, Maria Helena, Carlos Lacerda e Altamir Eustáquio.

A Joaquim Gomes dos Santos (in memoriam). A Maria Elza Gomes de Vasconcelos (in memoriam).

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Homenagens

A Altair Olímpio de Oliveira e Ezequias dos Reis (in memoriam), líderes e dirigentes sindicais, pela ousadia de criar o primeiro

Ninter do País e apontar novos horizontes para o sindicalismo brasileiro.

Ao Professor Antônio Álvares da Silva.

Ao Professor José Alfredo de Oliveira Baracho (in memoriam).

Ao Ministro do TST Orlando Teixeira da Costa (in memoriam).

A Doutora Gilma Gonçalves Xavier.

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SumáriO

Lista de sigLas ................................................................................................19

apresentação .................................................................................................21

prefácio .........................................................................................................33

introdução .....................................................................................................37

capítuLo 1 — a crise de racionaLidade da organização do trabaLho e contextos praxioLógicos de surgimento da experiência prototípica do sistema ninter ...........................................................................................53

1.1. Dimensão teórico-paraDigmática ...................................................................53

1.1.1. a crise Da racionaliDaDe juríDico-institucional ......................................60

1.1.2. o corporativismo como “princípio De funDamentação suficiente” Da organização Do trabalho ..................................................................64

1.1.3. o corporativismo e a organização Das relações De trabalho no brasil .....68

1.1.3.1. estratégia “liberal intervencionista” ...........................................72

1.1.3.2. projeção Da concepção organicista Da socieDaDe na organização Do trabalho ...........................................................................77

1.1.3.3. a regulamentação Das relações De trabalho ...............................85

1.1.3.4. a obsolescência Das instituições Do trabalho e seus Desafios ..........88

1.2. a função metoDológica Da aborDagem histórico-contextual Da origem Do ninter ........91

1.2.1. a aborDagem De situações-problema como uma questão metoDológica .....98

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capítuLo 2 — evocação epistêmica da reaLidade (i): contextos de surgimento do sistema ninter ....................................................................................101

2.1. contexto sociocultural Da região De patrocínio ..........................................102

2.1.1. a situação Dos trabalhaDores rurais .................................................112

2.1.1.1. absoluta falta De efetiviDaDe Da legislação trabalhista ...............114

2.1.1.2. intermeDiação ilícita De mão De obra: a figura metafórica Do “gato” ................................................................................118

2.1.2. cultura, Dilemas e paraDoxos Da empresa rural na região De patrocínio ..123

2.1.3. impactos De uma legislação simbólica: os Desencontros entre a norma e a realiDaDe ..................................................................................130

2.1.3.1. a inaDequação normativa (1): o sacrifício Dos Direitos materiais pela rigiDez na aplicação Das normas instrumentais ....................132

2.1.3.2. a inaDequação normativa (2): milhares De empregaDos sem registro ...............................................................................135

2.1.3.3. a inaDequação normativa (3): classificação Dos contratos pelo critério Da Duração ...............................................................137

2.1.3.4. a inaDequação normativa (4): o problema Da remuneração .........139

2.1.3.5. a inaDequação normativa (5): o cômputo Da ociosiDaDe volun- tária no tempo De serviço .......................................................141

2.1.3.6. a inaDequação normativa (6): o abanDono Do emprego inexistente .141

2.1.3.7. a inaDequação normativa (7): os riscos Da continuação Do contrato..............................................................................143

2.1.4. o paraDoxo Da ausência normativa num sistema regulativo “pan-óptico” 144

2.1.4.1. o primeiro caso ilustrativo .....................................................145

2.1.4.2. o segunDo caso ilustrativo ....................................................147

2.2. a insustentável cisão entre lei (geral e abstrata) e realiDaDe na socieDaDe contemporânea ........................................................................................149

2.2.1. a “patologia Do sistema juríDico”: a generalização Da DesobeDiência à lei .....150

2.2.2. sintomas Da crise Dos princípios Da generaliDaDe e Da abstração Das leis ....152

2.2.3. a crise De racionaliDaDe Da organização Do trabalho e Da aDministração Da justiça e a exigência Da relativização Do princípio Da separação Dos poDeres .........................................................................................154

2.2.3.1. o terceiro caso ilustrativo .....................................................158

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capítuLo 3 — evocação epistêmica da reaLidade (ii): o “estudo do caso difíciL” da empresa irmãos okubo — A desocupação de miLhares de trabaLhadores rurais .....................................................................................................160

3.1. objetivo .................................................................................................160

3.2. pressupostos epistemológicos e metóDica .....................................................166

3.3. contexto socioeconômico e o Déficit De legitimiDaDe Da ação Do poDer público ..170

3.3.1. uma visão “complexa” (não reDucionista) Da realiDaDe ........................170

3.3.2. a ação DesestabilizaDora Da aDministração pública: reDução Da reali- DaDe a categorias hipotético-formais e contraDição aos princípios cons- titucionais .....................................................................................175

3.3.3. a crise De racionaliDaDe Da prática juríDica: a ilusão Do “imperativo” Da segurança e Da certeza juríDica.........................................................186

3.3.3.1. os pressupostos jusfilosóficos e político-constitucionais aDotaDos na sentença De primeiro grau e nos acórDãos Da corte recursal ..187

3.3.3.1.1. a abertura neoparaDigmática Da vara Do trabalho: jurisDição comunicativa ..........................................188

3.3.3.1.2. a jurispruDência plurívoca Da corte recursal ............192

3.3.3.2. aspectos pontuais De uma jurispruDência “contraDitória” ............198

3.3.3.2.1. orientação técnica ou suborDinação juríDica? ............199

3.3.3.2.2. riscos Do empreenDimento ........................................199

3.3.3.2.3. empregaDo empregaDor? .........................................200

3.3.3.2.4. remuneração ou lucro? ..........................................201

3.3.3.2.5. além Da categorização hipotético-normativa Do vínculo empregatício ..........................................................201

3.4. os Diferentes “jogos De linguagem” Da jurispruDência ...................................202

3.5. o simbolismo Do caso Da empresa “irmãos okubo”: a crise De racionaliDaDe Da prática juríDica ....................................................................................206

3.6. o Déficit De legitimiDaDe Da ação pública .....................................................211

3.6.1. uma transição paraDigmática inexorável ............................................213

3.6.2. novos paraDigmas e a raDicalização Da Democracia .............................216

capítuLo 4 — as origens e o desenvoLvimento da experiência prototípica do sistema ninter: a InstitucionaLização do DiáLogo SociaL ...........................223

4.1. exigência De novos paraDigmas: sintomas locais ...........................................225

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4.2. a institucionalização: condictio sine qua non .............................................. 232

4.2.1. algo precisava ser feito ...................................................................233

4.2.2. a função meDiaDora Da vara Do trabalho: ativismo pruDente e moDeraDo 234

4.2.3. ação sinDical bifrontal ...................................................................236

4.2.4. as bases De um consenso originário sobre questões complexas ...............240

4.2.4.1. a autonomia pública e a autonomia coletiva: interação, simetria e não intervenção ..................................................................240

4.2.4.2. a garantia Do Diálogo em conDições igualitárias .......................241

4.2.4.3. a institucionalização Das “regras Do jogo”: Diálogo social e concertação social ................................................................242

4.2.4.4. iDeias-Diretrizes para uma institucionalização De “segunDo nível” ..246

4.2.4.4.1. o ponto De partiDa: a comunhão em torno Da iDeia- -Diretriz ................................................................248

4.2.4.5. o conselho tripartite e autopoiese: a função peDagógica Do pro- cesso Democrático De constituição Do ninter-patrocínio .............249

4.2.4.6. aprenDenDo a resolver conflitos: a primeira ação transformaDora Do ninter-patrocínio/mg ......................................................255

4.2.4.7. a caminho Da complexiDaDe: a emergência Da consciência sistêmica. Dos sintomas às causas. Da ação aleatória à institucionalização 263

4.3. a transparência e o Debate público: as estratégias De sobrevivência ninter- patrocínio/mg .......................................................................................267

4.3.1. a força performativa e perlocucionária Dos pronunciamentos Da repre- sentação sinDical e Dos setores públicos ............................................269

4.3.2. outras estratégias..........................................................................281

4.4. o papel Da vara Do trabalho na consoliDação Do ninter-patrocínio/mg .......282

4.4.1. a contribuição Da vara Do trabalho para a afirmação Do habitus institucional ..................................................................................287

4.4.1.1. a força peDagógica Do Diálogo social: a formação Do staff Do ninter .................................................................................290

4.4.1.2. coorDenação De eventos técnico-científicos ...............................292

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4.4.1.3. Diálogo social e concertação social na aDministração Da justiça local ...................................................................................293

4.4.1.4. comunicação De Decisões corretivas Dos atos conciliatórios extrajuDiciais ao conselho tripartite ........................................293

4.4.1.5. função peDagógica Da sentença ...............................................295

4.4.1.6. suspensão consensual De DemanDas e o encaminhamento Do litígio ao ninter .............................................................................296

4.4.1.7. retorno Do caso ao ninter para retificação De erro ...................300

4.4.1.8. a valoração De inDícios e provas levantaDas nos proceDimentos De conciliação não juDicial. o Depoimento ex officio Dos con- ciliaDores .............................................................................301

4.4.1.9. o princípio Da proativiDaDe Do processo ....................................302

4.4.1.10. o êxito Dos meios De prevenção e solução não juDicial Dos con- flitos: o fortalecimento e a creDibiliDaDe Da justiça local ...........304

capítuLo 5 — a autonomia Jurídica do instituto dos núcLeos intersindicais de conciLiação trabaLhista ...........................................................................306

5.1. razões para uma Dogmática elementar Do sistema núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ...........................................................................306

5.1.1. a recusa ao Diálogo transparaDigmático poDe ser compreenDiDa como estratégia De resistência à muDança? .................................................309

5.2. lapsos Da Doutrina Da equiparação entre os institutos Dos núcleos inter- sinDicais De conciliação trabalhista e Da comissão De conciliação prévia ........312

5.2.1. funDamentos para uma Distinção conceitual e técnico-juríDica entre o instituto Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista e o Das comissões De conciliação prévia ......................................................326

5.2.2. a Distinção quanto aos proceDimentos e princípios relativos à concilia- ção prévia .....................................................................................329

5.3. fontes De legitimação Da tese Da autonomia conceitual e juríDica Do instituto Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ...................................331

5.4. funDamentos para uma ontologia Do instituto Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ...........................................................................334

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5.4.1. os núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista como sistema aberto ..........................................................................................338

5.5. os funDamentos juríDicos e os princípios informativos Do sistema núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista .....................................................345

5.5.1. a eventual revogação Da lei n. 9.958/2000 não altera o status jurí- Dico Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ..................350

5.5.2. atos constitutivos Do núcleo intersinDical De conciliação trabalhista ..352

5.5.3. princípios informativos e objetivos Do sistema núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ..................................................................354

5.5.3.1. princípios extrínsecos .............................................................355

5.5.3.2. princípios intrínsecos ..............................................................356

5.5.3.3. objetivos específicos ...............................................................358

5.6. a organização e a estrutura Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista .............................................................................................362

5.6.1. conceito, requisitos, estrutura, organização e competências Dos núcleos intersinDicais De conciliação trabalhista ...........................................363

5.6.2. o conselho tripartite (interinstitucional) ..........................................372

5.6.2.1. a função catalisaDora Do Diálogo social e Da concertação social ..377

5.6.2.2. poDer normativo Do conselho tripartite (interinstitucional) ........378

5.6.2.3. a gestão Do ninter ...............................................................379

5.6.3. seção intersinDical De conciliação (prevenção e meDiação) De conflitos inDiviDuais .....................................................................................379

5.6.4. conselho De arbitragem ...................................................................381

5.6.4.1. a importância Do conselho De arbitragem na origem Do núcleo intersinDical De conciliação trabalhista De patrocínio ...............383

5.7. bases para uma reflexão transcenDental (DesvinculaDa Da experiência) acerca Do princípio De Democracia imanente ao sistema núcleos intersinDicais De con- ciliação trabalhista .................................................................................386

considerações finais .....................................................................................389

