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163 PREVENÇÃO DE INCAPACIDADES EM HANSENÍASE: RELATO DE CASO Prevention of disability in leprosy: case report Josiane Oliveira De Conti 1 Stela Neme Daré de Almeida 2 Jorge Antônio de Almeida 3 CONTI, Josiane Oliveira De, ALMEIDA, Stela Neme Daré de e ALMEIDA, Jorge Antônio de. Prevenção de incapacidades em hanseníase: relato de caso. SALUSVITA, Bauru, v. 32, n. 2, p. 163- 174, 2013. RESUMO Introdução : a hanseníase é uma doença que afeta o ser humano como um todo. O Mycobacterium leprae (ML) é o responsável pelo desenvolvimento dessa doença dermatoneurológica crônica e por ser uma doença de evolução lenta, na maioria dos casos, pode gerar um alto grau de incapacidades e deformidades em indivíduos não tra- tados ou tratados inadequadamente devido a diagnósticos tardios, ocasionando limitações na vida social e laborativa. O homem é con- siderado a única fonte de infecção e de transmissão da hanseníase os nervos mais frequentemente acometidos são o ulnar, mediano, radial, tibial posterior e fibular. Com a evolução da hanseníase, dois outros fenômenos estão relacionados ao processo inflamatório inten- so provocado pelos bacilos acometem os nervos, prejudicando-os em Recebido em: 22/02/2013 Aceito em: 17/06/2013 1 Fisioterapeuta pela Universida- de Sagrado Coração; Cursando Especialização em Ortopedia e Traumatologia – USC- Bauru- -SP- Rua Irmã Arminda, 10-50, CEP: 17.011-160, Bauru-SP 2 Doutora em Ciências da Saúde – CCD-SES- São Paulo-S.P. Do- cente do Curso de Fisioterapia da Universidade Sagrado Cora- ção. Rua Irmã Arminda, 10-50, CEP: 17.011-160, Bauru-SP 3 Doutor em Anatomia Humana pelo Instituto de Biociências da UNESP- Botucatu – S.P. Docen- te do Curso de Fisioterapia da Universidade Sagrado Coração. Rua Irmã Arminda, 10-50, CEP: 17.011-160, Bauru-SP

Prevenção de incaPacidades em hanseníase: relato de caso · uma doença de evolução lenta, na maioria dos casos, pode gerar um alto grau de incapacidades e deformidades em indivíduos

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Preveno de incaPacidades em hansenase: relato de caso

Prevention of disability in leprosy: case report

Josiane Oliveira De Conti1

Stela Neme Dar de Almeida2

Jorge Antnio de Almeida3

CONTI, Josiane Oliveira De, ALMEIDA, Stela Neme Dar de e ALMEIDA, Jorge Antnio de. Preveno de incapacidades em hansenase: relato de caso. SALUSVITA, Bauru, v. 32, n. 2, p. 163-174, 2013.

resUmo

Introduo: a hansenase uma doena que afeta o ser humano como um todo. O Mycobacterium leprae (ML) o responsvel pelo desenvolvimento dessa doena dermatoneurolgica crnica e por ser uma doena de evoluo lenta, na maioria dos casos, pode gerar um alto grau de incapacidades e deformidades em indivduos no tra-tados ou tratados inadequadamente devido a diagnsticos tardios, ocasionando limitaes na vida social e laborativa. O homem con-siderado a nica fonte de infeco e de transmisso da hansenase os nervos mais frequentemente acometidos so o ulnar, mediano, radial, tibial posterior e fibular. Com a evoluo da hansenase, dois outros fenmenos esto relacionados ao processo inflamatrio inten-so provocado pelos bacilos acometem os nervos, prejudicando-os em Recebido em: 22/02/2013

Aceito em: 17/06/2013

1Fisioterapeuta pela Universida-de Sagrado Corao; Cursando Especializao em Ortopedia e

