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Estudos de Psicologia 2000, 5(1), 215-241 Psicanálise e Universidade: das relações entre a Psicologia Clínica e a Psicanálise na França Fernando Aguiar Universidade Federal de Santa Catarina Palavras- chave: Psicologia Clínica, Psicanálise, universidade. Resumo Este artigo constitui uma primeira apresentação da pesquisa que realizamos sobre as relações, “conflituosas, mas não de- moníacas”, entre a Psicologia Clínica e a Psicanálise na Fran- ça. Resultado parcial e introdutório portanto, com este artigo pretendemos justificar o exame do tema, através de uma visão panorâmica e histórica, e apresentar a metodologia da pesqui- sa. Esta pesquisa, por sua vez, insere-se no quadro de um projeto mais amplo que busca examinar, crítica e historica- mente, o ensino e a pesquisa da Psicanálise na Universidade. Key words: clinical psychology, psychoanalysis, university Abstract Psychoanalysis and university: On the relationships between clinical psychology and psychoanalysis in France This article constitutes a first presentation of our research on “conflicted, but not demoniac” relationships between clinical psychology and psychoanalysis in France. This is a partial and introductory outcome therefore. With this article we intend to justify the examination of the theme, through a panoramic and historical vision, and to present the methodology of this research. This article is committed to the broader project engaging an ongoing critical and historical examination on research and education psychoanalysis at university institution.

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215Psicanálise e universidadeEstudos de Psicologia 2000, 5(1), 215-241

Psicanálise e Universidade: dasrelações entre a Psicologia Clínica e

a Psicanálise na França

Fernando AguiarUniversidade Federal de Santa Catarina

Palavras-chave:PsicologiaClínica,Psicanálise,universidade.

ResumoEste artigo constitui uma primeira apresentação da pesquisaque realizamos sobre as relações, “conflituosas, mas não de-moníacas”, entre a Psicologia Clínica e a Psicanálise na Fran-ça. Resultado parcial e introdutório portanto, com este artigopretendemos justificar o exame do tema, através de uma visãopanorâmica e histórica, e apresentar a metodologia da pesqui-sa. Esta pesquisa, por sua vez, insere-se no quadro de umprojeto mais amplo que busca examinar, crítica e historica-mente, o ensino e a pesquisa da Psicanálise na Universidade.

Key words:clinical

psychology,psychoanalysis,

university

AbstractPsychoanalysis and university: On the relationships betweenclinical psychology and psychoanalysis in FranceThis article constitutes a first presentation of our research on“conflicted, but not demoniac” relationships between clinicalpsychology and psychoanalysis in France. This is a partialand introductory outcome therefore. With this article weintend to justify the examination of the theme, through apanoramic and historical vision, and to present themethodology of this research. This article is committed to thebroader project engaging an ongoing critical and historicalexamination on research and education psychoanalysis atuniversity institution.

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… ne vous attendez pas maintenant à entendre la bonnenouvelle que le combat pour la psychanalyse est arrivé à sonterme et s’est terminé par sa reconnaissance comme science,par son admission comme matière d’enseignement àl’université (Freud, Nouvelle suite des leçons d’introductionà la psychanalyse, 1933/1996)

Este é um relato da constituição, desenvolvimento e coleta dosprimeiros dados de uma pesquisa cujo tema, em sua generalidade, é anunciado já no título. Em particular, retomamos e con-

frontamos autores que, inscrevendo-se na tradição de língua francesasobre psicologia clínica e psicanálise, testemunharam e refletiram so-bre esta conjunção, ocorrida na universidade (Paris VII) a partir de1949, e alvo, nos anos sessenta, de discussões que ainda se prolon-gam. Chamou-nos atenção a rala bibliografia específica a respeito, emsua maioria composta de artigos condenados ao ostracismo das es-tantes de bibliotecas, inclusive porque nunca utilizados pelos autorescomo anúncio (ou prenúncio) de vôos mais altos.

Como veremos adiante, enquanto historiadora da psicanálise fran-cesa, Roudinesco (1986) deu atenção especial ao tema, e alguns des-ses artigos foram mesmo por ela revisitados. Mas, integrando, aindaque decisivamente, obra extensa e abrangente, seu interesse para oleitor não-advertido tende a se relativizar. De certo, a experiência fran-cesa, que evidenciou como nenhuma outra os impasses dessas rela-ções “conflituosas, mas não demoníacas” (Gagey, Gory & Miolan,1983, p. 310), deve interessar sobretudo aos que na universidade es-tão implicados com ensino e pesquisa em psicanálise; e que pensamque a provável ilusão do voto de Freud na epígrafe acima foi-lhe vitale fecunda: uma “miragem científica” (Castoriadis, 1978, p. 29) queresultou “numa disciplina em si, cujos valores de verdade lhe sãopróprios, um instrumento de exploração e de conhecimento original…”(Atlan, 1986, p. 207), inventada e construída fora da academia. NaFrança, durante anos a integração da psicanálise à universidade ocor-reu - na esteira da luta dos psicólogos por autonomia científica eexercício profissional independente - como suporte teórico e metodoló-gico para a psicologia clínica. A partir de 1968, com Lacan e com a

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reformulação da universidade francesa, criou-se um Departamento dePsicanálise em Paris VIII.

Entre nós é um fato que os psicanalistas - acompanhando deperto a estruturação da Pós-Graduação no Brasil, que possibilitou apartir dos anos oitenta a crescente expansão da psicanálise na univer-sidade (Mezan, 1999) - cada vez mais têm se interessado em ali ocuparum lugar, o que constitui “um campo de experimentação novo e pro-blemático” (Fleig, 1998, p. 29). Mas talvez seja arriscado dizer que (emtodos os lugares, e até mesmo nos grandes centros) isso não se façamais “de forma velada e travestida em psicologia clínica ou outradenominação adocicada” (p. 29) - como se a “boa notícia” de que falaFreud tivesse enfim se realizado. A experiência (institucional) deVincennes-Paris VIII não se multiplicou em nosso país; de modo quea implementação de seu modelo, não importa onde isso ocorreu nauniversidade brasileira, deu-se notadamente nos Departamentos dePsicologia (Roudinesco & Plon, 1997, p. 149), e sobretudo pela via dapsicologia clínica. Nesse sentido, considerando a situação atual, aexperiência singular de Paris VII aparece-nos como paradigma dosimpasses e questões, sobretudo institucionais, que giram em torno doensino psicanalítico universitário.

Da construção de um tema de pesquisa

O termo “psicologia clínica” teria sido empregado uma primeiravez, em 1896, pelo psicólogo americano Witmer, ao fundar na universi-dade de Pensilvânea, e depois de se formar com Wundt na Alemanha,uma psychological clinic. Na França, entre 1897 1901, Hartemberg eValentin (sucessores da École de Nancy) publicam uma Revue dePsychologie Clinique et Thérapeutique, quando a expressão era em-pregada correntemente por Janet (Salpêtrière).

