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Análise Social, vol. XXV (105-106), 1990 (1.°, 2.°), 57-117 Os primórdios da Intersindical sob Marcelo Caetano* 1. AS REFORMAS LABORAIS DE MARCELO CAETANO As reformas laborais introduzidas pouco após o início do Governo de Marcelo Caetano constituíram um dos aspectos mais salientes da «liberali- zação» então ensaiada do regime corporativo. Entre essas reformas assumiu especial importância a revisão da legislação relativa aos sindicatos e do regime jurídico das relações colectivas de trabalho (respectivamente pelo Decreto- Lei n.° 49 058, de 14 de Junho de 1969, e pelo Decreto-Lei n.° 49 212, de 28 de Agosto de 1969). A revisão dessas leis instaurou, à primeira vista, um quadro legal das relações laborais inteiramente novo, não tanto pela extensão, como pela qua- lidade das matérias que foram alteradas. Olhando mais de perto, contudo, ficará a sensação de que o conteúdo real das reformas seria o que o Governo na prática permitisse—independentemente, até certo ponto, da letra e do espírito inicial das novas leis. Tão importante como estas terá sido, por um lado, o clima social e político suscitado pela fase de «abertura» do caeta- nismo, as grandes expectativas geradas no meio sindical e dos trabalhado- res em geral. Uma certa reanimação sindical iniciou-se mesmo antes de apro- vadas as novas leis. Por outro lado, a experiência colhida no plano laborai pelo Governo de Caetano nos seus primeiros tempos, antes e depois da apro- vação das novas leis, também foi determinante do rumo que as reformas tomaram. O novo quadro legal podia ter tido uma interpretação mais libe- ral, mas, pela sua ambiguidade, teria igualmente permitido uma interpreta- ção ainda mais restritiva do que a que finalmente teve. O Governo de Caetano não apresentou as reformas laborais de 1969 em ruptura com a situação anterior, mas como novos passos de uma «actuali- zação progressiva e metódica da legislação social portuguesa», que teria sido iniciada no princípio daquela década 1 . Na verdade, porém, desde meados •Este artigo constitui um capítulo do trabalho A Formação do Sindicalismo Contempo- râneo em Portugal (1968-1989), a publicar, integrado no projecto de investigação «Interesses organizados e democracia em Portugal», coordenado no ICS por Manuel de Lucena e do qual também fazem parte trabalhos sobre as associações empresariais (Carlos Gaspar) e sobre asso- ciativismo agrícola (Maria Inês Mansinho.) 1 Veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 49 058, de 14 de Junho de 1969. Dessa actuali- zação da legislação social fariam parte a reforma da lei da Previdência (1962) e a lei do con- trato individual de trabalho (1966). Não é contudo convincente a afirmação de uma continui- dade entre estas reformas e as de 1969.

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Os Primordios Da Intersindical - Jose Barreto

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  • Anlise Social, vol. XXV (105-106), 1990 (1., 2.), 57-117

    Os primrdios da Intersindicalsob Marcelo Caetano*

    1. AS REFORMAS LABORAIS DE MARCELO CAETANO

    As reformas laborais introduzidas pouco aps o incio do Governo deMarcelo Caetano constituram um dos aspectos mais salientes da liberali-zao ento ensaiada do regime corporativo. Entre essas reformas assumiuespecial importncia a reviso da legislao relativa aos sindicatos e do regimejurdico das relaes colectivas de trabalho (respectivamente pelo Decreto-Lei n. 49 058, de 14 de Junho de 1969, e pelo Decreto-Lei n. 49 212, de28 de Agosto de 1969).

    A reviso dessas leis instaurou, primeira vista, um quadro legal dasrelaes laborais inteiramente novo, no tanto pela extenso, como pela qua-lidade das matrias que foram alteradas. Olhando mais de perto, contudo,ficar a sensao de que o contedo real das reformas seria o que o Governona prtica permitisseindependentemente, at certo ponto, da letra e doesprito inicial das novas leis. To importante como estas ter sido, por umlado, o clima social e poltico suscitado pela fase de abertura do caeta-nismo, as grandes expectativas geradas no meio sindical e dos trabalhado-res em geral. Uma certa reanimao sindical iniciou-se mesmo antes de apro-vadas as novas leis. Por outro lado, a experincia colhida no plano laboraipelo Governo de Caetano nos seus primeiros tempos, antes e depois da apro-vao das novas leis, tambm foi determinante do rumo que as reformastomaram. O novo quadro legal podia ter tido uma interpretao mais libe-ral, mas, pela sua ambiguidade, teria igualmente permitido uma interpreta-o ainda mais restritiva do que a que finalmente teve.

    O Governo de Caetano no apresentou as reformas laborais de 1969 emruptura com a situao anterior, mas como novos passos de uma actuali-zao progressiva e metdica da legislao social portuguesa, que teria sidoiniciada no princpio daquela dcada1. Na verdade, porm, desde meados

    Este artigo constitui um captulo do trabalho A Formao do Sindicalismo Contempo-rneo em Portugal (1968-1989), a publicar, integrado no projecto de investigao Interessesorganizados e democracia em Portugal, coordenado no ICS por Manuel de Lucena e do qualtambm fazem parte trabalhos sobre as associaes empresariais (Carlos Gaspar) e sobre asso-ciativismo agrcola (Maria Ins Mansinho.)

    1 Veja-se o prembulo do Decreto-Lei n. 49 058, de 14 de Junho de 1969. Dessa actuali-

    zao da legislao social fariam parte a reforma da lei da Previdncia (1962) e a lei do con-trato individual de trabalho (1966). No contudo convincente a afirmao de uma continui-dade entre estas reformas e as de 1969.

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    da dcada de 50 e princpios da de 60 que os crculos reformistas do regimevinham propondo, sem xito, as principais alteraes que as reformas cae-tanistas iriam consagrar em 1969. Eram estas, no caso dos sindicatos, a abo-lio do sancionamento governamental dos dirigentes eleitos e, no plano dacontratao colectiva, a consagrao da obrigatoriedade de negociar e o con-sequente estabelecimento de mecanismos de resoluo dos conflitos colecti-vos de trabalho.

    No se pode pr em causa a sinceridade com que Marcelo Caetano decla-rou, repetiu e insistiu na sua fidelidade poltica de trabalho seguida no pas-sado pelo regime corporativo. Embora logo nos primeiros dias do seuGoverno tenha lanado a frmula do Estado Social conceito que s nosanos seguintes foi tornando algo mais explcito, nem por um momentose duvidou da manuteno do Estado Corporativo. Mas tambm no lcitoquestionarem-se as intenes e iniciativas reformadoras do caetanismo. Seaceitssemos a tese comunista ou esquerdista segundo a qual foram as lutasdos trabalhadores as nicas ou as principais responsveis pelas mudanasoperadas no mundo do trabalho a partir de 1968, dificilmente compreende-ramos porque no se desencadearam essas lutas ou no se operaram essasmudanas mais cedo.

    Tendo Marcelo Caetano assumido a liderana do Governo em fins deSetembro de 1968, os projectos de diplomas revendo a lei sindical e a lei danegociao colectiva ficaram concludos e foram enviados para apreciao Cmara Corporativa ainda antes do fim do ano. Da sua elaborao haviasido encarregada uma comisso de reviso da legislao laborai, que fun-cionava junto do gabinete do ministro Jos Gonalves Proena e era com-posta por J. Silva Pinto, J. L. Nogueira de Brito (dois futuros membros doGoverno) e Baslio Horta. A prontido com que tudo foi feito resultou, emparte, do facto de os estudos preparatrios terem sido efectuados haviamuito tempo e de estar mais ou menos assente, desde os Colquios Nacio-nais do Trabalho e da Organizao Corporativa do princpio da dcada, osentido desejvel das reformas. Tratou-se apenas de desbloquear e pr emmovimento um mecanismo j programado. Por outro lado, havia uma not-ria vontade poltica de realizar rapidamente reformas, de no frustrar asexpectativas abertas pela sucesso do lder do regime. Do ponto de vista doGoverno, com efeito, a importncia destas a doutras reformas de 1969(nomeadamente a extenso aos trabalhadores rurais de uma srie de esque-mas de assistncia e segurana social que eles desconheciam) media-se muitoconcretamente pela proximidade das eleies para a Assembleia Nacional,realizadas em Outubro desse ano. As eleies, ainda que invariavelmentemuito pouco competitivas (a avaliar pela Assembleia Nacional delas resul-tante, em que a oposio continuou a no ter lugar), constituam para Cae-tano a primeira oportunidade de plebiscitar o novo curso.

    Os autores das novas leis estariam convictos de que tal como o sistemaestava antes era absolutamente intil3, pelo que no se trataria de lhe apli-

    2 Os trabalhos preparatrios deveram-se essencialmente aos tcnicos do Centro de Estu-

    dos Corporativos e do Fundo de Desenvolvimento da Mo-de-Obra (FDMO), departamentosdo Ministrio das Corporaes onde se encontravam as pessoas com mais abertura polticae que privilegiavam o enfoque tecnocrtico (entrevista com J. L. Nogueira de Brito).

    58 3 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito.

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    car um tratamento cosmtico. Mas as reformas laborais procuravam tam-bm satisfazer, talvez menos na essncia do que na aparncia, alguns dosprincpios e direitos consignados nas Convenes 87 e 98 da OIT (a primeira, qual Portugal ainda no aderira ento, sobre liberdade sindical e a segunda,ratificada por Portugal em 1964, sobre o direito de organizao e negocia-o colectiva). Desde 1961, com efeito, que o Comit de Liberdade Sindicalda OIT vinha examinando as queixas apresentadas pela Confederao Inter-nacional dos Sindicatos Livres (CISL) contra o Governo Portugus e fazendopresses sobre este no sentido da revogao das restries.

    A reviso da lei sindical articulava-se estreitamente com a nova lei danegociao colectiva. Formavam um conjunto lgico, que potenciava o efeitoseparado de cada uma delas. Os objectivos da nova lei sindical, segundo oparecer sobre ela emitido pela Cmara Corporativa4, eram o fortalecimentodos sindicatos e uma menor interferncia do Governo na sua vida internae na sua actividade. Quanto nova lei das relaes colectivas do trabalho,o objectivo fundamental era a dinamizao da negociao, submetendo-aa uma tramitao obrigatria e imprimindo uma certa celeridade ao seu pro-cesso, resultando de tudo uma atenuao do papel interventor do Estado se que no se extingue, arriscava mesmo o respectivo parecer da CmaraCorporativa5. Ambas as reformas se orientavam, pois, para uma diminui-o da interveno do Estado, ao mesmo tempo que proporcionavam o for-talecimento e uma maior responsabilizao da organizao sindical. Veja-mos agora como que no concreto se propunham atingir estes fins.

    O aparecimento de sindicatos mais fortes ou poderosos seria emprincpio favorecido pelas novas disposies da lei sindical respeitantes aombito geogrfico e dimenso. Era abandonado em definitivo o princpiodo mbito distrital. Exigia-se genericamente que os sindicatos tivessem umadimenso (em efectivos) e uma capacidade financeira bastantes para asse-gurar convenientemente a representao dos trabalhadores. A nova lei apon-tava assim para a fuso ou o alargamento de mbito dos sindicatos j exis-tentes de modo quer a abrangerem uma maior rea geogrfica, quer aagruparem mais profisses dentro do mesmo sector, embora isto no fosseestipulado directamente. O relator do primeiro parecer atrs citado, J. M.Cortez Pinto, acreditava porm que a apagada situao sindical existenteem Portugal se devia mais carncia de poderes dos sindicatos do que sdeficincias das estruturas organizativas (neste caso, a pequena dimenso damaioria dos sindicatos). Haveria mesmo que contar, segundo ele, com asresistncias dos pequenos sindicatos s fuses suicidas. Por sua vez, o prin-cipal remdio para a falta de poderes sindicais residiria na nova lei da nego-ciao colectiva6.