Traumatologia USC- Bauru--SP- Rua Irm Arminda, 10-50,

CEP: 17.011-160, Bauru-SP2Doutora em Cincias da Sade CCD-SES- So Paulo-S.P. Do-cente do Curso de Fisioterapia

da Universidade Sagrado Cora-o. Rua Irm Arminda, 10-50,

CEP: 17.011-160, Bauru-SP3Doutor em Anatomia Humana pelo Instituto de Biocincias da UNESP- Botucatu S.P. Docen-

te do Curso de Fisioterapia da Universidade Sagrado Corao. Rua Irm Arminda, 10-50, CEP:

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graus variados: as neurites e as reaes. Para prevenir incapacidades em hansenase so necessrias medidas que visem manuteno f-sica, emocional e socioeconmica do indivduo e que evitem compli-caes nos casos onde os danos j esto presentes. Objetivo: este es-tudo tem como objetivo descrever um caso clnico e focar nas ques-tes de avaliao de fora muscular e sensibilidade (monitorao da funo neural), diagnstico e preveno de incapacidades, mesmo quando j existem sequelas instaladas, visando evitar as complica-es e melhorar a qualidade de vida do paciente nestas condies. Resultados e discusso: Como descrito na literatura consultada, a maior frequncia de leses ocorre em ps, seguida das leses em mos. Geralmente os nervos afetados so mistos, isto , possuem fi-bras sensitivas, motoras e autonmicas. As alteraes acontecem em todos esses aspectos, e foram observadas no paciente deste estudo, comprovando a necessidade da interveno fisioteraputica. Consi-deraes finais: Pde-se observar a necessidade de uma avaliao fisioteraputica ampla, que considere o indivduo como um todo, para se traar os objetivos e condutas adequados de acordo com as particularidades existentes.

Palavras-chave: Hansenase. Incapacidades. Preveno.

aBstract

Introduction: leprosy is a disease that affects the human being as a whole. Mycobacterium leprae (ML) is responsible for the development of this disease thedermatological-neurological chronic disease to be a slow evolution, in most cases, can generate a high degree of disability and deformity in untreated or inadequately treated because of late diagnosis, causing limitations in social life and labors. The man is considered the only source of infection and transmission of leprosy nerves most often affected are the ulnar, median, radial, posterior tibial and fibular. With the evolution of leprosy, two other phenomena are related to the intense inflammation caused by bacilli affect the nerves, damaging them in varying degrees: neuritis and reactions. To prevent disability in leprosy are necessary measures to maintain the physical, emotional and socio-economic of the individual and to avoid complications in cases where the damage is already present. Objective: this study aims to describe a clinical case and focus on issues of assessment of muscle strength and sensitivity (monitoring of nerve function), diagnosis and prevention of disabilities, even when there are sequels already installed in order

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to avoid complications and improve quality of life the patient in this condition. Results and discussion: as described in the literature, the highest frequency of injuries occur in feet, followed by lesions on the hand. Usually the affected nerves are mixed, ie they have sensory fibers, motor and autonomic. Changes occur in all these respects, and were observed in this study patient, demonstrating the need for physiotherapy intervention. Conclusion: it might be noted the need for a comprehensive physical therapy evaluation, which considers the individual as a whole, to outline the objectives and conduct appropriate according to the specific ones.

Keywords: Leprosy. Disabilities. Prevention.

introdUo

A hansenase uma doena que afeta o ser humano como um todo. O mycobacterium leprae (ML) o responsvel pelo desenvolvimento dessa doena dermatoneurolgica crnica (SAMPAIO et al, 1989).

Atualmente ainda apresenta-se como um problema de sade p-blica no Brasil, e a taxa de deteco para 2011 revelava valor de 15,88 por 1000.000 e 1, 24 por 10.000 para a taxa de prevalncia (BRASIL, 2012). Devido as dificuldades em encontrar profissionais habilitados em seu diagnstico (AMADOR et al, 2001) e por ser uma doena de evoluo lenta, na maioria dos casos, pode gerar um alto grau de incapacidades e deformidades em indivduos no tratados ou trata-dos inadequadamente devido a diagnsticos tardios (CUNHA et al,2005), ocasionando limitaes na vida social e laborativa.

