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 ALGUNS ASPECTOS D HiSTORIA D CRIMINO OG EM PORTUGAL 1 1

Criminologia

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ALGUNS ASPECTOS DA HiSTORIA DA CRIMINO!OG A EM PORTUGAL1.1

PARTE I

PRECEDEXTES DOS ElWZX3S CRIM1,NOLOGICXX EM PORTUGAL

A Criminologia, como disciplina autnoma, que encara o fenmeno crime como facto naturalstico para o qual se podem encontrar explicaes causais, no , de modo algum, uma cincia que tenha as suas razes histricas em pocas longnquas. Se os problemas da delinquncia e do seu combate foram temas que estiveram sempre na vanguarda dos interesses dos autores, j desde a Antiguidade, na filosofia e na literatura, no pode da inferir-se a existncia de uma investigao criminolgica de cunho srio. Faltava ento aos autores exactamente o sentido cientfico-naturalstico para uma colheita sistemtica de experincias, condio reputada essencial para fundamentar uma disciplina de base verdadeiramente cientfica. J no princpio da Idade Moderna se voltou a investigao cientfica para os fenmenos naturalsticos, psquicos e fsicos, relacionados com o crime. E, a medida que a maturidade cientfica se foi acentuando, foram as vrias cincias, sempre em ritmo crescente, concatenando esforos e rasgando horizontes, at que, justamente no sculo XIX, se chegou a unificao desses resultados dispersos e ao.estabelecimento desta disciplina - A Criminologia.

Portugal no deixou de participar, em maior ou menor grau, neste movimento Ze plano mundial. Se bem que noutros pases, na origem da criminologia, se pudesse contar com fontes importantes e mais caudalosas, nomeadamente com os resultados das investigaes psicolgicas, estatsticas e histrico-culturais sobre os costumes e lnguagem dos criminosos, e com os conhecimentos empricos duma prtica policial e criminal mais cedo intencionalmente orientados, no faltaram, porm, entre ns, outras fontes tambm comuns as naes europeias. As irwestigqes mdicas, nomeadamente nos domnios da medicina forense e mais tarde na antropologia e psiquiatria, os ensinamenfos d e psicologia e pedagogia nas faculdades de filosofia e especialmente os estudos que estiveram na base das codif&~es da legislao crimiml e do movimento de reforma nos servios prisionais estiveram presentes tambm nos primrdios da histria da criminologia em Portugal. A primeira manifestao que entre ns notamos sobre a preocupao de estudar o delinquente, para melhor se equacicnar a sua natureza com a aplicao de sanes criminais, provm de Me10 Freire que, em 1789, conc1uiu os trabalhos de organizao de um Cdigo de Direito Criminal correspondente ao livro V das Ordenaes, juntamente com uma comisso nomeada em 1778. no reinado de D. Maria I, para esse fim. Me10 Freire expresso: - O criminoso ainda cidado e, pelo seu interesse e da mesma sociedade, deve por ela ser tratado como um doente ou ignorante, que necessrio curar, instruir e cauterizar, segundo a enfermidade. ( 1 ). No era seno o pensamento da escola correccionalista alicerada na ideia, pela primeira vez sustentada por Plato, de que o criminoso um doente; a pena, um remdio; o fim da pena uma cura ou emenda. Essencialmente imbudo do esprito iluminista, nota-se a coincidncia deste movimento reformador em Portugal,( i ; Cijdr~i? C~iiniiralif2fetztadopela Rainiia D. Maria I , 3." ed., 1844, pg. 17.