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bibLiografia ..................................................................................................397

gLossário .....................................................................................................407

anexos

anexo a — auto De inspeção juDicial ................................................................413

anexo b — entrevista não DirigiDa conceDiDa pelo sr. ivao okubo realizaDa em 18.11.2006 .............................................................................................422

anexo c — ato constitutivo Do Conselho De ADministração De Justiça Da vara Do trabalho De araguari-mg ..........................................................................425

anexo D — ato constitutivo Do Conselho De ADministração De Justiça Da 5ª vara Do trabalho De belo horizonte-mg .............................................................427

anexo e — ata Da reunião Do conselho tripartite Do núcleo intersinDical De con- ciliação trabalhista realizaDa no Dia 6.12.1994 ...........................................429

anexo f — ata De constituição Do núcleo intersinDical De conciliação trabalhista rural De patrocínio/mg ............................................................................430

anexo g — pronunciamento Do presiDente Dos trabalhaDores rurais De patrocínio no i seminário De patrocínio para moDernização Das relações De trabalho, em 1º.4.1995 ...............................................................................................431

anexo h — pronunciamento realizaDo pelo presiDente Do sinDicato rural De patro- cínio sr. altair olímpio De oliveira, no 1º seminário De patrocínio para a mo- Dernização Das relações Do trabalho ...........................................................433

anexo i — estatuto básico Do núcleo intersinDical De conciliação trabalhista ......434

anexo j — convenção coletiva De trabalho constitutiva Do núcleo intersinDical De conciliação trabalhista De [...] ...............................................................454

anexo k — relatório Do fórum nacional Do trabalho — conferência estaDual De minas gerais ............................................................................................456

anexo l — conclusões Do i encontro De patrocínio para moDernização Das relações De trabalho .................................................................................461

Lista de figuras

figura 1 — alojamento De trabalhaDores objeto De ação fiscal na “operação boia-fria” .................................................................................................115

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figura 2 — alojamento De trabalhaDores objeto De ação fiscal na “operação boia-fria” .................................................................................................116

figura 3 — “Dormitório” De trabalhaDores objeto De ação fiscal na “operação boia-fria” ...............................................................................................116

figura 4 — “Dormitório” De trabalhaDores objeto De ação fiscal na “operação boia-fria” .................................................................................................117

figura 5 — alojamento coletivo De trabalhaDores sem banheiro, sem sanitário e sem água potável objeto De ação fiscal na “operação boia-fria” — subDelegacia Do trabalho ..................................................................................................117

figura 6 — “banheiro” coletivo De trabalhaDores objeto De ação fiscal na “opera- ção boia-fria” ...........................................................................................118

figura 7 — fluxograma Dos atos constitutivos Do ninter ....................................354

figura 8 — a estrutura orgânica Do ninter (competências) ..................................366

figura 9 — o staff Do ninter ..........................................................................367

figura 10 — interações (internas e externas) Do sistema ninter .............................370

figura 11 — os potenciais atores institucionais Do “Diálogo social” e Da “concer- tação social” ............................................................................................377

Lista de tabeLas

tabela 1 — número De trabalhaDores rurais ocupaDos em relação à proDução total na região De patrocínio/mg — períoDo 1997/1998 ......................................107

tabela 2 — estabelecimentos De agricultura familiar, por número e por categoria De pessoas ocupaDas, nas microrregiões De patos minas e patrocínio — mg (1995/1996) ...........................................................................................109

tabela 3 — participação Da agricultura familiar, por número De estabelecimentos e por área ocupaDa, nas microrregiões De patos De minas e patrocínio — mg (1995/1996) ..........................................................................................110

tabela 4 — número De estabelecimentos fiscalizaDos na “operação boia-fria”, segunDo o tamanho Da proprieDaDe ...............................................................113

tabela 5 — Demonstrativo Do truck sistem aDotaDo por intermeDiaDores De mão De obra (“gatos”) em proprieDaDes rurais na região De patrocínio/mg (1993) ......120

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Lista de Quadros

quaDro 1 — contratos De parceria agrícola celebraDos entre o trabalhaDor rural josé carlos Do carmo e a empresa agrícola irmãos okubo, relativos ao cultivo De lavouras De tomate, no períoDo De 1985 a 2000.......................................174

quaDro 2 — comparativo entre o Instituto Dos ninters e o Das Comissões De Conciliação Prévia .....................................................................................327

quaDro 3 — comparativo Dos objetivos Dos ninters e Das ccps ...........................329

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liSta de SiglaS

ACARPA — Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio

ACC — Ação Coletiva Comunicativa

ADESA — Agência de Desenvolvimento Econômico e Social de Araguari

AI — Auto de Infração

AINS — Auto de Inspeção

ANI — Ato Normativo Interno do Conselho Tripartite do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista

APC — Ação Pública Comunicativa

APCP — Agentes Públicos de Carreira Permanente

CAJ — Conselho de Administração de Justiça

CCP — Comissão de Conciliação Prévia

CCT — Convenção Coletiva de Trabalho

CLT — Consolidação das Leis do Trabalho

IES — Instituição de Ensino Superior

JC — Jurisdição Comunicativa

JCJ — Junta de Conciliação e Julgamento

NCCP — Negociação Coletiva Concertada e Permanente

Ninter — Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista

PRINESP — Programas Interinstitucionais de Especial Interesse Público, Social e Coletivo

PRUNART — Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho

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PRUNART/UNIT — Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho

RO — Recurso Ordinário

RTE — Regime Trabalhista Especial

SIC-Ninter — Seção Intersindical de Conciliação do Núcleo Intersindical de Conci l iação Trabalhista de Patrocínio/MG

SRP — Sindicato Rural de Patrocínio/MG

STRP — Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio/ MG

TMAP — Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba

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apreSeNtaçãO

A vida profissional, os ideais e a atividade acadêmica entrecruzaram-se no projeto de vida do autor, e este trabalho é o fruto da interação destas múltiplas dimensões.

A presente obra é parte de um projeto mais amplo que se complementa, indispensavelmente, com outra publicação que lhe é contemporânea, deste mes-mo autor, intitulada Pressupostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógi-ca e do pensamento complexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social(1). Ambas encerram, depois de duas décadas, a participação do autor no processo de criação (1994) e de consolidação da instituição social e do instituto jurídico que as intitula. Respon-sável pela concepção e elaboração das teorias e fundamentos jurídicos que lhe dão sustentação, o autor foi o proponente da emenda legislativa, acolhida pelo parlamento, que acresceu ao projeto da Lei n. 9.958/2000 o art. 625, para distin-guir das Comissões de Conciliação Prévia o instituto que será tratado nesta obra. Além disso, por força do referido dispositivo, o Sistema Ninter foi recepcionado pela ordem jurídica brasileira, com as características e balizamentos estabeleci-dos no manual básico elaborado pelo autor a convite do Ministério do Trabalho e Emprego, instituição responsável por sua edição (MTE. Núcleo intersindical de conciliação trabalhista — manual básico. Brasília: SRT, 2000).

As duas obras se completam.

Nesta, procede-se à crítica do modelo de racionalidade — o método da ciência moderna e a filosofia da consciência, que preside a ciência e a prática

(1) A caracterização do instituto como sistema somente se coaduna com a ideia de sistema aberto capaz de promover a confluência do conjunto dos subsistemas (públicos ou coletivos) que atuam no mundo do trabalho por meio das técnicas do diálogo e da concertação social.

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jurídicas, a organização do trabalho, os códigos de conduta e o modus operandi das instituições do trabalho e da administração da justiça. Busca-se, ainda, analisar as consequências sociolaborais da atuação das instituições do trabalho à luz das perspectivas filosófica e político-constitucionais inspiradas naqueles paradigmas. Neste mister, focalizam-se contextos de realidades locais, em sua singularidade e especifidade irrepetíveis, além de situações-problema identificadas nesses cenários para alimentar a construção da teoria a partir de uma razão filosófica, jurídica e sociologicamente situada. Tais contextos servem ao que se designa por evocação epistêmica da realidade para incluí-la como elemento constitutivo do conhecimento, buscando evitar os riscos da alienação racional-cientificista, da ética de intenções conducentes à cisão entre a lei e a realidade e a um profundo déficit de efetividade dos direitos e da atuação das instituições encarregadas de sua aplicação, bem como do desprezo pelas consequências sociais das práticas jurídico-institucionais. O “estudo de caso” dessa experiência, além de outros que traduzem situações-problema, prestigia a práxis sem deixar de apontar problemas gerais e sistêmicos da questão trabalhista nacional, além de ilustrar aspectos da crise do modelo de racionalidade que lhe é subjacente. A obra cumpre, afinal, seu objetivo ao explicitar os contextos originários e o desenvolvimento da experiên-cia matricial, prototípica, do Sistema Ninter, a interação dialógica entre o Poder Judiciário trabalhista com a sociedade, na prática de um ativismo moderado e prudente, bem como ao definir os contornos de sua identidade institucional e configurar os elementos dogmático-jurídicos que lhe dá sustentação.

Na outra, constrói-se a teoria político-constitucional que fundamenta na razão dialógica e no princípio da complexidade os pressupostos epistemológicos do princípio de democracia integral imanente ao Sistema Ninter, do qual decorrem os princípios de governança e de subsidiariedade ativa aplicáveis à organização do trabalho e à administração da justiça, bem como os conceitos operacionais que dão suporte às práticas institucionais — tripartismo de base local, diálogo social, concertação social, acesso à justiça “coexistencial”, ação pública comunicativa cognitiva e suasória, jurisdição comunicativa, ação coletiva comunicativa, ne-gociação coletiva concertada. No que diz respeito às relações do Sistema Ninter com o Poder Judiciário, pertinentes à administração da justiça, constrói-se uma fundamentação teórico-pragmática de um ativismo judicial moderado e prudente, enraizada na experiência vivida pelo autor. Trata-se de alternativa para o exercício de uma jurisdição comprometida com a efetividade da ordem jurídica, na pers-pectiva do Estado Democrático de Direito e do projeto de sociedade inscrito na Constituição de 1988. Compreende-se que a participação do Poder Judiciário no diálogo social com objetivo de diagnosticar as causas dos conflitos sociais e dos gargalos da administração da justiça, bem como na busca de soluções para os

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problemas da justiça e da melhoria da prestação jurisdicional é medida condizente com os fundamentos constitucionais do Estado brasileiro. Nesse sentido é que o diálogo e a interação entre os órgãos de justiça e os sindicatos protagonistas do Sistema Ninter é capítulo relevante deste trabalho.

O levantamento e a descrição dos resultados da experiência transformadora do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocíno (MG) é mais que a conclusão do estudo de caso que permeia, nas duas obras, a construção da teoria do Sistema, pois impõe-se, como medida de coerência com as premissas epistemológicas adotadas, interação reciprocamente constitutiva entre teoria e realidade, conhecimento e ação. O “estudo de caso” dessa experiência, além de outros que traduzem situações-problema, prestigia a práxis sem deixar de apontar problemas gerais e sistêmicos da questão trabalhista nacional. Por outro lado, o estudo dos resultados atesta a legitimação da teoria em face dos resultados po-sitivos alcançados com a atuação da instituição e a sua coerência com o projeto constitucional da sociedade brasileira.

A teoria vem depois da experiência, numa trajetória recursiva e reciproca-mente constitutiva com a realidade. Do mesmo modo se estabelece o intercâmbio entre conhecimento e ação, acessíveis e erigidos dialogicamente. A interação com a realidade decorre das premissas epistemológicas aceitas e se transforma em elemento constitutivo do conhecimento e da ação, não se confundindo, por isso, com uma ciência militante a serviço de uma ideologia, embora mantenha o compromisso com o projeto constitucional da sociedade brasileira, uma vez que não há ciência neutra.

A relação intercomplementar das duas obras repousa, ainda, no plano dos pressupostos, já que ambas professam a existência de uma correlação indissociá-vel entre epistemologia e democracia — esta compreendida como realização do princípio da igualdade e da liberdade, de modo a assegurar, além da efetividade dos direitos sociais fundamentais, o direito fundamental à participação, inclusive nos processos de construção do conhecimento que serve de base à ação pública e à ação coletiva.

As relações sociais, econômicas e laborais tornam-se cada vez mais comple-xas e dinâmicas, em decorrência dos avanços tecnológicos em todos os setores da atividade humana e por dependerem de fatores cada vez mais internacionalizados, “globalizados”). Na intrincada teia de problemas gerados por tantas transforma-ções, surge o problema da racionalidade da organização social, que põe em xeque os pressupostos do conhecimento e da ação.