    A minimizao da interferncia do Estado nos sindicatos seria atin-gida atravs da limitao dos poderes discricionrios do Governo e da trans-ferncia para os tribunais do juzo da legalidade da actuao dos sindica-tos. Neste captulo surgia a aparente grande novidade da lei: a substituioda homologao ministerial dos dirigentes eleitos por uma verificao pr-via dos requisitos de elegibilidade dos candidatos. Entre esses requisitos

    4 Parecer n. 21/ix, Pareceres da Cmara Corporativa, ano de 1969, p. 196.

    5 Parecer n. 26/ix, Pareceres da Cmara Corporativa, ano de 1969, pp. 591-594.

    6 Parecer n. 21/ix, loc. cit., pp. 196-197 e 264-265. 59

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    contavam-se as condies estabelecidas para o exerccio do direito de votosegundo a lei geral. A verificao competia ao prprio sindicato, atravs deuma comisso nomeada ad hoc de entre os scios que no exercessem fun-es directivas. A comisso de verificao, quando o achasse necessrio oua solicitao do INTP, devia exigir dos candidatos aprova documental dascondies de elegibilidade.

    O Governo deixava tambm de poder destituir ou suspender as direcessindicais, reservando-se para os tribunais do trabalho toda a competnciade julgamento do contencioso eleitoral e das transgresses s leis. Contudo,qualquer scio, ou o INTP, podia a todo o momento requerer ao tribunala destituio dos dirigentes que deixassem de reunir as condies de elegibi-lidade ou dos que, por exemplo, estivessem a desviar o sindicato do fimpara que foi institudo. Podia simultaneamente qualquer scio ou o INTPrequerer do tribunal a suspenso preventiva dos dirigentes at deciso finaldo processo. Se, por deciso judicial, uma direco sindical viesse de futuroa ser destituda, o INTP nomearia em seu lugar uma comisso administra-tiva obrigada a promover a realizao de eleies no prazo mximo de seismesese no sine die, como at a. O ministro das Corporaes perdia tam-bm a faculdade de dissolver os sindicatos, transitando esse poder para oConselho Corporativouma espcie de conselho de ministros restrito assis-tido por especialistas de direito corporativo.

    A nova lei sindical inclua ainda uma srie de inovaes talvez menosimportantes que as j enunciadas, ainda que tambm significativas ou sin-tomticas. Assim, o direito expresso (que o no era antes) de as direcessindicais e as respectivas seces nomearem delegados nas localidades e juntodas empresas em que forem considerados necessrios. Era o pleno reco-nhecimento legal da presena do sindicato na empresa, consagrando umdireito que na prtica j se fora reconhecendo, mas que aparentemente sedesejava difundir mais ou generalizar. A lei no entrava, porm, em maispormenores na regulamentao desse direito, possivelmente com a intenode dar primeiro alguma rdea solta e esperar pelos resultados. Como vere-mos adiante, nos comeos de 1974, o Governo j pretendia regulamentardetalhadamente essa prtica, atravs de um Estatuto dos Delegados Sindi-cais, cuja preparao veio a ser interrompida pela Revoluo.

    Houve porm outras inovaes na lei de 1969, nas quais predominou ainteno meramente cosmtica do legislador. Como a possibilidade de os sin-dicatos se filiarem em organismos internacionais e de participarem em reu-nies no estrangeiromediante acordo prvio do INTP. Ou o desapareci-mento da antiga meno dos sindicatos como entidades de direito pblicoe a supresso da frmula sindicatos nacionais nos artigos da lei que foramalterados7.

    Com efeito, a filiao internacional dos sindicatos ou a sua participa-o em reunies sindicais internacionais eram teoricamente possveis desde1933, com a condio da autorizao prvia do Governo. A redaco do pre-ceito evoluiu, pela lei de 1969, para um tom mais eufemstico, mas, no essen-cial, manteve-se. De qualquer modo, durante todo o perodo corporativo,de Salazar e Caetano, nenhum sindicato chegou a servir-se da faculdade de

    7 Previa-se que nos restantes artigos da lei se operasse futuramente a supresso da expres-

    60 so sindicatos nacionais, o que j no chegou a fazer-se at 1974.

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    filiao ou reunio internacional. Tambm no para admirar: a CISL, aCMT ou a FSM, bem como as respectivas federaes internacionais secto-riais, eram as primeiras a condenar na OIT e fora dela a falta de credibili-dade e representatividade dos sindicatos pr-governamentais portugueses,cuja filiao logicamente recusariam. Esta situao era arquiconhecida doGoverno Portugus, o qual, por sua vez, no deixaria de chumbar as pre-tenses de filiao dos sindicatos portugueses naqueles organismosse taispretenses chegassem a ser formuladas (nunca foram!) por direces sindi-cais oposicionistas.

    Quanto ao desaparecimento, alis sub-reptcio, da nica meno legaldos sindicatos nacionais como entidades de direito pblico (artigo 3. dalei sindical de 1933), apenas se suspeita qual ter sido a inteno do legisla-dor ao suprimi-la. O longo parecer da Cmara Corporativa que esmiuada-mente analisou todo o texto do projecto de lei sindical simplesmente omissosobre o eclipse da meno entidade de direito pblico. No deixa, emcontrapartida, esse parecer de vincar o princpio doutrinal que se mantmem vigor: Num Estado Corporativo [...] os sindicatos fazem parte da estru-tura poltica da Nao e so-lhes confiadas funes da maior relevncia nos no campo dos interesses meramente laborais, mas tambm no domniosocial [...], econmico [...], cultural [...], na vida administrativa e poltica(desde a participao nos conselhos municipais at eleio do chefe deEstado, passando pela constituio da Cmara Corporativa). Princpio tantomais importante, quanto dele se fazia decorrer a legitimidade da interven-o do Estado nos sindicatos8. Aps a entrada em vigor das reformas labo-rais, Marcelo Caetano no perderia a primeira ocasio propcia para asse-gurar que os sindicatos e os grmios no podem ser tratados comoassociaes privadas. Isto porque o Estado dos nossos dias tem de cons-tituir um Estado Social, em cuja estrutura encontram o seu lugar as organi-zaes de trabalhadores e empresrios. E porque o trabalho como aempresa so elementos essenciais da moderna sociedade poltica. Enfim,porque os sindicatos e os grmios recebem da prpria Constituio pode-res considerveis, no s de representao, mas tambm para celebrar essasverdadeiras leis de trabalho que so as convenes colectivas9. J no ex-lio, em 1974, Caetano ainda continuar a defender a ideia de uma organiza-o sindical inserida no Estado Corporativo10. Ressaltar, pois, de tudo istoa inteno preponderantemente cosmtica do reformador ao apagar da lei,sem explicaes, a meno dos sindicatos como entidade de direito pblico.Ter o Governo pensado sobretudo em reduzir o nmero de pontas por ondepoderia pegar o Comit de Liberdade Sindical da OIT, ou seguindo outrainterpretao em aliviar a legislao corporativa das ltimas veleidadesde doutrina propriamente totalitria!11

    Se a interveno discricionria do Governo nos sindicatos era realmentelimitada pela nova lei, a judicializao do controlo estatal dos mesmosaumentava em idntica proporo. Indirectamente, pela via judicial, o INTP

    8 Parecer n. 21/ix, loc. cit., p. 267.Discurso de Marcelo Caetano em 15 de Junho de 1970, por ocasio da homenagem que

    lhe foi prestada pelos dirigentes sindicais e das casas do povo, Boletim do INTP de 15 de Junhode 1970.

    10 Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, p. 124.

    11 Manuel de Lucena, O Marcelismo, 1976, p. 64. 61

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    ou seja, o Ministrio das Corporaes podia com facilidade pr tudoem causa, desde os actos dos dirigentes aos resultados eleitorais, passandopelas decises das assembleias gerais e pelas da prpria comisso de verifi-cao dos requisitos de elegibilidade. Basta aqui referir que a lei geral citava,entre as oito categorias de inelegveis, os que professavam ideias contr-rias disciplina social12. Ora o INTP podia requerer ao tribunal a desti-tuio de dirigentes eleitos invocando essa movedia incapacidade, ou exi-gir dos candidatos prova documental, passada pela autoridade administrativa,de que as suas ideias no se opunham disciplina social13. Exploradasintegralmente todas as faculdades legais, o Governo no andaria longe dereconstituir os seus anteriores poderes e, at, de transformar em seleco pr-via dos candidatos a antiga homologao a posteriori dos dirigentes eleitos.

    Para alm disto, o Governo conservava fortes poderes de controlo e inter-veno directa, como a aprovao dos estatutos dos sindicatos e suas alte-raes, a orientao e fiscalizao permanente das contas dos sindicatos, ocontrolo burocrtico das receitas (nvel das quotizaes) e das despesas deaquisio de bens, muitas vezes sujeitas a autorizao prvia. J referi atrsa possibilidade de dissoluo dos sindicatos, bem como o licenciamento pr-vio da sua filiao, contactos e representaes internacionais.

    Dois aspectos fundamentais do sindicalismo de feio salazaristamantinham-se tambm inclumes: o princpio unicitrio da organizao eo regime da quotizao obrigatria. Se bem que a nova lei viesse expressa-mente permitir, em certos casos, a sobreposio parcial de representativi-dade entre sindicatos de profisso e sindicatos de ramo de actividade (o que,de resto, j se verificava na prtica)14, ficava claro que isso s poderia suce-der entre sindicatos de enquadramento diferente15. Mantinha-se, de facto,o monoplio de representao dos sindicatos e a excluso do pluralismo,embora se fugisse a afirm-losegundo o citado parecer da Cmara Cor-porativa, que candidamente achava que assim se evitariam as crticas daOIT...16 O pluralismo idealizado pela reforma caetanista no ia muito almde uma limitada expresso de tendncias preferencialmente apolticas no inte-rior dos sindicatos nicos.

    Quanto quotizao obrigatria, no se lhe tocou. A questo foi sim-plesmente evitada, ignoradaainda que no pudesse servir de desculpa ofacto de a matria se encontrar regulada noutro diploma que no a lei daorganizao sindical. Como bvio, a quotizao obrigatria estava rela-cionada com o regime de unicidade sindical. Ou, mais exactamente, com osistema de sindicatos nicos da confiana do regime. A diferena decisiva,como adiante teremos ocasio de comprovar.

    No foi por prudncia tctica que Marcelo Caetano se manteve fiel uni-cidade, repudiando o pluralismo sindical, mas sim por opo poltica clara

    12 Lei n. 2015, de 28 de Maio de 1946, artigo 2., ponto 7.

    13 Para a prova de que os dirigentes ou candidatos a dirigentes sindicais no professavam

    ideias contrrias disciplina social, a entidade competente era o presidente da cmara do con-celho em que residia o interessado, ou, nos casos de Lisboa e Porto, o administrador do res-pectivo bairro administrativo (despacho ministerial de 26 de Outubro de 1970).

    14 Parecer n. 21/ix, loc. cit., p. 302.

    15 Decreto-Lei n. 23 050, de 23 de Setembro de 1933, alterado pelo Decreto-Lei n. 49 058,

    de 14 de Junho de 1969, artigo 3.62 16 Parecer n. 21/ix, loc. cit.y pp. 301-302.

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    e convicta. Numa entrevista concedida em Outubro de 1969, poucos diasantes das eleies para a Assembleia Nacional, Caetano dizia que a liber-dade de se constiturem vrios sindicatos na mesma rea e na mesma profis-so traduziria um retrocesso, e grande, no mundo portugus do trabalho17.Essa liberdade, reclamada por algumas foras oposicionistas durante a cam-panha eleitoral, no interessava na sua opinio aos trabalhadores, massim aos partidos polticos, que pretendiam politizar os sindicatos etransform-los, como dantes, em armas de luta, em vez de serem instrumen-tos de realizao pacfica das conquistas do trabalho. Caetano entendia aliberdade sindical noutro sentido: como faculdade de os trabalhadores se ins-creverem ou no no sindicato18. Definio que ao Partido Comunista Por-tugus certamente no repugnaria.