Pode ser que Freud, atento a tudo que aparece na França, possater conhecido, como infere Prévost (1988), este periódico. Em carta aFliess de 30 de janeiro de 1899, de fato escreve o fundador da psicanáli-se: “Percebo as relações com o conflito, com a vida, tudo isso que eugostaria de chamar de psicologia clínica” (Freud, 1956, p. 248). Teriasido a única vez a utilizar o termo, respondem Roudinesco e Plon(1997). Repousando sobre uma clínica, o método psicanalítico busca

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interpretar os sintomas através de uma escuta do inconsciente e nãoatravés da observação direta do paciente: “considerando a via abertapela “A interpretação dos sonhos”, a noção não podia assim encon-trar seu lugar no vocabulário freudiano” (p. 835). De sua parte, Prévost(1988) entende que ao utilizar o termo Fruem “não o inventa, ele res-ponde a uma idéia que vai dormir durante vinte e cinco anos” (pp. 29-30).

Na França, pelo menos, a noção cairá em desuso até 1949, quandoLagache, com seu programa de integração da psicanálise à psicologia,imprime-lhe vigor particular. A partir dos anos 1960 a noção conheceum novo impulso “com o desenvolvimento da psicanálise de massa ea generalização dos estudos de psicologia” (Roudinesco & Plon, 1997,p. 835).

Em 1988, Prévost publica “La psychologie clinique”. Era já o volu-me nº 2423 da coleção “Que sais-je?”. Como que justificando a estra-nheza de aparecimento tão tardio, o autor, psicólogo clínico que não épsicanalista, ressalta a dificuldade da coleção (como se sabe, destina-da a leigos e iniciantes) “de acolher um campo de graves querelas oude imprimir um discurso em que cada linha seria ressentida como pro-vocante por alguns” (p. 5). Segundo o autor, a psicologia clínica (“seela nasceu na França”) conheceu ali todo o tempo uma existênciapermeada pelo conflito: com a medicina de um lado, com a psicologiaexperimental de outro, ela acreditou encontrar sua salvação aproxi-mando-se da psicanálise e oferecendo-lhe em troca um “álibi universi-tário”. Nessa condição, teria sofrido um forte abalo em seguida aosconflitos que sacudiram a psicanálise francesa de 1963 a 1981 —-queele credita, entre outras razões, “à presença de J. Lacan e dosLacanianos”. Formulada já no avant-propos, cujo primeiro ítem cha-ma-se justamente “Psychologie clinique et psychanalyse”, a críticamanifesta um ponto de vista, o do psicólogo clínico :

A possibilidade de que, nesse setor, o termo psicologia fosse utilizadode outra forma que não essencialmente administrativa implicava que,ao discutir pouco o emprego do adjetivo clínico - ou seja, qualificandométodo, abordagem e procedimento -, a psicologia clínica, como disci-plina científica “substancial”, fazia rir alguns e a outros corar de ver-gonha (p. 5).

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Prévost, em 1988, não acha a problemática vã, e afirma que perma-necia difícil a questão das relações entre psicologia clínica e psicaná-lise na França. As soluções propostas, que ele não enumera, pareci-am-lhe polêmicas ou pessoais.

Ora, indo além de Prévost, o professor belga Huber (membro fun-dador da École Belge de Psychanalyse e membro da Society forPsychotherapy Research, da Society for the Exploration ofPsychotherapy Integration e da Association pour l’Étude, laModification et Thérapie du Comportament), em seu mais recentemanual de psicologia clínica, publicado em 1993, não hesita em expri-mir o desejo de que “a psicologia clínica francesa liberte-se de suafixação na psicanálise, abandone suas querelas locais e retome o diá-logo com a comunidade científica internacional” (Huber, 1993, p. 11).Os propósitos de sua exortação, sendo de franco repúdio à psicanáli-se (e não apenas aos “lacanianos”, como nomeia Prévost), não deve-riam nos fazer corar, mas talvez fosse arriscado rir. Sobre Prévost,Huber destaca a condição de philosophe clinicien français e profes-sor na Universidade Paris VII — que ele chama de o “berço de umapsicologia clínica institucionalizada”.

Minimamente “orientados”, resgatamos da Nouvelle Revue dePsychanalyse1 um artigo de Anzieu — “La psychanalyse au servicede la psychologie”, publicado em 1979 — que definiu o tema e orien-tou o curso desta pesquisa. Também professor na Universidade ParisVII, como Prévost, Anzieu, na luta que se travou na França pelainstitucionalização da profissão de psicólogo, fez parte, segundo elepróprio, do grupo chamado de “psicólogos psicanalistas”: normaliense/ou agrégés de philosophie, eram eles igualmente diplomados empsicologia. Como tal, serão grandes adversários dos médicos na lutapor uma psicanálise “leiga” e criticarão mais tarde a idéia (lacaniana)de que a psicanálise não é uma psicologia. Pertencentes, como a mai-oria dos psicanalistas, à associações psicanalíticas diversas, ao mes-mo tempo que professores de Departamentos de Psicologia da Uni-versidade, encontram-se neste lugar, como quer Guillaumin (1990),“que confronta e obriga a cruzar duas funções substancialmente dife-rentes em seus princípios” (p. 1193).

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Aliás, Guillaumin, também professor na Universidade Paris VII —e que escreverá em 1990, na Revue Française de Psychanalyse, este“Altération culturelle de la pensée psychanalytique par le discoursuniversitaire” — é “na origem, segundo Anzieu (1979), um puro psi-cólogo a quem aconteceu de ser o primeiro psicanalista não-filósofo enão-médico a se tornar professsor de Universidade” (p. 63). Antesdele, eram psicanalistas que se tornaram psicólogos mas vindos dafilosofia (além de Anzieu, Fédida, Sami-Ali), ou filósofos que fizeramestudos de medicina (Doron, Chiland, Laplanche), ou ainda médicossem formação em filosofia e com Doctorat en Lettres et Sciences humai-nes, reservado no passado aos titulares de uma licença de ensino(Bergeret, Dorey). Pensando bem, o epíteto “psicólogos psicanalis-tas” é no fundo adequado para nomear esses psicanalistas que emnúmero crescente após a guerra, e no momento em que a psicologia seinstitucionaliza na França, ocuparam as cadeiras de psicologia queentão se multiplicavam nas universidades. Foram discípulos deLagache e Favez-Boutonier, os precursores no país do ensino univer-sitário da psicanálise. Como psicanalistas (propriamente ditos) per-tencerão, com as diversas cisões sofridas pelo movimento psicanalíti-co francês, a diferentes associações.

Os dados da coleta bibliográfica de apoio mostram (sendo fidedig-nos os critérios metodológicos utilizados) que a maior parte dos arti-gos encontrados pertencem aos chamados “psicólogos psicanalistas”- talvez porque favorecidos ou estimulados pela procedência e peladupla função. Ora, são eles, pela origem psicanalítica, de fato, médica,mesmo filosófica, identificados com o método clínico. Todos eles psi-canalistas e professores universitários, e mais ou menos filósofos.Não são talvez mais médicos (caso o tenham sido no início) e nuncaforam psicólogos experimentais. Nesse sentido, o título do artigo deAnzieu não se presta a dúvidas. Em 1979, constituindo os psicólogosclínicos maioria na França, 2/3 dos professores da habilitação em psi-cologia clínica eram psicanalistas.2 Ora, se a psicanálise é uma psico-logia como pretendia… Freud3, ela será necessariamente - não sendouma psicologia experimental — psicologia clínica. Logo, no título “Lapsychanalyse au service de la psychologie”, o termo psicologia ad-

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quire a fortiori valor metonímico graças à especificidade históricafrancesa.