Considera-se que a questão do conhecimento instala-se na origem da crise de racionalidade que atinge a todos os setores da atividade humana. No caso

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específico das instituições do trabalho, a deficiente garantia dos direitos sociais que as desafia está relacionada com a questão epistemológica.(2)

A crise de racionalidade da ciência e da filosofia moderna tem reflexos pro-fundos na teoria e na prática jurídica que estão na base da ação pública na sua tríplice dimensão: regulação, administração e jurisdição.

Por isso, a cisão entre o direito e a realidade não pode ser resolvida sem um retrocesso à questão epistemológica. Com efeito, a racionalidade clássica que orienta a teoria, a prática jurídica e a ação das instituições do Poder Público parece não mais atender ao novo paradigma do Estado Democrático de Direito e ao projeto de sociedade inscrito na Constituição Federal, o que constitui um dos elementos da denominada crise do direito e das instituições.

Admite-se como alternativa para o enfrentamento dessa crise de racio-nalidade a democratização radical do sistema de relações do trabalho e da administração da justiça, do exercício do Poder Público em todas as esferas de sua interface direta com as realidades locais/setoriais, bem como da prática jurídica e dos procedimentos cognoscitivos adotados pelos agentes públicos responsáveis por tais atividades.

A ideia de democratização resultante da conjugação entre a epistemologia e a democracia implicou o desenvolvimento das teorias da “governança” e da subsidiariedade ativa, harmônicas aos fundamentos constitucionais do Estado brasileiro. A relação entre pressupostos epistemológicos adotados e a pragmática passa a ser mediada pelas técnicas do “diálogo social” e da “concertação social”, próprias à “governança”.

Em termos concretos, a democratização integral que dá sentido ao Sistema Ninter implica: a) prioritariamente, a persecução da efetividade da legislação tra-balhista como condição de legitimação do sistema de relações de trabalho e de suas instituições; b) a participação dos sindicatos no exercício do Poder Público, em suas diversas instâncias, especialmente em relação ao conhecimento dos contextos de realidade em que incide a ação pública (princípio da complexidade), e nos procedimentos cognitivos relativos à escolha da norma, do seu sentido e do modo mais adequado de sua aplicação nos referidos contextos de realidades (prin-cípio da razão dialógica); c) a participação dos sindicatos na gestão local/setorial da organização do trabalho e da administração da justiça; d) a implementação de instrumentos autônomos de prevenção e de resolução dos conflitos, numa relação de coexistencialidade, intercomplementaridade e coerência com os meios oficiais; e e) a ampliação do exercício da autonomia coletiva e das funções da negociação

(2) Essa constatação levou Edgar Morin a reconhecer que o problema da sociedade contemporânea é o problema do conhecimento.

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coletiva, especialmente no que diz respeito à gestão intercategorial do sistema local/setorial de relações do trabalho.

Se os princípios da razão dialógica e da complexidade conduzem ao diálogo e à concertação social no plano da ação, implicam também a inclusão da realida-de nos processos de produção do conhecimento, a qual, por sua vez, ainda que inacessível em estado puro, somente pode ser compreendida em sua máxima possibilidade de apreensão mediante a construção de diagnósticos multifacetários, erigidos dialogicamente, com a participação de todos os envolvidos. Trata-se da busca de uma visão sistêmica dos contextos de realidade decorrente da interação dialógica que envolva o conjunto das instituições do trabalho e possa guiar suas ações internas e externas.

Isso significa, ante as necessárias escolhas epistemológicas que residem na base de todo trabalho científico, que o intercâmbio entre a teoria e a prática não se prende a uma concepção racionalista do conhecimento (filosofia da consciência). Considera-se que a realidade se constitui na linguagem, reconhecendo-se, ao mes-mo tempo, que a complexidade do real relativiza a possibilidade do conhecimento absoluto do objeto conhecido. Do mesmo modo, o conhecimento não é mais um ato de consciência individual, mas intersubjetivo, porque a “razão” e a consciência também se constituem na intersubjetividade. O sujeito (razão) e a realidade (ob-jeto) se desvelam na linguagem e são, epistemologicamente, interdependentes. Daí a insuficiência dos critérios popperiano (falseabilidade) e kuhniano (consenso da comunidade científica) de validação do conhecimento.

O pressuposto epistemológico aqui descrito implica o afastamento do método reducionista e fragmentador que funda o conhecimento na separação/disjunção do objeto por meio de cortes epistemológicos impostos pela especia-lização própria à racionalidade da ciência moderna. Transcende o cientificismo metódico na medida em que este procede ao enquadramento arbitrário do objeto do conhecimento num modelo de racionalidade ao qual se atribui a condição de “absoluto”, segundo preferências e escolhas, individuais e/ou minoritárias (anti-democráticas), entre alternativas multiversáteis. Ao mesmo tempo reconhece a impossibilidade de acesso ao real puro e complexo em sua plenitude, o qual se revela sempre multiforme e em contextos cuja apreensão é sempre relativa ao modo de ver, às vivências e às premissas do observador.

O “conhecimento complexo” realiza-se a partir de uma concepção sistêmica do seu objeto (sistema aberto) que passa a ser perseguido na maior amplitude possível, ainda que contingente e transitória. Não tem fronteiras delimitadas a priori, porque o objeto, não segmentado, precisa ser contextualizado e explorado em todas as suas dimensões relevantes para a solução dos problemas reais ou para o alcance dos objetivos previamente definidos. Sem embargo, no campo

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jurídico, tanto na formulação quanto na aplicação do direito tais objetivos já estão definidos na Constituição que reassume sua função dirigente. Sempre contingente e contextualizado, esse conhecimento se aproxima de outros com iguais limitações e se reconstrói dialogicamente, levando em conta a perspectiva do “outro”, permitindo uma concepção sistêmica do objeto da qual não se torna estacionário, porque ela somente é compatível com a ideia de sistema aberto, capaz de acompanhar o dinamismo da vida.

Em coerência com essa epistemologia procura-se compreender o objeto do conhecimento em sua máxima inteireza. No lugar de limitar, amplia horizontes; no lugar de centralizar o pensamento em axiomas extraídos da razão individual--solipsista e encadear proposições lógicas direcionadas a uma conclusão, busca apresentar o problema proposto em sua conexão com a realidade concreta.

Por outro lado, a transição paradigmática impõe um esforço incomum de reconstrução do pensamento à luz da epistemologia emergente, o que torna movediço todo o “terreno” em que se assenta a atividade intelectual. Todos os conceitos devem ser postos, e não simplesmente pressupostos. Além disso, o princípio da complexidade implica o esforço para a percepção do todo, em sua permanente articulação com as partes, e vice-versa. Em suma, a contextualização do objeto torna-se imprescindível.

Adianta-se que a aplicação desse paradigma afeta não só o método, mas sobretudo o resultado da pesquisa, uma vez que a democratização somente se compreende pela aceitação do diálogo social como técnica de legitimação da ação pública e da ação coletiva, em decorrência dessa estreita conexão entre democra-cia e epistemologia. Considera-se que o princípio de democracia integral, para ser concretizado, precisa operar no próprio momento da produção do conhecimento em que se baseia o exercício do Poder Público, em especial, o conhecimento que alimenta a prática jurídica, a ação pública e a ação coletiva, cuja fonte legitimadora passa a ser o diálogo social.

Admite-se que somente o pensamento complexo permite compreender que o conjunto das ações isoladas e descoordenadas das instituições do trabalho pode gerar resíduos de injustiça antagônicos aos seus propósitos e aos princípios constitucionais de justiça, como se denota do “estudo de caso” realizado nesta obra (cf. Capítulo 3 — “Evocação Epistêmica da Realidade — A Desocupação de Milhares de Trabalhadores Rurais”). Por essa razão, o Sistema Ninter apresenta-se também como ponto de interação e de coordenação das ações promovidas pelas instituições do trabalho (públicas e coletivas) nas quais se passam a considerar os contextos específicos das realidades locais/setoriais a que se dirigem.

Por todos esses motivos, em consideração aos paradigmas anunciados, alguns aspectos teorético-praxiológicos da abordagem escapam às exigências

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metódicas dos pressupostos de racionalidade da ciência clássica e da filosofia da consciência, porque estas são portadoras de um déficit de legitimidade em relação a uma ética de inteligibilidade do real, considerado em sua complexidade e singularidade irrepetíveis.

Ante o risco da redução, correu-se o risco da extensão, considerado menor; uma vez que ainda persistirá o risco da resistência ao diálogo transparadigmá-tico, consciente ou não. Por isso Thomas Kuhn alerta para a impossibilidade do diálogo quando a apreensão de um mesmo objeto (fato da realidade ou teoria) é dirigida por paradigmas distintos sem que se disponha a um diálogo e sem que se opere uma “tradução” dos padrões utilizados. A única alternativa viável entre interlocutores que não se compreendem mutuamente é o reconhecimento de que pertencem a diferentes comunidades de linguagem (paradigmas) para tornarem--se “tradutores”, transpondo para a própria linguagem a teoria do outro e suas consequências.

Outrossim, as obras que aqui se apresentam são fruto do esforço de funda-mentação e elucidação do Sistema Ninter — como nova instituição do trabalho introduzida na ordem jurídica brasileira. E, do mesmo modo, demonstrar sua aptidão para promover a democratização e a melhoria das relações individuais e coletivas do trabalho e da administração da justiça, tendo por quadro de refe-rência os resultados e a importância social adquirida pela instituição matricial do Sistema. Resultam, porém, de produção individual solipsista do autor e, por isso, são resultado de má abstração decorrente de uma observação de segundo grau (Maturana), materializada em tese de doutorado defendida na Universida-de Federal de Minas Gerais. Recobra-se, contudo, a coerência com os princípios dialógico e da complexidade no momento em que se insere no debate público ao mesmo tempo em que passa a ser móbile da ação, como no caso do Progra-ma Universitário de Apoio às Relações de Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais que, mediante atividades de extensão universitária decorrentes da celebração de termos de cooperação acadêmica, empresta apoio aos sindicatos profissionais e econômicos decididos pela criação do Sistema Ninter no respectivo setor de atividade.

Ao fim e ao cabo, procede-se a uma análise profunda dos contextos de cria-ção, dos fundamentos, das práticas e dos resultados da experiência prototípica e originária desse instituto jurídico recentemente introduzido na organização do trabalho e na ordem jurídica, originário do tensionamento entre a busca da efetivi-dade dos direitos sociais e a inadequação de normas instrumentais (instrumentais, e não aquelas constitutivas dos direitos sociais) aos contextos de realidade, em sua singularidade e complexidade irrepetíveis.

Por essa razão, as obras compreendem uma base empírica no sentido: a) de uma ampla exposição crítico-descritiva dos elementos de realidade, extraídos

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dos inúmeros dados levantados, até mesmo do estudo de caso, na abordagem da crise de racionalidade do sistema de relações de trabalho; e b) do estudo dos contextos de surgimento, dos aspectos históricos e sociológicos, além de outros fatores determinantes da criação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista (Patrocínio/MG), bem como dos resultados mais significativos da atuação dessa experiência prototípica. Tais resultados pontuam-se nos campos da melhoria das condições de trabalho, da negociação coletiva, da gestão da administração das relações de trabalho e da administração da justiça (incluindo-se os meios judiciais e não judiciais de resolução dos conflitos, tomando-se como referência o interregno de 1994 a 2012.

Admitindo a existência de uma interseção inelutável entre a democracia e a epistemologia, propugna-se, de resto, por uma compreensão neoparadigmática da primeira, sustentada na teoria do discurso e na teoria da complexidade. A questão dos pressupostos epistemológicos das ações pública e coletiva precede e ao mesmo tempo revela-se tão importante para a democratização do sistema de relações de trabalho quanto a do aparelhamento das instituições, e traz, como consequência, a indiscutível necessidade do chamamento dos sindicatos a uma participação mais ativa na gestão das relações de trabalho e da administração da justiça, no enfrentamento da crise do déficit de legitimidade das instituições e de efetividade dos direitos sociais.

Nessa perspectiva, a ação pública compreende toda conduta tendente à interpretação e à aplicação do direito pelas instituições do Poder Público, a ges-tão da organização do trabalho e a administração da justiça, concebidas sob o paradigma da democracia integral.