    Como argumento positivo mais forte em apoio da unicidade sindical,Caetano sustentava que o facto de haver um nico sindicato reconhecidoem cada distrito permite que ele celebre contratos colectivos sancionados peloEstado como verdadeiras leis19. Um fraco argumento, porque a liberdadesindical preconizada pelas convenes da OIT e reclamada por certos secto-res no comunistas da oposio em Portugal no contrariava o princpio dafora legal das convenesque no depende da existncia de sindicatosnicos.

    Relativamente questo da unicidade sindical poder-se- verificar aindauma curiosa convergncia estratgica do salazarismo, do caetanismo libe-ralizador e do PCP. Os comunistas portugueses, com efeito, no faziamcoro com todas as recomendaes da OIT ao Governo de Salazar ou Cae-tano e ainda menos alinhavam com as posies e exigncias da CISL. Comovimos, o PCP navegava estrategicamente (e no por tctica) nas guas dossindicatos corporativistas, os quais pretendia em bom leninista colocar aoservio dos trabalhadores. Por isso rejeitara desde 1941 (e, com Bento Gon-alves, j desde 1935) a criao de sindicatos paralelos clandestinos e con-denara, no ps-guerra, a apresentao de mais de uma lista oposicionistas eleies sindicais.

    Por sua vez, a posio do Governo de Caetano tambm no pode serinterpretada como uma continuidade meramente tctica. Para alm das fortesrazes polticas (e tambm doutrinrias) acima referidas, Caetano apostavana consolidao de uma nova classe dirigente sindical. Esta pautar-se-ia porcritrios de competncia e eficcia politicamente neutros. Seria capaz de pres-tigiar os sindicatos corporativistas e de granjear o apoio dos associados emeleies mais competitivas que anteriormente. Uma classe de sindicalistastecnocratas (talvez um pouco imagem da classe poltica do caetanismo),cuja adeso doutrina e ao regime poderia ser maior ou menor, desde queno se traduzisse em aces polticas de hostilidade. Se o Governo no acre-ditasse nesta possibilidade, no teria feito sentido manter os sindicatos ni-cos e deix-los impassivelmente conquistar por dirigentes oposicionistas.

    Passando ao exame da reforma da negociao colectiva, e seguindo omesmo mtodo que atrs, comecemos pelas novidades introduzidas pela novalei (no se tratou aqui, como no caso da reforma sindical, de alterar um velho

    17 Entrevista ao Dirio de Notcias de 23 e 24 de Outubro de 1969.

    18 Id., ibid.

    19 Id., ibid. 63

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    decreto-lei, mas sim de elaborar um articulado inteiramentre novo). A maiornovidade foi, como j disse, a consagrao da obrigatoriedade de negociar\decorrente da imposio de uma tramitao, com prazos limitados, a todoo processo de negociao. No seria doravante possvel recusar ou arrastarindefinidamente a negociao ou a reviso de uma conveno colectiva.Desde que existisse o correspondente organismo (ou organismos) de repre-sentao patronal e em 1969 a cobertura da rede de grmios estava final-mente bastante adiantada, um sindicato podia iniciar o processo de nego-ciao com a apresentao de uma proposta de contrato colectivo detrabalho. (Teoricamente, a mesma iniciativa se proporcionava aos grmios,embora estes, por regra, a no exercessem). A partir da recepo da pro-posta, contava o tempo para a resposta da outra parte e para o prazo mximode concluso da conveno.

    Esta nova regra revolucionava por si s todo o existente quadro legal,tais as suas implicaes. Em primeiro lugar, a iniciativa das negociaes, asua manuteno e a elaborao das convenes colectivas passavam para acompetncia principal e quase exclusiva dos sindicatos e dos grmios (eempresas), com o consequente decrscimo do papel do Estado. Daqui umconsidervel reforo dos poderes e responsabilidades sindicais. Em segundolugar, a lei admitia, pela primeira vez sob o regime corporativo, que vies-sem a surgir conflitos colectivos de trabalho20. Esta eventualidade era tantomais provvel quanto se tornava a negociao obrigatria e se pretendiasimultaneamente pela reviso da lei sindical diminuir a interfernciagovernamental nos sindicatos e o controlo poltico dos seus dirigentes. Emterceiro lugar, instauravam-se mecanismos de resoluo dos conflitos colec-tivos. Eram eles a tentativa de conciliao (a realizar no seio da corporaorespectiva), ou, caso esta falhasse, a arbitragem, da competncia de umacomisso arbitrai composta por trs elementos. A arbitragem representavao ltimo recurso da parte que se julgasse prejudicada com o arrastamentodo conflitoos sindicatos, por regra.

    Para o Governo, a instituio da arbitragem representava o aspecto maisrelevante da nova lei. Permitiria que o executivo adoptasse uma atitude menospaternalista e se comprometesse menos directamente nas questes laborais.Constitua, por outro lado, a grande justificao para a continuada proibi-o da greve. De facto, admitindo-se finalmente a inevitabilidade dos con-flitos colectivos, a arbitragem era a nica alternativa para a greve em casode impasse nas negociaes, uma vez que o Governo pretendia em princpioabandonar a regulamentao administrativaquesto a que j voltaremos.No tratamento doutrinrio e normativo dado pelo regime conflitualidadelaborai parecia despontar assim uma nova etapa histrica, que logicamentepoderemos denominar corporativizao. Esta surgia depois da judicializa-o (a doutrina inicial do regime, que ficara letra-morta desde 1933-34) eda governamentalizao que imperara na prtica desde o princpio. Tratava-

    20 Artigo 1., 3. No articulado do decreto a expresso diferendos colectivos que

    consagrada, mas no prembulo fala-se repetidamente de conflitos, conflitos colectivos econflitos emergentes das relaes colectivas de trabalho, qualificados alis como os maisgraves conflitos sociais do nosso tempo. O ministro das Corporaes, Gonalves de Proena,achando porventura a expresso ainda demasiado rebarbativa do ponto de vista corporativo,preferia dizer os chamados conflitos colectivos de trabalho (veja-se, por exemplo, o seu dis-

    64 curso transcrito no Boletim do INTP de 28 de Fevereiro de 1969, pp. 201 e 203).

  • Os primrdios da Intersindical

    -se em 1969 apenas de um primeiro passo, se bem que decidido, no caminhoda corporativizao dos conflitos colectivos, pois estes ficavam ainda larga-mente sob a alada directa e indirecta do Governo.

    A importncia atribuda arbitragem na nova lei fica esclarecida se recor-darmos que, para Marcelo Caetano, ela constitua o nico processo civili-zado de solucionar conflitos colectivos, substituindo com vantagem agreve21que continuaria obviamente proibida. No fundo, Caetano talvezno acreditasse to piamente nas virtudes miraculosas da arbitragem ou napossibilidade de Portugal suplantar na questo da greve os pases mais civi-lizados. Em 1969, de facto, as greves em Portugal, mesmo ilegais, j come-avam a tornar-se uma realidade insofismvel e quantitativamente impor-tante. Caetano, provavelmente, pensaria apenas que legalizar a greve seriaencoraj-la, precipitando assim aquilo que mais procurava evitar: a sua uti-lizao como arma poltica. O mesmo tipo de reflexo havia sido feitopelos sectores conservadores quando o direito de greve fora reconhecido pelaprimeira vez em Portugal, aps a revoluo republicana de 1910, precipi-tando uma vaga de paralisaes. De resto, nos meios governamentais caeta-nistas ningum ter levantado seriamente a hiptese de voltar a legalizar agreve22.

    Nem a tentativa de conciliao nem a arbitragem eram formalmente obri-gatrias, mas, na realidade, no havia para elas alternativa. Alm disso, orecurso arbitragem tinha como condio prvia a efectiva realizao datentativa de conciliao. Assim, as partes em litgio no poderiam esquivar--se, sem denotar m f, disciplina racionalizadora dos conflitos fixada nalei. Os mecanismos de resoluo dos conflitos serviriam tambm para peneiraras eventuais tentativas de aproveitamento poltico da aco sindical, que oGoverno temia acima de tudo.

    A questo fulcral da arbitragem era a nomeao do rbitro presidenteou terceiro rbitrosendo os outros dois nomeados pelas partes. Com efeito,sobre o rbitro presidente recaa a responsabilidade de uma deciso que teo-ricamente podia ser tomada por unanimidade, mas se antevia que viesse aser quase sempre por maioria de dois contra um. Depois de se terem enca-rado vrias hipteses pelo Governo e Cmara Corporativa, ficou estabele-cido na lei que o terceiro rbitro seria escolhido pelos dois primeiros. Umasoluo aparentemente conforme aos cnones do corporativismo de asso-ciao, mas de execuo problemtica.

    Passando ao que a nova lei manteve do anterior regime da negociaocolectiva, citarei primeiramente a regulamentao administrativa das con-dies de trabalho. Reservava-se a sua utilizao para os casos conside-rados excepcionais em que a via convencional no fosse possvel, quandoos superiores interesses da economia nacional e da justia social o exigis-sem, ou, ainda, na ausncia de organizaes representativas das partes. Ascondies de trabalho nestes casos seriam estipuladas pelo Governo, atra-vs de portarias de regulamentao do trabalho (anteriormente denomina-

    21 Marcelo Caetano, Depoimento, Rio de Janeiro, 1974, p. 130.

    22 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito. Para se fazer uma ideia do carcter tabu desta

    questo basta referir que nem mesmo o projecto de reviso constitucional apresentado na Assem-bleia Nacional de 1970 pelos deputados da ala liberal propunha a supresso do artigo 39 . ,que proibia a greve. 65

  • Jos Barreto

    das despachos normativos). Apesar da f aparentemente inquebrantvel naarbitragem, o Governo sabia que, se esta, por algum motivo, falhasse nocumprimento do papel que lhe era cometido, restava sempre o recurso sportarias regulamentadoras. Do ponto de vista do regime, com efeito, quegarantia decisiva oferecia a arbitragem de fazer prevalecer o interesse geralou nacional?

    Mas, se o Governo de Caetano no abdicava de intervir, ainda que a ttulosupletivo e excepcional, na estipulao das condies de trabalho, tambmno desistia de ter sempre a ltima palavra a dizer. Com efeito, a nova leimantinha a homologao ministerial das convenes assinadas pelas partese note-se bem das prprias decises arbitrais, sem a qual estas notinham eficcia. Compreende-se, contudo, que, nas novas circunstncias, essaltima palavra pudesse ser realmente importante para o Governono ante-riormente, quando todo o processo de contratao colectiva estava sob o con-trolo directo do INTP. A homologao, um autntico direito de veto doministro das Corporaes, era a garantia de que nada de importante seriaestipulado pelas partes contra a vontade do Governo, agora que este haviaoptado por se manter a uma certa distncia da negociao propriamente dita.O Governo de Caetano, renovando na continuidade a poltica intervencio-nista de Salazar, no se mostrava disposto a deixar simplesmente ao arb-trio dos negociadores de contratos colectivos deliberaes de tamanhainfluncia na vida econmica, sobretudo pelas consequncias que em perodoinflacionado podiam resultar23. Pretendia sobretudo impedir o efeito deimitao que poderiam provocar salrios demasiado altos eventualmentenegociados em certos sectores. Curiosamente, estes argumentos coincidiamcom os avanados anos antes, s que no passado no se registava ainda qual-quer inflao.

    Se a atitude adoptada tendia a perpetuar uma interferncia burocrticae paternalista nas relaes laborais, a preocupao do Governo de Caetanocom as perspectivas de agravamento da inflao tinha, essa sim, fundamento.A partir de 1969, com efeito, vai observar-se uma escalada da taxa de infla-o em Portugal, no seguimento, alis, de um surto moderado iniciado em1965. A escassez de mo-de-obra, sobretudo especializada, resultante do fortefluxo emigratrio da dcada de 60 e da mobilizao militar para a guerranas colnias, conjugava-se com factores inflacionistas provenientes do sec-tor agrcola e com a intensificao do ritmo de crescimento da economia eo aumento da procura nos mercados interno e externo. Numa anlise retros-pectiva, o salto operado pela taxa de inflao entre 1969 e 1971 ser atri-buda aco de um novo factor: a alterao das condies de determina-o dos salrios industriais, na sequncia das reformas laborais caetanistas24.E contudo muito difcil, na minha opinio, avaliar as verdadeiras repercus-ses da liberalizao da contratao colectiva nos aumentos salariais e, portabela, na taxa de inflao, quando todas as outras condies econmicasnacionais se conjugavam no mesmo sentido de alta dos salrios e dos preos.