Finalizando seu escrito, Anzieu indaga se a anexação da psicaná-lise pela psicologia ou pelas ciências humanas era, em primeiro lugar,um bom negócio para a psicanálise — “que se banaliza, em sua práticae em sua teoria, nisso que ela veicula igualmente de marginalidade esubversão de todas as ordens em poder sobre a vida” (1979, p. 75). Emsegundo lugar, se era um benefício para a psicologia — na medida emque certas práticas ditas “psicoterapias de inspiração psicanalítica”,autorizadas por exemplo em certos casos limites, exigiriam talvez mai-ores dificuldades de execução do que as curas-tipo psicanalíticas,para as quais apenas estão habilitados os psicanalistas propriamenteditos. Sua conclusão:

Uma saída concreta que se constata neste impasse é que os psicólogostendem a se tornar, para o bem ou para o mal, “psicanalistas” entreaspas e que essas aspas tranquilizam. A sua “despsicologização” ostorna atraentes aos olhos da jovem geração lacaniana, cujas teses en-contram neles, reciprocamente, um eco considerável. Simultaneamen-te, ela os torna suspeitos de maneira crescente aos olhos seja dosdefensores da psicologia dita “científica”, seja dos defensores do pri-vilégio médico, e ela expõe a psicologia clínica a muito dissabores eperigos tanto de ordem administrativa quanto no nível de uma desva-lorização da psicologia no seio da opinião pública (p. 75).

Depois do risco de uma psicologização da psicanálise, estariavindo, alertava ele em 1979, o risco de uma “psicanalização generaliza-da” (a denúncia do psicanalismo4 ainda em pauta desde 1973). Talvezse pudesse hoje constatar que, não sendo seguida em sua temáticapor um grande número de trabalhos escritos (pelo menos no universode nossa pesquisa), a reflexão de Anzieu tornou-se no entanto, com opassar do tempo, um lugar-comum - talvez porque propício também asuscitar querelas de escola.

Ficamos, assim, tentados a tomar o artigo de Anzieu como precur-sor (inclusive na posição anti-lacaniana, ou anti-lacanianos) do livrode Prévost - mas sem demonstrar ainda àquela altura toda a crispaçãode seu colega de publicação mais recente. Crispação, aliás, que Huber

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parece querer transformar em declaração de guerra, quando nada, emrompimento.

Da metodologia de pesquisa

Na coleta de material bibliográfico, e a título exploratório, estabe-lecemos como critério metodológico diferenciar os artigos diretamen-te ligados ao tema - ou seja, os que tratam primordialmente da expe-riência francesa no tocante às relações (em particular, mas não só,institucionais) entre psicologia clínica e psicanálise - de outros que,por sua maior ou menor vizinhança temática, a ele se referem de passa-gem (sobretudo de passagem, dada a concisão própria do artigo).Esses últimos retomam questões relacionadas com: psicologia e psica-nálise; psicologia e psicoterapia; psicologia e psiquiatria; psicologiae medicina; psicanálise e psiquiatria; psicanálise e medicina; psicaná-lise e instituição; e psicanálise e sua instituição. Ou, então, discutema formação de analistas e/ou, tema que remonta a Freud e caro aoslacanianos, a transmissão da psicanálise. Enfim, e sobretudo, a ques-tão do ensino da psicanálise na universidade, clássico freudiano des-de seu nascimento (em 1902, como se sabe, Freud é nomeadoAusserordentlicher Professor na Universidade de Viena).

Consideramos em seguida, a (rara) oportunidade de realizar umacoleta bibliográfica que revelasse, na confrontação dos pontos devista, o resultado direto e imediato das discussões. Escolhemos, as-sim, cinco periódicos (franceses), especializados e de alto conceito, eque publicaram autores que, pertencentes aos quatro agrupamentosde psicanalistas, são ou foram, para além das disputas de capela,referências reconhecidas. São eles: Psychanalyse à l’Université (5,dezembro de 1976, a 76, último número, outubro de 1994); NouvelleRevue de Psychanalyse (1, Printemps 1970, a 50, último número, au-tomne 1994); Revue Française de Psychanalyse (4, tome XXXIII, ju-lho/agosto 1976, a 76, sem tomo, outubro de 1994), Topic (2, fevereirode 1970, a 60, 1996); e Ornicar? (8, hiver 1976-1977, a 46, julho/setem-bro de 1988).

Através dessa pesquisa preliminar, chegamos aos livros (indivi-duais ou coletivos), ou atas de colóquio, congressos, cursos etc.,

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eventualmente publicados fora desses periódicos. Claro, a própriaescolha dos periódicos foi arbitrária - mesmo se tratando dos maisconhecidos e reunindo um universo amplo e representativo de psica-nalistas franceses. São todas revistas de psicanálise (trata-se assimquase sempre do ponto de vista do psicanalista) e todas publicadasem Paris - uma pesquisa mais ampla deveria certamente abranger peri-ódicos de psicologia clínica tout court, além de publicações de pro-víncia.

Entre os periódicos, apenas Psychanalyse à l’Université, comorevela seu nome, tem uma ligação formal com a Universidade: publica-ção Répliques, foi até seu número 52 a revista do Laboratoire dePsychanalyse et de Psychopathologie, da UER (Unité d’enseignementet de recherche) Sciences Humaines Cliniques da Université ParisVII5 e, em seguida, até seu fechamento, do Centre de Recherches enPsychanalyse et Psychopathologie. Dirigida por Laplanche, do seucomitê de redação, participaram sucessivamente Brès, Fédida, Gagey,Dayan, Gutton, Guyotat, Hochmann, Lang, André, Dorey, Lanouzière.Talvez por essa razão, nela se encontram quase todos os artigos (di-reta ou indiretamente) ligados ao tema, como se pode ver em nossasreferências bibliográficas6. A honrosa excessão, e de peso, é o artigode Anzieu, publicado, como foi dito antes, em Nouvelle Revue dePsychanalyse, e em número dedicado a “Regards sur la psychanalyseen France”. O próprio Anzieu (1988), de certa forma, voltaria ao temacom “Lecture des Œuvres de Daniel Lagache”, em Psychanalyse àl’Université — aliás, um dos três artigos que escreve, entre 1986 (nº 5)e 1988 (nº 49), nesta revista do Departamento no qual ele foi todo otempo professor.

O artigo de Anzieu, de fato original em seu gênero, não traz indi-cação bibliográfica (as notas de rodapé, além de esclarecimentos, con-tém uma só referência, e dele próprio7). Ele jamais voltará ao tema(como nenhum outro autor, aliás) nos inúmeros artigos que em se-guida publicou em Nouvelle Revue de Psychanalyse8. Este periódico,que privilegiava os números temáticos, e de cujo comitê de redaçãoAnzieu fez parte (junto com Gantheret, Green, Pontalis, Pouillon,Rosolato, Smirnoff, Starobinski, Gribinski, Khan), era dirigido por

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Pontalis, edição Gallimard, e tinha a colaboração da AssociationPsichanalytique de France (A.P.F.). A mencionar , apenas um artigonessa revista: “On forme un analyste”, de Enriquez (1979).