A ação coletiva orienta-se por uma compreensão mais ampla do princípio da autonomia, de modo a potencializar a concreção do princípio da dignidade humana e o da cidadania, materializados na busca da autodeterminação indivi-dual e coletiva dos partícipes da relação de trabalho e da efetividade dos direitos sociais.

O mundo contemporâneo caminha para se tornar o mundo da instanta-neidade e daquilo que é absolutamente necessário para resolver os problemas humanos na sua imediatidade, obscurecendo a reflexão acerca dos pressupostos da ação e do conhecimento, cujo domínio parece dever permanecer nas mãos de poucas pessoas que, na defesa dos próprios interesses, jamais os colocam espontaneamente em questão.

Dessarte, a valoração das obras aqui apresentadas torna-se dependente do quadro de referência metodológico com que o leitor optar por visualizá-las. Paradoxalmente, dependerá de uma decisão individual-solipsista, fundada na filosofia da consciência. Ainda assim, espera-se que, em caso de opção distinta da

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que sustenta o seu arcabouço, possam contribuir para ampliar a reflexão sobre a organização das relações de trabalho e a administração da justiça.

Os trabalhos apresentados assumem o risco de pretender retroagir ao campo dos pressupostos epistemológicos do conhecimento, eleger paradigmas emer-gentes como ponto de partida e, então, edificar a teoria democrática imanente ao Sistema Ninter.

Meu agradecimento profundo a todos aqueles com quem pude conviver e compartilhar este projeto de vida e que, ao longo das últimas duas décadas, nas mais diversas localidades do país, deixaram aqui sua valiosa contribuição. Ressalto, especialmente: dirigentes sindicais de setores profissionais e empresariais, e suas assessorias jurídicas; colegas magistrados, procuradores do trabalho e agentes de inspeção do trabalho; trabalhadores e empresários ávidos por transformar suas inquietações e proposições em projetos de reconstrução das relações de trabalho em bases harmônicas, humanitárias e solidárias, diante dos quais tive a oportunidade de expor, debater e enriquecer parte das ideias organizadas e desenvolvidas neste trabalho.

O incomensurável apoio institucional recebido nos primeiros anos de consolidação da experiência do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio (1994-2000) — considerando o interesse público motivador dos objetivos e da atuação dos cidadãos e das instituições envolvidas na sua criação, comprometidas em apoiá-la naquele tempo, bem como do conhecimento aqui produzido — conduz-me a registrar as seguintes instituições: Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Associação dos Magistrados do Trabalho da 3ª Região, Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas e Ministério do Trabalho e Emprego e Município de Patrocínio/MG; sem deixar de mencionar os próprios protagonistas do sistema: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio/MG, Sindicato Rural de Patrocínio/MG e Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio/MG. Em homenagem e consideração a todos aqueles que por força do mister institucional emprestaram, nesta condição, seu apoio, faço-o (in memoriam) em nome do saudoso ministro Orlando Teixeira da Costa, então ministro do TST, e do íntegro e digno dirigente sindical Ezequias dos Reis (in memoriam), então presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Patrocínio. Todas essas reminiscências foram o móvel espiritual do esforço inte-lectual de que se presta contas nos trabalhos científicos que ora se traz a público.

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“O que os objetos são, em si mesmos, fora da maneira como nossa sensibilidade os recebe, permanece totalmente

desconhecido para nós. Não conhecemos coisa alguma a não ser o nosso modo de perceber tais objetos — um modo que nos é

peculiar e não necessariamente compartilhado por todos os seres...” (KANT, 1781).

“A tensão entre o idealismo do direito constitucional e o materialismo de uma ordem jurídica, especialmente de um direito

econômico, que simplesmente reflete a distribuição desigual do poder social, encontra o seu eco no desencontro entre as

abordagens filosóficas e empíricas do direito” (HABERMAS, 1992).

“A teoria científica oculta ou repele os problemas filosóficos fundamentais, daí a sua inaptidão a pensar a si mesma”

(MORIN, 1990).

“[...] A noção de paradigma [...] visa qualquer coisa de muito radical, profundamente imersa no inconsciente individual e

coletivo, [...]. O paradigma desempenha um papel subterrâneo/soberano em toda teoria, doutrina ou ideologia”

(MORIN, 1991).

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prefáciO

Em 1994, foi criado o primeiro Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista — Ninter — no Brasil, na Cidade de Patrocínio/MG. A instituição resultou de am-plo esforço dos Sindicatos profissional e empresarial e da Vara do Trabalho local na busca para a questão trabalhista local resultantes de um conjunto de fatores socioeconômicos e jurídico-culturais, cuja complexidade não se enquadrava no modelo de racionalidade com que as instituições do trabalho (públicas e coletivas) visualizavam o problema e tornavam inoperantes seus códigos de conduta e modus operandi na aplicação da legislação trabalhista, na administração da justiça e na condução dos conflitos coletivos. Ao contrário, a disparidade e o desencontro da atuação das diversas instituições do trabalho num mesmo contexto de realidade contribuíam para o agravamento da situação local com desvantagem para todos os atores envolvidos, em especial, os trabalhadores e grande parcela de pequenos empresários do setor. Em suma, as instituições do trabalho, públicas e coletivas não tinham a menor condição de assegurar a efetividade da ordem jurídica em níveis sociologicamente aceitáveis, em razão da aguda desproporção entre sua capacidade de atuação e a demanda por serviços públicos ágeis e aptos a respon-der sistêmica e eficazmente aos problemas locais de administração da justiça, de inspeção do trabalho e de cumprimento dos direitos trabalhistas: impotência da inspeção trabalhista dada a rizível disparidade entre o número de auditores fiscais e a imensa gama de empresas sujeitas à fiscalização situada numa ampla base territorial; o progressivo aumento da taxa de congestionamento de ações ajui-zadas na Vara do Trabalho local e, por isso, uma intolerável demora da prestação jurisdicional, além da sensível inadequação da atuação estatal à realidade local.

Diante da Vara do Trabalho de Patrocínio/MG, o autor protagonizou a instau-ração do diálogo social do qual tomaram parte todos os atores públicos e sociais envolvidos na organização das relações de trabalho locais.

Na passagem do diagnóstico para ação, foi marcante a criação do Ninter, instituição concebida pelo autor e constituída com a sua decisiva participação. Desde então, dedicou-se à construção do arcabouço teórico e jurídico-dogmático

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do novo instituto nos cursos de mestrado e doutorado realizados na Universidade Federal de Minas Gerais. Tarefa que nela, agora, na condição de Professor nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG, onde é coordenador do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à Administração da Justiça (PRUNART-UFMG).

Nesta trajetória, o autor vem trazer a lume a díade:

O sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista — Do fato so-cial ao instituto jurídico: uma transição neoparadigmática do modelo de organização do trabalho e da administração da justiça.

e

Pressupostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos In-tersindicais de Conciliação Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógica e do pensamento complexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social.

Ambas correspondem aos Volumes VI e VII da “SÉRIE NINTER”, que reúne o conjunto das publicações do autor sobre o Sistema Núcleo Intersindical de Con-ciliação Trabalhista — Ninter.

Desde quando o instituto jurídico Núcleo Intersindical de Conciliação Tra-balhista foi recepcionado na ordem jurídica pela Lei n. 9.958/2000 (art. 625-H, CLT) e passou a integrar o conjunto das instituições que compõem a organi-zação do trabalho brasileira, o Ninter/Patrocínio (MG) tornou-se a experiência matricial e a base empírica da construção da teoria que lhe conferiu identidade jurídica.

As obras não têm natureza didática, sendo oportuno mencionar que a identidade jurídico-dogmática e a categorização conceitual e operacional dessas instituições já foram objeto das obras anteriores do autor. Elas se destinam a um público multifacetário contudo, enfatizam a fundamentação teórica do instituto num plano mais elevado de abstração, de caráter interdisciplinar e, por vezes, transdisciplinar, dadas as transformações paradigmáticas propugnadas e a exi-gência de uma nova racionalidade como condição necessária à compreensão dos seus sentidos. Neste mister, fazem-se necessários avanços no campo da funda-mentação filosófico-político-constitucional, a partir de uma crítica às premissas epistemológicas da ciência e da filosofia modernas, visando à sustentação das premissas, dos princípios e das práticas institucionais que as caracterizam, espe-cialmente o diálogo e a concertação social, a governança pública e participação da sociedade na gestão pública e na administração da justiça. Tais constructos envolvem questões teóricas de alta indagação que se apresentam como “pano de fundo” de toda a investigação.

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Contudo, ainda por exigência do viés filosófico-metodológico em que se baseiam, as obras aqui apresentadas se dedicam também a explicitar a sua base empírica, traduzida no amplo estudo de caso da experiência matricial do instituto, o Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio/MG para extrair dele todas as consequências teóricas que dela emergem. Assim, apesar da abordagem de aspectos afetos a especialistas, a dimensão empírica é amplamente desenvol-vida conferindo-se-lhe mesmo maior relevância dada a aceitação do princípio da responsabilidade social como princípio ético norteador das “escolhas” epistemo-lógicas adotadas. Nesse sentido, o leitor encontrará uma imensa descrição crítica demonstrativa da crise sistêmica das instituições do trabalho, entendida como estado em que as instituições já não cumprem mais sua função constitucional e social, seja sob a forma de estudo de caso, seja no registro dos diagnósticos e do cenário em que se verificou a criação do Ninter. Mas, importante ainda, nesta perspectiva de profunda e permanente conexão da teoria com a realidade, encontram-se o levantamento e a descrição dos resultados e das transformações pela referida instituição.

Por outro lado, ante o contundente equívoco da quase totalidade da pro-dução científica sobre a matéria, que equipara conceitual e operacionalmente o instituto em questão com o das Comissões de Conciliação Prévia, o trabalho não se dispensa de descortinar aspectos relevantes no plano da dogmática jurídica.

Nesta parte, as obras se destinam a todos os que se interessam pelas questões trabalhistas e de administração da justiça sociolaboral; dentre estes, os agentes do poder público, os dirigentes sindicais, advogados, estudiosos e pesquisadores.

Ao longo de duas décadas, a atuação da experiência matricial do Ninter naquela região ensejou uma profunda transformação no quadro originário da questão trabalhista local, no campo da negociação coletiva, da administração da justiça, das condições de trabalho, da segurança e saúde do trabalhador e do desenvolvimento socioeconômico local.

Nestes tempos em que se busca desesperadamente uma reforma judicial, capaz de devolver ao Poder Judiciário a credibilidade e a legitimidade perdidas, os resultados da atuação do Ninter no campo da administração da justiça merecem ser tomados a sério. Eles demostram que a participação da sociedade na adminis-tração da justiça, um dos aspectos fundamentais para uma reforma consistente e paradigmática, não recebeu tratamento correspondente à sua importância e à sua potencialidade para contribuir no enfrentamento da “crise da justiça”. Comprovam a tese do autor de que sem a participação efetiva da sociedade na administração da justiça, incluído o fomento aos meios autônomos e consensuais de resolução dos conflitos mediante a ruptura definitiva da cultura do monopólio da prestação jurisdicional, o movimento não logrará se desvencilhar do “círculo vicioso” em que, historicamente, incorreram as reformas judiciais focadas em estratégias

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endógenas e autorreferenciais. Mais ainda quando se abandona a obsessão quantitativa e se vislumbra uma justiça qualitativa e voltada para a realização da justiça em sentido substantivo, denso, de garantir, em tempo razoável, a efetivi-dade da ordem jurídica, com déficits sociologicamente aceitáveis.

Dessarte, a abertura do Poder Judiciário à participação da sociedade na ad-ministração da justiça é caminho sem o qual a reforma corre o risco de fracassar nos seus objetivos e metas, tanto quanto ocorreu em “reformas” anteriores. Isto porque o reaparelhamento da estrutura chega sempre atrasado de modo que a relação input/output nos serviços judiciários não tem sido favorável à redução das taxas de congestionamento e à redução da demora na solução dos processos de modo significativo e impactante. O número de processos que entram na Justiça continua superior ao que sai.

O levantamento de resultados procedido no capítulo que encerra a obra Pressupostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógica e do pensamento com-plexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social apresenta resultados grandiloquentes no período de 1994 a 2013 tomado como marco temporal desta investigação.