    As reformas laborais caetanistas de 1969 ficaram longe de satisfazer oComit de Liberdade Sindical da OIT. Examinando de novo, em princpios

    23 Marcelo Caetano, op. cit., p . 130.

    24 Daniel Bessa, O processo inf lac ionado portugus no ps-25 de Abril de 1974, in Pen-

    66 samiento Iberoamericano, n. 9, Janeiro/Julho de 1986, pp. 398-400.

  • Os primrdios da Intersindical

    de 1970, a queixa apresentada pela CISL contra o Governo Portugus, oComit verificaria a permanncia na nova legislao de vrias das antigasrestries liberdade sindical e de negociao colectiva, bem como a conti-nuada interferncia do Estado em ambos os campos25. Verificava, nomea-damente, a manuteno do sistema de homologao das convenes colec-tivas (agora incidindo tambm sobre as decises arbitrais), situaoconsiderada inconcilivel com a adeso de Portugal aos princpios consig-nados na Conveno 98 da OIT26. Na sua resposta s crticas formuladaspelo Comit de Liberdade Sindical, o Governo Portugus alegaria que ahomologao das convenes colectivas se resumiria a um simples registoadministrativo, para se conferirem as convenes assinadas pelas partes coma legislao em vigor. Explicao esta que a prtica a breve trecho se encar-regou de desmentir completamente.

    Em resumo, pelas novas leis, o Governo mostrava sobretudo a sua dis-posio de abrir caminho a uma gradual emancipao dos sindicatos da tutelaadministrativa e a uma progressiva autonomizao da negociao colectiva.Mas as precaues de que as leis se rodeavam eram tais e tantas que torna-vam as reformas reversveis, condicionais. Sem contar com a eventualidade nada remota, como veremos de futuras alteraes ou aperfeioamen-tos da legislao contriburem para retroceder sobre os passos dados naabertura.

    Mas, se o Governo no tivesse por si prprio assumido uma atitude deextrema prudncia, precavendo-se de muitos modos contra os possveis apro-veitamentos abusivos e as consequncias indesejadas da abertura, os pr-prios trabalhadores e os meios oposicionistas ter-lhe-iam fornecido os moti-vos e os pretextos. Com efeito, nos meses que antecederam a aprovao epromulgao das novas leis laborais, quando j eram conhecidos os textosdos projectos e estes se encontravam para apreciao na Cmara Corpora-tiva, desencadeou-se uma vaga de agitao laborai (e estudantil), bem comoum surto de greves nas empresas da cintura industrial de Lisboa sem para-lelo nas dcadas precedentes. O momento poltico a sucesso do lder doregime era julgado particularmente favorvel para a intensificao das lutasreivindicativas. Aproveitar a demagogia liberalizante e vir-la contra o pr-prio Governo era a palavra de ordem comunista. O PCP alertava, alis, parao perigo maior de os trabalhadores acreditarem em qualquer liberaliza-o do regime, porque nem o Governo nem o patronato cederiam nada porvontade prpria27. Desde o incio que o Governo de Caetano vinha qualifi-cado na imprensa comunista de governo da ditadura terrorista dos mono-plios (associados ao imperialismo estrangeiro) e dos latifundirios28, oude continuador do salazarismo sem Salazar29. Aps a vaga de agitao e gre-ves dos primeiros meses de 1969, o PCP congratulava-se pelo seu efeito deagudizao das dificuldades do Governo, enquanto censurava o socialistaMrio Soares por este se ter mostrado receptivo s medidas falsamente libe-

    25 Official Bulletin, supl. , ILO, 1970, n. 2, pp. 1-36.

    26 H. Nascimento Rodrigues, Regime Jurdico das Relaes Colectivas de Trabalho Ano-

    tado, Coimbra, 1971, p. 87.27

    Avante!, n. 397, Dezembro de 1968, pp. 1 e 4 .28

    Ibid., n . 396, Outubro /Novembro de 1968, p. 1.29

    Ibid., n. 398, Janeiro de 1969, p. 1. 67

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    ralizadoras de Caetano30. Num desafio frontal objectividade, o PCPdenunciando algum pnico e desorientao perante as dvidas liberali-zadoras do regime acabaria por concluir que tinham sido as lutas dos tra-balhadores no princpio de 1969 que tinham forado o Governo a operaras modificaes da legislao sindical31. Isto apesar da prvia posio tomadapelo Partido, segundo a qual nada havia mudado, seno para pior, com asreformas laborais caetanistas. E apesar, como vimos, de o PCP ter feito oque estava ao seu alcance para as dificultar.

    2. ACOLHIMENTO E EXECUO DAS REFORMAS. A REANIMA-O SINDICALAs reformas laborais de 1969 tiveram, em geral, um acolhimento muito

    crtico. Os sectores mais fiis poltica salazarista aos quais era sensvelo prprio ministro das Corporaes, Gonalves de Proena, que viria a sersubstitudo em Janeiro de 1970 mostravam-se preocupados com o rumoque o regime levaria com tantas liberdades sindicais32. Por seu turno, nadifusa rea poltica situada entre o regime e a oposio, de onde saiu a cha-mada ala liberal do regime, as reformas laborais foram julgadas por muitoscomo insuficientes. Mrio Pinto, jurista ligado aos meios catlicos liberaise que tinha sido consultor do Sindicato dos Bancrios do Porto em 1966-67,diz ter recusado o convite de Caetano para o cargo de secretrio de Estadodo sector do trabalho por concluir que seria impossvel fazer o que que-ria33. Nos seus estudos publicados entre 1963 e 1973 sobre conflitos detrabalho e estruturas sindicais, Mrio Pinto mostrava-se favorvel nomea-damente institucionalizao da conflitualidade e da prpria greve, inde-pendncia dos sindicatos em relao ao Estado e possibilidade de existn-cia do nvel confederai de organizao sindical. Francisco S Carneiro,deputado da ala liberal entre 1969 e 1973, confiou inicialmente na possi-bilidade de uma reforma da vida sindicalciente embora das restries man-tidas pela lei liberdade sindical (existncia de sindicatos oficiais e nicos),que reprovava34.

    Do lado da oposio democrtica moderada apontava-se sobretudo ocarcter pouco ambicioso da reforma sindical, embora se reconhecessemalgumas melhorias relativas. Segundo o sindicalista M. Pina Correia (cat-lico, eleito para a direco do Sindicato dos Bancrios de Lisboa em 1968,mas que viu recusada a sua homologao pelo ministro das Corporaes jem 1969), o Governo tinha esperado 36 anos para modificar somente aspec-tos circunstanciais da lei. Na sua opinio, tinham ficado por satisfazer no

    30 Avante!, n. 404, Julho de 1969, p. 3 .

    31 Ibid., id. O dirigente comunista Jos Vitoriano, que tinha ento a seu cargo a frente

    sindical, dir taxativamente que foi na conjuntura criada pela poderosa vaga de lutas nasempresas dos primeiros meses de 1969 que Marcelo Caetano sentiu necessidade de introduzirna legislao sindical algumas alteraes pretensamente liberalizantes (O PCP e a Luta Sindi-cal, cit. , p. 286). lvaro Cunhal defendeu idntico ponto de vista em U n e anne de grandsvnements, in La Nouvelle Revue Internationale, n. 3 /1970 (Maro).

    32 Entrevista com Joaquim Silva Pinto.

    33 Entrevista c o m Mrio P i n t o .

    68 34 Francisco S Carneiro, Textos, 1. vol., 1969-73, Lisboa, 1981, pp. 33-34 e 443-444.

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    s as recomendaes da OIT, como os prprios objectivos expressos pelosColquios Nacionais do Trabalho do princpio da dcada35. Outros apoda-vam a reforma sindical de conjunto de habilidades poltico-jurdicas, con-siderando que o Governo perdera uma oportunidade histrica de conferiraos sindicatos representatividade, independncia (relativamente ao poder pol-tico) e fora contratual (entendida como maior dimenso)36. Mas, emboracrticos, estes meios, moderados duma maneira geral, acharam que, pelomenos inicialmente, valia a pena fazer um esforo para o aproveitamentodas alteraes introduzidas na legislao, confiantes em que o dilogo como Governo era possvel37.

    Do lado da oposio organizada clandestinamente, nomeadamente oPCP, as reaces crticas s reformas caetanistas foram desde o incio muitomais extremadas. Os dirigentes comunistas achavam, por exemplo, que anova lei da negociao colectiva vinha limitar ainda mais os direitos dostrabalhadores, reforando o controlo governamental sobre a discusso doscontratos colectivos de trabalho e a sua resoluo final e o predomnioda imposio patronal. Apenas alguns pequenos recuos do Governoresultantes de uma hipottica ofensiva prvia dos trabalhadores se pode-riam contabilizar positivamente na nova lei. Mas at nesses casos teriam ostrabalhadores de lutar, novamente, pela sua concretizao prtica38. Exem-plo dos pequenos recuos que o PCP assinalou foi a imposio de prazosao processo de negociao. A posio comunista sobre a nova legislao sin-dical no era mais favorvelapesar de tambm a considerar resultado daluta dos trabalhadores. Assim, sobre o controlo governamental dos sindica-tos era dito que, se possvel, aumentou ainda mais. Quanto judicializa-o do controlo da legalidade da aco sindical, as perspectivas seriam asmais sombrias, dada a composio de classe dos tribunais e o facto deos juizes serem nomeados pelo Governo39. Onde a nova lei previa a possibi-lidade de os sindicatos nomearam delegados nas empresas, o dirigente comu-nista Jos Vitoriano via uma medida destinada a combater a representativi-dade das comisses de unidade cuja formao o PCP promovia nasempresas40. Ou onde a lei apontava (ainda que vagamente) para o aumentoda dimenso dos sindicatos pela suposta via de fuses, o mesmo dirigentedetectava uma manobra para provocar um maior afastamento geogrficodos trabalhadores das sedes dos seus sindicatos41.

    Em 1969 eram raras as vozes que em Portugal reclamavam expressamentea possibilidade de criao de novos sindicatos, ao lado dos existentes e, logi-camente, em concorrncia com eles. Os comunistas, que eram a fora pol-tica oposicionista mais organizada, nomeadamente na frente sindical, viamassim prevalecer com aparente facilidade a sua estratgia entrista unitria

    35 P rob l emas e evoluo do sindical ismo, mesa- redonda com a par t ic ipao de repre-

    sentantes das trs listas oposicionistas que se apresen ta ram s eleies para depu tados de Ou tu -b ro de 1969: Mr io P ina Corre ia ( C E U D ) , Manuel Bidarra (CDE) e H . Barr i laro Ruas ( C E M ) ,Dirio de Lisboa de 12 e 13 de Ou tub ro de 1969.

    36 Manuel Bidarra em Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc. cit.

    37 Entrevista com Armando Santos (actual secretrio-geral do Sindicato dos Seguros do

    Sul e Ilhas).38

    Avante!, n. 407, Outubro de 1969.39

    Ibid., n . 404, Ju lho de 1969.40

    Jos Vitoriano, Experincias de Trs Anos de Luta Sindical, ed. Avante!, 1973.41

    Id., ibid. 69

  • Jos Barreto

    e unicitria. Em vrios sectores no comunistas da oposio pensava-se ouadmitia-se, com efeito, que no seria benfico para a prpria classe traba-lhadora a existncia de um pluralismo sindical dentro da mesma profissoou sector de actividade42. A ideia da convenincia de um futuro movimentosindical nico, no lugar ou no prolongamento da organizao sindical cor-porativista, parecia reunir ento um largo consenso entre as diversas tendn-cias oposicionistas, embora alguns vincassem bem, j em 1969, a condiode todas as correntes sindicais e ideolgicas serem respeitadas e poderem terexpresso dentro dos sindicatos43. No se pode deixar de relacionar esta res-salva com a fractura ocorrida no bloco da oposio nas eleies para depu-tados desse mesmo ano. No meio de acusaes feitas aos comunistas de ten-tarem exercer o seu domnio monoltico na coligao eleitoral unitria(CDE), a corrente socialista apresentaria uma segunda lista oposicionista(CEUD) em alguns dos principais crculos eleitorais, recolhendo contudomuito menos votos que a primeira.