A garimpagem resultou no mesmo, ou pior, nos outros três perió-dicos. A sublinhar, a coincidência de todos pertencerem à associaçõespsicanalíticas. A Revue Française de Psychanalyse é o órgão oficialda Société Psychanalytique de Paris (S.P.P.), Section Française del’Association Psychanalytique Internationale. Publicação PUF (!),em seu comitê de direção estiveram Bonaparte, Bouvet, Cenac, Nacht,Pasch, de Saussure, Schlumberger; redator-chefe: Lebovici; redato-res: Gendrot, Marty, Sauget (a secretária, Berman, foi quem traduziu,mal, para o francês os escritos técnicos de Freud). Deve-se em todocaso mencionar, até por curiosidade, o artigo (démodé) assinado emconjunto por Nacht, Lebovici e Diatkine (1960) e intitulado“L’enseignement de la psychanalyse”. Exatos trinta anos depois, em1990, no mesmo periódico, Guillaumin (1990) escreverá “Altérationculturelle de la penseé psychanalytique par le discours universitaire?”.Será o único a abordar o tema (pelo menos no tempo coberto pornossa pesquisa).

Topique (Revue Freudienne), edição Dunod, que responde peloQuatrième Groupe, foi fundada e dirigida, até sua morte, por Aulagnier.Em seguida, a partir do nº 46 (dezembro de 1990), por um comitê dedireção composto por Mijola-Mellor, Valbrega e Zaltzman. Têm feitoparte sucessivamente de seu comitê de redação: Baranger, Benoit,Castel, Valabrega, Enriquez, Zaltzman e Mijolla-Mellor. Escreveram,ainda, freqüentemente nessa revista Dayan, Schneider, Sabourin,Rosolato, Mijolla etc. Nenhum artigo sobre psicologia e psicanálise,psicanálise e universidade, nem mesmo sobre transmissão da psica-nálise consta em seus números, que tendiam a privilegiar - como eraem “Nouvelle Revue de Psychanalyse” de maneira exclusiva - ediçõesde mesmo conteúdo temático.

Ornicar?, Bulletin périodique du Champ Freudien, dirigido porMiller, redação, colaboração ou secretaria de redação: Silvestre,Ribettes, Doisneau, Adam e Waschberger. Edição Navarin, ninguémignora sua íntima relação com o Departamento de Psicanálise Paris

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VIII. Entre outros autores, escreveram nessa revista Cottet, Millot,Melman, Laurent, Milner, Lemoine, Leguil, Regnault, Silvestre, Soler,Pommier. Geralmente dividido em seções (travaux, études, texte,cas…), contém títulos de artigos e temáticas tão variados e criativosque quase se pensaria em reabilitar o termo “psicanálise aplicada” dostempos da “Sociedade de Psicologia da Quarta-feira”. Ainda assim, eapesar de Paris VIII, nada escreveram em nosso benefício, mesmo se operíodo pesquisado da revista (entre 1976 e 1988) coincida em seuinício com o de Psychanalyse à l’Université, e que cobre os anosdourados dessas discussões. Dada a estreita, ainda que não oficial,relação com a academia, poderia ser (mas não foi) que as preocupa-ções girassem em torno da questão da transmissão e do ensino dapsicanálise, inclusive no espaço da universidade.

Enfim, o livrinho de Prévost traz uma bibliografia geral de deztítulos: um dele próprio, um livro clássico de Janet, dois não menosclássicos de Lagache, um livro de história, outro mais “especializado”(sobre cognição): “analyse spectrale de la psychologie”, um manualde Psicologia e dois manuais de Psicologia Clínica — entre os quais ode Huber, de 1987 (o anterior ao já citado). Aliás, foi então que come-çaram as citações recíprocas: primeiro Huber citou Prévost em 1987,que citou Huber em 1988, que citará Prévost em 1993. Em uma palavra,quase nada acrescentam à nossa bibliografia. Não fica assim difícildelimitar, no universo talvez ainda restrito desta pesquisa, os autoresque se dedicaram mais ou menos ao assunto: Anzieu, Gagey, Guillaumin,psicólogos psicanalistas, Prévost, psicólogo clínico. E, no enquadra-mento de seus manuais, Huber.

Das questões a considerar

Não seria este um affaire personalizado e restrito hoje em dia? Umexagero a denúncia de Huber e Prévost sobre os pressupostos “male-fícios” (institucionais, administrativos) causados à psicologia clínicafrancesa pela psicanálise? O que restou do risco de uma “psicanaliza-ção generalizada”, que Anzieu temia em 1979? Teriam sido vãs asdiscussões que, sobretudo a partir de 1968, tenderam a ressaltar asdiferenças (teóricas, epistemológicas, institucionais) entre psicologia

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clínica e psicanálise? Em que medida a psicanálise prescinde hoje dapsicologia clínica para se institucionalizar na universidade? etc.

Sejam quais forem as respostas dadas a essas questões, elas te-rão de levar em conta o projeto de uma certa psicologia clínica france-sa, imaginada por Lagache e Favez-Boutonier e edificada sob a égidede uma “unité de la psychologie” (conforme o título do livro clássicode Lagache, 1949). Ainda em 1977, e a propósito do Bulletin dePsychologie (número especial), consagrado em 1976 à psicologia clí-nica e dedicado a Favez-Boutonier, pode-se ler neste compte rendu deRevaut d’Allonnes (1977):

Na amplitude do campo aí compreendido, a diversidade dos sujeitos,modos e níveis de abordagem, as contribuições exprimem o estado dapsicologia clínica hoje, suas contribuições inegáveis, os problemasque ela coloca e os que se coloca. Encontram-se ali confirmados ovalor da atitude clínica, trama comum que sustenta trabalhos muitodiversos, o peso da experiência que os alimenta, os resultados deaproximações agora confirmadas. A ambigüidade não foi inteiramentesuprimida, sente-se as dificuldades de um pensamento teórico, con-ceitual, que seja próprio à psicologia clínica, e de uma delimitaçãosobre esse plano da especificidade, notadamente em relação à psicaná-lise, à psicopatologia e à psicologia social… Ainda assim, ao mesmotempo que a prática se desenvolve, a pesquisa clínica progride. Emrelação às contribuições do primeiro número especial consagrado àpsicologia clínica, podemos ressaltar o maior impacto de trabalhosteóricos e metodológicos, a maior precisão na instrumentação e adelimitação de campos de pesquisa privilegiados: o nascimento e acriança pequena, os grupos, a criminologia, a metodologia clínica enotadamente as técnicas projetivas, a atividade profissional do psicó-logo clínico, a dimensão institucional, enfim, a reflexão instrumentadasobre a pedagogia da psicologia clínica na universidade (pp. 735-736).