Os resultados apurados são a prova da realidade e legitimam o sistema Nin-ter pelas consequências sociais de sua atuação. No âmbito da administração da justiça, os levantamentos estatísticos realizados revelam que o número de ações ajuizadas provenientes do segmento representado pelos sindicatos envolvidos teve uma redução de 85%. A instituição atendeu, nestas duas décadas, 144.034, dos quais 142.253 foram definitivamente resolvidos e 1.781 (1,24%) foram objeto de ação na Vara do Trabalho local. Projeções estatísticas revelam, que, caso o Ninter não existisse, seriam necessárias outras 5 (cinco) Varas instaladas na comarca em questão, para que se pudesse manter a mesma presteza com que, hoje, a Vara do Trabalho atende à sociedade local.

Assim, a avaliação destes resultados revela que a participação da sociedade na administração da justiça é estratégia indispensável à conformação do Plano Estratégico do Poder Judiciário Nacional, no qual não recebeu, ainda, ênfase compatível com a sua importância para a reversão da citada crise.

A presente publicação acontece no ano em que esta nova instituição do trabalho completa duas décadas de existência e de atuação na base territorial dos sindicatos responsáveis por sua criação.

Por tudo isto, justifica-se o esforço intelectual despendido nesta empreitada.

O autor.

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iNtrOduçãO

“La deformación ideológica consiste en tomar por real un producto mental separado de la realidad social. Lo que, consciente o inconscientemente, se

pretende es no tocar esse mundo real — esa sociedad así estruturada — sino reformar solamente poco más que a nivel de conceptos” (DIAZ, Elias).(3)

Frustradas as reformas sindical e trabalhista intentadas há cerca de uma década com a criação do Fórum Nacional do Trabalho, remanesce o desafio de encontrar um ponto de consenso nacional a partir do qual se possa promover a democratização do sistema de relações de trabalho, a atualização da legislação do trabalho e a modernização das instituições encarregadas da organização do trabalho e da administração da justiça.

A despeito disso, a inaptidão do longevo sistema de relações de trabalho e das instituições para dar conta das múltiplas e complexas demandas político--socioeconômicas verificadas ao longo de cerca de seus três quartos de século requer transformações estruturais.

Trata-se de empresa diante da qual se apresentam grandes desafios. Por um lado, o de promover a justiça social no âmbito da regulamentação e da resolução dos conflitos, bem como a efetividade dos direitos, sem retroceder nas garantias constitucionais e legais. De outro lado, o de superar as incongruências do siste-ma de relações do trabalho de modo a priorizar os interesses de trabalhadores e empresários, principais atores e destinatários das ações promovidas pelas instituições da organização do trabalho, buscando alcançar o equilíbrio entre o desenvolvimento social e econômico, desde que tais objetivos não se sucumbam ou se submetam aos interesses dos “corpos intermediários” que atuam no interior do sistema de relações do trabalho no sentido de manter o status quo.

(3) DIAZ, Elias. Legalidad — legitimidad en la sociedad democrática. Madrid: Civitas, 1978. p. 190.

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A viabilização de tais transformações, que não lograram êxito no âmbito da reforma, somente será possível mediante a criação das condições favoráveis ao diálogo social, institucionalizado, entre os atores públicos e coletivos envolvidos no enfrentamento das situações concretas que se lhes apresentam, no respectivo âmbito de atuação.

A par do problema político, põe-se em questão a crise do modelo de racio-nalidade em que se sustenta o sistema de relações de trabalho.

A estrutura, a organização e as instituições do Estado Moderno foram con-cebidas a partir do modelo de racionalidade da ciência e da filosofia moderna (ocidental), ambas orientadas pelo paradigma da razão lógica/instrumental, que dá sustentação às diversas formas de explicação da realidade e do conhecimento humanos, as quais se localizam nos extremos do empirismo e do idealismo, ou entre ambos, com prevalência de um ou de outro, sempre calcados na cisão car-tesiana entre o sujeito e o objeto do conhecimento. O pensamento ocidental dos últimos cinco séculos se localiza nesses diversos quadros de referência que tomam a razão humana como fonte exclusiva do conhecimento. A política, os sistemas de governos, os diversos modelos de democracia, de autoritarismo e de totalita-rismo, a gestão pública, a divisão social do exercício do poder por competências, a ação estatal, as dicotomias Estado versus sociedade, público versus privado, Poder Público versus cidadão e autoridade pública versus destinatários/afetados (administrados/jurisdicionados) radicam-se no axioma da razão instrumental como fonte de todo conhecimento e de toda verdade. Por isso, tais elementos são imprintings profundamente enraizados na cultura pública. A filosofia do di-reito, as teorias jurídicas, os juristas teóricos e os juristas de ofício, as instituições públicas encarregadas da interpretação e da aplicação do direito e do exercício da autoridade orientam-se por esse paradigma que se convencionou como da “filosofia da consciência”, o qual tem como fonte do conhecimento e de verdade o sujeito individual-solipsista.

A organização das relações do trabalho, as instituições que a compõem (sindicatos e instituições públicas) e respectiva regulamentação, a cultura, os códigos de conduta e o modo de operar de seus agentes, concebidos sob a orientação do Estado autoritário-intervencionista e corporativo da primeira metade do século passado, sofrem as consequências da crise (paradigmática) de racionalidade, tanto da ciência como da filosofia, proveniente das profundas e céleres transformações em todos os campos da ação humana, bem como da complexidade cada vez maior que envolve a atividade humana. São exemplos de manifestação dessa crise na organização do trabalho: o baixo grau da efetividade dos direitos sociais; a inadequação dos códigos de conduta e do modus operandi das instituições do trabalho aos desafios das transformações socioeconômicas da sociedade contemporânea com a consequente ineficiência para conformar

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condutas dos trabalhadores e empregadores às exigências da legislação trabalhista; a inadequação e insuficiência da legislação trabalhista diante de contextos de rea-lidade complexos, singulares e irrepetíveis; a crônica incapacidade do sistema de resolução de conflitos trabalhistas de responder satisfatoriamente aos aspectos quantitativo e qualitativo da demanda social. Ao lado dos fatores “exógenos” ao próprio sistema, e com igual importância, a crise do modelo de racionalidade (paradigmática) é um dos elementos determinantes da crise da organização do trabalho e da administração da justiça.

Nesse cenário, o sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista se apresenta como alternativa institucionalmente concebida para, mediante o diálogo e a concertação social, construir diagnósticos e buscar a solução de situações-problemas locais e/ou setoriais concretamente situadas, mediante a interação dos atores públicos e coletivos responsáveis pelo seu enfrentamento. Inspirado em um princípio de democracia integral e não sujeito a pautas reformis-tas dependentes de um futuro incerto ou não promissor, devolve às instituições do trabalho a possibilidade de, mediante transformações culturais e operacionais, realizarem, elas próprias, uma profunda reforma — mediante uma conversão neo-paradigmática de seus códigos de conduta e modus operandi — na organização do trabalho e na administração da justiça, orientada para a superação de suas reconhecidas deficiências. Atuação cuja legitimação se verifica pela aptidão e pela disposição para o enfrentamento dos problemas que se lhes apresentam, em sua concretude, especificidade e complexidade e, especialmente, pelas consequências sociais de sua atuação.

Assim, almeja-se elucidar o sentido profundo e consistente que se confere ao princípio de democracia imanente ao sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista, bem como avaliar sua capacidade de contribuir para a democratização da organização do trabalho e da administração da justiça.

A precocidade histórica da instituição e do instituto dos Núcleos Intersindi-cais de Conciliação Trabalhista (integrados à organização do trabalho brasileira, com a criação da experiência prototípica do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista, concebido e criado originariamente no município de Patrocínio/MG, em 1994) não permitira antes um esforço coerente com as suas potencialidades transformadoras para construção de uma teoria, consistente e abrangente, capaz de fundamentar, jurídica, política e filosoficamente, o conjunto de suas atividades a partir dos princípios e dos objetivos que fundamentam a República brasileira. Muito menos fora antes possível realizar uma avaliação do impacto social dessa instituição no meio em que ela atua, pelo mesmo motivo.

Com efeito, considera-se que o surgimento dessa instituição a partir de um movimento vindo de “baixo”, ante a insuportabilidade do “estado da arte”,

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denuncia o exaurimento e a insuficiência do atual modelo de organização das relações de trabalho, cuja crise local se agudizou em termos insuportáveis diante das condições singulares do trabalho rural na região.

A eloquência dos resultados alcançados pelo Núcleo Intersindical de Conci-liação Trabalhista de Patrocínio no campo da prevenção e da resolução não judicial dos conflitos trabalhistas locais transformou-o numa referência recorrente em defesa da introdução de meios alternativos de resolução dos conflitos trabalhis-tas no país, até mesmo nos discursos de justificação da legislação que introduziu as comissões de conciliação prévia (Lei n. 9.958/2000). Essa talvez seja a razão pela qual os demais aspectos, os mais relevantes de sua atuação, voltados para a negociação coletiva, para a regulamentação autônoma, para a administração e gestão da organização do trabalho, para a prevenção dos conflitos e para a administração da justiça, foram desconsiderados num processo metonímico de desvirtuamento da versão que se popularizou nos meios jurídico e sindical. Con-tudo, o levantamento dos resultados de sua atuação em quase duas décadas de existência concerne também à efetividade dos direitos fundamentais e sociais dos trabalhadores, à gestão da organização do trabalho e da administração da justiça, revelando a influência positiva nas relações socioeconômicas do setor de atividade em que atua.

Tais transformações são uma consequência do desempenho, harmônico e integrado, do conjunto das funções institucionais que o caracterizam como institui-ção social e o definem como instituto autônomo, no campo da dogmática jurídica.

Por essas razões, o instituto dos Núcleos Intersindicais de Conciliação Tra-balhista carece de um desenvolvimento teórico capaz de dar sustentação à sua condição jurídico-científica de instituição social e de instituto jurídico autônomo, capaz de fixar os balizamentos principiológicos, organizacionais e operacionais característicos do instituto, partindo da experiência para a abstração de sua iden-tidade jurídica. E essa conversão do concreto em abstrato, do singular em geral e do local/regional em nacional exige um diálogo transparadigmático que não se insere no quadro de um juspositivismo (neopositivismo ou positivismo lógico) atado ao modelo de racionalidade da ciência moderna e da filosofia da consciência.

O traço comum em que se baseiam os princípios de organização da ciência, da economia, da sociedade, do Estado e, com efeito, os princípios de organização e de ação das instituições (do trabalho), que se espargiu em todas as áreas, é o modo de tratar a realidade. O tratamento do real se dá por redução/disjunção e pela ocultação do sujeito pelo objeto, e vice-versa, como também pela redução do objeto fragmentado à ordem, à medida, à lógica, ao cálculo (em detrimento das totalidades, das unidades complexas e dos contextos), à especialização, à hierarquização e à racionalização. São as premissas metodológicas da ciência

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clássica que se encontram na base do conhecimento e da ação humana, fundado na visão atomística (só vê unidades elementares) e na visão mecanicista (só vê uma ordem determinista simples), que se projetam no modo como se organizam e atuam as instituições em suas práticas jurídico-institucionais. A crise desse mo-delo de racionalidade põe em xeque a racionalidade da organização e da atuação das instituições.

O paradigma da consciência (razão instrumental solipsista), de que se nutre o racionalismo moderno, ao desprezar a realidade, cinde-a em dois mundos: um da realidade e o outro das instituições; o mundo do “direito” e o da realidade; da lei e da vida. O mundo “ficcional”, no entanto, desconectado da realidade, não deixa de produzir consequências sociais antagônicas às promessas com que se pretende legitimar. São consequências sociais opostas à ideologia exteriorizada como meio de legitimação e de dissimulação da função “fabulatória”, a qual o direito também passa a cumprir, ao lado da garantia de um mínimo de efetividade aos direitos sociais necessária à permanência do status quo.

Não é por outro motivo que uma das questões fundamentais a ser enfrentada nesta época de profundas transformações sociais é o exaurimento desse modelo de racionalidade imperante no mundo ocidental nos últimos séculos e que cons-titui a característica mais relevante da modernidade. Inaugurado por Descartes e consolidado na chamada Revolução Copernicana, realizada na filosofia pela obra de Kant, esse padrão é ainda persistente na sociedade ocidental, na política, no direito, na economia e em quase todas as áreas do conhecimento que estruturam as instituições sociais.