Segundo Duerksen (1997), os nervos mais frequentemente aco-metidos so o facial, ulnar, radial, mediano, fibular e tibial posterior.

Para prevenir incapacidades em hansenase so necessrias me-didas que visem a manuteno fsica, emocional e socioeconmica do indivduo e que evitem complicaes nos casos onde os danos j esto presentes (BRASIL, 2002).

materiais e mtodos

O presente estudo trata-se de um relato de caso clnico, realizado na Universidade Sagrado Corao (USC), Bauru-SP, de maio a ou-tubro de 2011.

Participou do estudo um voluntrio de 53 anos, sexo masculino, tratado e curado da hansenase, forma clnica Virchoviana, h apro-ximadamente 20 anos.

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CONTI, Josiane Oliveira De, ALMEIDA, Stela Neme Dar de e ALMEIDA, Jorge Antnio de. Preveno de incapacidades em hansenase: relato de caso. SALUSVITA, Bauru, v. 32, n. 2, p. 163-174, 2013.

A pesquisa, do tipo exploratria, coletou dados e a histria clnica do paciente atravs de seu relato pessoal, e foi submetida e aprovada pelo Comit de tica e Pesquisa da USC, sob o n 200/11.

A avaliao constou dos seguintes itens: dados pessoais, anamne-se, observao e exame fsico, alm da avaliao neurolgica, atra-vs da inspeo da pele e anexos, palpao dos nervos, teste de fora muscular e teste de sensibilidade. Para anlise dos dados buscou-se avaliar quantitativamente a fora muscular e sensibilidade (monito-rao da funo neural), das mos e ps.

A avaliao da fora muscular foi feita manualmente, a partir da palpao da unidade msculo tendinosa durante o movimento na sua amplitude articular mxima (BACARELLI, 1997; LEHMAN et al., 1997 ).

Na avaliao da sensibilidade, foram utilizados os monofilamen-tos de Semmes-Weinstein (SORRI - Bauru) nos territrios especfi-cos dos troncos nervosos das mos e ps, recomendado para o pro-grama de controle da hansenase (BRASIL, 2002). So em nmero de seis e variam de 0,05 a 300 gramas.

Tambm foi utilizada na avaliao fisioteraputica uma cmera fotogrfica, modelo Cyber Shot, marca: Sony, para capturar fotos e vdeos para melhor descrever os movimentos realizados e as medi-das teraputicas propostas.

A classificao das incapacidades encontradas durante a avalia-o fsica foi realizada com base no sistema de registro preconizado pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2008).

resUltados e discUsso

Apresentao do caso: Paciente J.L.C., com 53 anos, do sexo masculino e cor branca. Teve diagnstico clnico de hansenase Virchoviana.

O diagnstico fisioteraputico revela hipoestesia nos membros superiores e inferiores; algia em membro inferior direito (fisgadas- sic.); fraqueza muscular de 1 intersseos dorsais, abdutores dos 5 dedos, extensor longo do polegar do membro superior esquerdo, fle-xor profundo dos 4/5 dedos membro superior esquerdo, lumbricais e intersseos de 2 ao 5 dedos; paresia dos extensores dos dedos e do hlux do MI direito, paralisia do abdutor do hlux de ambos os ps.

A queixa principal do paciente era: O p direito que di frequen-temente - fisga (sic) e no sara

Histria da Molstia Atual: tabagista h 40 anos, casado, aposen-tado por invalidez. Cncer de rim (nefrectomia radical esquerda),

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de fgado e pulmo (em tratamento). Realiza o controle das lceras com cuidados de enfermagem e o uso de calados feitos sob medida.