com o que l fora se passava: a actividade especulativa de filsofos e criminalistas da poca e o movimento de renovao em alguns Estados europeus. Tambm Pereira e Sousa na sua obra Classes dos Crimes por Ordem Sistemtica desenvolve normas salutares quanto a preveno dos crimes e, com a exactido de doutrina que um socialista integral poderia muitos anos depois subscrever, exclama: A propriedade exclusiva tem produzido em toda a parte a misna da classe mais numerosa do povo. Desta nasce a mendicidade que, roubando com uma mo para matar a fome, com a outra crava o punhal no seio dos ricos para sufocar os seus gritos. Eis aqui a origem do roubo e do assassnio^^ ( 2 ) . E, todavia, os trabalhos verdadeiramente cientficos da escola socialista remontam a 1837, data da publicao Fsica Social de Quetelet. Em 1861, a comisso encarregada de elaborar um projecto de Cdigo Penal Portugus apresenta-o precedido de um extenso ReIatrio, redigido por Levy Maria Jordo, sendo esse relatrio um verdadeira tratado de cincia penal, unnimemente elogiado no estrangeiro, e reputado como o repositrio das ideias mais adiantadas e das teorias penais mais aperfeioadas da poca. A se l: A pena deve importar-se unicamente com o criminoso, com o seu estado intelectual e moral, o qual (como o demonstrou o seu modo de proceder, o seu crime), sendo essencialmente doente e anormal, deve ser modificado tanto quanto possvel (para que no tenhamos de esperar dele outros crimes semelhantes), pela aplicao de todos os meios justos e adequados a este fim nico, isto , imediato da prpria penan. Perante o problema dos criminosos incorrigveis, uperdida toda a esperana de melhoramento^^, estatui Levy Jordo no seu Relatrio que os criminosos incurveis sejam internados em manicmios, como j era uso fazer-se na Inglaterra,(2) : e . 1830, pgs. 21 e seguintes 3 d,

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onde, a par dos hospitais comuns para alienados vulgares, havia hospcios especiais para os alienados criminosos ( 3 ) . At aqui notam-se apenas opinies espordicas e hesitantes sobre a natureza do criminoso. No se vai mais longe. As primeiras afirmaes decididas c, at certo ponto, precursoras do estudo fisiolgico e psicolgico do criminoso, entre n6s, provm de Ayres de Gouva, Bispo de Bethsaida, ditadas por um estudo to enrgico e original do problema prisional e da reforma das cadeias em Portugal que no lhe podemos encontrar predecessor algum. Tendo percorrido, em visita particular e a expensas suas, as principais cadeias da Europa (Inglaterra, Esccia, Frana, Sua, Blgica, Holanda, Prssia, ustria e Espanha), e tendo estudado com pormenor a vida dos presos, o seu tratamento e o seu trabalho, publicou em 1860 a Resenha das Principais Cadeias da Europa. Compai-andeas com as portuguesas, avaliou com amargura at que ponto estvamos atrasados nesse captulo, afirmando nesse depoimento, segundo as suas prprias palavras, ter encontrado nas nossas cadeias apenas injustia, imoralidade, imundcie, insulto e inferno. Erguendo, humanitrio, a bandeira de uma reforma urgente das nossas cadeias, considerou o regime prisiond anacrnico e o produto directo da ignorncia generalizada sobre a origem do crime. Ayres ,de Gouva acusa a sociedade pelo facto de o criminoso no ter sido, at essa altura, estudado : excludo desde logo da comunho social apenas o crime tem lugar, o seu autor atirava-se para o calabouo ; no mais havia a mnima ateno com ele; de l, saa apenas na ocasio de comparecer perante o tribunal, donde era levado para o degiedo ou para(3) Por isso daaparece na 2: ed. deste Relat6rio a (pena de morte. Na pg. 225 desta 2.' edio do Relatrio encontra-se um curioso mapa das execues capitais em Portugal desde 1833 at 1846, inclusive. De 1835 a 1836 no houve execues; de 1837 a 1846, em que se realizou a ltimo execuo, foram enforcados 33 reus e fuzilado um, o cibre Remexido, chefe de guerrilhas miguelistas, executado em 1836.