Uma imagem talvez idílica da psicologia clínica francesa? Certa-mente aqui e ali conciliador, mesmo ornado de lugares-comunstranquilizadores e otimistas que em nada lhe diminuem a importância,o texto acima, de 1977, não parece anunciar os riscos que Prévostreclamaria para si ao tentar escrever, em 1988, o livro sobre psicologiaclínica nos moldes da coleção “Que sais-je”. Foram (são?) Revautd’Allonnes e Prévost colegas no Laboratório de Psicologia Clínica

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(onde a primeira foi inclusive sucessora de Favez-Boutonier em suadireção). A filiação comum poderia nos induzir a aproximá-los ao ler oseguinte comentário de Prévost sobre as conseqüências de maio de1968 para a institucionalização da psicologia clínica:

Ninguém contesta que foi o grupo [em nota de rodapé: “JacquesGagey, Pierre Fédida et nous-même”], que cercava Juliette Favez-Boutonier —, assim como alguns psico-sociólogos […] não ortodoxosem suas disciplinas (P. Arbousse-Bastide, Ophélia Avron, AndréLevy), que, tornando-se a UER de Ciências Humanas Clínicas, deviaobter en première francesa o reconhecimento do título nacional uni-versitário de psicólogo clínico pelas autoridades tutelares, dando as-sim a impulsão da qual vemos os imensos resultados (pp. 84-85).

Prévost é, no entanto, habitualmente crítico no seu livro e, sobrea questão, um dos autores que contam. Ora, onde ele vislumbra imen-sos resultados e perspectivas que se alargam para a psicologia clíni-ca, “preocupada em traçar seus limites e afirmar sua autonomia” (p. 6),Huber, como vimos, não hesita em conclamar o retorno da psicologiaclínica à comunidade internacional…

Propedêuticas...

Aprendemos com Anzieu (1979) que a luta dos psicólogos fran-ceses pela autonomia científica e por um exercício profissional inde-pendente resultou, em 1947, na criação, em termos nacionais, de uma“licence de psychologie” - em substituição ao antigo “Certificatd’études supérieurs de Psychologie”, cujo ensino era bancado pelasFaculdades de Letras e no enquadramento de uma licença de filosofia.Isso implicou no surgimento paulatino de Departamentos de Psicolo-gia, com seus laboratórios anexos e lugares de estágio, num Doutora-do de 3º Ciclo em Psicologia e no recrutamento de universitários aomesmo tempo professores, praticiens e pesquisadores.

A busca da autonomia da psicologia universitária - particular-mente facilitada pela concepção positivista então dominante na filo-sofia das ciências (a filosofia como tronco comum a todas as ciências)e pelo interesse que os filósofos franceses demonstraram pela psico-logia depois de dois séculos - assentou-se de fato sobre dois grandes

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eixos: por um lado, afastar-se do ecletismo e do academicismo de uma“certa filosofia universitária francesa”, caracterizada, seja pelaprevalência de uma introspecção solitária sobre a experiência, sejapela conceituação atrelada às grandes doutrinas filosóficas. Por outrolado, fornecer uma formação que, além dos conhecimentos, colocasseos estudantes em contato com os fatos, que os familiarizasse com astécnicas e métodos, que os iniciasse em teorias especificamente psi-cológicas e os preparasse para práticas concretas.

O resultado imediato da conquista da autonomia universitária -que coincidiu com a expansão econômica em marcha no pós-guerra -foi a multiplicação das cadeiras de psicologia, em conseqüência donúmero crescente de estudantes em busca da nova profissão. Essascadeiras foram ocupadas por psicanalistas. Com isso, sempre segun-do Anzieu (1979) (e aqui em tese tornada clássica e retomada, comovimos, por Prévost), a psicanálise teria prestado à psicologia doistipos de ajuda: primeiro, como apoio teórico e segundo, como exem-plo, mesmo modelo, de prática. Em troca, “a psicologia serviu de veí-culo de propagação da psicanálise em um país muito tempo indiferen-te ou reticente a seu respeito” (p. 59). Dito de outra maneira, para apsicologia tratava-se então de firmar, para além do plano institucional,uma posição autônoma também no plano teórico e prático. Ou seja,num primeiro momento neutralizar a orientação dita “naturalista” e“experimentalista” (representada na psicologia pelas teorias do con-dicionamento, do comportamento, da aprendizagem) e priorizar a ver-tente que Lagache qualificou de “humanista” e “clínica”. A psicolo-gia ocuparia assim, “no leque das disciplinas intelectuais, um lugarnão somente específico mas eminente, como ponto de articulação dasciências da natureza e das ciências humanas” (p. 64).

Ora, essa vertente só podia encontrar seu modelo na psicanálise,cuja metodologia clínica serviu de base para caracterizar àquela dapsicologia. Assim, a entrevista clínica, o teste projetivo, o pequenogrupo não diretivo constituíram-se em extensões, variantes ouparticularizações do método próprio do tratamento psicanalítico, ouseja, a associação livre (a outra dimensão, transferencial, é reduzidaou negligenciada). A observação do sujeito em uma situação-proble-

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ma (por exemplo, um exame através de testes de atitude) permitiriainferir conteúdos latentes inconscientes a partir de signos manifestos(sobre o modelo da interpretação dos sonhos e da primeira tópicafreudiana). Em uma palavra, a integração do inconsciente dava à psi-cologia sua especificidade em relação à neurologia e à psicofisiologia,de um lado, e em relação à filosofia (que jamais se interessou peloinconsciente), de outro (p. 65).

São essas, resumidamente, as proposições de base do artigo, apartir das quais Anzieu discutirá as (inúmeras) conseqüências do fatode ter sido “a psicologia um dos canais que favoreceram o desenvol-vimento da psicanálise na França” (p. 73). Ele percorre, em primeirolugar, as seguintes: o acesso dos psicanalistas às cadeiras universitá-rias; a impulsão dada à uma psicanálise aplicada aos grupos e institui-ções; o maior interesse dos psicólogos psicanalistas (formadosprioritariamente nas psicoterapias infantis) pelo ponto de vista ge-nético, em um país onde a psicanálise é majoritariamente abordadasegundo um ponto de vista estrutural; enfim, a forte resistência dosmeios psicológicos às influências lacanianas.

Evidentemente que cada um desses segmentos, como se podever pelo próprio artigo, apresenta um grau de interesse maior ou me-nor e eventualmente se cruzam a meio-caminho, vertentes que são deum mesmo movimento que se prolonga no tempo. Começando pelasproposições de Lagache em 1949, evidenciado sobretudo nas lutaspela legalização do certificado de Psicologia Clínica (obtido em 1967),e objeto de discussões constantes entre 1976 e 1983, parece continuarainda em aberto, como testemunham, por exemplo, as datas de algunsdos textos citados até agora (1979, 1988, 1990 e 1993).

Este movimento teve incontestavelmente, durante duas décadas,um maître à penser: Lagache (e não sem razão, no artigo de Anzieu,ele é a figura central). Psicanalista e psychologue praticien que tinhatrabalhado nos domínios da orientação profissional e da criminologiae, desde 1947, professor da cadeira de psicologia da Sorbonne (atualParis VII), ele foi também o detonador da criação, em 1949, de umalicence de psychologie em nível nacional. A realização desse projetocontou ainda, a partir de 1955, com um esprit réalisateur: Favez-

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Boutonier.9 O projeto em si será colocado em questão pelo trouble-fête de costume, adversário histórico de Lagache e inspirador do De-partamento de Psicanálise de Paris VIII: Lacan. E, ao mesmo tempo edepois, contará com os herdeiros ou colaboradores de Lagache, maisou menos críticos: sobretudo o próprio Anzieu, Gagey, Guillaumin,psicólogos psicanalistas, e Prévost, psicólogo clínico. Enfim, produ-zirá uma via alternativa no seio mesmo da psicologia clínica insti-tucionalizada: Laplanche.