Histria da Molstia Pregressa: no ano de 1990, procurou aju-da em um posto de sade de sua cidade, pois sentia fortes dores na perna direita. Paciente relata que foi encaminhado para uma cidade vizinha e l ficou internado por trs dias tratando a dor na perna com prednisona. Cessado o uso do medicamento as dores retornavam, foi ento que o mdico o encaminhou para Botucatu (sic), onde fizeram uma bipsia e foi constatado o diagnstico de hansenase virchoviana.

Ento o paciente foi encaminhado a um servio especializado (Instituto Lauro de Souza Lima, Bauru) para iniciar o tratamento medicamentoso com a poliquimioterapia recomendada pela Organi-zao Mundial da Sade1 e tratar as reaes com corticides.

Aps certo perodo em tratamento medicamentoso, fisioterapu-tico e de cuidados de enfermagem com uma lcera plantar (esta foi relatada pelo paciente com inicio anterior a sua procura ao primei-ro servio de sade; o mesmo diz ter pisado num prego e percebi-do aps algum tempo, houve cicatrizao e a formao de um calo, que progrediu para a lcera), o paciente obteve alta e foi orientado, segundo ele, para fazer repouso e usar calados feitos sob medida, fornecidos pela instituio.

Apesar disso, o paciente no se adaptou a esttica do calado e, por ainda ser jovem na poca, com filhos pequenos, trabalhava como pedreiro para ajudar nas despesas de casa. O resultado foram inme-ras recidivas de infeces e lceras que se tornavam cada vez piores.

O paciente relatou ainda ter sido internado outras duas ou trs vezes para tratar as reaes hansnicas.

Os cuidados deveriam ser constantes e, aps a aposentadoria, co-meou a repousar mais. Segundo o relato do paciente, nos perodos que ele fazia o repouso e usava o calado adequado, o p estabiliza-va. Porm estes repousos no passavam de dois meses e o p nova-mente ulcerava.

Foi encaminhado a uma cirurgia para raspagem de infeco (des-bridamento) e retirado de ossos do p direito no ano de 2007.

Histrico Familiar: Pai hansenase e CA de esfago e estmago. Me - hansenase e infarto agudo do miocrdio. Irm hansenase. Tios paternos com hansenase. O paciente relata no saber os tipos de hansenase que seus familiares tiveram, sendo apenas a me e a irm tratadas; o pai recusava qualquer tipo de tratamento.

1 Compem de dapsona, rifampicina e clofazimina. o esquema teraputica oficial adotado pelo Ministrio da Sade para o tratamento da hansenase multibacilar.

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A hansenase virchoviana ocorre o organismo do indivduo no oferece resistncia ao ser infectado pelo Mycobacterium leprae.Acomete, alm da pele e nervos, articulaes, ossos, cartilagens (nariz, orelhas e laringe), como tambm rgos como fgado, bao, gnglios, testculos e olhos. H alto risco de incapacidades e defor-midades, principalmente por ser de evoluo lenta e/ou se houver diagnstico retardado (DUERKSEN, 1997; OPROMOLLA, 2000).

A maior frequncia de leses, segundo Carvalho et al. (2000), ocorre em ps, seguida das leses em mos, sendo que a menor evi-dncia destas leses pode ser justificada pelo maior autocuidado e percepo mais precoce dos problemas incapacitantes, o que no acontece com os ps, que sofrem mais os impactos na deambulao e agravam seu estado pelo ortostatismo bipodal, em uma estrutura de sustentao em desorganizao sensitiva e motora.

Os autores acima ainda acrescentam que, os profissionais, na maioria das vezes, esto mais preocupados com as deformidades vi-sveis e j estabelecidas, e se esquecem de voltar as atenes tambm para a preveno de novas deformidades, principalmente quando es-tas j podem ser previstas por exames confiveis.