A organização do trabalho não está alheia a essa questão epistemológica que hoje se apresenta para ser enfrentada em todos os setores da atividade hu-mana. O referido paradigma se instala na raiz do modelo organicista-corporativo que serviu de inspiração às inaugurais lições de Direito Corporativo do sociólogo Oliveira Viana (1938). Nesse modelo, o positivismo de Comte estabeleceu estreita conexão com a política, para desembocar no Estado Corporativo, o qual fez ge-rar tal entusiasmo que muitos, como Mainolesco (1938), no início do século XX, consideraram-no como o “século do corporativismo”.

A cristalização do método cientificista na consciência dos juristas teóricos e dos juristas de ofício, especialmente nas práticas jurídicas e institucionais dos agentes do Poder Público, pôs em xeque sua capacidade de responder às exigên-cias da sociedade contemporânea em sua complexidade e em sua permanente dinamicidade, sobretudo num período histórico de profundas transformações como o que vivemos.

A isso se alia o fechamento operacional das instituições que atuam desar-ticuladamente como subsistemas fechados. Opera-se, assim, a conjugação de

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dois autoritarismos: o autoritarismo político e o autoritarismo epistemológico--operacional.

A submissão das instituições à crítica neoparadigmática descortina o fato de que o fundamento epistemológico da ação do Poder Público assenta-se na razão instrumental, individual e solipsista, de um único cidadão ou de alguns cidadãos alçados ao posto de autoridade. Nesse caso, a ação cognitiva da autoridade pú-blica situa-se entre o solipsismo e o decisionismo. Esse modelo de racionalidade contrasta com o princípio de democracia que informa o Estado Democrático de Direito brasileiro, que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana, a ci-dadania, os valores sociais do trabalho, a livre-iniciativa e o pluralismo. As práticas jurídicas e institucionais resultantes desse solipsismo epistemológico são condizen-tes com o paradigma do Estado autoritário intervencionista e ditam o crescente distanciamento entre a legislação trabalhista e a realidade sobre a qual ela incide.

Consentâneo com as premissas do Estado autoritário, o ato de autoridade constitui-se, também do ponto de vista epistemológico, sempre em petição de obediência, porque pressupõe um acesso privilegiado a uma realidade objetiva por parte do agente público. Desacordos cognitivos desencadeiam a negação do destinatário da ação do Poder Público e a automática prevalência do ato de conhe-cimento da autoridade, ainda que fruto de um solipsismo dotado de autoridade.

Apesar de a Constituição de 1988 ter ampliado significativamente as garantias dos trabalhadores e os direitos sociais, paradoxalmente mantém-se a histórica incapacidade de garantir a efetividade desse direitos, como demonstram importantes pesquisas sociológicas realizadas neste campo.

É curiosa a constatação de Leonel Severo Rocha (2005) no sentido de que os problemas da efetividade da lei relativos aos índices alarmantes de descumpri-mento da legislação trabalhista não têm merecido consideração das instituições do trabalho, dos teóricos do direito e dos juristas de ofício na mesma proporção de sua importância para a avaliação do grau de eficiência dessas instituições. Tais problemas dizem respeito, por exemplo, à contratação informal de trabalhadores sem registro da carteira profissional e aos altos índices de frustração do processo judicial pela falta de efetividade das decisões passíveis de execução. Esses pro-blemas, no campo político, nem mesmo chegam a despertar maior atenção da crítica dominante na “esquerda”.

Isso porque, à luz do modelo hegemônico de racionalidade, o manejo de pressupostos e conceitos segundo procedimentos formais é tido como racional-mente suficiente para o cumprimento das funções institucionais dos órgãos do Poder Público, uma vez que este é exercido com base em um saber absoluto, tido, a priori, como capaz de realizar a justiça e sustentado por uma ética de intenções que não dá conta das consequências sociais de sua atuação.

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Por isso, o maior problema dos direitos sociais no Brasil não parece relacionar--se com o da necessidade de sua ampliação ou com os perigos de sua redução. O maior desafio que se apresenta às instituições do trabalho é o de assegurar a sua efetividade, cujo déficit não sofreu alteração (ao contrário, é agravado à medida em que se polarizam, de um lado, as profundas transformações socioeconômicas e a complexização das relações laborais e, de outro, o obsoletismo do modelo de organização do trabalho) ante o “reformismo conservacionista”, conduzido hegemonicamente por interesses minoritários, desencadeado nos últimos anos. Tais interesses, por se movimentarem com destreza no interior das formas buro-cratizadas do poder, constituem obstáculo decisivo a diagnósticos e a abordagens mais amplas dos problemas a serem enfrentados, bem como à viabilização de propostas de soluções mais arrojadas capazes de produzir consequências prá-ticas transformadoras e mais efetivas no enfrentamento desses problemas. Ao contrário, enfatizam-se abordagens e soluções de efeito secundário insuficientes para atender ao interesse majoritário dos destinatários/afetados pela decisão política (no caso, os trabalhadores e os empregadores), a fim de manter intactas as estruturas em que se assenta a organização do trabalho, a exemplo da que se refere à organização sindical.

As racionalidades e as racionalizações produzidas pela razão ocidental des-de o século XVII construíram uma visão totalizante do mundo a partir de dados parciais e de um princípio único, empobrecendo a realidade ao pretender fechar o Universo numa coerência lógica ou artificial. Procedeu-se a uma homogeneização redutora das diferenças, que foram renegadas para um plano inferior.

Uma constatação desprezada pelo racionalismo jurídico sedimenta-se no sentido de que a cognição relativa ao suporte fático da decisão pública é tão importante e complexa quanto aquela relativa à norma jurídica e consiste na identificação, interpretação e seleção dos dados de realidade componentes da díade fato-norma.

O sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, como instituição social constituída em conformidade com a ordem jurídica vigente, introduziu na organização do trabalho e na administração da justiça uma profunda conversão paradigmática ao aceitar os pressupostos da razão dialógica e da complexidade. Partindo das estruturas tradicionais, propugna por um novo modelo de relaciona-mento para o Estado (as instituições e os agentes do Poder Público), de exercício do Poder Público e de aplicação do direito. Por outro lado, sobreleva a atuação e a autonomia dos destinatários da ação pública (autonomia sindical) em vista da dignidade humana, da cidadania e da valorização social do trabalho como fun-damentos da República, para conferir-lhes o máximo de aptidão possível para a autodeterminação e para o autogoverno, na perspectiva do princípio de subsidia-riedade ativa. Neste ponto de vista, tudo aquilo que puder ser realizado e resolvido

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na alçada da autonomia e da negociação coletiva não se reserva ao monopólio das instituições do trabalho, que passam a assumir função supletiva e de maior relevância social. O exercício do Poder Público, por força das premissas adotadas, implica a ideia de governança cujo traço decisivo é o exercício compartilhado entre autoridades/decisores e os destinatários da ação pública, com ênfase nas técnicas do “diálogo social” e da “concertação social”.

O sentido geral da democratização passa a incluir a participação dos destinatários (afetados) da ação do Poder Público (instituições/autoridades do trabalho): na gestão da organização do trabalho; na administração da justiça; nos procedimentos cognitivos concernentes à realidade (princípio da comple-xidade), à escolha da norma, do seu sentido e do modo mais adequado de sua aplicação aos contextos de realidade concretamente considerados (princípio da razão dialógica); e no fomento ao pleno exercício da autonomia e da negociação coletivas, especialmente no que diz respeito à autogestão da organização do trabalho, às ações autônomas de prevenção e à disponibilização de meios não judiciais, autocompositivos e autônomos, de resolução dos conflitos individuais e coletivos do trabalho.

Disso resulta que à dimensão procedimental que se atribui ao princípio da democracia é acrescida uma dimensão substancial, que se traduz na busca da efetividade e da integridade dos direitos sociais.

Essas instituições representam o espaço institucional dotado de uma confor-mação organizacional e jurídica original, na qual se concretizam esses conceitos.

Nesse sentido é que se compreende a conformação de uma institucionaliza-ção de “segundo nível” (considerando-se que as ações desenvolvidas no âmbito de cada uma das instituições do trabalho correspondem ao primeiro nível) da gestão da organização do trabalho, das ações comunicativas, pública e coletiva, pelo sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, que passa a ser o locus do diálogo interinstitucional, indispensável a uma prática democrática inspirada nos princípios e valores aqui propostos e pressupostos.

Dessarte, o status conferido ao sistema Ninter responde a uma concepção sistêmica (aberta) da realidade, totalizadora e, ao mesmo tempo, inclusiva do singular e do específico, proveniente dos paradigmas aceitos. Em consequência, ela comporta uma teorização que desafia uma abordagem versátil e interdisci-plinar. Refoge, portanto, da redução do objeto de pesquisa a um tema específico sobre o qual se produzem conhecimentos verticalizados, segundo os parâmetros metodológicos clássicos ditados pelo modelo de racionalidade da ciência moder-na. Essa perspectiva exige uma ampliação e uma investigação horizontalizada e pluridimensional do objeto de pesquisa.

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O móvel desta investigação é a fundamentação e o compartilhamento da tese de que, ao lado da reforma do cenário normativo-institucional da organiza-ção do trabalho, uma outra “reforma” é suscetível de ser feita, ainda que mantida a atual estrutura. Trata-se de uma mudança cultural, neoparadigmática, que poderá ser feita por um conjunto de cidadãos detentores de responsabilidades públicas (autoridades do trabalho) e coletivas (dirigentes sindicais), mesmo que minoritário, mas disposto a democratizar substantivamente suas práticas e a uma atuação proativa no enfrentamento do déficit de efetividade dos direitos sociais e das deficiências da administração da justiça. Para tanto, também se prestam a elucidação e a exposição ao debate público dos fundamentos da instituição e do instituto jurídico dos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista e do conjunto de conceitos instrumentais concebidos como meio de democratização da organização do trabalho e da administração da justiça.

A criação e concepção do sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Tra-balhistas teve lugar ao se constatar a existência e a insuportabilidade da crise do sistema de organização das relações de trabalho, assim como da forma radical-mente degenerativa como ela se traduziu nos contextos singulares e específicos das realidades locais em que teve origem.

A presente investigação, contudo, tem como “pano de fundo” a correla-ção entre epistemologia e democracia, campo em que residem nos elementos endógenos da crise da organização do trabalho. Por essa razão dedica-se, preli-minarmente, à explicitação da crise nacional da organização do trabalho e do seu modo de expressão nos contextos complexos, singulares e irrepetíveis daquelas realidades. Nesse sentido é que se dedica a uma abordagem (do ponto de vista teórico) acerca da crise de racionalidade da organização do trabalho e da admi-nistração da justiça, seguida da abordagem (sob o ponto de vista empírico) de sua manifestação local, isto é, nos contextos de surgimento do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio.

Dessarte, o edifício teórico que se consolida neste trabalho e no livro Pres-supostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógica e do pensamento complexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social, inicia-se pela constatação da crise de racionalidade da organização do trabalho, que é paralela à crise de racionalidade da própria ciência e da filosofia moderna, as quais se desdobram em todos os campos do conhecimento e da ação humana, e também em seus pressupostos. À crise de racionalidade segue-se a crise de operacionalidade, que é tributária da primeira. Contudo, não se faz qualquer desapreço pelos elementos “exógenos” (ao modelo de racionalidade) da crise da organização do trabalho e da administração da justiça. Admite-se e põe-se em evidência a profunda correlação entre a crise de

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racionalidade da ciência e da filosofia contemporâneas com a crise do sistema de organização do trabalho como um dos fatores constitutivos desta última.

Na perspectiva do pensamento indutivo, compartilha-se ainda a reconstrução crítico-histórica do movimento social e das estratégias que resultaram na criação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio/MG.

O estudo histórico tem uma função contextualizadora — epistêmico-meto-dológica — e, para tanto, dirige o foco para o contexto específico das questões locais, descrevendo os fatores de surgimento da experiência prototípica do sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista. Busca-se comprovar a insufi- ciência do modelo de racionalidade, de modo a orientar a atuação das instituições e a ação pública em geral, numa perspectiva neoparadigmática.

A recuperação desses aspectos histórico-problematizadores do instituto condiz com a tentativa de articulação da metodologia da chamada “história do tempo presente”, tomando a especificidade de uma determinada região para aproximá-la da “verdade histórica” por meio da construção sistemática dos fatos a partir das necessidades de compreensão que o presente exige.