Na via aberta por Lagache

A abordagem clínica, como condição para afastar-se de sua ori-gem médica e psiquiátrica, devia ser aplicável, segundo Lagache, aoindivíduo normal. Definindo-a como o estudo do homem concreto ecompleto face às situações, ele a via como a investigação sistemáticae tão exaustiva quanto possível dos casos individuais — o que teo-ricamente, segundo Roudinesco, nada quer dizer. A autora tem razão,pelo menos se essa investigação não levar, segundo o paradigmacientífico sempre em vigor, a alguma forma de generalização. Sobretu-do porque havia ainda a noção de personnologie que, designando a“ciência” saída da psicologia clínica, deveria permitir “compreenderas interações entre os elementos essenciais da personalidade e suaconfiguração de conjunto”. Roudinesco (1986) entende que seria amesma coisa dizer que a personologia”nada compreendia, pois elanão existe”: na busca desses “elementos essenciais da personalida-de” — norteada justamente, ao nosso ver, pelo critério de generaliza-ção —, Lagache não hesitava em se apoiar em testes, interrogatórios,prognósticos, orientação, coisas sem nenhuma relação “nem com umaclínica nem com uma teoria da personalidade” (p. 232).

Em 1979, Anzieu não se dá conta dessa objeção; e explica que oexame desses casos individuais compreendia a observação das rea-ções verbais e afetivas do sujeito; uma ou várias entrevistasaprofundadas, para reconstituir a anamnese e também… testar seusníveis de tolerância, circunscrever seus pontos fracos, desencadearum processo associativo e eventualmente promover tomadas de cons-ciência; enfim, compreendia a aplicação de testes projetivos (p. 65). Ainterpretação dos dados seguiam três postulados: dinâmico (a investi-

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gação dos conflitos, no sentido freudiano), interrelacional (interaçãodo indivíduo e do meio, considerando a totalidade inacabada do sersegundo um modelo sartriano) e genético (apreensão da história deum sujeito em termos de evolução e resultado global).

Segundo Prévost (1988), a psicologia das condutas, que remontaa Janet, seria a chave necessária à compreensão do pensamento deLagache. Janetiano e freudiano ao mesmo tempo, a psicanálise erapara ele uma “psicologia das condutas”: “a conduta do psicanalistaconsistia no essencial em fazer, nas condições muito particulares de‘laboratório’, a síntese interpretativa dos fragmentos de condutafornecidas pelo paciente” (p. 73). Bastaria comparar os procedimen-tos do psicanalista com os do psicólogo clínico: derivados dos trêspostulados acima descritos, seriam os fins práticos da Psicologia clí-nica curar [guérir] doentes, educar crianças, aconselhar adultos e,acrescenta Roudinesco (1986), reclassificar [reclasse] inadaptados (p.232). O psicanalista seria “um psicólogo clínico que se limita a tratar ea utilizar uma só técnica (a investigação psicanalítica), entre cinco ouoito, mas utilisando-a a fundo” (Prévost, 1988, pp. 73-74): uma “ultra-técnica”, portanto. De sua parte, a psicologia clínica seria mais hetero-gênea e vasta quanto às suas fontes de informação, e uma prévia nocomeço da análise propriamente dita. Enquanto psicanalista, Lagachecomeçava por “sessões face à face”, afim de verificar as indicações dotratamento, mesmo antecipar um ou outro episódio da vida do pacien-te. Ele sabia “que alguns psicanalistas [chamavam] essa fase de ‘análisede exploração’ “, mas preferia “considerar de sua parte que se [trata-va] da velha e boa psicologia clínica” (p. 74). O clínico devia se benefi-ciar da experiência psicanalítica, que tornava a observação mais minu-ciosa e penetrante — na condição que “a interpretação não ocasio-nasse a perda do senso crítico, sob pretexto de que é o ‘inconsciente’do psicanalista que deve trabalhar, etc.” (Lagache, 1979, p. 170).

A boutade certamente procede se levamos em conta tanta levian-dade na utilização do jargão lacaniano — mas não o suficiente paraesconder pelo menos duas limitações de peso com as quais se devedefrontar o psicólogo clínico lagachiano. Sendo a psicologia clínicauma psicologia dinâmica, para a qual “todo ser aparece em conflitocom o mundo, os outros, consigo mesmo” (Anzieu, 1979, p. 65), a

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análise psicológica consiste “em desatar assim os nós [démeler lesemboîtements] desses conflitos”. Na sua tentativa para “desatar os nós”,o psicólogo clínico lagachiano, segundo Anzieu, limitar-se-ia, em geral, ase ocupar do ponto de vista dinâmico. Ora, este conduz aos pontos devista tópico e econômico, nos quais “apenas um psicanalista bem forma-do e bem experimentado pode-se sentir à vontade” (p. 66). Para nós, estaseria a primeira limitação… de competência, por assim dizer.

A segunda limitação, mais grave, é de ordem ético-epistemológica.Ocorre que essa “investigação minuciosa e penetrante” se faria emcondição tal que o psicólogo clínico quase não pode trabalhar se elenão mantém boas relações com seu paciente (Prévost, 1988, p. 74).Logo, transferência positiva com Freud, sugestionabilidade comBernheim e Escola de Nancy - nesse caso, sempre pesará a suspeitada utilização massiva, acrítica da sugestão na clínica psicológica. Oumesmo quanto ao próprio limite (clínico ou de investigação), aindaque crítico, de seu uso. Afinal, já nos lembrava Ferenczi (1982), en-quanto “na sugestão todo o trabalho do médico visa manter e reforçaresse agente ativo, sua própria autoridade e a credulidade e dependênciado paciente, a psicanálise se permite apenas fazer dele um recurso pro-visório” (p. 151). A psicanálise faz mais: problematiza-o e toma-o comoobjeto de análise, ou seja, ela busca realizar uma investigação sobre aprópria transferência, visando justamente, no limite, sua resolução.

Como dar conta desses impasses (e de todos os outros)? Comodefender uma continuidade de fato entre a prática do psicanalista e ado psicólogo clínico lagachiano? Para Lagache, no entanto, a psicolo-gia clínica, apoiando-se na psicanálise em termos de fundamentaçãoteórica e como modelo operatório, devia ser “compatível com as ou-tras orientações teóricas e metodológicas da psicologia” (Anzieu, 1979,p. 66). Desde 1949, considerando que o conflito entre Psicologia experi-mental e Psicologia clínica era um momento ultrapassado na históriada Psicologia, ele estimava que a unidade da psicologia devia resultardo apoio mútuo que se prestam o método experimental e o métodoclínico. Sem negar o conflito, via no reconhecimento pelos clínicosdessa tensão dinâmica no interior mesmo de sua própria disciplina apossibilidade de um resultado fecundo (Anzieu, 1979, p. 67).