    Linha estratgica divergente da dos comunistas era a de alguns agrupa-mentos esquerdistas e de certos meios catlicos de esquerda, que antes de1974 falaram em criar sindicatos ou estruturas sindicais paralelas, forosa-mente clandestinas, mas muito pouco ou nada adiantaram na prtica. Haverdiscusses e significativas divergncias entre algumas correntes sindicais opo-sicionistas a propsito destas e doutras questes assunto a que aindavoltaremos, mas sempre com fcil prevalncia final da posio comunista.Em 1973, no 3. Congresso da Oposio Democrtica (Aveiro, 4-8 de Abril),o socialista44 Francisco Marcelo Curto, consultor jurdico de vrios sindi-catos, tomou a defesa do pluralismo sindical, que, na sua opinio, no excluaa unidade dos sindicatos na sua luta por melhores condies salariais e detrabalho, negando mesmo que a unidade (organizativa) sindical fosse, emsi mesma, um benefcio ou vantagem para os trabalhadores45. Esta posi-o, embora no completamente isolada, no encontrava na altura um ecoconsidervel nos meios sindicais (e at polticos) da oposioe muito menosnos meios ligados ao poder. Prenunciava contudo os debates em torno destaquesto que, num contexto poltico muito diferente, eclodiro em finais de1974.

    Enfim, outras vozes, muito dispersas e de fraca expresso no mundo dotrabalho, recusavam o entrismo e admitiam j em 1969 o pluralismo deorganizaes sindicais, tal como existia em vrios pases europeus, conside-rando, por exemplo, desejvel a existncia futura de sindicatos agrupandotrabalhadores segundo as suas afinidades ideolgicas46.

    A este panorama pouco diversificado, em que preponderava quase semcontestao uma posio coincidente com a linha estratgica do PCP (e con-vergente, no ponto da unicidade, com a rgida posio governamental), noera alheio o bloqueio da situao poltica portuguesa e a consequente falta

    42 Manuel Bidarra em Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc. cit.

    43 Mrio Pina Correia em Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc. cit.

    44 F. Marcelo Curto seria um dos 27 fundadores do Partido Socialista, em reunio reali-

    zada na Alemanha Federal poucos dias aps o congresso oposicionista de Aveiro.45

    3. Congresso da Oposio Democrtica Teses, 2 . a seco, Seara Nova , 1974, pp.224 e 228.

    46 Ver, por exemplo, H. Barrilaro Ruas em Problemas e evoluo do sindicalismo, in

    70 loc. cit.

  • Os primrdios da Intersindical

    de perspectivas de alterao profunda do quadro sindical. A situao poucoevoluir at 1974, devido tambm relativamente forte unidade oposicio-nista fomentada nos planos poltico e sindical pelo conservadorismo inbilde Marcelo Caetano. A quebra, nos anos 30, com uma autntica tradioassociativa, a forada inexperincia poltica dos trabalhadores e algum iso-lamento relativamente ao sindicalismo europeu ocidental eram outros fac-tores importantes da situao sindical em 1969.

    Deste modo, quando a abertura poltica do regime e as novas leis labo-rais do o sinal de partida para a desejada reanimao da vida sindical, asideias ou projectos que aparecem acerca das estruturas organizativas maisconvenientes assentam basicamente nos sindicatos existentes ou no quadropor eles definido. Na esteira, alis, das propostas de reestruturao sindicalavanadas anos antes, nos Colquios Nacionais do Trabalho, e da prpriafilosofia que havia presidido elaborao das reformas. Falar-se- assim depulverizao, de sindicatos pequenos e pobres, de diviso e descoordenao,de ineficcia, de falta de poderes, de incapacidade tcnica dos dirigentes bem como dos remdios necessrios para pr fim a todas essas situaes.Em certos meios oposicionistas defendia-se, por exemplo, que s uma evo-luo para sindicatos de ramo de actividade asseguraria uma aco sindicalcoesa e eficaz47, adequada, alm do mais, estrutura dos grmios, obvia-mente organizados por actividades. Outros defendiam grandes sindicatos dembito nacional, de ramo ou de profisso, criados a partir dos existentespor fuso de sindicatos distritais ou pluridistritais.

    O PCP no se ocupava muito do estudo ou discusso destas questessobre o enquadramento desejvel, ou, pelo menos, no o fazia segundo umaptica especificamente sindicalista, de defesa dos interesses dos associados.Essas questes interessavam-lhe quase exclusivamente dum ponto de vistapoltico, isto , do ponto de vista da luta de classes e da luta contra o regime.Deveriam os sindicatos ser grandes ou pequenos? Distritais ou nacionais?Profissionais ou de ramo de actividade? Que novos sindicatos (ao abrigo dalei) deveriam ser criados? Como resposta, tudo dependeria, para os comu-nistas, das condies concretas de cada situao .

    Assim, que algumas centenas de delegados de propaganda mdica tives-sem em 1963 deixado de pagar quotizao para o Sindicato dos Caixeirose formado o seu prprio sindicato, nada haveria a dizer. Os comunistasviriam at a interessar-se muito por esse novo sindicato. Mas, quando, algunsanos depois, em 1971, um grupo de vendedores (caixeiros-viajantes e depraa) propunham destacar-se do dito Sindicato dos Caixeiros de Lisboa parafundarem, como os seus colegas do Porto j haviam feito, um sindicato quepoderia vir a abranger cerca de 6000 associados na regio da capital, issoj foi considerado um divisionismo condenvel49. O Sindicato dos Caixei-ros de Lisboa tinha ento (desde 1970) na sua direco e no seu aparelhoadministrativo vrios elementos comunistas ou prximos. Mobilizando osassociados, a direco conseguiu frustrar a tentativa autonomista, cono-

    47 Ver, por exemplo, F. Marcelo Curto, O sindicalismo em questo, in Seara Nova,

    n. 14%, Junho de 1970, com a achega de Caiano Pereira no n. 1500 da mesma revista (Outubrode 1970) ou Manuel Bidarra, Problemas e evoluo do sindicalismo, in loc. cit.

    48 O PCP e a Luta Sindical, cit., p. 297.

    49 Circular n. 17, de 5 de Maro de 1971, do Sindicato dos Caixeiros de Lisboa. 71

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    tando-a com a anterior direco do Sindicato, derrotada nas eleies. A auto-nomizao consumar-se- aps o 25 de Abril, com a criao do Sindicatodos Tcnicos de Vendas.

    O PCP, por princpio, declarava-se favorvel a estruturas sindicais queno dividissem os trabalhadores nas empresas. Mas, quando, por volta de1972, um grupo de trabalhadores de vrias tendncias pretendeu fundar umnovo sindicato de mbito nacional agrupando todos os assalariados dasindstrias de construo e reparao naval, o PCP condenou e combateua iniciativa. Os comunistas argumentaram ento que o novo sindicato enfra-queceria os sindicatos metalrgicos distritais (tradicionais basties de mili-tncia comunista) e provocaria uma situao de afastamento geogrfico demilhares de trabalhadores das indstrias navais da sede do seu sindicatonacional. Haveria ainda o risco de uma empresa dominante no sector(Lisnave que urdiria planos de monopolizar toda a construo naval doPas) poder vir a dominar o Sindicato . Com efeito, o PCP julgava saberque a ideia da criao de um sindicato de todas as profisses da indstriade construo e reparao naval fora soprada pelos donos da Lisnave, ouseja, os tubares da CUF e os seus associados estrangeiros51. Acusaodesmentida por um dos lderes da iniciativa, o catlico progressista ManuelBidarra, segundo o qual haveria inclusive trabalhadores comunistas envol-vidos na tentativa da criao do novo sindicato52.

    A atitude do PCP perante o movimento sindical podia pois considerar--se extraordinariamente flexvel no plano tctico, mas clara e coerente noplano estratgico. O que lhe valia desde essa poca acusaes vindas sobre-tudo do lado dos esquerdistas de oportunismo, reformismo e revi-sionismo. Por detrs do grande radicalismo e intransigncia verbais mani-festados, por exemplo, na imprensa partidria clandestina, os comunistasmoviam-se realmente com bastante prudncia e percia nos sindicatos e ins-tituies corporativas durante os anos do caetanismo. Segundo afirmaria maistarde o lder comunista lvaro Cunhal, o PCP no tomou de assalto o apa-relho sindical aps o 25 de Abril de 1974, mas sim antes: Na verdade, omovimento operrio, e com ele o PCP, tomaram de 'assalto' os sindicatosfascistas j no prprio tempo do fascismo e transformaram-nos naquilo quesempre deviam ter sido, organizaes de classe dos trabalhadores [...]53O que, se no corresponde inteiramente verdade, encerra pelo menos umaparte dela.

    Exceptuando, pois, alguns agrupamentos polticos de extrema-esquerda,mais implantados no meio estudantil do que no laborai, e que repudiavama actuao nos sindicatos fascistas, pode dizer-se que, na prtica, a res-posta poltica de abertura sindical do Governo de Caetano foi no sentidodo aproveitamento total das novas margens de actuao. Como consequn-cia, entre 1969 e 1971 ou seja, no primeiro trinio do Governo caeta-

    50 O PCP e a Luta Sindical, cit. , pp. 296-297.

    51 Ibid., p. 282.

    52 Entrevista c o m Manuel Bidarra. S e g u n d o Bidarra, a rejeio da iniciativa pe lo P C P apenas

    se deveu ao facto de os comunistas no dominarem o processo. A circunstncia essa simverdadeira de a administrao da Lisnave achar igualmente vantajoso que houvesse apenasum interlocutor sindical (e no 15 ou 20, como at ento) no prova que a ideia de formaodo novo sindicato tivesse sido soprada pela empresa.

    72 53 lvaro Cunhal, A Revoluo Portuguesa, o Passado e o Futuro, Lisboa, 1976, p. 45.

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    nista, perto de 30 sindicatos seriam conquistados por direces eleitas emlistas constitudas ou participadas por elementos da oposio, tambm desig-nadas direces representativas ou da confiana dos trabalhadores. Estemovimento iniciou-se pouco aps a chegada de Marcelo Caetano ao Governo,ainda antes da publicao das novas leis laborais, como reflexo do clima deconfiana gerado pelas expectativas de liberalizao do regime.

    Em Janeiro de 1969 seria finalmente homologada a direco oposicio-nista dos bancrios de Lisboa, eleita em Maro do ano anterior, aps vriaspresses exercidas sobre o ministro, nomeadamente atravs do envio de cartasa Marcelo Caetano, publicadas na imprensa54. Ainda assim, dois dos mem-bros da nova direco (um catlico e um marxista independente) no obte-ro o sancionamento ministerial, contrariamente a dois elementos comunis-tas, que o ministro deixar passar, talvez por falta de informao a seu res-peito. Um destes dois elementos, Daniel Cabrita, cuja filiao comunistaera naturalmente desconhecida dos bancrios, assumir a presidncia dadireco do Sindicato aps a respectiva tomada de posse, em 20 de Feve-reiro de 1969. Dos dois dirigentes excludos pelo ministro Proena, o mar-xista independente Antnio Ferreira Guedes no desistiria de assumir (infor-malmente) as suas funes, frequentando o Sindicato aps o trabalho.O outro, o catlico Mrio Pina Correia, seria substitudo (tambm infor-malmente) pelo comunista Antero Martins. Aumentava assim para trs onmero de membros do PCP na direco dos bancrios de Lisboa55.