Geralmente os nervos afetados so mistos, isto , possuem fibras sensitivas, motoras e autonmicas e as alteraes acontecem em to-dos esses aspectos. De acordo com o Ministrio da Sade (BRASIL, 2008), as possveis alteraes ocorrem da maneira como esto des-critas abaixo:

Nervo ulnar - mais acometido na goteira epitrcleo-olecraniana, no cotovelo; a leso do nervo ulnar provoca a paresia e/ou paralisia da musculatura intrnseca (intersseos, lumbricais e outros) da mo, que leva hiperextenso das articulaes metacarpo-falangeanas do segundo ao quinto dedos, com flexo das interfalangeanas. Na le-so inicial, a garra se apresenta nos quarto e quinto dedos; na leso avanada, atingem tambm os segundo e terceiro dedos. O esgota-mento do poder de trao dos tendes extensores, no nvel dessas articulaes, impede que as articulaes mais distais se estendam, ocasionando a garra ulnar.

O paciente deste estudo, em acordo com o que referido em lite-ratura, apresenta uma garra de 5 dedo no membro superior direito, que segundo informaes colhidas, foi provocada por um corte com linha de pesca.

Segundo o Ministrio da Sade (BRASIL, 2008), o sinal de Froment tambm tpico das leses do nervo ulnar e se caracteri-za por uma instabilidade da pina do polegar com o segundo dedo. Ao realizar o movimento de pina contra resistncia, a falange distal do polegar entra em flexo acentuada. Isso ocorre porque o msculo adutor do polegar e parte do msculo flexor curto so

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inervados pelo nervo ulnar; este sinal foi encontrado no paciente em questo (Figura 1).

Figura 1 Sinal de Froment +

Outro sinal de acometimento do nervo ulnar a atrofia do primei-ro espao intersseo. Os demais espaos, com a evoluo da doena, tambm podem atrofiar, correspondendo a uma diminuio da fora muscular que leva reduo no volume das fibras dos msculos in-tersseos dorsais (Figura 2).

Figura 2 Atrofia do 1 espao intersseo do m embro s uperior d ireito

J na regio hipotenar, isto , na borda ulnar da mo, ocorre perda funcional dos msculos abdutor do quinto dedo, oponente do quinto dedo e flexor curto do quinto dedo, podendo chegar paralisia e atrofia muscular, levando a um achatamento dessa regio (Figura 3).

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Figura 3 Hipotrofia da regio hipotenar do membro superior direito.

Nervo fibular comum - pode ser comprometido em seus ramos profundo e superficial, em geral, na altura do joelho. Quando s o ramo profundo est alterado, pode-se observar dficits nos msculos tibial anterior, extensor longo do hlux e extensor longo dos dedos, reduzindo ou impedindo a dorsiflexo do p e a extenso dos dedos. A retrao do tendo calcneo limita mecanicamente a dorsiflexo e, aos poucos, posiciona o p em flexo plantar at a rigidez do tor-nozelo nesta posio, denominado p equino.

Se o comprometimento afeta tambm o ramo superficial, apare-cem dficits motores nos msculos fibulares longo e curto respons-veis pela everso do p; existindo este comprometimento, ocorrem retraes nas estruturas mediais do tornozelo, com predomnio da ao dos inversores, principalmente o msculo tibial posterior. O p em inverso pode tornar-se rgido, em varo.

Quando a leso atinge os dois ramos, ocorrem deformidades como equino-varo mvel, que pode chegar a ser rgido, aumentando a presso na borda lateral e no quinto metatarsiano.

O paciente avaliado apresenta paresia dos msculos: extensor curto do hlux e extensor curto dos artelhos (grau 2), o que justifica intervenes cinesioteraputicas.

Nervo tibial (tibial posterior) - com frequncia acometido na regio retromaleolar medial ainda como tronco, ou nos seus ramos plantar lateral e plantar medial. A leso deste nervo leva ao compro-metimento de toda a musculatura intrnseca do p, como os ms-culos lumbricais e intersseos, que exercem papel fundamental na ao sinrgica entre os msculos flexores e extensores dos dedos. A postura em garra adquirida em graus distintos, conforme as perdas motoras.