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Lagache não teria tido contudo razão: enquanto Lacan postulavaa irredutibilidade de toda psicologia à primazia da determinação in-consciente — “a psicologia não poderia ser senão o objeto de umailusão imaginária, da qual a psicanálise explica as competências e osimpasses (enjeux)” (Gagey, Gory & Miolan, 1983, p. 309), ele apos-tava, ao contrário, na sua integração: “contra o dinamismo ao qual eledeve em parte sua formação, ele repensa a unidade da psicologia soba categoria de uma filosofia da consciência…” (Roudinesco, 1986, p.234). Apoiando-se sobre os trabalhos de Lewin, a partir de 1951 criaum laboratório que tinha por tarefa renovar “a psicologia da vidasocial”. Dois anos mais tarde, favorece o relançamento doexperimentalismo, tornando-se diretor do Instituto de Psicologia daUniversidade de Paris. As duas correntes teriam liqüidado o projetounitário da psicologia clínica, “muito próximo para eles da psicanálisee não suficientemente ‘científica’ aos olhos de um modelo neo-fisioló-gico ou neo-biologista”. A “batalha unitária” ter-se-ia perdido namedida em que, no meio analítico, Lagache era um psicólogo e, entreos psicólogos, ele dava a impressão de ser psicanalista (Roudinesco,1986, p. 234).

O golpe de misericórdia viria de Canguilhem, que assistiu, entre1941-1942, aos cursos de Lagache e sua apresentação de doentes. Em1956, o epistemólogo francês pronuncia uma “admirável conferência”sobre a psicologia, reproduzida dez anos mais tarde em Cahiers pourl’Analyse. Ainda que prestando homenagem ao amigo Lagache, eleataca o conjunto de seu edifício, tratando a psicologia de filosofia semrigor, de ética sem exigência e de medicina sem controle. Canguilhemteria assim inaugurado o caminho que, após a ruptura entre Lagache eLacan (em torno de 1966) e na École Normale Supérieure, possibilita-ria aos alunos de Althusser, futuros jovens lacanianos, a travar “umcombate anti-psicologizante que reduzirá a um nada teórico o em-preendimento lagachiano” (Roudinesco, 1986, p. 234).

Para Anzieu (1979), que foi analisando de Lacan e orientando (detese) de Lagache, a tentativa de integrar a psicanálise à psicologiateria sido, ao contrário, em parte bem sucedida - a psicanálise comoum caso limite da situação clínica e um modelo psicodinâmico -, o

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que explicaria porque foram, segundo ele, “os meios psicológicos queofereceram na França maior resistência à influência lacaniana que osoutros meios: filosóficos, literários, mesmo psiquiátricos” (p. 68).Prévost (1988) levanta mesmo (a seu favor) a seguinte tese: Lacan ter-se-ia convencido de que, na França, a reticência à psicanálise vinhada filosofia e da medicina, ou seja, dois dos corpos poderosos dacultura francesa - mas esta resistência se dirigia, antes, para a psico-logia, tida pela primeira como “acessória e pela segunda, por váriasrazões, como perigosa” (p. 82). Tratava-se então, para Lacan, de extra-ir a psicanálise da psicologia e, acessoriamente, atacar uma “psicolo-gia geral” centrada no eu — apresentada como o resultado de umacontaminação anglo-saxônica, cuja sede era a Associação Internacio-nal de Psicanálise.

Seja como for, entre 1945 e 1968 a psicanálise é ensinada nauniversidade, na via aberta por Lagache, sob a etiqueta da psicologiapatológica e segundo uma tradição mais janetiana que freudiana. Seusalunos universitários já ocupam posições importantes e a unidade dapsicologia, na prática, traduz-se em disputas entre experimentalistas,de um lado, e partidários da psicologia social, de outro, contra a psico-logia clínica, “que continua a não existir” (Roudinesco, 1986, p. 552).Em 1955, Lagache assume a cadeira de psicologia patológica naSorbonne. Favez-Boutonier o substitui na cadeira de psicologia geral,ainda que desejasse mais engajar-se na luta que visava um estatutopara a psicologia clínica. Nesse sentido, seu papel de destaque serásempre muito maior no plano institucional. Na prática clínica,nuançando a posição de Lagache, ela recusa o exame psicológico, aseu ver excessivamente médico, em favor de uma acentuação na evo-lução da personalidade. Não trabalha com a transferência e o divã,como o psicanalista, mas no terreno institucional. Em uma palavra, se“Lagache visava, contra a medicina, a unidade da psicologia, Favez-Boutonier combate a medicina favorecendo uma clínica psicológicasem a etiqueta da unidade” (Roudinesco, 1986, p. 552). Mais de dezanos passariam antes que ela conseguisse criar, em 1966, um “certicatoptionnel de psychologie clinique”, no enquadramento de uma li-cença de psicologia, e instalar um laboratório. Acolhido de braços

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abertos pela administração, “o certificado de psicologia clínica perma-nece uma ficção, pois essa disciplina só existe na cabeça de seuspartidários: ou a clínica é psicológica e ela deve desaparecer, ou ela émédica e deve ser anexada à medicina” (Roudinesco, 1986, p. 553).Apesar das ameaças de um processo da Ordem dos médicos contrauma clínica ensinada sem a cobertura médica, Favez-Boutonier segueem frente e aceita inscrições dos estudantes. De seus assistentes naépoca, três são nossos conhecidos: Prévost, Gagey, Fédida.

Já em torno de 1968 os herdeiros de Lagache estariam vivendouma situação paradoxal, no sentido de que “a via aberta à psicanálisesob a etiqueta da psicologia torna-se a via de uma implantação dapsicologia clínica, na qual a psicanálise ocupa uma posição secundá-ria e freqüentemente efêmera [de strapontin]” (Roudinesco, 1986, p.554). Teria sido a contestação estudantil que permitiu, enfim, a im-plantação da psicanálise na universidade como saber capaz de serensinado, mesmo como teoria. A idéia de Gagey, por exemplo, ementrevista a Roudinesco, era de que a psicologia é a psicologia clínica,sustentada por sua vez pela psicanálise. Parecia-lhe de todo modoevidente, antes mesmo de maio de 1968, a inexistência da unidade dapsicologia, incapaz de servir aos estudantes que chegavam ao mer-cado de trabalho da terapia. Sendo impossível às sociedades psicana-líticas dar conta do grande número de terapeutas, Gagey acreditavaser possível gerir a psicanálise fora das sociedades e através da psi-cologia clínica (Roudinesco, 1986, p. 554).

Verifica-se uma ruptura no seio da própria psicanálise francesa: se“no imediato pós-guerra a psicanálise deve conquistar um estatutoatravés de seu próprio movimento institucional […], em 1968 trata-se,para os psicanalistas, de se evadir das sociedades reféns do gigantismo,do dogmatismo ou da esclerose” (Roudinesco, 1986, p. 554). 1968 étambém o ano da implantação de Paris VIII. Para a autora, a experiênciade Vincennes-Paris VIII instalará pela primeira vez “em terreno uni-versitário um ensino psicanalítico desligado de toda enfeudação àmedicina e à psicologia” (p. 557). Ela não tergiversa: se as UER deParis VII e de Paris V congregam professores que vêm em sua maioriada E.F.P. e da S.P.P., em Paris VIII concentram-se apenas os lacania-

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nos. Enquanto Paris VIII toma impulso, este é também o momento emque se abre a grande crise institucional na Escola Francesa de Psica-nálise (E.F.P.), com a criação do Quatrième Groupe e com a divisão domovimento lacaniano em várias tendências.