    No Sindicato dos Bancrios do Porto, em eleies realizadas em Feve-reiro de 1969, seriam praticamente reconduzidos os corpos gerentes eleitosem 1966, da confiana dos meios oposicionistas e compostos por catlicosprogressistas, comunistas (ou prximos) e outros. Se, em 1966, estes corposgerentes haviam sido eleitos com somente 80 votos em lista nica (o que noera, pois, exclusivo das direces pr-governamentais), em 1969 aparecerauma segunda lista, prxima do regime, mas que foi batida por grande dife-rena (1478 votos contra 212). A homologao da direco tardaria at Outu-bro desse ano, sendo concedida apenas dias antes das eleies para deputa-dos Assembleia Nacional.

    Igualmente nos primeiros meses de 1969, em dois sindicatos de oper-rios metalrgicos nortenhos eleger-se-o listas da classe (segundo o PCP).O primeiro, o Sindicato dos Metalrgicos de Braga, s em fins de Dezem-bro desse ano conseguir a homologao dos eleitos, que ser festejada comouma magnfica vitria pelos dirigentes comunistas . No segundo, o Sin-dicato dos Metalrgicos do Porto, a vitria eleitoral conseguida em Feve-reiro desse ano por 435 votos contra 333 (cerca de 300 destes ltimos porcorrespondncia) foi de imediato anulada, no meio de grandes protestos daprpria assembleia eleitoral57. O presidente da mesa invocaria a ilegalidadeda lista vencedora, que antes considerara preencher as condies. Com a com-placncia das autoridades, que tentaram persuadir (sem xito) a lista oposi-cionista a chegar a um entendimento de partilha com a direco cessante,esta ltima iria manter-se no cargo at 1970.

    54 Entrevista com A n t n i o Ferreira Guedes .

    55 Entrevistas com Fernando Moura Palhaa, Antn io Ferreira Guedes e Antero Martins.

    56 O PCP e a Luta Sindical, cit . , p . 248 .

    57 Eduardo Serpa, Em Portugal: Sindicatos e Subverso, s. 1., 1972, p . 5. 7J

  • Jos Barreto

    Sempre em Fevereiro de 1969, realizaram-se as eleies para a direcocentral do Sindicato dos Empregados de Escritrio de Lisboa. Tinha entoeste Sindicato mais de 50 000 quotizantes, 30 000 dos quais scios inscritos.Era um dos sindicatos mais bem organizados, seguramente o de maior volumede quotizaes em Portugal. No conjunto, talvez se pudesse considerar o maisimportante sindicato do Pas. Estava organizado por seces de actividade,cujos dirigentes eram eleitos trienalmente. A direco central era, por suavez, eleita por um colgio composto pelos representantes das seces de acti-vidade. Em 1969, e de acordo com um costume contestado pela oposio,os representantes das seces de actividade eleitos nos meses precedentes nopuderam participar na escolha da direco central, mas sim e apenas os repre-sentantes eleitos em 1966, cujo mandato havia j terminado. Tratava-se deum mecanismo no estatutrio que s possibilitava a conquista da direcodo sindicato em, pelo menos, duas eleies consecutivas. A lista oposicio-nista para a direco central foi pois derrotada, mas impugnaria as eleiesem tribunalo que acontecia pela primeira vez nos 36 anos do regime cor-porativo e, por si s, constitua uma grande novidade. O tribunal confirma-ria, entretanto, a legalidade das eleies. A lista corporativista eleitainclua, contudo, lvaro de Campos Marcal, um elemento moderado, de for-mao catlica, que ir presidir direco e abrir o sindicato linha defen-dida pela lista oposicionista58. Como vrias das seces de actividade doSindicato tinham, por sua vez, dirigentes recentemente eleitos conotados coma oposio (catlicos, comunistas e outros), a derrota da lista oposicionistamais parecia uma meia vitria. Um dos lderes desta lista, o comunista CaianoPereira (que pertencera alis direco central cessante), iria mesmo inte-grar um grupo de trabalho do Sindicato com a misso de dar apoio direc-o em matria de informao e formao sindical59.

    Alm destes, outros sindicatos de menor dimenso elegeram direceshomogneas de oposio ou integrando um ou vrios elementos oposicio-nistas. Entre esses estava o Sindicato dos Delegados de Propaganda Mdica,atrs j referido, que havia sido criado em 1963 e reunia menos de um milharde profissionais. Um sindicato muito pequeno, mas cujos associados alia-vam um grande activismo a uma extrema mobilidade no Pas. Os impulsio-nadores da criao do Sindicato, entre os quais o militante catlico Jos Teo-doro da Silva, haviam entrado em conflito com o Ministrio das Corporaes,que no aceitara os estatutos propostos. A direco do Sindicato foi assimconfiada a um grupo de trabalhadores que aceitou o modelo de estatutosimpostos pelo Governo60. Entre 1967 e 1969, os profissionais que se opu-nham direco, entre os quais militantes catlicos e vrios comunistas muitoactivos, vo montar uma operao de abordagem do Sindicato61. Conse-

    58 Entrevista com Dulcnio Caiano Pereira. Segundo o dirigente do Partido Socialista Mal-

    donado Gonelha (dirigente sindical antes de 1974), A . Campos Maral no era pessoa doregime, mas sim um militante catlico (entrevista com Maldonado Gonelha).

    59 Expresso de 29 de Dezembro de 1973, p. 9, Caiano Pereira responde. de notar que,

    sendo a filiao comunista, antes de 1974, mantida em segredo, no possvel saber com exac-tido a data de adeso ao PCP de muitos sindicalistas que posteriormente se revelaram comu-nistas. Tambm no se pode presumir que essa filiao fosse ento conhecida pela massa asso-ciativa dos sindicatos, o que estava excludo pelas circunstncias polticas anteriores a 1974.

    60 Entrevista com Jos Teodoro da Silva.

    61 Entrevista com Alfredo Morgado. Segundo Morgado (antigo militante catlico, funcio-

    74 nrio do CCO de Lisboa at 1967, delegado de propaganda mdica a partir desse ano), teria

  • Os primrdios da Intersindical

    guem a suspenso da direco em 1967 por irregularidades financeiras, maso Governo volta a nomear, impassvel, os dirigentes suspensos para umacomisso administrativa do Sindicato. J sob o Governo de Caetano, os diri-gentes em causa sero definitivamente suspensos. Em eleies realizadas em31 de Outubro de 1969 por fim eleita uma direco presidida por Jos Teo-doro da Silva e incluindo vrios elementos do PCP ou ligados coligaoCDE. uma das primeiras direces sindicais que no necessitaro da homo-logao ministerial para tomar posse, nos termos da nova lei.

    A partir das eleies polticas de 26 de Outubro de 1969, o avano dasforas oposicionistas sobre as direces sindicais acelerou-se, aproveitandoum denso calendrio de eleies nos sindicatos. A entrada em vigor deis novasleis laborais, bem como a mudana do responsvel pelo sector governamen-tal do trabalho, em Janeiro de 1970, com a posse do secretrio de Estadodo Trabalho, Joaquim Silva Pinto62, compunham um quadro bastante dife-rente do do primeiro ano de governo de Caetano. Mas o processo das elei-es para deputados de 1969 constituiu, at pelas frustraes que gerou, umimpulso decisivo aco oposicionista no plano sindical. Aps aquilo quea oposio qualificou, como no passado, de burla eleitoral a CDE e aCEUD no colocaram um nico deputado na Assembleia Nacional,tornava-se mais claro que a liberalizao poltica continuaria bloqueada. Orano campo sindical desenhava-se uma margem de relativa liberdade, que setraduzia na possibilidade de substituir, ainda que por vezes com alguma luta,as direces da confiana do Governo, tranquilamente eleitas no passadopor escassas dezenas de votantes. Naturalmente, a luta poltica tenderia adeslocar-se para esse espao de relativa liberdade. Por outro lado, a din-mica e a mobilizao geradas durante a campanha eleitoral, em particularem torno das comisses ou grupos socioprofissionais da CDE, seriam efi-cazmente aproveitadas nas vrias profisses que a curto prazo tinham elei-es sindicais. Foi como que uma continuao, nos sindicatos, da campa-nha eleitoral para a Assembleia Nacional, s que com resultadossubstancialmente diferentes para as foras da oposio.

    Uma dessas profisses eram os caixeiros de Lisboa, classe em que logoaps as eleies para deputados se iniciou, sob a direco de Jos Pinela ,um movimento reivindicativo pela semana inglesa (com reduo do horriosemanal de 48 para 44 horas). A aco articulava-se com a campanha pela

    sido o militante comunista Jos do Rosrio, tambm delegado de propaganda mdica, a dirigiras operaes de abordagem ao Sindicato. Outros comunistas muito activos no Sindicato foramlvaro Rana, Amrico Costa Pereira (futuros dirigentes da Intersindical), Jos Perdigo e Fer-nando Paraso Guerreiro. Domingos Abrantes, dirigente do P C P , responsvel pelo pelouro dotrabalho e sindicatos, tambm foi, em 1973, funcionrio do Sindicato de Propaganda Mdica.

    62 O novo ministro das Corporaes (acumulando com a pasta da Sade e Assistncia),

    B. Rebelo de Sousa, delegava praticamente em Silva Pinto a gesto do sector do trabalho.A nova Secretaria de Estado do Trabalho (e no das Corporaes) anunciava no seu nome umanova atitude relativamente s questes laborais. E m Maro de 1969 havia j tomado posse comosubsecretrio de Estado do Trabalho J. L. Nogueira de Brito, que em Janeiro de 1970 se man-ter nesse posto , mas abaixo de Silva Pinto . O ministro substitudo, J. Gonalves de Proena,mostrava-se por essa poca j abertamente crtico em relao liberalizao sindical (entre-vista com Joaquim Silva Pinto) .

    63 Jos Malaquias Pinela, antigo operrio corticeiro, depois empregado no comrcio, era

    em 1969 um elemento prximo do P C P , do qual j fora membro nos anos 50, antes de ser presoem 1958 pelas suas actividades polticas. 75

  • Jos Barreto

    conquista da direco sindical. Em 13 de Abril de 1970, aps eleies pr-vias em trs das quatro seces64 do Sindicato, um colgio elegia por grandemaioria a lista oposicionista. A direco passava a ter uma maioria de ele-mentos comunistas e independentes prximos do PCP65. Uma semana antes,em 5 de Abril de 1970, outro sindicato fora conquistado por uma lista deoposio: o Sindicato dos Lanifcios de Lisboa, cujo lder passava a serManuel Lopes, antigo militante catlico, da rea socialista revolucionria.No mesmo ano, outros sindicatos do sector dos lanifcios (Gouveia, Covi-lh) seriam igualmente conquistados por listas oposicionistas, que em con-junto puderam assim designar a direco da Federao Nacional dos Lani-fcios (Outubro de 1970.) Mas j nos primeiros meses de 1970, dois outrossindicatos haviam sido ganhos pela oposio: o dos jornalistas, em Fevereiro,e o dos assistentes sociais, em Maro.

    Em Junho e Julho de 1970, listas oposicionistas venceriam no Sindicatodos Metalrgicos de Lisboa (1436 votos contra 18) e no Sindicato dos Meta-lrgicos do Porto, onde a afluncia s urnas foi ainda maior. A direcodos metalrgicos de Lisboa, chefiada por Antnio dos Santos Jnior, cat-lico de esquerda, inclua elementos comunistas e de extrema esquerda. Ostrs principais postos eram ocupados por mecnicos altamente qualificadosda manuteno de avies da TAP, empresa de onde partira a mobilizaoda classe66. Os lderes do Porto eram os comunistas Vtor Ranita e AntnioMota67. No Porto, a vitria da lista oposicionista nas eleies de Julho de1970 culminava mais de um ano de luta pelo reconhecimento da direco,j eleita uma vez em Fevereiro do ano anterior, mas no homologada. Em1970, j com Silva Pinto no Governo, este ainda pressionou, sem xito, alista oposicionista no sentido de chegar a um acordo com a direco cessante.A campanha da oposio assentaria na contestao do contrato colectivopara o sector, em vigor desde 1968 e que, na sua opinio, j estava desac-tualizado quando foi assinado. Com trs dos principais sindicatos meta-lrgicos conquistados (Lisboa, Porto e Braga), a direco da FederaoNacional dos Sindicatos Metalrgicos e Metalomecnicos seria, por sua vez,ganha em Outubro de 1970.