As garras caracterizam-se pela extenso discreta, at a hipe-rextenso das articulaes metatarso-falangeanas e flexo das arti-culaes interfalangeanas proximais e distais. Quando so iniciais,

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denominam-se garras mveis, que, com o passar do tempo, sem a execuo das amplitudes de movimentos completos, podem evoluir para garras rgidas.

Na avaliao do paciente estudado, embora tenha paralisia da musculatura intrnseca do p direito, no foram detectadas garras dos artelhos, pois, como j dito anteriormente o extensor curto do hlux e comum dos artelhos encontram-se particos (Figura 4).

Figura 4 (a) Vista anterior: edema localizado em tornozelo e p do MI direito, hiperemia e regies mais escurecidas. (b) Vista posterior: diminuio da pilosi-

dade e do trofismo de MI direito.

As leses ou comprometimentos dos nervos fibular comum e tibial acarretam perdas sensitivas em todo o p (ALMEIDA, AL-MEIDA e MAGALHES, 2003). A mais grave a da regio plan-tar, pois esta regio recebe todas as foras resultantes do peso cor-poral, tanto na postura esttica quanto na dinmica. Os reflexos de acomodao tambm se alteram e o p fica mais sujeito a traumas (BRASIL, 2008).

Com relao s alteraes autonmicas, a ruptura do arco reflexo vascular leva a uma anoxia tecidual relativa, pois a circulao no se acomoda s necessidades de momento dos tecidos. A anidrose decorrente da disfuno das glndulas sudorparas torna a planta do p seca, e sua camada crnea, dura e espessa, gerando as rachadu-ras plantares ou fissuras que so frequentemente portas de entrada de agentes infecciosos. Esta deshidrose foi detectada em ambos os MMII e MMSS (BRASIL, 2008).

Os calos so espessamentos da queratina (hiperqueratose), em resposta frico e s tenses existentes nas reas que suportam essas presses. Quando pouco espessos e pouco localizados so at protetores, mas quando sua espessura torna-se grande e localizada, associada a uma diminuio ou perda da sensibilidade, so perigosos fatores predisponentes de lcera plantar (BRASIL, 2008).

a) b)

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A lcera pode ser dividida em vrios graus de acordo com o com-prometimento dos tecidos, desde uma leso mais superficial at le-ses mais profundas, com comprometimento de articulao, tendes e ossos, levando muitas vezes osteomielite, com posterior necrose e perda de segmentos sseos. So estas leses mais graves que levam a deformidades e alteraes da formado p e que acometeram o pa-ciente em estudo (figura 5).

Figura 5 Vista plantar do membro inferior direito: ulceraes na regio do 1 ao 3 metatarsianos. Reabsores sseas do hlux, 3 e 4 dedos; 2 artelho

em martelo.

Para ser eficaz, o tratamento fisioteraputico deve basear-se em uma avaliao sistemtica, ampla, que contemple o indivduo como um todo, procurando conhecer um pouco mais sobre sua realidade. Alm disso, de suma importncia a educao em sade, como base para a aderncia aos tratamentos propostos (ALMEIDA e ALMEI-DA, 1997; BRASIL, 2008).

consideraes Finais

O tratamento do paciente com hansenase imprescindvel, prin-cipalmente se o mesmo possui sequelas instaladas. A conscientiza-o da importncia sobre a realizao dos tratamentos propostos e a realizao de auto-cuidados tambm deve partir do fisioterapeuta, como membro da equipe de sade.

As alteraes provenientes da hansenase, alm de estigmati-zantes, interferem diretamente na estabilidade emocional, social e produtiva do indivduo. Desta maneira, todas as aes de preveno e tratamento das incapacidades e das deformidades so essenciais para que o paciente consiga melhorar sua qualidade de vida.

Atravs deste estudo, pde-se observar a necessidade de uma ava-liao fisioteraputica ampla, que considere o indivduo como um

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todo, para se traar os objetivos e condutas adequados de acordo com as particularidades existentes.

Cada ser humano nico e mltiplo em suas especificidades. (autor desconhecido)

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