o patbulo. Sondar-lhe, dia a dia, os motivos que o compeliram para o delito, investigar-lhe a sua natureza individual, dar-se perfeita conta das circunstncias que o envolviam na sociedade, nunca se tinha feito nem em tal pensara. Por isso alirma : O delinquente sofre uma metamorfose impossvel, deixa socialmente o reino hominal e classificado no animal; no um homem, um tigre. A cincia fisiolgica ainda se no atreveu com as paredes hmidas, negras e infectas dos crceres. Nem a fisiologia se atreveu at agora a faz-lo, nem a sociedade lho permitiu ; o tmulo dos vivos vedado pelo carcereiro e sagrado pela lei (4). a 0 sangw no bebida da sociedade. A cadeia no redil, nem a praa pblica aougue. O delinquente um homem e como tal deve ser olhado, um enfermo e da a convidar-nos assistncia; ainda mais, um alienado, e por isso a obrigar-nos a compassiva solicitude>, ( 5 ) . A ideia, generalizada ao tempo, de que todo o crime de todo o indivduo provm de vontade esclarecida, conscienciosa, e calculado para fazer o mal pelo mal, e que essa vontade, na passagem da subjectividade passiva activa, idntica em todos os indivduos e em todos tem o mesma mbil, abertamente repudiada por Ayres de Gouva. Segundo ele, a origem do delito deveria procurar-se na natureza humana, no complexo dos seus elementos e na desarmonia deles. A desarmonia ou nasce com o indivduo ou uma aquisio posterior atravs do meio em que se vive. Um s6 facto, as vezes, a produz momentneamente. Mas a causa que a produz num, nem sempre a produz noutro e nunca a produz absolutamente idntica. O crime teria, assim, a sua base, num desiquilbrio moral e fsico, congnito ou adquirido. . crime no nasce nunca de vontade direcO tamente esclarecida: no pode nascer; dimana, exclusiva( 4 ) A Reforma das Cadeias ein Porru,qal, pg. 22. ( 5 ) Ob. cit., pg. 23.

mente e inclusivamente. da particular natureza complexa do criminoso, da desarmonia dela. O delito uma necessidade, o delinquente um enfermo. O crime para o criminoso como a virtude para O virtuoso, a ferocidade para o tigre, o veneno para a vbora, a poesia para o poeta - resultado da sua natureza (6). Como cria monstros fsicos, a natureza cria monstros morais, e fsicos e morais conjuntamente. O criminoso seria, para ele, um desses monstros. Mas como admite que o homem se transmuda na essncia e na forma, na fsico e no moral, e como no pode deixar de reconhecer-se ao criminoso direito as condies para o seu aperfeioamento, como homem, e para a sua cura, como enfermo, preconiza um bem calculado regime moral e fsico para o criminoso, baseado na fisiologia que prviamente o estude e na medicina e instruo moral que o recupere. E, num trilhar caminhos de sugestes, at ento virgens, ~reconizandoreformas com a f inquebrantvel de verdadeiro pioneiro, prope, como primeiro passo a dar para obteno duma justia imparcial, humana e esclarecida, a criao dum jri fisiolgico, ao lado do jri comum. A este competiria a apreciao da existncia e circunstncias do facto material, externo; mas, atendendo a que em todos os delitos h sempre influncia, mais ou menos sensvel, de um mbil fundado na prpria natureza particular do indivduo acusado que o jri comum no poderia aquilatar, ao jri fisiolgico, at onde o permitisse o estado da cincia de ento, competiria >. Nele se levantaram as vozes de juristas ilustres como Antnio Azevedo Castelo Branco, Gernimo Pimentel, Csrio Sarmento e outros, que hastearam igualmente os argumentos tirados da escola antropolgica propugnatldo o deteriniiiismo e negando a responsabilidade do delinquente a rirtualidade de ser a medida da punio.

As reformas legais que viriam depois, resolvendo o delicado problema da criminalidade dos loucos, inspirar-se-iam num profundo conhecimento, no s das recentes conquistas da patologia do esprito, mas das tendncias da escola penal positiva. As leis de 4 de Julho de 1889, de 3 de Abril de 1896 e de 17 de Agosto de 1899, conjugando-se e completandese, resolveram em todos os aspectos o momentoso problema, por uma forma sem precedentes nas legislaes de pases que at ento estvamos habituados a admirar e copiar. Em nenhuma delas, com efeito, melhor (deque na legislao portuguesa, foram ao mesmo tempo satisfeitas as reclamaes da psiquiatria e atendidas as exigncias da defesa social. A primeira autorizou a construo, em Lisboa, de um hospital de 600 doentes tendo enfermarias especiais para alienados criminosos de ambos os sexos; autorizou tambm a construo de pavilhes anexos as penitencirias para os condenados alienados ; a segunda regulou de um modo bastante perfeito a colocao e as sadas dos alienados criminosos e dos condenados loucos; finalmente, a lei de 17 de Agosto de 1899 subordinou inteiramente as opinies dos mdicos, sempre que se tratasse de avaliar o estado mental de um delinquente, o procedimento dos magistrados; de facto, estabelecendo, por um lado, que os exames feitos pelos Conselhos Mdico-legais no podiam ser invalidados nem os pareceres deles emanados e, por outro, que pai-a essa instncia podiam sempre interpor recurso de anteriores exames quer os interessados quer o Ministrio Pblico, essa lei fez cessar entre ns os conflitos a que atrs fizemos referncia e que foram moeda corrente nos tribunais portugueses. Entre os nomes dos maiores cultores da escola italiana no pode deixar de mencionar-se Bernardo Lucas. A corrente cativa-o logo no decorrer do seu curso de Direito e levou-o a apresentar uma dissertao de licenciatura, em 1887, intitulada A Loucura Perante a Lei Penal.