Tal caminho de investigação - a experiência de implantação emParis VIII de um ensino psicanalítico universitário - será (terá sido)sem dúvida rico de ensinamentos. Curiosamente, dez anos depois deVincennes, Anzieu dedica-lhe apenas uns poucos parágrafos (incluindoa denúncia do risco do psicanalismo). Contudo, em Vincennes, um(raro) Departamento de Psicanálise, o problema da assimilação da psica-nálise pela psicologia não se coloca mais no nível institucional, etorna-se secundário como questão teórica. Pareceu-nos assim maisoportuno, até mesmo por uma contingência histórica, começar a pes-quisa por Paris VII (“o berço da psicologia clínica institucionalizada”).Este artigo pretendeu ser dela um primeiro compte rendu, e um convi-te ao trabalho.

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Fayard.

1 Posteriormente, fazendo uma

(re)leitura do livro de Prévost, verifi-

quei que o artigo de Anzieu é ali citado

de passagem, sem estar listado na bibli-

ografia geral.2 “A penetração [da psicanálise] foi,

entretanto, muito menor no Centre

National de la Recherche Scientifique,

onde uma Comissão agrupa todos os

psicólogos, da psicofisiologia à psica-

nálise. Mas, em razão de uma domina-

Nota

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238 F. Aguiar

ção do espírito experimentalista, os

pesquisadores dedicados a um tema psi-

canalítico são raros e pouco duráveis.

A exceção mais notável é representa-

da por Pontalis (também ele agrégé de

philosophie e não-médico), que ali foi

incorporado durante vários anos como

chargé, depois como maître de

recherches” (Anzieu, 1979, p. 63).3 Por exemplo: “Enquanto ciência es-

pecializada, ramo da psicologia – psi-

cologia das profundezas ou psicologia

do inconsciente...” (Freud, 1933/1996,

p. 242).4 Cf. Castel, R. (1973) Le

psychanalysme. Paris: Maspero, e

Gressot, M. (1979). Le royaume

intermédiare. Paris: Presses

Universitaires de France5 No nº. 22, acrescentou-se o redundan-

te publié avec le concours de

l’Université Paris VII, ao qual será

acrescentado, a partir do nº. 34, do

“Centre National de Lettres”. A partir

do nº. 53, tornando-se um periódico do

“Centre de Recherches en Psychanalyse

et Psychopathologie”, é publicada avec

le concours (apenas) do “Centre

National de Lettres”. A partir do nº.

62, torna-se uma revista

interdisciplinar do “Centre de

Recherches en Psychanalyse et

Psychopathologie” (ParisVII), do

“Centre de Recherches et d’études

freudiennes” (Paris X – Nanterre) e do

“Centre de Recherches en

Psychopathologie” (Paris XIII –

Villetaneuse).

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239Psicanálise e universidade

6 Um desses artigos (Gagey, Gory &

Miolan, 1983) revelou-se relativa fonte

de indicações (ou confirmações): três

“Bulletin de Psychologie”: o primeiro,

de 1969-70, sobre Psychologie

clinique, no qual o próprio Anzieu pu-

blicou “Le psychodrame anallytique

collectif et la formation clinique des

étudiants em psychologie”; o segundo,

de 1974, sobre psychologie sociale

clinique et psychanalyse; enfim, o ter-

ceiro, de 1976, sobre psicologia clíni-

ca; dois artigos de Gagey, “Psychologie

clinique”, de 1980 e “Le psychologue

et la psychologie” de 1981, publica-

dos, respectivamente, em

“Encyclopédie Médico-Chirurgical” e

em “Informations sociales”, do

C.N.A.F. (e não em “Psychanalyse à

l’Univeersité”, onde Gagey era um dos

redatores); enfim, à paraître, informa-

vam os autores, um artigo de

Guillaumin, “Psychologie clinique et

psychanalyse: l’Avenir d’une

désillusion”, comunicação de um coló-

quio, de 1981, cuja pauta prometia: jus-

tamente Psychologie Clinique et

Psychanalyse. Mais tarde, Guillaumin

participaria de uma obra coletiva (jun-

to com Le Guen, Flournoy, Stengers),

“La Psychanalyse: une science?”,

publicada em 1989, com o artigo “La

psychanalyse comme science dans une

théorie générale de la

‘représentation’”, onde, segundo ele,

ao invés de tratar dos efeitos da “pes-

quisa universitária” como tal sobre o

pensamento psicanalítico, ele discute

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240 F. Aguiar

relações do modelo heurístico implica-

do pela épistémé psicanalítica com o

modelo próprio às exigências próprias

à Universidade” (Guillaumin, 1990, p.

1194). Guillaumin publicou, ainda, em

Topique e, professor em Paris VII, não

o fez uma vez sequer em “Psychanalyse

à l’Université”.7 Anzieu, D. (1975). Le Groupe et

l’inconscient. Paris: Dunod, sem ne-

nhuma relação com o nosso tema.8 Anzieu publicou 28 artigos em Nouvelle

Revue de Psychanalyse. Em

contrapartida, assim como Green, seu

colega na revista e na A.F.P., em

Psychanalyse à l’Université ele publi-

cou apenas no seu início: “Une cité

psychanalytique”, em 1976 (nº. 5) e,

também como Green, mais de dez anos

depois: “Influence comparée de la

langue et de la culture françaises et

germaniques sur l’auto-analyse de

Freud”, em 1987 (nº. 48) e “Lecture

des Oeuvres de Daniel Lagache”, em

1988 (nº. 49).9 Se Lagache foi quem primeiro valori-

zou o termo “psicologia clínica”, dan-

do-lhe uma acepção específica, deve-

se à Favez-Boutonier a instauração da

psicologia clínica na universidade fran-

cesa e seu reconhecimento como do-

mínio de pesquisa e objeto de ensino,

através da criação do Laboratório de

Psicologia Clínica da Sorbonne, em

1959, do Certificado de Psicologia

Clínica, em 1967, da UER das Ciências

Humanas Clínicas, em 1970 (Cf. Revaut

d’Allonnes, 1977, pp. 735-736).

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241Psicanálise e universidade

Fernando Aguiar, doutor emFilosofia pela Université Catholi-que de Louvain (Bélgica), mestreem Filosofia pela UniversidadeFederal de Minas Gerais, é profes-sor do Departamento de Psicolo-gia da Universidade Federal de San-ta Catarina (UFSC). Endereço paracorrespondência: Departamento dePsicologia - CFH – UFSC, CampusUniversitário – Trindade, 88049-970, Florianópolis, SC. Telefone:(0**48)331-9904 (Secretaria); te-lefone/fax: (0**48)331-9984 (Pós-Graduação).E-mail: [email protected].

Sobre o autor

Recebido em 04.10.99Revisado em 17.04.00Aceito em 09.06.00