Além de dar importância ao presente, a metodologia, tal como compreendida por Janaína Amado (1990), trata o “regionalismo” como método de investigação que pertence à “categoria espacial que expressa uma especificidade, uma singula-ridade, dentro de uma totalidade: assim, a região configura um espaço particular dentro de uma determinada organização social mais ampla, com a qual se articu-la”. A totalidade aqui se refere ao conjunto dos elementos nacionais presentes na organização do trabalho (normas, instituições) local.

A metáfora hologramática é a mais apta a traduzir essa abstração. A dife-renciação entre o local e o nacional envolvendo as instituições locais e o sistema nacional não significa a negação deste último. Trata-se de reconhecer que a parte não é o todo, nem vice-versa, mas, ao mesmo tempo, o todo está na parte que está no todo. A diferenciação (experiência local) é exatamente a condição de possibilidade do todo (efetividade dos direitos sociais e a materialização da organização do trabalho).

Uma revisitação jurídico-dogmática do instituto Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista numa perspectiva mais profunda e mais abrangente tornou-se indispensável, uma vez que a afirmação da autonomia conceitual e jurídica do instituto dos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista dian-te das Comissões de Conciliação Prévia é condição sine qua non de quaisquer outras teorizações acerca do tema. A desvirtuação do sentido, da dimensão e do conteúdo do instituto procedida por boa parte da doutrina e da jurisprudência, descurando-lhe as fontes de pesquisa existentes (normativas, pesquisa de campo

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e estudos jurídicos disponíveis), especialmente as diretrizes oficiais e normativas expedidas pelo Governo Federal (cf. MINISTÉRIO DO TRABALHO. Núcleo inter-sindical de conciliação trabalhista — manual básico. Brasília: SRT, 2000, dentre outras não oficiais), e todo o conhecimento preexistente sobre a matéria implica voluntarismo, decisionismo, ideologismo ou corporativismo incompatíveis com o Estado Democrático de Direito inscrito na Constituição Federal.

Relativamente ao conhecimento preexistente, não se pode, porém, olvidar a seriedade de alguns poucos estudos — que contemplaram até mesmo a pesquisa de campo — já realizados a propósito da instituição. Dentre esses, destacam-se: FUKIWARA, Luis Mario; ALESSIO, Nelson Luiz Nouvel; FARAH, Marta Ferreira Santos (orgs.). 20 experiências de gestão pública e cidadania. São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania, 1999. p. 123/130; PICORETTI, Gilsilene Passon. Núcleos intersindicais e comissões de conciliação prévia — um novo desafio às relações de trabalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004; PERES, Nélio Borges. Modernização das relações de trabalho: a propósito da criação do Núcleo Intersindical de Conci-liação Trabalhista de Patrocínio/MG (1988/2000). Dissertação de Mestrado. Franca: Departamento de História da Universidade Estadual Paulista — UNESP, 2003.

Em termos gerais pretende-se, nesta obra, explicitar: a) a crise do paradigma epistêmico-filosófico da organização do trabalho, de sua manifestação concreta e multifacetária nos contextos de realidade em que foi instituída a experiência prototípica do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio/MG, aqui tomada como amostragem; b) o processo de interação entre os atores sociais e as instituições do trabalho, instaurado para reagir aos efeitos insustentáveis da crise local da organização do trabalho e da administração da justiça, que resultou na criação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio/MG; c) os elementos constitutivos do sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista como instituição social e instituto jurídico recém-integrado à ordem jurídico-trabalhista de modo a permitir aos jurisperitos que atuam na condição de assessores jurídicos sindicais ou encarregados da aplicação da legislação possam ter referencial correto e seguro acerca do tema.

Para tanto, considerando os pressupostos epistemológicos e a ideologia próprios ao Estado autoritário-intervencionista que informam a cultura, os có-digos de conduta e o modus operandi das instituições/autoridades do trabalho; considerando o exaurimento de tais condutas frente aos desafios advindos das transformações e da complexidade das relações de trabalho nos contextos socioe-conômicos contemporâneos; considerando as situações-problemas reveladoras das incongruências e obsolescências do sistema de relações de trabalho, a presente investigação tem como desafio as seguintes questões:

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I. Quais características predominantes informam este paradigma e como ele se manifesta na organização do trabalho e na administração da justiça?

II. De que modo a crise das premissas epistemológicas e da ciência moderna se manifesta na racionalidade jurídico-institucional,na admi-nistração da justiça e na organização do trabalho brasileira?

III. Quais os problemas e os elementos determinantes da institucionali-zação da experiência prototípica do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio/MG e sua consequente recepção pela legis-lação trabalhista?

IV. Qual a função desempenhada pelo Poder Judiciário na experiência de diálogo e concertação social local que resultou na criação da referida instituição?

V. Considerando os elementos característicos da experiência matricial do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio e as práticas institucionais que o identificam, quais desses elementos se abstraem e se generalizam na configuração de uma dogmática jurídica desse instituto jurídico e das funções institucionais que lhe dão vida, de modo a distingui-lo radicalmente das comissões de conciliação prévia?

De resto, o trabalho desenvolvido pretende atender ao objetivo de demons-trar, teórica e empiricamente, a aptidão e as potencialidades do sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista para promover a democratização do sis-tema de relações do trabalho — gestão compartilhada da organização do trabalho e da administração da justiça (sistema de resolução de conflitos) — no respectivo âmbito de representação categorial.

Uma indispensável referência à metodologia:

A aceitação dos princípios da razão dialógica e da complexidade na re-alização da investigação que resultou nesta obra e no livro Pressupostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógica e do pensamen-to complexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social foi determinante na definição do método de trabalho.

Da escolha epistemológica que está na base da investigação, resulta natu-ralmente o esforço de reconstrução da relação recursiva e reflexiva entre razão e

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realidade, descrita nos moldes de uma teoria construída a partir da experiência. A complexidade induz o tratamento do objeto investigado em toda a sua extensão possível, pelo que exige necessariamente uma abordagem interdisciplinar e, por vezes, transdisciplinar, na qual se conjugam incursões no campo da Filosofia (es-pecialmente no âmbito da Epistemologia, da Filosofia da Ciência e da Filosofia da Linguagem), do Direito (Filosofia do Direito, Direito Constitucional e do Trabalho), da Sociologia e da Sociologia do Direito, da História e da Ciência Política.

Por se tratar de um nível de observação de segundo grau no sentido que lhe confere Maturana em Ontologia da realidade (2002) — observação de observadores que se observam reciprocamente —, os construtos teóricos resultantes desta obser-vação são eles próprios reconstrutivos do objeto de estudo. Ao procurar elucidar e dar consistência teórica às atividades institucionais do sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalho, a teoria ilumina novamente a prática e o porvir.

Admitida, porém, essa relação indissociável entre teoria e prática, estes dois elementos não podem ser destacados da relação entre os sujeitos (instituições) históricos responsáveis pela criação da instituição matricial do sistema Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio. Impõe-se ainda a abordagem do papel desses atores (ação), em profunda conexão com os desenvolvimentos teóricos e crítico-descritivos da pragmática que embasa o sistema, considerando--se a premissa epistemológica da construção social (dialógica) da realidade, que não é, portanto, um dado, mas um fenômeno evolutivo, em que se transformam simultaneamente a realidade e a consciência dos sujeitos que nela se inserem.

Ao fim e ao cabo, esta investigação devolve seus resultados, outra vez, à reconsideração dialógica de todos os interessados na organização do trabalho, quer como observadores, quer como seus atores, todos, porém, integrantes deste trabalho de construção social da realidade.

Nesse sentido, a descrição crítica dos contextos e dos processos de criação do sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista estabelece uma nova discursividade para uma comunidade qualificada e ampliada de observadores (acadêmica), para estabelecer um nível de observação em terceiro grau (Humber-to Maturana, 2002), que tem como ponto de partida a prática e a razão prática, que aqui se reconhece como fonte primeira do conhecimento. Aceita, ao mesmo tempo, que a realidade não é uma ilusão residente exclusivamente na ideia e também não é pura objetividade, mas resulta da razão coletiva dos participantes inseridos num mesmo campo de atuação, a qual é constitutivamente dialógica.

Por isso, em sua dimensão descritiva, esta investigação despende um esforço consistente na tradução da realidade (contextos), bem como dos processos de criação e de funcionamento, originais e paradigmáticos, do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio. Esse esforço se reitera de modo especial

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no estudo do Caso Irmãos Okubo, em atenção à sua eloquência comprobatória e ilustrativa de muitas das teses sustentadas.

Os desenvolvimentos engendrados estabelecem permanente conexão entre teoria, norma e realidade (contextos de realidade). Assim, a descrição dos con-textos histórico-socioculturais das relações laborais locais onde emergiu o Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio — experiência concreta e paradigmática na qual se baseia a construção da teoria e dogmática do instituto — tem função metodológica relevante, na medida em que permite correlacionar as necessidades e os problemas detectados a cada uma de suas funções institu-cionais concebidas para responder a esses desafios. Por outro lado, permite a compreensão do sentido profundo sobre o modo como se estruturou e se organi-zou a referida instituição. Daí que, à maneira de uma pragmática transcendental, se estabelece um intercâmbio recursivo entre reflexão e experiência, entre razão e prática, e entre teoria e prática, para formular pretensões de verdade e expor a debate os delineamentos jurídico-constitucionais dos quais o Poder Público pode se servir para potencializar sua atuação e operar com e ao lado dos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista.

Assim, análise crítica de uma realidade específica assume a perspectiva de que ela constitui um modo também específico de manifestação da crise sistêmica e geral do modelo nacional de organização do trabalho, a qual é determinante dos anseios reformistas que grassaram e grassam no país nos últimos anos. Do mesmo modo, sinaliza a aptidão dessas instituições de produzir resultados posi-tivos similares em outros contextos de realidade.

A correlação entre a crise do modelo de racionalidade (crise epistemológico--paradigmática) e a crise do sistema de relações do trabalho que emerge da relação indissociável entre democracia e epistemologia, por sua centralidade na condução e na estruturação desta obra, constitui uma das dimensões inovadoras da inves-tigação. Exatamente a partir desta correlação é que se procedeu à reconstrução dos fundamentos político-filosóficos do sistema de organização do trabalho no Brasil, para, em seguida, apontar os reflexos da crise desses fundamentos tanto na sua dimensão teórica quanto na sua dimensão pragmática (realística).

O processo de criação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio, constitui, ele próprio — no sentido da interatividade entre os sindicatos e as instituições/autoridades do trabalho — uma ação interinstitucional realizada nos moldes preconizados pelo sistema Ninter que foi estudada ao lado do levanta-mento dos contextos de realidade e dos aspectos históricos (locais) conducentes à sua criação e consolidação, assim como os principais obstáculos enfrentados.

A reconstrução jurídico-dogmática do instituto permitiu, por outro lado, a compreensão, a fundamentação jusfilosófica de própria estrutura e das funções

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que caracterizam o sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, bem como a elaboração neoparadigmática do aparato conceitual que lhe confere ope-racionalidade. Em atenção à dimensão ética (ética da responsabilidade) assumida em consequência deste paradigma, as obras contemplam o levantamento (por amostragem) dos resultados mais significativos alcançados pelo Núcleo Intersin-dical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio no interregno compreendido entre 1994 e 2012. A relevância dada aos resultados e às consequências da atuação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio decorre das premissas éticas (ética consequencialista) e políticas aceitas, especialmente aqueles que dão sentido ao princípio de democracia que orienta o sistema.

No Capítulo 1, apresentam-se a justificativa da “abordagem histórico--contextual” e as questões indispensáveis à compreensão da transformação paradigmática proposta pelo sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista; e destaca-se: a) a correlação entre o princípio de democracia e a epistemologia; b) a função metodológica da contextualização problematizadora da questão trabalhista na região de Patrocínio/MG; c) o modelo de racionalidade (racionalismo organicista) que informou o Estado autoritário e o projeto econô-mico, sob cuja inspiração se erigiu a organização do trabalho; e d) a problemática trabalhista inerente à crise da organização do trabalho no setor de atividade rural da região de Patrocínio sob a forma de “fragmentos selecionados de realidade” e a impossibilidade de suportar os efeitos “deletérios da fragmentação da realidade operada pelo paradigma da ciência moderna na organização do trabalho”.

O Capítulo 2 dedica-se exclusivamente ao estudo do caso da empresa Ir-mãos Okubo, dada a sua força explicativa, exemplar e sistêmica do modelo de racionalidade em que se baseia a organização do trabalho e de sua incapacidade para assegurar a realização dos fins sociais da legislação do trabalho e dos prin-cípios da valorização do trabalho humano e da livre-iniciativa; demonstra-se, empiricamente, o fosso existente entre as instituições do trabalho e a realidade, focalizando-se o agravamento da questão trabalhista local e a incapacidade das instituições do trabalho de coordenar ações capazes de atender às exigências de equilíbrio socioeconômico na aplicação da legislação trabalhista; enfatiza-se, sobretudo, o fato de que as práticas jurídicas orientadas pelo racionalismo jurídico desprezam as condições reais de existência do trabalhador, que, por isso, acaba desprotegido pela ação pública baseada numa ética de intenções.

No Capítulo 3, busca-se desvelar como as saídas pragmáticas e inovadoras propiciadas pela reação dos próprios atores sociais locais à crise do sistema de organização das relações do trabalho rurais da região de Patrocínio emergiram de alterações paradigmáticas que foram determinantes da constituição e do perfil institucional do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio.

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No Capítulo 4, dedica-se à descrição crítica das origens e do desenvolvimento da experiência prototípica do sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Traba-lhista; explicitam-se os procedimentos informais de interação entre os sindicatos e a Vara do Trabalho conformadores do habitus do diálogo social e da concertação social, bem como o processo de institucionalização destas práticas, que se consu-mou na criação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio, e as estratégias de “sobrevivência” desta instituição; enfatizam-se a função me-diadora e o papel da Vara do Trabalho de Patrocínio na consolidação do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio, assim como os elementos decorrentes desta atuação com vistas à “reconstrução” do conceito de jurisdição; e explicita-se, do ponto de vista pragmático, a relação de intercomplementarida-de e de coexistencialidade entre os procedimentos judiciais e os procedimentos não judiciais de resolução dos conflitos trabalhistas implementados pelo Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista de Patrocínio.

No Capítulo 5, focalizam-se a autonomia conceitual e a identidade jurídico--dogmática do instituto do Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista; assenta-se, de forma contundente, a distinção conceitual e operacional entre este instituto e as Comissões de Conciliação Prévia; fixam-se os princípios jurídi-cos; antecipam-se as bases teóricas sobre as quais se construiu, em Pressupostos Filosóficos e Político-Constitucionais do Sistema Núcleos Intersindicais de Concilia-ção Trabalhista: Teoria e prática da razão dialógica e do pensamento complexo na organização do trabalho e na administração da justiça: democracia integral e ética de responsabilidade social, a teoria da democracia imanente ao sistema Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista; e cuida-se da estrutura e da organização de tais instituições, bem como das competências internas e das exigências de uma organização nacional dos Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista.

À luz do paradigma da complexidade, passa-se à contemplação da realidade na sua complexidade, reconhecendo-a como incomensurável e inacessível na sua plenitude, bem como a contingência das autoridades e das instituições no lidar com ela.

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Capítulo 1

a criSe de raciONalidade da OrgaNizaçãO dO trabalhO e CONtextOS

PraxiOlógicOS de SurgimeNtO da ExperiêNcia PrOtOtípica dO SiStema NiNter

A revolução paradigmática depende de condições históricas, sociais e culturais que nenhuma consciência seria capaz de controlar. Mas depende também de uma revolução própria à consciência. A saída é logicamente impossível e a ló-gica só pode encerrar-nos em um círculo vicioso: é preciso mudar as condições socioculturais para mudar a consciência, mas é necessário mudar a cons- ciência para modificar as condições socioculturais. Cada verdadeira revolução paradigmática realiza-se em condições logicamente impossíveis. Mas assim nasceu a vida, assim nasceu o mundo, em condições logicamente impossíveis.

(Edgar Morin)(4)

Caminante, no hay camino [...] se hace el camino al andar.

1.1. Dimensão teórico-paradigmática

A epistemologia aproxima-se da democracia, e ambas contemplam a mesma questão fundamental acerca de seu fundamento. Indagam sobre a legitimidade

(4) MORIN, Edgar. O método 4 — as ideias — habitat, vida, costumes, organização. Trad. Juremir Machado da Silva. 2. ed. 1. reimp. Porto Alegre: Sulina, 2001. p. 289.

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do instituído. Se a democracia procura inventar a política, a epistemologia procura inventar o saber.(5) No, entanto, o saber antecede à política, uma vez que qualquer organização política decorre do modo como se considera o homem como sujeito do seu destino e em relação a seus semelhantes, bem como a sua relação com o mundo que lhe é circundante. Quando o poder, ainda que em nome da democracia, vê-se materializado num órgão (ou, no limite extremo, nas mãos de um indivíduo que age como representante do Estado e exerce em seu nome uma parcela do Poder Público(6)) supostamente capaz de concentrar nele todas as forças da socie-dade, recusa-se heterogeneidade natural à sociedade e rejeitam-se as diferenças e a diversidade de modos de vida, de comportamento de crença, de opinião.

A pretensão de exaustão cognitiva da realidade e a de seu controle pela regulamentação são fatores determinantes da exacerbação do Estado autoritário, sob forma de uma espécie de “totalitarismo” cognitivo(7), no qual o voluntarismo e o decisionismo individual da autoridade pública, no exercício do poder segundo uma ética intencionalista, passam a constituir-se em critério último de “verdade” e de “correção”. Trata-se de uma espécie de poder sem fundamento, ainda que seu raio de ação seja “limitado pela lei”, porque tais “limites” comportam variada gama de escolhas individuais entre inúmeras possibilidades.

Sem embargo, a aproximação que aqui se pretende é aquela em que, com base em alguma teoria racionalista, em alguma noção abstrata da organização social, concebem-se a democracia e a organização. Em outras palavras, propõe-se que a concepção da organização social baseada em alguma teoria ou ideologia que define o regime e o seu modo de operar e que o colapso do paradigma da ciência moderna e a crise dos grandes relatos em que se sustentaram os tradicio-nais regimes políticos esvaziam de fundamento, inclusive, a teoria democrática sustentada nos parâmetros cognitivos da ciência e da filosofia modernas.

O fracasso das promessas sociais do liberalismo e do socialismo, bem como das formas de Estado que lhe corresponderam (Estado Liberal e Estado Social), deve-se ao fundamento, hoje simplório, em que todas essas correntes se basearam para conceber a organização da sociedade. A ideia de fundo é a de que a realidade se deixa compreender no plano das relações econômicas. O liberalismo concebeu a ficção de que a sociedade se organiza e progride espontaneamente a partir da

(5) ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 13.(6) Cf. LEFORT, Claude. A invenção democrática: os limites da dominação totalitária. 2. ed. Trad. Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 71-88.(7) Ao padrão de racionalidade da razão instrumental solipsista kantiano que concede à autoridade pública a exclusividade dos atos cognitivos precedentes à ação e à decisão pública, sob parâmetros de uma ética intencionalista, bem se aplicam as palavras de Lefort: “O Estado-Deus não suporta dissidência pois é representado por uma minoria que possui todos os poderes, o resto da população compondo-se de cidadãos passivos” (LEFORT. A invenção democrática..., 1987. p. 71).

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livre-concorrência entre os proprietários do meio de produção, na qual o Estado se limita a garantir o respeito às regras do jogo, além de proteger as pessoas e os bens. A ficção socialista residiu na ideia da organização da produção sob a direção dos trabalhadores associados (seus representantes) em substituição à economia de mercado e na ilusão da abolição do antagonismo de classes num “futuro mais ou menos próximo, graças a uma revolução ou à abolição progressiva da propriedade privada”.(8) Mesmo tendo procedido ao desmascaramento da ficção liberal e da elucidação do conflito de classes, o socialismo não saiu da concepção economicista da sociedade. Como anota Lefort, a capacidade de ação política com objetivos reformistas ou revolucionários não pode ser confundida com a capacidade de conceber a sociedade como sociedade política.(9) O fracasso socialista reforça a ideia de que o Estado Moderno criou as condições para o desenvolvimento do capitalismo.

Corre-se o risco de, já no Estado Democrático de Direito desenvolver-se um nova ficção que deposite na burocracia pública, no conjunto de todas as suas ins-tituições (inclusivamente a judiciária) e na legião de servidores e agentes públicos encarregados da organização do trabalho e demais “corporações” cuja existência se conecta ao sistema de organização do trabalho a crença de que o só fato de existirem constitui-se em garantia de efetividade dos direitos sociais. Bastaria então a adoção de políticas de perenização da ampliação periódica da “maquinaria pública”, com todos os seus ônus sociais e econômicos, para se realizar “justiça”, benefício que transcende “sempre” seus custos.

A superação do absolutismo, do despotismo e da tirania tradicionais por uma concepção organicista da sociedade deu lugar ao totalitarismo, cuja matriz ideo-lógica tem como representações-chave a imagem do “povo uno”, do “poder-Uno” (órgão dirigente ou indivíduo que encarna a unidade e a vontade populares). Nesse sentido, a sociedade é percebida como uma “vasta organização compreendendo uma rede de micro-organizações”. A ideia da criação social-histórica, segundo o mito de uma “matéria social oferecida ao poder do organizador”, orientada pela visão de um “futuro radioso”, justifica todas as ações presentes e o sacrifício de gerações.(10)

As origens no Estado brasileiro, especialmente no período em que se confor-mou a organização do trabalho, não escapam a uma tal compreensão autoritária. Propõe-se, ainda, que hoje, em plena vigência de uma democracia constitucional estruturada segundo os princípios do Estado Democrático brasileiro, tais remi-niscências culturais encontram-se fortemente enraizadas na cultura da sociedade

(8) LEFORT. A invenção democrática..., 1987. p. 73.(9) LEFORT. A invenção democrática..., 1987. p. 73-74.(10) LEFORT. A invenção democrática..., 1987. p. 73-74.

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brasileira, especialmente das instituições encarregadas da atualização da ação estatal.(11)

Ainda que se tenha superado o pensamento de que o Estado se confunde com a sociedade e que se possa ver no seu significado apenas a “presunção de um ponto de vista de racionalidade sobre o conjunto das atividades” necessá-rias à organização dessa sociedade, em que se possa vislumbrar a existência de compatibilidade com os padrões da democracia clássica, a concepção do Estado personificado, como ente abstrato, materializador de uma ideologia racionalmente fundada, aí permanece.

Contudo, é preciso reconhecer que, independentemente de uma concepção democrática ou autoritária do Estado, o que está em questão no mundo contem-porâneo é exatamente o tipo de conhecimento que está na base da construção do Estado Moderno. Para dar sustentação ao sistema capitalista emergente, o liberalismo econômico procurou combinar-se com o liberalismo político, “enquanto induzia este último a procurar em si mesmo seus próprios fundamentos”(12), como modo de camuflar a ingenuidade do fundamento economicista.

Coube a Hobbes a construção racional do Estado com base numa filosofia sistemática centrada numa antropologia individualista. Concebendo o poder como pedra angular da política, “erigiu a estátua do Estado-leviatã”, não como um em-preendimento pragmático, mas decorrente de um refinado grau de especulação, de cunho eminentemente racionalista. A força do poder reside na arquitetura racional de sua legislação positiva, conforme a expressão racionalista do modelo institucional francês (Rechelieu), a partir do qual a epistemologia hobbesiana expli-cará como funcionam as potências do racional, sua significação conceitual e sua capacidade organizadora, criando assim a “ciência política’ em bases puramente racionais. O paradigma epistemológico é o racionalista.(13) O poder constitui-se, portanto, no centro produtor de normas da instituição política, que permanece até a nossa época como “fio condutor” do direito público, cuja autonomia reside no monopólio da criação do direito, de tal sorte que “onde não existe poder, não existe direito”.

Goyard-Fabre (1999) reconhece a presença de um racionalismo construtivista como ideia central da teorização do direito político hobbesiana que está na raiz do Estado Moderno. Ao partir de “leis da natureza” — bellum omnis contra omnes

(11) Sobre o autoritarismo brasileiro e sua influência na cultura jurídica brasileira cf. ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia jurídica e democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 119 e ss.(12) LEFORT. A invenção democrática..., 1987. p. 74.(13) Cf. GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 72 e ss. A autora mostra ainda que, para Hobbes, o poder, simbolizado pelo leviatã, é uma figura de arte racional, por cujo intermédio os homens são chamados a evoluir se não querem se parecer com lobos.

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