A se mostra adepto ferveroso do deteminismo e considera o critrio da defesa social como o nico em que deve alicerar-se a punio. A sua ocupao posterior, na advocacia, no lhe debilitou de modo algiim o interesse que estes problemas sempre lhes despertaram. A frente da sua revista, a Revista Jurdica, insere brilhantes artigos dedicados ao problema, de autores nacionais e estrangeiros. tambm curiosa a galeria de figuras criminais dessa Revista - de criminosos clebres do seu tempo e cujos crimes mais atenes mereciam no campo mdico-legal. A tese de Lombroso do tipo criminoso antropolgico admite-a Bemardo Lucas. Observara Tarde, sobre a identificaco do delinquente nato ao homem primitivo e ao selvagem, que em geral o delinquente de estatura grande, ao passo que o homem primitivo, o selvagem, pequeno. O erro do raciocnio, diz Bernardo Lucas, de comparar o esqueleto do delinquente com o de qualquer esqueleto pr&histrico; deve comparar-se o esqueleto do delinquente com os dois antigos representantes da raa de que ele descende, visto que a estatura do delinquente nato no superior a de todos os homens em geral, antes varia conforme varia tambm o tipo regional. E assim, se h raas de selvagens pequenas - os Hotentotes, os Bochimanos, os Esquims - tambm se tinham encontrado esqueletos fsseis de estatura elevada, como a raca Cro-Magnon, o homem de Menton, etc. (16). Lombroso aduziu a tatuagem em apoio do embotamento da sensibilidade do criminoso e do atavismo. No deixou Lombroso de lhe reconhecer outras causas, mas secundariamente: religio, esprito imitativo, a vingana, ociosidade,(161 Acerca de Portugal. falou o Sr. Nery Delgado no congrerso de Liiboa, em 1880, d a existncia, no nosso pais, durante a poca neoltica, de uma raa gigantesca ou pelo menos pouco comum. Peas encontradas na gruta d a Furninha, que aiias no so nicas, so muito maiores que peas de um asquele1.0 recente de um homemde graade al.tura, que lhe serviu de comparago (Leite de Varroncelos: Portugal Pr-Histrico).

vaidade, esprito de seita, necessidade de exprimir certas ideias, paixes amorosas, nudez (em 11 572 indivduos). Bernardo Lucas mostra-se, porm, neste aspecto, de accrdo com Lacassagne e explica a tatuagem principalmente pelo esprito de imitaco e pela camaradagem e ociosidade. Aduz como prova o facto de as tatuagens serem geralmente encontradas s em duas ou trs profisses e em indivduos mais ou menos ociosos. Tambm a gria dos delinquentes, que Lombroso chama em apoio da sua tese do atavismo (encontrando na onomatopeia e personificao das coisas abstractas as feiks culminantes que aproximam a gria dos criminosos dos dialectos selvagens), no atribui B. Lucas nada de caracterstico. que todas ou quase todas as profisses tm o seu calo; mesmo dentro de cada famlia usam-se uns tantos termos, exclusivamente. E os processos de formaco da gria entre os delinquentes so tambm os mesmos para a das pessoas de bem, nas suas respectivas profisses. Lombroso foi procurar, nos provrbios e dizeres populares, confirmaes de muitas das suas ideias, uma vez que a observao do povo, neles condensada, expressiva e segum, pela sua constncia e estreiteza de relaes entre observador e observado. Bernardo Lucas recolhe alguns entre os provrbios portugueses que visam o mesmo fim :

Peso e estatura:Coisa ruim no tem desvio

Leveza de esprito :Muito riso, pouco siso. Risinho pronto, miolo chocho.