    No sector da banca, depois dos sindicatos do Porto e de Lisboa, opo-sio j s faltava ganhar a direco do de Coimbra, o que aconteceria emMaio de 1970. Ser ento eleita, em votao muito concorrida, uma listacomposta por catlicos progressistas e elementos de esquerda moderada liga-dos CDE (em Coimbra no se apresentara lista CEUD s eleies paradeputados de 1969.) Saiu derrotada uma segunda lista oposicionista consti-tuda por comunistas e incluindo tambm catlicos. A lista vencedora, aindaque tivesse sido proposta pela direco anterior, no era afecta ao regime,

    64 A quarta seco, a feminina, seria extinta pouco depois .

    65 Segundo J. Pinela, alguns deles s mais tarde depo i s do 25 de Abril se tornariam

    membros do P C P (entrevista com Jos Pinela).66

    Eram eles, alm do citado mecnico de aviao Antnio dos Santos Jnior, o torneiromecnico Carlos Neves Alves e o mecnico de aviao Lus Faustino. Os dois ltimos so actual-mente (1989) militantes do Partido Socialista, sendo Lus Faustino presidente do Sindicato dosTcnicos de Manuteno de Aeronaves SITEMA (ciso do Sindicato dos Metalrgicos) e mem-bro do Secretariado da U G T .

    67 Antnio Mota , actualmente deputado do P C P , no seria ento ainda, segundo alguns,

    7 6 membro desse Partido, mas apenas prximo.

  • Os primrdios da Intersindical

    como a imprensa comunista pretendeu. A nova direco do Sindicato dosBancrios de Coimbra participar de futuro activamente nas actividades dasdireces sindicais de oposio68.

    No sector dos seguros, os dois sindicatos existentes (Lisboa e Porto) ele-geram em Julho de 1970 direces oposicionistas moderadas independen-tes, constitudas por figuras de prestgio. No Sindicato dos Seguros deLisboa, no tendo a direco cessante proposto nenhuma, concorreram duaslistas oposicionistas. A lista derrotada era composta maioritariamente porcomunistas e a vencedora era liderada por Armando Santos, de formaocatlica (socialista aps 1974), e constituda por elementos ligados aos meiosoposicionistas e s organizaes catlicas.

    Tanto no sector dos seguros como no da banca, a contratao colectivahavia-se feito com regularidade desde a dcada de 30, nunca se tendo regis-tado uma greve. Eram sectores em que os trabalhadores se podiam conside-rar privilegiados em relao grande maioria dos assalariados, usufruindode salrios e regalias muito superiores mdia. Curiosamente, no Sindicatodos Seguros de Lisboa, a contestao anterior direco (da confiana doregime) iniciou-se, em 1969, a pretexto de o seu presidente (Marques Ale-xandre) ter votado, na Corporao do Crdito e Seguros, no candidato patro-nal para procurador Cmara Corporativa, e no no candidato dossindicatos69. Mais do que questes propriamente laborais, o que parecia estarem causa era a dignidade da representao da classe.

    Entre os bancrios de Lisboa, a contestao direco corporativistativera incio em 1967-68, fundando-se no descontentamento gerado peloarrastar do processo de negociao do contrato colectivo. Comeada em 1966e concluda s em Fevereiro de 1968, esta negociao acabou todavia porse traduzir em grandes benefcios para os bancrios, entre os quais o subs-dio de frias obrigatrio. Isso no obstou, contudo, a que, duas semanasaps a assinatura do novo contrato, uma lista oposicionista ganhasse as elei-es para os corpos gerentes do Sindicato. O descontentamento, mais umavez, no tinha directamente a ver com a situao objectiva das condiesde trabalho, mas com a desconfiana que aos trabalhadores merecia umadireco da confiana do Governo.

    Ainda em 1970 foram eleitas outras direces sindicais de dominante opo-sicionista, como no Sindicato dos Empregados Administrativos da MarinhaMercante, Aeronavegao e Pesca (onde alguns elementos vinham j de direc-es anteriores), no rcem-criado Sindicato dos Tcnicos de Desenho ou noSindicato dos Empregados de Escritrio e Caixeiros de Santarm.

    Embora em outros sectores operrios tenha igualmente havido mobili-zao em torno de listas oposicionistas, negociaes de contratos, lutas egreves nas empresas, etc, por razes de vria ordem a que no foi estra-nha a interferncia do Governo, no foram conquistadas as direcesdos respectivos sindicatos. Assim aconteceu, por exemplo, com os sindica-tos dos operrios txteis, vidreiros, grficos ou alguns sindicatos de meta-lrgicos. Mas, de diversos outros importantes sectores operrios, a mobili-zao foi nula ou muito fraca, como, por exemplo, no grande sector da

    68 Entrevista com Francisco Osrio Gomes.

    69 Entrevista com Armando Santos. 77

  • Jos Barreto

    construo civil ou na indstria cermica. Entre os sindicatos dos serviostambm foram naturalmente muitos os que escaparam conquista pela opo-sio.

    Nos dois primeiros anos de Governo de Caetano, a reanimao sindicalrestringiu-se pois a um pequeno nmero (cerca de 20-30) do total de 325 sin-dicatos existentes, mas vrios se contavam entre os mais importantes em efec-tivos, quotizaes e meios de actuao. Por seu turno, a efectiva mobiliza-o dos trabalhadores para assembleias, lutas, reivindicaes, nem sempreresultou na conquista de direces sindicais. Estas conquistas aconteceramcom mais frequncia em sindicatos de empregados administrativos e do sec-tor dos servios. Entre os sindicatos conquistados pela oposio nos dois pri-meiros anos, apenas os de metalrgicos e de trabalhadores dos lanifciosrepresentavam o operariado industrial. Em suma, o movimento de reanima-o sindical ficava a dever muito aos trabalhadores das classes mdias, desig-nadamente aco pioneira dos bancrios.

    Dirigentes e sindicalistas comunistas explicaram esta circunstncia ale-gando a maior tolerncia do regime perante os sindicatos das classes m-dias70. Mas esta explicao, se encerra alguma parcela de verdade, parecemais servir de desculpa doutrinria para a evidente passividade do opera-riado em muitos sectores e zonas do Pas. Essa relativa falta de militnciaou combatividade operria (excepo feita para certas lutas por melhoressalrios e condies de trabalho ao nvel de empresa) era, alis, frequente-mente criticada pela prpria imprensa comunista. Para j no referir queentre os sindicalistas comunistas que nas duas ltimas dcadas mais se des-tacaram, nomeadamente na direco nacional do movimento, so relativa-mente poucos os de provenincia realmente operria.

    O movimento de animao sindical de 1969-70 localizou-se predominan-temente em Lisboa e no Porto. Quase no se manifestou nos sectores emque a sindicalizao era proibida (funo pblica, agricultura). Coincidiucom uma exploso do movimento estudantil, principalmente em Lisboa eCoimbra, com o qual por vezes se articulou. O movimento estudantil,segundo alguns, teria mesmo puxado pelo movimento operrio, servindo--lhe de exemplo no plano organizativo e nas lutas e greves. Algumas figurasdo movimento estudantil passar-se-iam para o terreno sindical, quer comodirigentes, quer como consultores jurdicos ou tcnicos.

    Das vrias tendncias oposicionistas que protagonizaram o surto sindi-cal de 1969-70 emergia j a corrente comunista, pela sua maior capacidadeorganizativa e presena sistemtica nos pontos-chave. Os catlicos fre-quentemente ditos catlicos progressistas, ento talvez mais numerosos,no formavam todavia uma tendncia coerente nem estavam, enquanto tais,submetidos a qualquer tipo de coordenao. No fundo, o militante sindicalno corporativista s podia servir-se da capa de catlico ou, em ltimo caso,intitular-se independente. Segundo o testemunho de vrios militantes e diri-gentes organizativos da poca, a militncia catlica serviu de facto muitasvezes para dar cobertura a aces de cariz especificamente sindical e at aorganizaes como o CCO, que vivia sob a capa legal da Liga Operria

    70 Entrevista com F. Canais Rocha; Joo Vilanova, 1977/1978 Sindicalismo em Portu-

    gal, Lisboa, Assrio e Alvim, 1977, pp. 51-52 (entrevista com lvaro Rana); ver tambm. O PCP78 e a Luta Sindical, cit., pp. 247-248.

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    Catlica71. Como, em Portugal, as correntes polticas moderadas de centro--esquerda no puderam desenvolver-se sob o salazarismo e o caetanismo,no havia outras referncias para a militncia sindical legal. Sob a comumdesignao de catlicas encontramos pois, nesta poca, uma variedade con-sidervel de linhas de militncia sindical e poltica. Um consultor jurdicode vrias direces sindicais oposicionistas dessa poca, Marcelo Curto (pr-ximo, na dcada de 60, de sectores marxistas-leninistas, mas fundador, em1973, do Partido Socialista), que conheceu de perto o meio catlico pro-gressista anterior a 1974, afirma: Muitos catlicos eram d facto profun-damente marxistas, por vezes mais radicais politicamente que os prprioscomunistas. Eram catlicos de origem, nada mais.72 Outros catlicos, emcompensao, sentiam-se mais prximos da ala liberal do caetanismo oudo projecto poltico embrionrio da SEDES, tolerado pelo regime de Cae-tano. Aps 1974, os catlicos aparecero posicionados num largo espectropoltico e divididos, inclusivamente, no campo sindical.

    Um dos objectivos das reformas de 1969 fora, segundo J. L. Nogueirade Brito, um dos governantes de ento no sector do trabalho, reconhecera conflitualidade na base sem fazer perigar o sistema73. O Governo tiveraf na existncia de foras sindicais corporativas, mas a animao destasfora insuficiente. Sempre segundo o mesmo antigo governante, a ofensivaoposicionista saldara-se, entre 1969 e 1970, pela tomada dos principais sin-dicatos, restando apenas nas mos de gente apoiante do regime os sindica-tos profissionais e pequenos. A conflitualidade na base, supostamente con-trolvel, aparecia afinal transfigurada em permanente agitao poltica.Alm disso, o Governo verificava a explorao da contratao colectivapara fins polticos logo nos primeiros processos importantes de negocia-o colectiva iniciados sob a nova legislao. A reviso do contrato colec-tivo do sector bancrio (que resultou simultaneamente na primeira decisoarbitrai), das numerosas convenes colectivas para os caixeiros de Lisboa(que proporcionaram logo seis arbitragens), dos contratos colectivos paraas indstrias metalrgicas e metalomecnicas e dos lanifcios, assim comoa negociao do primeiro acordo colectivo da TAP, haviam conduzido, naptica do Governo, a um estado de grande agitao74.

    Verificaram-se, da parte do Governo, tentativas no sentido de conter avaga de conquistas de sindicatos, ora correndo em auxlio das direces dasua confiana (que pediam socorro ao Ministrio quando sentiam o lugarameaado), ora procurando conciliar com estas as listas da oposio,servindo-se enfim de expedientes burocrticos e medidas repressivas para tra-var o avano dos oposicionistas. Mas, saldando-se tudo por um aparente insu-cesso, o Governo ir optar, no Outono de 1970, por iniciar um movimentode marcha atrs nas reformas das leis laborais, cujas consequncias come-

    71 Entrevistas com Jos Teodoro da Silva, Joaquim Calhau, Alfredo Morgado c Carlos

    A . Fernandes de Almeida . O C C O (Centro de Cultura Operria), criado em 1962-63 segundoo mode lo de organizaes catlicas belgas e francesas, tinha c o m o objectivo a formao de qua-dros e activistas operrios para actuarem nos sindicatos, cooperativas e locais de trabalho, estandoaberto a trabalhadores no catl icos .

    72 Entrevista com Francisco Marcelo Curto .

    73 Entrevista com J. L. Nogueira de Brito.

    74 Id- 79

  • Jos Barreto

    cavam a no ser suportadas. A isso o persuadia a prpria conjuntura pol-tica interna e externa de crescente contestao guerra em frica, na sequn-cia da audincia do papa aos lderes dos movimentos de libertao dascolnias (Julho de 1970) e no incio da vaga de atentados de organizaesterroristas contra objectivos militares do continente (a partir de Outubrode 1970). A organizao, tambm a partir de Outubro, das chamadas reu-nies intersindicais contribuiu para lanar o alarme nas hostes do regime:semanas depois, nova legislao era publicada a pretexto de suprir deficin-cias e esclarecer dvidas das leis aprovadas em 1969.

    3. CONSEQUNCIAS DO APARECIMENTO DUM SECTOR SINDICALOPOSICIONISTA. O LANAMENTO DAS REUNIES INTERSIN-DICAIS

    A conquista, entre 1969 e 1970, de um grupo de importantes sindicatospela oposio teve mltiplas consequncias, algumas das quais possivelmenteno previstas pelo Governo. A grande animao da vida sindical, as mudan-as operadas no interior das organizaes de modo a torn-las mais actuan-tes e a orientao poltica dos novos dirigentes potenciaram mutuamente osseus efeitos. A negociao colectiva, num primeiro passo retirada do regimede voluntariado patronal em que jazia, tornou-se, num segundo passo, nocampo de aco privilegiado de dirigentes sem esprito corporativo, apoia-dos pelas bases em assembleias gerais concorridas como nunca. Em muitoscasos, nem as recentes eleies sindicais tinham conseguido atrair o nmerode trabalhadores que comearam a afluir s assembleias convocadas paraanalisar e debater o contedo das convenes colectivas. Os bancrios deLisboa, sempre na vanguarda, chegaram a reunir 7000 trabalhadores numaassembleia geral, em Abril de 1970, para divulgar e discutir a deciso arbi-trai relativa ao seu contrato colectivo.

    A informao permanente dos associados em reunies e assembleias, ouatravs de circulares, panfletos, jornais e revistas, tornou-se uma regra bsicada actuao dos dirigentes. A participao individual de scios na actividadequotidiana dos sindicatos aumentou extraordinariamente. Vrios sindicatoscriaram no seu seio estruturas de apoio especializadas (grupos de trabalho),em que os scios mais activos prestavam o seu contributo.

    Aproveitando a faculdade expressamente concedida pela nova lei sindi-cal, as direces sindicais comearam a nomear delegados nas empresas elocalidadese, em alguns casos, a promover a eleio nas empresas dos dele-gados e comisses de delegados. A lei sindical, aparentemente, no temia(ou no previa) a eventualidade de uma direco sindical constituda por ele-mentos oposicionistas construir toda uma rede de delegados sindicais a par-tir do topo, nomeando em dezenas ou centenas de empresas elementos dasua confiana. Neste captulo, de resto, duas concepes se confrontaro nomeio sindical oposicionista (e inclusive no seio do PCP). Uma tida por maisdirigista, favorvel nomeao dos delegados pela direco do sindicato,outra mais basista, favorvel eleio dos delegados nas empresas.

    Por outro lado, o PCP insistir muito na necessidade de manter duasfrentes na luta laborai. A aco sindical no podia dispensar a aco locali-

    80 zada nas empresas, principal campo das lutas econmicas dos trabalhado-

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    res75. A prpria estrutura dos sindicatos profissionais dificultava a acodestes em muitas empresas, nas quais s a existncia de comisses sindi-cais de unidade proporcionaria a actuao conjunta dos trabalhadoresnomeadamente as greves. As comisses de unidade eram tanto mais impor-tantes no organigrama sindical dos comunistas quanto era certo que em vriasgrandes empresas se constituam, com assentimento patronal, comissesinternas (na CUF e na Lisnave, por exemplo) ou comisses do pessoal(como na TAP). Para o PCP tratava-se de comisses criadas por algunspatres, com o fim de controlar o movimento reivindicativo, devendo ostrabalhadores boicot-las e criar ou reforar em seu lugar as comisses sin-dicais de unidade76. Enfim, as comisses sindicais, em contacto umas comas outras, poderiam, at certo ponto, constituir uma alternativa ao prpriosindicato, caso este viesse a ser dirigido por elementos de confiana doGoverno. Para o PCP, alis, na base deste organigrama estavam as clulaspartidrias nos locais de trabalho.

    As novas direces dinamizaram sistematicamente a assistncia jurdicaaos seus associados em muitos casos ainda incipiente, recorrendo paraisso contratao de mais advogados. A acrescida iniciativa e responsabili-dade das direces na conduo da negociao colectiva tambm motivouo recurso a economistas, tanto mais que a nova lei impunha a fundamenta-o econmica das propostas, contrapropostas e pedidos de conciliao. Acriao de estruturas tcnicas de negociao nos sindicatos fez-se, inclusive,em detrimento de certas funes assistenciais dos sindicatos corporativistas.Foi o caso do Sindicato dos Metalrgicos de Lisboa, onde a nova direcosuprimiu o subsdio para aquisio de livros escolares, aplicando os 500 000escudos anuais correspondentes na manuteno de um gabinete tcnico decontratao. A direco afirmaria que, em consequncia desta aplicao dadita verba, os metalrgicos no teriam mais necessidade de anualmente men-digarem os magros subsdios77.

    Os servios do INTP continuavam a garantir um certo apoio tcnico aossindicatos durante a negociao colectiva, casa fosse solicitado, mas as direc-es oposicionistas prescindiam naturalmente dele. Os tcnicos e consulto-res em que os novos dirigentes sindicais confiavam foram recrutados exclu-sivamente no meio oposicionista78 e viriam a ter um papel influente dentrodos prprios sindicatos, participando em reunies (da direco e outras), redi-gindo documentos, etc. O problema da insuficiente formao tcnica dosdirigentes sindicais, tantas vezes levantado no passado pelos governantes parajustificar a interferncia do INTP nas relaes colectivas, encontrava aquiuma primeira soluorpida e radical. O suposto problema tcnico apa-recia afinal como uma questo de confiana poltica ou confiana tout court.

    75 J. Vitoriano, Experincia de trs anos de luta sindical, in O PCP e a Luta Sindical,cit., p. 293.

    16 O PCP e a Luta Sindical, cit., p. 247.

    77 Informao da Direco do Sindicato dos Metalrgicos de Lisboa (19 de Outubro de 1970).

    78 Juristas e economis tas que trabalharam para os s indicatos representativos antes de

    1974: Marcelo Curto , Vtor Wengorov ius , Jorge Fagundes , M. Brochado C o e l h o , MacastaMalheiros , Levy Baptista, J o o Moura , J o o Amaral , Jos Barros Moura , Mrio P in to , VitalMoreira, J. G o m e s Canot i lho , Ave ls N u n e s , Jorge Leite, Srgio Ribeiro, Vtor Constnc io ,Carlos Carvalhas , Pereira de Moura , Mrio Valadas , Lus Moi ta , Lus Salgado M a t o s , MrioMurteira, Ferro Rodrigues , J. Flix Ribeiro, Jl io Dias . SI

  • Jos Barreto

    Resta dizer que nos sindicatos em que anteriormente j havia assessores ouconsultores jurdicos (e tambm assistentes sociais e outros tcnicos de idn-tico cariz), estes foram, regra geral, despedidos ou substitudos por seremconsiderados elementos ligados s direces derrotadas nas eleies. Algunshavia que o prprio INTP colocara nos sindicatos, mas pagos por estes79.Em 1969, o consultor jurdico que a nova direco dos bancrios de Lisboaencontrou no Sindicato era, simultaneamente, advogado de um banco80.

    A abertura sindical de 1969-70 teve como consequncia inevitvel oaparecimento de um conflito de representatividade entre a organizao cor-porativa e o sector poltico-sindical constitudo pelas direces oposicionis-tas eleitas. medida que sindicatos com milhares ou dezenas de milharesde scios e quotizantes se iam passando, por via dos dirigentes eleitos, parao campo da oposio, esse conflito de representatividade ganhava mesmoexpresso numrica. Utilizava-se frontalmente o termo direces represen-tativas para designar as direces de oposies eleitas. O antagonismo noera absoluto, uma vez que, por princpio legal, todos os sindicatos se inte-gravam na organizao (se no na filosofia) corporativa. Como vimos, omonoplio representativo dos sindicatos nicos corporativos no foi verda-deiramente posto em causa pelos principais sectores oposicionistas. Mas haviaoutras convergncias e coincidnciasdoutrinrias e prticas. Certas visesretrospectivas absolutizam, contudo, o elemento conflitual. Situa-se assimem 1968-69 o fim da era corporativa no Sindicato dos Bancrios deLisboa81, ou fala-se da ruptura com o regime corporativo em 1970 nou-tro sindicato82. Menospreza-se talvez aqui a duplicidade inerente ao entrismooposicionista nas estruturas do corporativismono s nos diferentes nveisdo aparelho sindical, como tambm, e de forma crescente com o tempo, nascomisses corporativas, nas direces e nos conselhos-gerais das corpora-es e na prpria Cmara Corporativa. Contudo, o elemento de conflito ins-titucional, inicialmente apenas latente, tomar forma e agudizar-se- coma organizao das chamadas reunies intersindicais a partir do Outono de1970.

    J em 1969 apareciam referidas como reunies intersindicais as tradi-cionais reunies havidas entre os trs sindicatos de bancrios do Pas (Lis-boa, Porto e Coimbra) para a elaborao da proposta comum de contratocolectivo para o sec tor . Na negociao colectiva, como em outras acesconjuntas de sindicatos (junto de certas empresas, por exemplo), era indis-pensvel reunir os vrios dirigentes interessados. A partir de 1969, essas reu-nies vo naturalmente multiplicar-se, espelhando assim a reanimao davida sindical e da negociao colectiva. Da colaborao em aces pontuais necessidade de estabelecer formas de consulta e coordenao mais est-

    79 Entrevista c o m Jos Pinela .

    80 ngulo Novo, n. 4 , p . 47 (assembleia geral de 25 de Fevereiro de 1970).

    81 J. P. Castanheira, Os Sindicatos e o Salazarismo A Histria dos Bancrios do Sul

    e Ilhas 1910/1969, p. 374.82

    [Joo Francal] , Sindicato dos Trabalhadores de Terra da Marinha Mercante, Aerona-vegaco e Pesca, Cinquenta Anos da Vida de Um Sindicato, 1985, p. 65.

    03 Revista Angulo Novo, n. 1, Julho/Agosto de 1969, p. 27. Os sindicatos dos bancrios

    no estavam reunidos em federao, como, por exemplo, os dos seguros. A experincia de umafederao nacional fora j abandonada nos anos 40, depois de ter contado com a oposio do

    82 sindicato lisboeta.

  • Os primrdios da Intersindical

    veis, a distncia parecer curta. Mas no o era nas circunstncias polticasconcretas de 1970, quando tudo o que no estivesse previsto expressamentenas leis ainda comeava por ser ilegale muito especialmente no caso deenvolver a coordenao de elementos ou organizaes de algum modo cono-tadas com a oposio.

    O projecto concreto de coordenar em permanncia e escala nacionala actuao das direces sindicais representativas proveio, segundo indi-ciam documentos e testemunhos credveis, do sector sindical comunista e reamais prxima, naturalmente em execuo duma directiva partidria. umaafirmao que ainda hoje pode suscitar polmica, sobretudo da parte dosque, no sendo comunistas, se empenharam convictamente naquele projectoe reclamam naturalmente uma parte da sua autoria. Vtor Wengorovius, aotempo consultor jurdico de direces sindicais oposicionistas e um dos res-ponsveis no seio da CDE pela aco nos sindicatos a partir de 1