Ideia de justia :O ruim cuida que indstria a maldade.

De mdico e de louco, cada um tem um pouco.

Delitos de ocasio :A ocasio faz o ladro. A quem m fama tem, no acompanhes nem digas bem. Quem com mal trata, sempre se lhe apega. Com tais me acho, tal me l a ~ o . Quem com o demo anda, com ele acaba. A ruim ovelha deita a perder o rebanho. Acreditando Bernardo Lucas na origem biolgica da criminalidade do criminoso nato, j se mostra porm bastante influenciado por Lacassagne e com entusiasmo que nos revela resultados curiosos a que chegou esse eminente criminologista, explicando um grande nmero de crimes e os seus mximos e mnimos por influncias cosmolgicas ou sociolgicas, tais Como o calor e o frio, a produo do vinho, as colheitas e as alteraces monetrias que as precedem ou acompanham, a forada hibernao em casa, a estadia longe da residncia durante a melhor poca do ano, as festas, tais como a do Carnaval e a do Ano Bom, a idade, as profisses, etc..

Sobre hereditariedade e reincidncia:Quem sai aos seus no degenera. Quem torto nasce tarde ou nunca se endireita. De bom madeiro, boa acha. De ruim nunca bom bocado. Nunca niim rvore deu bom fnito. To bom o demo como a sua me. O que o bero d, a tumba o leva. Cesteiro que faz um cesto faz um cento. O ladro, da agulha ao oiro e do oiro a forca. Ladrozinho de agulheta, depois sobe barjoleta.

Por isso, considera medida necessria de profilaxia da criminalidade o combate de tudo o que possa produzir graves irregularidades no modo de viver, como o Imo, a misria e o alcoolismo. Diverge ainda do ponto de vista de Lombroso quanto as medidas repressivas a tomar com o criminoso nato. Lombroso, baseando-se na sua ausncia completa de remorso, na ineficcia da nstruo pcrante os seus instintos perversos, partindo, em suma, da reconhecida incorrigibilidade dos delinquentes instintivos, preconiza a deteno perptua deles. Bernardo Lucas considera esta posio precipitada, pelo modo absoluto por que enunciada. que considera mesmo dentro da categoria dos criminosos natos uma escala graduada de cnminalidade instintiva, vivendo nela uns indivduos mais ou menos corrigveis e outros absolutamente rebeldes a modificao para melhorar, podendo assim ser grande a diferena de uns para outros. E, pois, a diviso dos delinquentes instintivos em corrigveis r incorrigveis o seu convencimento mais divergente e acentuado da opinio de Lombroso. Aos primeiros competiria cumprir a pena em penitencirias, devendo essa pena ser por tempo indeferminado. O tempo de sequestro deveria ser aumentado ou encurtado conforme as mudanas que se tivessem entretanto operado no delinquente detido, segundo o juzo de um grupo de pessoas que seguissem, pari PCLFSU,a evoluo do esprito doente do criminoso. Quanto as penas dos delinquentes natos incorrigveis de opinio que devem ser perptuas, mas nunca cumpridas em penitencirias, j que o isolamento demorado embrutece, atrofia e mata. Para eles admite o degredo perptuo. .Contra o degredo aduz-se que os degredados desmoralizam as colnias para onde so enviados, se elas esto adiantadas, e que so um obstculo ao adiantamento das mais atrasadas. No nos faz mossa a objeco, porque a boa aplicao da pena de degredo exige que os incorrigveis sejam enviados para regies semi-selvagens, cujo estado mental no

se distancie muito do dos delinquentes. Pois o crime no uma aflorescncia atvica e o criminoso idntico ao selvagem? Aqui, est o criminoso no seu meio, e, porque das sociedades civilizadas trouxe um certo peclio de conhecimentos, transmiti-los- aos indgenas, em cuja cvoluo i r i , deste modo, cooperando. No obsta, pois, ao desenvolvimento dos povos atrasados, nem estes aufeririam mais vantagens do ensino ministrado por indivduos no delinquentes, porque hoje reconhecido que a evoluo se faz gradual e vagarosamente, e que podem considerar-se inteis os esforos das misses religiosas que tm em vista dar aos selvagens uma educao para que no esto preparados.. At agora notou-se um predomnio quase absorvente da escola criminal antropolgica. O senso critico, poriin, no faltou aos criminologistas portugueses filiados naquela escola. Se muitos dos postulados da escola italiana foram admitidos sem discrepncia, outros foram [desde logo combatidos e contestados. Exemplo flagrante Francisco Ferraz de Macedo. Os seus trabalhos antropomtricos ilustraram inmeras publicaes estrangeiras e a sua principal obra foi vertida para o francs - .Crime e Criminelv - Essai synthtique d'observations anutomiques, physiologiques, pathologiques et physiques, sur des delinquants vivants e f morts. Tendo reprcscntado Portugal no Congresso de Antropologia Criminal reunido em Paris (1889), ali impugnou desde logo algumas das mais insistentes afirmaes de Lombroso. Os elementos, colheu-os Ferraz de Macedo no seu persistente e bastante completo estudo sobre anomalias cranianas, capacdades e soturas, verificadas em 1000 crnios portugueses contemporneos.

Graas a ele, ficou o povo portugus to bem estudado, antropolgicamente, como os restantes povos europeus ( 17). No aceita que os criminosos tenham caracteres anat6micos especiais. No Congresso de Paris contraditou expressamente que o criminoso tivesse a mandbula mais pesada e desenvolvida; e no citado complexo estudo sobre o crime e o criminoso, apresentado depois ao Congresso de Bruxelas (1892), disse terminantemente : .A mandbula dos criminosos considerada por todos os antropologistas, mesmo pelos mais ilustres e mais reservados, como sendo mais volumosa e pesada que a dos normais.. . Mas todas as mdias das medidas mais importantes, tomadas por mim at hoje, sobre centenas de indivduos contemporneos, so maiores do que as mdias dos assassinos tarnbem portuguesesn. Sobre a capacidade craniana, e ao contrrio de Lombroso, chegou s seguintes concluses : 1." - Os criminosos portugueses possuam geralmente uma capacidade craniana maior do que a dos normais ;2." - Era impossvel definir o tipo criminoso pela capacidade craniana, uma vez que essa elevao tinha, nos criminosos, como principal base, a corpulncia, que neles era, em regra, maior do que nos indivduos normais;

3." -AS variaes da capacidade craniana eram maiores nos ladres do que nos assassinos e maiores nuns e noutros do que nos normais ( 18). O progmtismo, to vivamente posto em foco por Lombroso, pareceu-lhe igualmente menos importante do que afirmava o chefe da escola italiana. Tendo verificado vrias e abundantes anomalias em cerca de mil crriios portugueses normais, criou a convico segura de que as encontradas nos dos delinquentes no se podiam dizer especficas da criminalidade nem definiam precisamente o atavismo. Do ponto de vista morfolgico, escreveu o Dr. Macedo, os assassinos nada apresentam que chame a ateno; as diferenas so quase nulas. Seis crnios de criminosos clebres portugueses, existentes no museu de anatomia da Escola Mdica de Ljqboa, foram particularmente estudados por Ferraz de Macedo. (Entre eles encontrava-se o do famoso ladro e assassino Diogo Alves). E, contra a opinio de Lombroso que considerava a simplicidade das soturas cranianas uma ndade dos deliquentes, verificou ser a complicao delas mais acentuada nesses seis exemplares do que em 494 crnios normais. Tambm, contra o parecer deste ilustre criminologista, verificou que as sinostoses nesses crnios eram tardias e no precoces.(18) Uma concepo do autor C a correlao geometrica que existe entre humano - o tronco e a cahea. os dois segmentos do A conformao d a cabea esta, na sua opinio, em [email protected] dirccta com a do tronco. A cabea grande ou pequena, dalicocefala ou braquicefala. scgundo a conformao do tronco. A parte volumtrica consenva tambm, entre a cabea e o tronco. reiaes determinadas de indivduo para indivduo, sem que as diienses dos membros em nad idluarn: a um pequeno tronco corresponde uma pequena cabeqa, a um grande tronco uma grande cabea, ainda que as pernas do primeiro scjam grandes, e pequenas as do segundo, o que pode dar a cada um deles uma estatura em desarmonia com o volume dos dois segmentos.

(17) Na sua obra - Bosquejos de Antropologia Criminnl - 1903, prw curando dcfinir o tipo normal ,portugu&sque pudesse servir de base rcmu delao da nossa legislao criminal, emite a opinio de que o povo portugus atravessava um pe"odo regressivo. A valentia, a sobriedade e a energia dos primitivos portugueses achar-se-iam j enfraquecidas pela mistura com outras raas. Caracterizada, ,por outro lado, por uma gensia violenta e proliferante. acompanhada de solicitaes alcolicas acidentais, tena chegado ao esgotamento dos rgos viscerais, torxicos, medulares e enceflicos. Essa decadencia explicaria, em parte, a sua criminalidade.

Um dos trabalhos mais curiosos de Ferraz de Macedo incidiu sobre os possveis efeitos da inexistncia de comissura cinzenta no terceiro ventrculo. Tendo-se debruado, em 1884, sobre 215 encefalos portugueses, notou que em cerca de 20% se verificava a ausncia daquela comissura; pois verificou depois, que esses encfalos anmalos tinham pertencido a indivduos estreis c caracterizados psicolgicamcntc pela versatilidadc de opinies. instabilidade de carcter. turbulncia ~ b l i c a domese tica, insolncia e grosseria, ingratido, irreflexo e desarmonia acciona1 com imprevidncia do agente. - De l'encvhaie h m i n avec et sans comissure gise;. Manouvrier e Sanson aplaudiram calorosamente este trabalho do ilustre criminologista portugus. Na senda dos nossos mais ilustres penitenciaristas, Antnio de Azevedo Castelo Branco deu igualmente um precioso contributo a criminologia portuguesa. O seu interesse natural e a longa pratica colhida na Penitenciria de Lisboa, de que foi durante muito tempo director, fizeram-no debruar sobre o delinquente e tirar ponderadas conclusr?essobre o momentoso problema da etiologia e represso criminais. O principal da sua doutrina encontra-se nos seus Estudos Penitencirios e Cdminais, publicados em 1888, e em mltiplos artigos publicados em revistas da especialidade de ento, a que ofereceu sempre a sua dedicada colaborao. Encarregado oficialmente, por portaria de 22 de Junho d e 1884,,de visitar as cadeias de Lovaina e Gand, na Blgica, a s cadeias da Holanda e a cadeia celular de Madrid, nessa visita colheu os ensinamentos indispensveis para modemizar o sistema penitencirio entre ns, que no poderia, ao tempo, supor-se no znite das instituies perfeitas. E num brilhante discurso proferido em 13 de Maro de 1888, percorrendo a gama dc medidas indispensveis para completar o nosso sistema penitencirio, prope que a d o p tem vrias providncias :

1) Que a pena correccional, ou a maneira de cumprir essa pena, se modifique de modo quc o trabalho scja um dos elementos de correco ;2 ) Que se estabelea o princpio da liberdade condicional aplicada em condies excepcionais, com excluso de reincidentes e dos indivduos considerados psicolgicamente de criminosos natos ;

3) Que se criem os estabelecimentos para loucos e epilpticos delinquentes e, por ltimo, que se promova a organizao de socieda+s protectoras dos indivduos postos em liberdade.O problema da assistncia ps-prisional mereceu-lhe especial interesse. A ideia era um tanto nova, entre ns. Em relao aos centros urbanos h a necessidade de quem humanitariamente se encarregue de promover a colocao de indivduos que saem das pnses, para que a fome no os arraste ao crime ou para que as ms companhias de antigos camaradas os no afastem do caminho do dever*. reputo essenciais e indispensveis essas associaes para obstar a reincidncia que no seja originria de uma organizao anormal do delinquente ou dos seus hbitos criminosos, mas um produto da misria. Essa posio encontraria apoio legal, mais tarde (19).

(19) No relatio que precede a carta de lei de 6 de Julho de 1893, pndera-se: