186
Revista da Faculdade de Administração Estratégica volume 9 • número 8 • junho 2010 Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca Jose Eduardo Amato Balian James Buchanan e a “Política” na escolha pública Marco Antonio Dias Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento Economico: Uma Análise da Experiência Internacional & Brasileira Raul Gouvea Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil Walter Gomes da Cunha Filho Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para o desenvolvimento de monografias Celi Langhi Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos Aspectos Negociais do Plano de Contas Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato ISSN 1519-4426

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Revista da Faculdade de Administração

Estratégicavolume 9 • número 8 • junho 2010

Inovação e estratégia de luxo como fatoresque interferem na valorização da marca

Jose Eduardo Amato Balian

James Buchanan e a “Política”na escolha públicaMarco Antonio Dias

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma deDesenvolvimento Economico: Uma Análise

da Experiência Internacional & BrasileiraRaul Gouvea

Aspectos de uma reestruturação produtivasustentável no Brasil

Walter Gomes da Cunha Filho

Produção de Conhecimento em Cursosde MBA: opções metodológicas para o

desenvolvimento de monografiasCeli Langhi

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômicoTharcisio Bierrenbach de Souza Santos

Aspectos Negociais do Plano de ContasLuiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança CorporativaMaria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituaisEduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato

volume 9 / núm

ero 8 / 2010 ESTRATÉGICA

ISSN 1519-4426

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FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADORua Alagoas, 903 - Higienópolis

São Paulo, SP - Brasil

volume 9 / número 8/ junho de 2010ISSN 1519-4426

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Estratégica/ Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado.Vol. 9, n. 8 (2010) - São Paulo: FA-FAAP, 2010

Semestral1. Administração – Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade de Administração.

ISSN 1519-4426

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Sumário5

25

32

46

68

82

103

115

125

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil Walter Gomes da Cunha Filho

James Buchanan e a “Política” na escolha pública Marco Antonio Dias

Nanotecnologia: Um Ponto de Inflexao na Criacao de Novas Novas Vantagens Competitivas Raul Gouvea

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca Jose Eduardo Amato Balian

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para o desenvolvimento de monografias Celi Langhi

Finanças Comportamentais: Aspectos Teóricos e Conceituais Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos

Aspectos Negociais do Plano de Contas Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos

volume 9 / número 8/ junho de 2010

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Resenha

A Arte da Guerra Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira

Orientação para colaboradores

175

181

134

Resumos de Monografia

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social Vanessa Martines Cepellos

141

147

154

161

168

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento por parte das Empresas Brasileiras Andréia Ghion e Horciliano Marques

Responsabilidade social empresarial a contribuição dos relatórios sociais para a sua gestão estratégica Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares

O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São Paulo e Barcelona Laura Melaragno

A influência dos fatores socioambientais no processo de decisão de compra do consumidor Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França e Raissa Maria Ribeiro Oiticica

Sistema jurídico e desenvolvimento econômico: A busca pela eficiência e o caso brasileiro José Rubens Vivian Scharlack

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5

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem

na valorização da marca

Jose Eduardo Amato Balian ∗

∗ Mestre em Administração de Empresas. Professor da Faculdade de Administração da FAAP. E-mail: <[email protected]>

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

Resumo:O presente estudo relacionado à Formação de Preços, Distribuição e Inovação de Produtos e Serviços visa contribuir no desenvolvimento de formas de se agregar valor às Marcas de Organizações Globais que atuem no Mercado de Luxo. A formação de preços é mostrada como o resultado de uma estratégia refletindo tudo aquilo que deu certo ou eventualmente deu errado no dia a dia dos negócios e desta maneira contribuir para aumentar ou diminuir a percepção de valor da marca pelos clientes nos períodos seguintes.Os produtos e serviços foram divididos em grupos conforme seu grau de distribuição e acesso e as empresas ranqueadas através seu grau de inovação. Posteriormente, esses dados foram comparados com a variação do valor das marcas no período estudado.O s r e s u l t a d o s o b t i d o s f o r a m surpreendentes, pois, mostram que antes da crise mundial deflagrada em 2008, a inovação não é o fator determinante na valorização das Marcas

e sim, a distribuição limitada e o acesso restrito aos consumidores desses tipos de bens. No entanto, a partir desta, a situação se inverte uma vez que foi a inovação o fator fundamental para a maior valorização das marcas e não a distribuição limitada e o acesso restrito aos bens. O consumidor de bens de luxo não alterou sua maneira de “ver” os bens nos últimos cinco anos, mas estratégias de precificação nos demais setores da economia ajudaram no processo de valorização menor dessas marcas.

Palavras chave: valor – marcas – estratégia.

AbstractThe study related to the Price’s Formation, Distribution and Innovation of Products and Services purposes a contribution to the development of manners to add value to Brand Global Organizations acts on the Luxury Market.The price’s formation is a consequence of the result of a strategy that reflexes what went right or eventually, went wrong

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6 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

Introdução

Os mercados de luxo assim como a inovação são alvo de mudanças estratégias e grandes investimentos para a conquista de novos mercados, diferenciação e vantagem competitiva.

Um dos resultados importantes para avaliar os esforços das empresas é o valor agregado ao cliente, à empresa, à sociedade e aos stakeholders que, em conseqüência, gera aumento no valor da marca. Entretanto, são apresentadas por diversos autores inúmeras formas de agregar valor ao produto ou serviço oferecido.

Tendo como base dados fornecidos pela – The World’s 50 Most Innovative Companies (tabela 8 em anexo) elaborado pelo Boston Consulting Group’s e publicado anualmente na Business Week em RELATÓRIO ESPECIAL (2010) e na Best Global Brands (tabela 9 em anexo) feito pela INTERBRAND (2010) observam-se:

a) Considerando o período entre 2008 e 2009 apenas duas empresas automobilísticas com forte atuação no mercado de bens de luxo estão no ranking das empresas mais inovadoras, a B.M.W. (14ª. e 20ª.) e a Mercedes Bens ( 31ª. e 29ª.). Observa-se que em 2010 apenas a B.M.W. está no ranking na 18ª. colocação.

b) Considerando o período antes da crise econômica mundial, a relação de variação do valor das 100 melhores marcas das empresas do setor automotivo que se posicionam no mercado de luxo foi em média de 2,6 vezes maior do que a variação das empresas do setor automobilístico em geral, isto é, 39,3% contra 15,2%, (tabelas 1, 2 e 7 em anexo).

in the every day business. In this way, it is possible a contribution to increase or decrease the value’s perception of a brand by the clients in the next periods. The products and services were divided in groups according to their levels of distribution and access; the companies were separated according to their innovation level. Subsequently, these data were compared to the value’s variation of the brands in the studied period. The results obtained were surprised, because they show that before the world crisis of 2008, the innovation is not the most important determinant factor of valorization of the brands, but it is on the limited distribution and the restrict access of consumers of this kind of goods.However, the situation reverses because

the innovation was the main factor to a major valorization of the brands, and not the limited distribution and the restrict access to the goods. The luxury goods consumers haven’t changed the way of “see” these goods in the last five years. However, strategies to determinate prices in the several economical sectors helped the valorization’s process of these brands.

Key words: value- brands- strategy.

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7Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

Tal relação se amplia depois de detonada a crise onde as marcas das empresas automotivas do setor de luxo valorizaram-se em média 36,2% contra uma desvalorização média de 30,6% das restantes do setor automobilístico.

c) Da mesma forma, considerando as empresas dos setores, tais como: moda, joalheria, perfumes e acessórios, com posicionamento claro no mercado de luxo a valorização média foi de uma vez e meia (1,5) se comparada com o setor de informática e de quase duas vezes (1,9) maior que a valorização do setor de consumo de eletrônicos, (tabelas 3, 4 e 7 em anexo) antes da crise.

Iniciada a recessão mundial, o mercado muda radicalmente e a variação média de valorização das marcas do setor de informática foi de três vezes e meia (3,5) frente à variação das marcas do mercado de luxo e de quase duas vezes e meia (2,3) do mercado de consumo eletrônico frente à valorização média desse mesmo tipo de bens.

As empresas do setor de informática e consumo de eletrônicos que estão nas primeiras posições do ranking (Tabela 9 em anaxo) tiveram em média valorização de suas marcas bem menores que a média de valorização das empresas no setor de bens de luxo com a economia mundial em crescimento e bem maiores quando a economia mundial passou a declinar.

Em razão desse contexto emergiu a questão: Qual a relação entre inovação e o valor das marcas que se posicionam no mercado de luxo e fora dele? Essa questão gerou a idéia de desenvolvimento do presente estudo com o objetivo de verificar a relação da inovação com o valor das marcas e as conseqüências advindas desse processo para os stakeholders.

Para se atingir esse objetivo, o trabalho buscou identificar: os fatores que agregam valor aos bens; a forma como a distribuição pulverizada de produtos e serviços afeta a percepção de valor por parte dos clientes; a maneira como as estratégias de precificação afetam a valorização das marcas de bens no mercado de luxo e fora dele e como a inovação de produtos está relacionada com a escassez e distribuição pulverizada.

Parte-se de que a distribuição limitada e o acesso restrito têm contribuído mais na valorização das marcas de luxo nos últimos anos em relação à contribuição da inovação em produtos e serviços.

Inicia-se o estudo com um estudo descritivo, onde os produtos e serviços foram divididos em grupos conforme seu grau de distribuição e as empresas ranqueadas através seu grau de inovação. Posteriormente, esses dados foram comparados com a variação do valor das marcas no período estudado.

1 Revisão Bibliográfica

1.1 Inovação

Para Hesselbein et al. (2002/xi apud BARBIERI, 2004), inovação é a mudança que cria uma nova dimensão do desempenho. A partir da necessidade de geração de novo desempenho organizacional, Drucker (1998) define inovação como sendo a criação de novos valores e novas satisfações para o cliente.

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8 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

Para Drucker (2003) “inovação é o esforço para criar mudanças objetivamente focadas no potencial econômico ou social de um empreendimento”.

Tidd et al. (2008) classificam os tipos de inovação quanto à sua intensidade ou grau. Podem ser: incrementais, semi-radicais e radicais.

1.2 Valor

O estudo procura mostrar formas de se agregar valor na visão de diversos autores:

- aos bens de luxo fundamentado em duas linhas teóricas, a da emoção, de Casteréde (2005) e da identidade com a marca, de Lipovetsky (2005);

- aos bens dos demais mercados tendo como base seis proposições teóricas: a de valor, de Porter (1995); e do deslocamento da curva de valor, de Steidmann (1995), a abundância em oposição a escassez, de Anderson (2006), a do poder das expectativas, de Ariel (2008), a das características do produto, de Beulke (2009) e da abordagem integrada, de Takahashi (2007).

1.2.1 Valor no Mercado de Luxo

Segundo Casterède (2005) “por definição, o domínio do luxo é o da excelência e da emoção, não se deve enganar no produto, nem na criação e inovação, nem na qualidade, nem no preço, nem na acolhida”.

O preço é diretamente proporcional a expectativa que o cliente tem do produto e não pode ser o fator determinante na decisão de compra. Complementa com a necessidade de escassez da oferta para manter preços elevados e apresenta no quadro abaixo três níveis de distribuição e acessibilidade de produtos por parte dos consumidores. Os bens dentro do círculo interno são mais escassos com distribuição restrita ao contrário dos bens pertencentes ao círculo maior.

Fonte: Casteréde - luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. Ano:2005Quadro 1 - Distribuição e Acesso a Bens

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Para Lipovetsky (2005, p. 113):[...] um produto de luxo é um conjunto: um objeto (produto ou serviço), mais um conjunto de representações: imagens, conceitos, sensações, que são associados a ele pelo consumidor e, portanto, que o consumidor compra com o objeto e pelos quais está disposto a pagar um preço superior ao que aceitaria pagar por um objeto ou um serviço de características funcionais equivalentes, mas sem essas representações associadas.

Destaca que as marcas de luxo são reconhecidas por altíssima qualidade de seus produtos pelo fato de ser re (conhecida) internacionalmente, com produtos muito caros de um estilo inimitável.

Atribui que: O cliente dos anos 1980 consumia marcas de luxo “custe o que custar”; o dos anos 1990 já não queria comprá-las “a qualquer preço”; o dos anos 2000, por sua vez, faz suas afinidades e identificações afetivas depender das marcas que sabem projetar sua identidade, reinterpretando-a de maneira criativa e coerente, na época ou em um outro universo.  (LIPOVETSKY, 2005, p57):

Antes que aos habituais arbítrios qualidade-preço, ela se entrega a um raciocínio “value for money” que prevalece atualmente.

1.2.2 Valor para os demais Mercados

Segundo Portes (1992, p.73) a forma como se trabalha na cadeia de valor é de vital importância no processo de valorização de produtos, apresenta a empresa como sendo “uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar seu produto. Todas estas atividades podem ser representadas, fazendo-se uso de uma cadeia de valor”.

Destaca a harmonia entre os agentes para o sucesso das operações, desde o planejamento, produção e distribuição de bens. Seu conceito de valor engloba o sistema distributivo.

Em termos competitivos:[...] valor é o montante que os compradores estão dispostos a pagar por aquilo que uma empresa lhes fornece (...) Uma empresa é rentável, se o valor que ela impõe ultrapassa os custos envolvidos na criação do produto. Criar valor para os compradores que exceda o custo disto é a meta de qualquer estratégia genérica (NAGLE, 2007, p. 84).

Explica que a cadeia é representada pela seqüência de atividades executadas por seus agentes desde a fabricação de componentes, do produto e no final a distribuição.

O valor é criado quando uma empresa cria vantagem competitiva para seu comprador – reduz o custo de seu comprador ou eleva-lhe o desempenho. O valor criado para o comprador deve ser percebido por ele para que seja recompensado com um preço-prêmio, o que significa que as empresas devem comunicar seu valor aos compradores por meios como a propaganda e a força de vendas (NAGLE, 2007, p. 67).

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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10 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

Almeida (2000) aponta que a existência de várias formas possíveis de comercialização, inclusive a internet e, que todos os agentes do canal terão que se adaptar e agregar mais de uma forma de comercialização em sua estrutura de distribuição. A adaptação a novas necessidades do mercado também se refere à variedade requerida pelo cliente e os serviços específicos que deverão ser oferecidos.

Para Steidmann (1995) existe um novo critério de valor, cita o exemplo do FAX e das mudanças substanciais que ocorreram com ele e, o mais importante, o “novo paradoxo de valor”.

Diz que “o efeito fax criou um novo critério de valor. Um deles está baseado na popularidade e não na escassez. Isso cria crescentes retornos de escala para varejistas que podem criar um efeito fax e adquirir vantagem competitiva” (STEIDMANN, 1995, p. 123).

O aparelho de fax ganhou valor no mercado a partir da popularização de seu uso, para tanto, foi necessário a montagem de uma grande rede de distribuição em todo o planeta. Foi a pulverização do produto no mercado em contrapartida a escassez que gerou valor para o mesmo.

Para Anderson (2006), as empresas conseguem faturar com produtos de nicho tanto quanto com os de hits. Isto é possível com a internet, já que o espaço físico não faz mais diferença (as prateleiras virtuais são infinitas). No fenômeno “Cauda Longa”, a regra é a abundância, em oposição à escassez dos mercados tradicionais.

Quando há escassez faz sentido explorar aquilo que vende mais – os hits, best sellers, etc....No conceito da abundância, o “não hits” faz parte de uma parcela importante do faturamento e concorre com os sucessos de venda.

Ariely (2008) cita um exemplo através de como a “perspectiva gerada” pode influenciar na satisfação ao se consumir um bem. Suponha que você soube que determinado carro esportivo é ótimo de dirigir, fez um test drive e, expressou sua opinião. Esta seria diferente daqueles que não sabiam nada sobre o carro esportivo, fizeram o test drive e, depois souberam que o carro era incrível e, então deram sua opinião.

O conhecimento prévio ou posterior a experiência tem alguma relevância? E, em caso positivo, que tipo de dados é mais importante se recebidos antes ou depois de realizada a experiência? É para isso que existe o marketing, isto é, fornecer informações que aumentem o prazer previsto e real.

Beulke (2009) defende que para proporcionar benefícios, um produto ou serviço deverá ser capaz de: a) realizar corretamente as tarefas e funções; b) solucionar problemas identificados e c) proporcionar satisfações específicas.

Divide os fatores determinantes na criação do valor em práticos (qualidade, segurança, comodidade, conforto, economia, inovação e serviços) e psicológicos (qualidade, prestígio, imagem, estilo, design, novidade, concepção e adaptação).

Complementa que uma política eficiente de preços nos canais de distribuição deve conter: a) definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e

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varejista); b) definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes entre todos e garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos custos específicos de cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de comercialização dos canais.

Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar nenhuma promoção ao longo do ano.

Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política de promoções agressiva será mais indicada.

Em contrapartida aos critérios subjetivos de valorização de bens e marcas, a abordagem integrada de gestão de desenvolvimento apresentada por (TAKAHASHI, 2007) é objetiva e tangível.

Em seu modelo: Paradigma da Flexibilidade mostra elementos inter-relacionados que permitem alterar o contexto de “inovação” de produtos para o de “soluções” de problemas e a organização ampliar sua forma de atuação interna e externamente.

A ligação entre os ambientes internos e externos se dá por meio de alianças e parcerias que ampliam a gestão de conhecimento e cria mecanismos por parte da empresa de desenvolvimento de novas competências e transferência desses conhecimentos aos produtos e serviços prestados. Argumenta que é nesse ambiente que ocorre o desenvolvimento da visão do conhecimento.

1.3 Formação de preços

A precificação no mercado de luxo é complexa e pode levar à desvalorização da marca, conseqüente queda de rentabilidade e até inviabilizar economicamente a médio e longo prazo uma organização. Erros comuns cometidos na estratégia de precificação em geral não podem se repetir no mercado de luxo. Segundo Nagle (2007) os principais são os seguintes:

Da Ilusão Custos mais Margem: o departamento financeiro fica sendo responsável pela precificação e inicialmente, calcula o custo do produto, fixa a margem de lucro, o preço final e as quantidades a serem vendidas que viabilizem o retorno econômico financeiro impostos pelos acionistas. Essa quantidade se transforma na “meta de vendas” e passa a ser o objetivo a ser alcançado por toda organização.

Podem-se destacar pelo menos três problemas desse procedimento: o primeiro, diz respeito ao fato de não se consultar a opinião das demais áreas da organização; o segundo, está relacionado às conseqüências das decisões tomadas sobre precificação (ações e reações dos players) e como elas impactam os stakeholders;

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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e o terceiro está ligado à dificuldade em se apurar o custo unitário do bem, pois, se a estratégia de precificação levar a um preço-baixo, as vendas aumentariam, os custos fixos se diluiriam com mais rapidez.

Caso o rateio dos custos fixos não for feito corretamente e o erro for para cima, o bem ficará com preço-alto que comprometerá seu volume de vendas.

Da precificação baseada em valor: uma vez percebido o erro de que o volume de vendas depende do preço fica evidente o círculo vicioso da formação baseada no custo e a única forma de se garantir uma precificação lucrativa é deixar que o preço previsto determine os custos incorridos e não ao contrário e desta maneira a precificação baseada no valor deve prevalecer e começar antes mesmo dos investimentos serem feitos.

Da precificação baseada no cliente: uma vez que a precificação elaborada pelo departamento financeiro não gera o resultado esperado é comum se transferir o “problema” para o departamento de marketing, pois, imagina-se que este por lidar diretamente com o cliente “conhece bem seus desejos” ou compreende o valor “sob seu ponto de vista”.

Quando os profissionais de marketing confundem o preço baseado no valor intrínseco do produto com o que captura mercado pode-se cair numa armadilha em fixar-se o preço de acordo com o que os clientes querem pagar, em vez do verdadeiro valor do produto.

Precificação baseada na concorrência: nesse procedimento, ela se transforma numa ferramenta para se atingir “objetivos de vendas” e alguns gerentes realmente acreditam que desta forma estão agindo estrategicamente e ganhando mercado. No entanto, cabe questionar sobre os motivos que levam os gerentes a acreditarem que a maior participação de mercado resultará em lucros compensadores.

Ao invés de precitadamente reduzir o preço, o gestor deve-se perguntar: o que mudou no mercado para tornar o preço de hoje inaceitável o como posso reparar isso? A redução do número de clientes e o aumento da concorrência com base no preço representam o ponto final de uma estratégia de precificação e não seu início.

O departamento de marketing tem que ser capaz de comunicar valor e elaborar políticas de preço que incentivem os clientes adotar comportamentos de alto custo. O cliente deixar de pagar pelo valor percebido não pode justificar a queda nas vendas.

1.4 Canais de distribuição

Uma política eficiente de preços nos canais de distribuição deve conter: a) definição clara do papel de cada agente (distribuidor, atacadista e varejista); b) definição das funções de cada canal para garantir preços equivalentes entre todos e garantir o abastecimento dos produtos; c) entendimento dos custos específicos de cada agente; d) controles dentro das leis das políticas de comercialização dos canais.

Pelo menos duas estratégias de precificação são muito claras para os canais de distribuição: a primeira é colocar preços altos ao longo do ano e em ocasiões

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especiais oferecer grandes promoções com descontos agressivos para ganhar demanda e a segunda, é a de manter supostamente preços ideais e não praticar nenhuma promoção ao longo do ano.

Beulke (2009) defende para o mercado de produtos de luxo a segunda estratégia, pois, “a empresa é voltada para um mercado de qualidade”. Por outro lado, se o foco é atender clientes que se preocupam com preços baixos, uma política de promoções agressiva será mais indicada.

2 Metodologia

Para Selltiz (1994), os desenhos de pesquisa são principalmente de orientação exploratória, descritiva ou experimental. Os estudos exploratórios provêm informação sobre aspectos específicos dos fenômenos organizacionais, sobre os quais temos pouco conhecimento. São usados quando pouco se sabe sobre as organizações a serem estudadas.

Os estudos descritivos orientam-se para a avaliação e categorização de características organizacionais previamente definidas. São feitos de molde a retratar detalhadamente vários aspectos da organização.

Os estudos experimentais testam hipóteses causais das relações entre variáveis. Em geral são estabelecidos para controlar certas condições ambientais, de modo que, o pesquisador possa observar o efeito de uma variável ou de variáveis sobre os “sujeitos experimentais”.

Cada um destes esquemas de pesquisa tem pontos fortes. Os exploratórios são para o investigador ficar conhecendo a situação organizacional no ponto de partida, e indicar características específicas da situação que merece investigação e descrição posteriores.

Os estudos descritivos proporcionam fortes fundamentos para projetos experimentais mais elaborados que seriam, posteriormente, aplicados. Portanto, a exploração e a descrição são essenciais para o entendimento do comportamento organizacional.

Os estudos experimentais permitem introduzir controle na situação que observamos. A observação dos comportamentos organizacionais, sob condições controladas, ajuda a melhorar o entendimento teórico de variáveis dentro de tais estruturas.

Pela natureza do assunto na literatura e prática na administração foi adotada uma pesquisa descritiva através de pesquisa bibliográfica, levantamento e tratamento de dados.

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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14 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

3 Análise dos Dados

Tabela 6 - Médias Consolidadas

Variação da valorização das marcasPeríodo antes da crise mundial Período pós crise mundial

SetoresVar.

2004/2008Var.

2008/2009Var.

2008/2010Set. Automotivo LUXO 39,30% -7,30% 36,20%Set. Automotivo Geral 15,20% -46,90% -30,60%

Produtos de LUXO 59,70% -12,70% 22,80%Set. Serviços Informática 40,31% 2,27% 78,73%Set. Consumo Eletrônico 31,50% -2,39% 52,76%

Fonte: Interbrand, 2010.

3.1 Antes da Crise Econômica Mundial de 2008

Os níveis de distribuição e acessibilidade de produtos mostrados no Quadro 1, solidificam a relação entre escassez, compra pela emoção e, a identidade do consumidor com o valor atribuído aos produtos e contribui para justificar a valorização média maior das marcas de luxo em relação a valorização média das demais marcas nos mercados estudados conforme dados da Tabela 6 – Médias Consolidadas.

A tabela 6 mostra que os setores automotivos e o de produtos no mercado de luxo tiveram suas marcas mais valorizadas que os setores automotivos em geral, de serviços de informática e de consumo de eletrônicos.

Os produtos das empresas mais inovadoras são do setor de informática e de consumo de eletrônicos (Tabela 8 em anexo) – enquadram-se no terceiro nível de distribuição e possuem acessibilidade irrestrita conforme apresentado no Quadro 1.

São úteis não são escassos e, tiveram valorização média menor 40,31% e 31,50% respectivamente, contra 59,70% dos bens de luxo. As marcas de luxo foram as que tiveram maior valorização média situam-se no nível um e dois de distribuição e acessibilidade.

A inovação dos bens por si só, sem distribuição restrita, acesso difícil e forte identidade da marca por parte dos consumidores não se apresentou como fator determinante na valorização das marcas no período de antes da crise, apesar de reconhecidamente fazer parte dos itens que agregam valor a produtos e serviços.

Se por um lado pode-se identificar uma forte ligação dos bens de luxo com a escassez na valorização de suas marcas, por outro, os produtos de alta tecnologia, do setor de informática e de consumo de eletrônicos são reconhecidamente inovadores conforme The World’s 50 Most Innovative Companies (Tabela 8) e sua distribuição é pulverizada implicando numa valorização menor de suas marcas.

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3.2 Após o Início da Crise Econômica Mundial

Tabela 7 - Relações Estudadas

Variação da valorização das marcas

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial

EmpresasVar.

2004/2008Var.

2008/2009Var.

2008/2010Autom. LUXO/ Geral 2,6   (--//--)       Prod. LUXO/ Sev. Inform. 1,5   (-3,5)Prod. LUXO/ Cons. Eletr. 1,9   (-2,3)

Fonte: Interbrand, 2010.

No período recente, a partir de 2008 até 2010, as empresas inovadoras no setor de informática e de consumo de eletrônicos tiveram valorização média de suas marcas bem maior do que as empresas do mercado de luxo sejam no setor automotivo ou de produtos em geral.

A tabela 7 mostra que foi de três vezes e meia maior (3,5) a valorização do setor de informática e de duas vezes e meia (2,3) do setor de consumo de eletrônicos em relação ao setor de produtos no mercado de luxo.

As valorizações das marcas das empresas Google (346%), Apple (506%) e Nintendo (103%) nos dois últimos anos foram determinantes nesse processo, colocando a inovação em produtos e serviços em 1º. Plano em detrimentos a escassez e distribuição restrita dos produtos e serviços.

Considerações finais

Em período de crescimento da economia mundial as marcas de luxo tiveram valorização media maior que as empresas reconhecidamente inovadoras do setor de informática e de consumo de eletrônicos. Quando a economia mundial entrou em crise o quadro se inverteu e as marcas de luxo tiveram valorização média menor que a das empresas inovadoras.

As marcas mais valiosas do mercado global são reconhecidamente de empresas inovadoras, mas não foram estas que tiveram maiores taxas médias de variação de valor antes da crise, foram sim, as marcas de empresas pertencentes ao mercado de luxo.

A tecnologia viabiliza a distribuição de bens e cria mais valor (vide exemplo do fax) pela venda maciça dos bens, mas quando aplicada aos produtos de luxo tem uma importância menor.

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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A precificação alta dos bens de luxo está mais relacionada a escassez e a imagem da marca do que ao processo de inovação de bens, mesmo sendo este um componente importante no processo de valorização. Reconhecidamente, no período estudado foi fator secundário.

A necessidade de agregar valor ao bem de luxo é de vital importância para sua sobrevivência a longo prazo e as dificuldades encontradas pelas empresas são imensas e exige um planejamento muito bem feito para que não sobrem estoques e levem a organização a cair no erro da “espiral das promoções”.

As marcas devem, portanto, permanecer vigilantes no que se refere à sensibilidade dos consumidores ao preço, à inflação de lançamento de produtos novos, à duração de vida dos produtos, aos efeitos perversos da promoção, às novas maneiras de dar as cartas em matéria de distribuição e, enfim, à qualidade de serviço assim como à formação do pessoal de vendas.

Além do mais, as empresas têm sido pressionadas pelos acionistas por resultados crescentes e imediatos o que não é compatível com o Mercado de Luxo, que oferece alta rentabilidade sim, mas a quantidade de produtos vendidos é menor e o volume de capital de giro maior se comparado aos bens populares.

A estratégia de precificação dos setores de informática e de consumo de eletrônicos relacionados com a necessidade de pulverização da distribuição de seus produtos levou a uma valorização menor de suas marcas. O preço baixo tem relação forte com a pulverização na distribuição e acesso fácil dos mesmos.

Três fatores se apresentaram relevantes no processo de agregar valor e contribuíram para justificar a valorização maior das marcas de luxo em relação as demais, foram eles pela ordem: distribuição e escassez restritos; estratégia de precificação no sentido de manter os preços estáveis (com pequenas reduções) e a inovação dos produtos.

Pode-se inferir que o processo de inovação esteja migrando de “produtos e serviços” para “solução” de problemas, justificado pela menor valorização dos produtos do mercado de luxo frente aos de informática e consumo de eletrônicos pós crise econômica mundial e esta pode ser uma nova questão a ser investigada num futuro trabalho.

Referências Bibliográficas

ANDERSON, C. A cauda longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. ARIELY, D. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.CASTERÈDE, J. O luxo: os segredos dos produtos mais desejados do mundo. São Paulo: Barcarolla, 2005.LIPOVESKY,G. O luxo eterno: da idade do sagrado ao tempo das marcas. São Paulo: Cia da Letras, 2005.NAGLE, T e HOGAN, J. Estratégia e táticas de preço: um guia para crescer com

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lucratividade. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2007.SELLTIZ, C. Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo: Ed. Pedagógica e Universitária, 1974.STREHLU,S. Marketing de luxo. São Paulo: Cengage Learning, 2008.TAKAHASHI, S. e TAKAHASHI, V. Gestão de inovação de produtos: estratégia, processo, organização e conhecimento. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. The Best Global Brands. INTERBRAN. Boston, fevereiro 2009. BEULKE, R. e BERTÓ, J. – Precificação: sinergia do marketing e das finanças. São Paulo: Saraiva, 2009. Relatório Especial: The World’s 50 Most Innovative Companies.Boston Consulting Group’s. Business Week, Boston, fevereiro 2009ZONING, F. – Acerte o preço: e aumente seus lucros. São Paulo: Editora Nobel, 2007

Anexo 1 – Tabelas

Tabela 1- Setor Automotivo de Luxo

Variação da valorização das marcas

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial

Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009Var.

2008/2010Merc. Bens 19,9% -6,7% -46,3%B.M.W 46,7% -7,0% -6,4%Audi * 64,4% -7,3%  Porshe 26,2% -8,0% 161,2%Média 39,3% -7,3% 36,2%

Fonte: Interbrand 2010

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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Tabela 2- Setor Automotivo Geral

Variação da valorização das marcas

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial

Empresas Var. 2004/2008 Var. 2008/2009Var.

2008/2010Toyota 50,2% -8,0% -36,1%Honda 28,3% -6,7% -25,0%Ford * -45,5% -11,3%  Volks * 9,9% -8,0%  H. Davison * 7,2% -43,0%  Hyundai * 39,3% -5,0%  Lexus * 16,9% -11,9%  Média 15,2% -46,9% -30,6%

Fonte: Interbrand 2010

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010

Tabela 3- Produtos do Merc. de Luxo Variação da valorização das

marcasPeríodo antes da crise mundial Período pós crise mundial

Empresas Var. 2004/2008Var.

2008/2009Var.

2008/2010Gucci 75,1% -0,9% -8,1%Chanel * 43,9% -5,0%  Rolex * 33,2% -7,0%  Hermes 35,5% 0,5% 84,9%Cartier * 54,1% -6,3%  M. Chandon * 38,1% -4,9%  Prada * 39,6% -1,0%  Tiffany * 15,7% -4,9%  G. Armanni * 34,9% -6,3%  L.V.M.H. 227,2% -2,2% -8,4%Média 59,7% -12,7% 22,8%

Fonte: Interbrand 2010

* marca fora da lista das 100 mais valorizadas em 2010

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Tabela 4 - Setor de Serviços de Informática

Variação da valorização das marcas

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial

Empresas Var. 2004/2008Var.

2008/2009Var.

2008/2010Google 202,45% 24,97% 346,50%Microsolft -3,85% -4,00% 29,38%IBM 9,74% 2,00% 46,33%HP 12,07% 2,50% 68,94%Cisco 33,60% 3,40% -21,53%Oracle 26,48% -0,95% 79,43%Dell 1,70% -12,01% 2,08%Média 40,31% 2,27% 78,73%

Fonte: Interbrand 2010

Tabela 5 - Setor de Consumo de Eletrônicos

Variação da valorização das marcas

Período antes da crise mundial Período pós crise mundial

Empresas Var. Ano a Ano Var. 2008/2010

Var. 2008/2010

Nokia 49,50% -3,00% -58,64%Intel -6,68% -2,00% -54,54%Apple 99,74% 12,45% 505,89%Samsung 40,91% -0,97% -35,83%Sony 6,46% -12,00% -40,02%Nintendo 35,39% 4,99% 103,31%G.E. 20,35% -10,75% -15,13%Siemens 6,33% -7,87% 17,00%Média 31,50% -2,39% 52,76%

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

Fonte: Interbrand 2010

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Tabela 8 - Ranking de Melhores em Tecnologia

Empresas 2010 2009 2008Apple 1 1 1Google 2 2 2Toyota Motor 5 3 3Microsoft 3 4 5Nintendo 20 5 7IBM 4 6 12H.P. 16 7 15Research in Motion 14 8 13Nokia 23 9 10Wal-Mart Stores 21 10 23Amazon.com 6 11 11Procter & Gamble 25 12 8Tata Group 17 13 6Sony 10 14 9Reliance Industries 33 15 19Samsung 11 16 26G.E. 9 17 4Volkswagen 15 18 NRMcDonalds 29 19 30B.M.W. 18 20 14Walt Disney 32 21 17Honda Motor 26 22 16AT&T NR 23 27Coca-Cola 19 24 NRVodafone 38 25 47Infosys NR 26 NRL.G. Eletronics 7 27 NRTelefonia NR 28 NRDaimer NR 29 31Verizon Com. NR 30 34Ford Motor 13 31 NRCisco Systems 31 32 35Intel 12 33 48Virgin Group 24 34 28Arcelor Mittal NR 35 NRHSBS 49 36 40Exxon Mobil NR 37 42Nestle 36 38 NR

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Vodafone 38 25 47Infosys NR 26 NRL.G. Eletronics 7 27 NRTelefonia NR 28 NRDaimer NR 29 31Verizon Com. NR 30 34Ford Motor 13 31 NRCisco Systems 31 32 35Intel 12 33 48Virgin Group 24 34 28Arcelor Mittal NR 35 NRHSBS 49 36 40Exxon Mobil NR 37 42Nestle 36 38 NRIberdrola NR 39 NRFacebook 48 40 253M NR 41 22Banco Santander 42 42 NRNIKE 46 43 45Johnson &johnson NR 44 NRSouthwest Arlines NR 45 49Levoto 39 46 NRJPMorgan Chase 39 47 NRFiat 43 48 NRTarget NR 49 24Royal Dutch Shell NR 50 NRB.Y.D. 8 NR NRHyundai Motor 22 NR NRFast Retailing 27 NR NRHaier Electronics 28 NR NRSiemens 34 NR NRDell 35 NR NRBritih Sky Broad. 37 NR NROracle 40 NR NRPetrobras 41 NR NRChina Mobile 44 NR NRGoldman Sachs 45 NR NRH.T.C. 47 NR NRVerizon Com. 50 NR NR

Fonte: Business Week - Boston Consulting G

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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Tabela 9 - Best Global BrandsEmpresas

2010Colocação Valor da Marca

US$ bilhõesGoogle 1 114,260IBM 2 86,383Apple 3 83,153Microsoft 4 76,344Coca-Cola 5 67,983McDonalds 6 66,005Marlboro 7 57,047China Mobile 8 52,616G.E. 9 45,054Vodafone 10 44,404I.C.B.C. 11 43,927H.P. 12 39,717Wal-mart 13 39,421BlackBerry 14 30,708Amazon.com 15 27,459U.P.S. 16 26,492TESCO 17 35,741VISA 18 24,883ORACLE 19 24,817VERIZON 20 24,675SAP 21 24,291AT&T 22 23,714HSBC 23 23,408Bank China 24 21,960B.M.W. 25 21,816Toyota 26 21,769China Bank 27 20,929Gilette 28 20,663L.V.M.H. 29 19,781Wells Farco 30 18,746Santander 31 18,012Nintendo 32 17,834Pampers 33 17,434B.P 34 17,283

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CISCO 35 16,719R.B.C. 36 16,608Bank of America 37 16,393Budweiser 38 15,991ExxonMobil 39 15,476Shell 40 15,112Disney 41 15,000Carrefour 42 14,980Nokia 43 14,866ACCENTURE 44 14,734ICICI 45 14,454HONDA 46 14,303COLGATE 47 14,224INTEL 48 14,210L”OREAL 49 14,129ORANGE 50 14,018Petro China 51 13,935American Express 52 13,912M.BENS 53 13,736CITI 54 13,403T MOBILE 55 13,010BBVA 56 12,977DOCOMO 57 12,969PEPSI 58 12,752NIKE 59 12,597MOVISTAR 60 12,434CHASE 61 12,426TARGET 62 12,148H.M. 63 12,131SUNWAY 64 12,032PORSCHE 65 12,021DELL 66 11,936MASTERCAD 67 11,659SAMSUNG 68 11,351TEKTEL 69 10,85002 70 10,593TD 71 10,274M.T.S. 72 9,723PETROBRAS 73 9,675FEDEX 74 9,418BAIDU 75 9,356

Inovação e estratégia de luxo como fatores que interferem na valorização da marca, Jose Eduardo Amato Balian , p. 5-24

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EBAY 76 9,328SIEMENS 77 9,293Godman Sachs 78 9,283WRIGLEY’S 79 9,201ZARA 80 8,986Home Depot 81 8,971REDBULL 82 8,917Aldi 83 8,747NISSAN 84 8,607STARBUCKS 85 8,490HERMES 86 8,457BARCLAYS 87 8,383USBANK 88 8,377Standar Chartered 89 8,327China M Bank 90 8,236State Farm 91 8,214BUNAIC 92 8,160J.P.Morgan 93 8,159SONY 94 8,147Morgan Stanley 95 8,003Auchan 96 7,848GUCCI 97 7,588BRADESCO 98 7,450AVON 99 7,293TIM 100 7,280

Fonte: Interbrand 2010

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Aspectos de uma reestruturação produtiva

sustentável no Brasil

Walter Gomes da Cunha Filho∗

∗ Engenheiro, Mestre em Métodos Quantitativos e Doutor em Ciências Sociais (sub-área de Reestruturação Produtiva) pela PUC-SP. Além de ser um estudioso do assunto, atuou durante anos como professor, pesquisador, consultor e gestor de Operações / Produção. Atualmente é professor titular doutor da Faculdade de Administração e do MBA da FAAP. <[email protected]>

Resumo: Este artigo se propõe avaliar numa conjugação de fatores estruturais e conjunturais - através da compreensão do atual processo de mudanças e inovações - a eficiência do sistema produtivo brasileiro e, conseqüentemente, das condições de trabalho humano dele advindas. Objetiva a obtenção do padrão exigido para a sua inserção no mercado mundial, com ênfase no determinante da competitividade. Presta-se, também, à discussão de estratégias setoriais que envolvam movimentos de reestruturação produtiva e demandas por alterações em eventuais regimes de proteção.

Palavras chave: demanda, eficiência, inovação, qualidade, rede de empresas, reestruturação produtiva, tecnologia, trabalho humano, sustentabilidade.

Abstract: The objective of this article is to evaluate - through the understanding of the present processes of changes and innovations - the efficiency of the Brazilian productive system and its consequences on human labor, aiming at conquering the necessary standards for its inclusion in the global market, focusing on competition. In addition, it aims at discussing setorial strategies which involve productive restructuring and demands for changes in protective policies.

Key words: demands, efficiency, enterprises network, human labor, innovation, productive restructuring, quality, technology, sustainability.

Aspectos de uma reestruturação produtiva sustentável no Brasil, Walter Gomes da Cunha Filho , p. 25-31

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Introdução

A partir dos anos 60, durante um período que se estendeu até o final da década de 80, a sustentabilidade do sistema produtivo brasileiro resultou basicamente da ação regulatória do Estado. O período de crescimento rápido nas décadas de 60 e 70 foi impulsionado, por trás da cortina protetora das barreiras à importação, através de investimentos provindos do exterior e do setor público. Políticas de investimento e financiamento públicos, conjugadas com a manutenção de um regime discricionário de proteção, suportado por mecanismos de controle de preços, constituíram os principais instrumentos de regulamentação1.

Este conjunto de fatores, estritamente funcional à lógica de um modelo, propiciou que as características estruturais do setor produtivo - produtor de commodities e de produtos específicos em pequenas escalas - não comprometessem sua sustentabilidade.

A crise dos anos 80, gerada na década anterior, resultou na restrição de recursos externos, representando a ruptura do processo de crescimento da economia. Com tal restrição, a inflação criou incentivos que tornaram virtualmente impossível o aumento da produtividade2. Era mais racional, do ponto de vista econômico, priorizar a administração do capital e reduzir o grau de dedicação ao atendimento do cliente e à produtividade.

Num histórico de instabilidade econômica e de regulamentação - fatores que poderiam explicar a baixa intensidade de capital e da ineficiência organizacional - fazia-se necessária uma política que priorizasse a remoção de barreiras à competição e a atuação das forças do mercado. Assim, para alavancar o rumo de uma trajetória de desenvolvimento, caracterizada pelo crescimento da produtividade e não pelo aumento dos fatores de produção, se deu a abertura da nossa economia3.

Com a irreversibilidade do processo de abertura implicando na impossibilidade de restabelecimento dos mecanismos de proteção que vigoraram no passado, conformou-se um ambiente escamoteador da vulnerabilidade do sistema produtivo à concorrência externa. Assim, descortinou-se um novo cenário: a configuração produtiva apresentava problemas de sustentabilidade, decorrentes da relação entre as condições de sua operacionalidade e o padrão de funcionamento do mercado. Isto, que já era observado na década de 90, punha em discussão questões ligadas especificamente à eficiência da operação e à manutenção das plantas e dos custos que estas internalizavam.

Neste início de século ainda ocorrem transformações marcantes no processo produtivo envolvendo novas tecnologias e formas de gerenciamento, com reflexos na organização do trabalho. Novas relações produtivas vêm sendo desenvolvidas e nestas o trabalho assalariado está diminuindo.

1 A regulamentação que proíbe ou não estimula a oferta de determinados produtos ou serviços (incluindo a regulamentação de preços) pode reduzir ou eliminar a alta produtividade.2 Em 1989 o PIB per capta estava no mesmo nível do de 1980.3 Os hiatos de competitividade da indústria nacional, se por um lado decorriam da sua baixa resistência frente à capacidade de produtores externos praticarem preços marginais no Brasil, por outro lado eram explicados por elementos de ineficiência sistêmica. Estes, em sua maior parte, pareciam derivar dos maiores custos de investimento e do capital de giro, dos custos advindos de insumos e de transportes - comparativamente mais altos em relação àqueles pagos internacionalmente - e também de distorções na estrutura tributária.

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Os termos mais utilizados que acompanham essas mudanças são: flexibilidade, integração, qualidade, produtividade e competitividade, divulgados como condições de sobrevivência econômica das empresas. O sucesso destas, por sua vez, além de condição para sua inserção no mercado mundial, tem como base o desenvolvimento do país. Assim, quando pesquisas do Banco Mundial fornecem indicações que a pobreza diminui mais ou menos na mesma proporção do aumento do PIB per capta, não resta ao Brasil, por suas altas taxas de crescimento vegetativo, senão a manutenção de políticas de crescimento econômico. Para tanto, há que se motivar a utilização de capital e mão-de-obra em níveis de produtividade comparáveis aos das melhores práticas, incentivando a diminuição do hiato existente entre os fatores de produção.

Neste momento, observa-se que as perspectivas de consolidação econômica, combinadas com políticas voltadas para a remoção de barreiras à produtividade e uma maior integração internacional, podem estabelecer condições para que o país siga um caminho de desenvolvimento sustentável. Para a ocorrência desta realidade, sob muitos aspectos favorável, se fez necessária uma reorganização do sistema produtivo, e também organizacional, das empresas brasileiras.

Esta começou no início dos anos 90, como resposta à implantação de políticas geradoras de aumento da competitividade industrial. Numa tentativa de adaptação aos novos paradigmas internacionais, as ações de ajustamento passaram pela ênfase da qualidade do produto, do processo, e pela redução de custos.

O Programa de Qualidade e Produtividade foi o caminho adotado. Lançado em novembro de 1990, representou um esforço para envolver empresários, trabalhadores e movimento sindical num mesmo ideário: o da inserção do país no contexto das economias desenvolvidas. Este programa logrou destacar-se dentre os instrumentos de política industrial e de comércio exterior por sua abrangência e direcionamento, por provocar transformações estruturais nos setores econômicos (públicos e privados), e por mobilizar a sociedade em torno dos objetivos de uma reformulação da estrutura produtiva.

A adoção do programa por grande número de empresas teve reflexos positivos nos indicadores de produtividade industrial. No quadriênio 1990/93, o crescimento foi, em média, de 20% para todo o setor da indústria. Todavia, este aumento ocorreu de forma bastante diferenciada: enquanto na década de 70, o acréscimo da produtividade acompanhou os aumentos da produção e do emprego, tal não ocorreu na década de 90 (FEIJÓ, 1994): o aumento de produtividade foi acompanhado por redução nos postos de trabalho; em 1992, o nível de emprego industrial se aproximou ao de 1976.

Do exposto até aqui duas conclusões se destacam: a primeira é que a reestruturação, pela ótica da horizontalização da produção e da terceirização de tarefas não estratégicas, eliminou postos de trabalho; a outra é que, pela ótica do acirramento competitivo, o aumento da produtividade foi favorecido: houve redução do emprego industrial para um mesmo nível de produção. Este favorecimento tornou-se uma das âncoras da competição industrial, muito embora os produtores nacionais ainda privilegiem as vendas no mercado interno (a menor concorrência local permite a prática de preços mais atrativos). Esta conjuntura torna viável o aumento da base exportadora, uma vez que a exportação deverá se tornar mais atraente à medida que

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a concorrência interna aumentar. Assim, o aumento da produtividade pode, após o ajuste inicial, ser uma fonte de elevação no nível de emprego.

Quanto ao mercado de trabalho, atualmente ele se demonstra bem mais flexível, até porque os interessados nesse processo – empresários, trabalhadores e entidades sindicais – amadureceram suas relações, antes mais polarizadas, e também caminharam nesse sentido.

Porém, mesmo a economia já tendo demonstrado condições de gerar novos postos e empregar uma força de trabalho crescente, é preciso ressaltar que a redução de empregos observada na indústria tem repassado para o setor prestador de serviços um incremento na oferta de empregos, o que tem ocorrido com uma dinâmica que tende a ser mais instável4 e informal5.

Com uma jornada de trabalho que provê menores índices de competitividade que aqueles observados nos países desenvolvidos, e ainda tendo na contra-mão o crescimento acelerado de novas exigências da cadeia produtiva, configura-se a possibilidade de um comprometimento sistêmico: se não houver continuidade no aumento da demanda, além dos reflexos na economia, bem possivelmente a informalidade ainda poderá ser substituída por categorias residuais de subsistência, como já ocorreu anteriormente.

Sabe-se que as instituições educacionais formais, sobretudo as públicas, mal dão conta de garantir a qualidade do ensino fundamental. Assim, tanto o treinamento quanto a qualificação da mão-de-obra empregada poderiam ser de responsabilidade dos empregadores, prática comum nas empresas japonesas. Como as melhorias na educação contribuem para o aumento da produção, com possibilidades de ganhos de produtividade maiores do que os custos envolvidos, é de valia para o setor empresarial investir mais no treinamento de funcionários, aumentando assim, seu capital humano. Entretanto, a capacitação de recursos humanos nas empresas é bastante seletiva - depende de funções e de necessidades específicas – e, assim, a tendência é a criação de um hiato elevado entre os diversos níveis de qualificações.

Enfim, tanto a organização mais eficiente de funções e tarefas - na qual a relação entre mão-de-obra e capital seja amplamente determinada pela natureza da tecnologia - quanto a melhoria da qualidade dos processos produtivos e dos produtos finais, indicam fragilidades no sistema produtivo brasileiro. Esta parece ser uma possibilidade que permitiria ao país sair da situação de vulnerabilidade, mais uma vez desnudada pela recente crise.

Neste cenário em que o comércio internacional ainda é afetado por vertentes financeiras fundamentadas na credibilidade, tanto da condução dos mercados, como de produtos, de processos e até de marcas, pode-se constatar que:

- os preços das commodities mantiveram alta (fato indicativo de possíveis melhorias nas receitas de exportação e no influxo de capitais. Tanto o é, que previsões negativas sobre o crescimento de nossa economia foram revisadas para melhor);

4 Se por um lado, os impostos dificultam a criação de empregos no setor formal, por outro, o acesso ao fundo de garantia, em caso de dispensa, pode aumentar a rotatividade dos trabalhadores por incentivar a demissão voluntária. 5 Grande parte dos trabalhadores sem carteira assinada está alocada no setor de serviços.

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- a crise global obrigou os países a praticarem políticas de redução de juros, num processo de alívio monetário6;

- as demissões ainda ocorrem como forma de preservar o caixa necessário para dar continuidade às operações diante de eventuais mudanças nos mercados;

- clama-se internacionalmente pela oportunidade de discussão de uma nova ordem mundial e, por isso mesmo, também é um momento de oportunidades;

- mesmo com o sentimento de que “o pior já passou”, os governos ainda sofrem pressões para que suas políticas monetárias não incorporem o crescente déficit de endividamento público.

Parece, então, ter-se configurado uma situação que vem exigindo pronta e ampla discussão sobre ações estratégicas, que também envolvam mudanças estruturais na dinâmica produtiva do país. Nesse sentido, se faz necessária uma reestruturação, cuja regulação transcenda a esfera de ação isolada de segmentos, demandando a definição de instrumentos e diretrizes de novas políticas, tanto na área industrial, quanto na de comércio exterior.

Assim, apresenta-se como alternativa o estabelecimento de dispositivos que favoreçam a reconfiguração do setor produtivo em níveis internacionalmente competitivos. Considerando-se a situação da indústria no presente, a adoção de novos mecanismos de proteção, em caráter transitório, poderia ser utilizada para minimizar os efeitos dos impactos gerados por conjunturas internacionais desfavoráveis. Alterações nas políticas fiscal, industrial e comercial - do ponto de vista de acesso e utilização da tecnologia, da obtenção de capital em condições mais favoráveis e também de uma tributação não cumulativa - parecem ser a continuidade do movimento, em direção a colocar o sistema produtivo brasileiro em condições de operar dentro dos padrões observados nos países mais competitivos.

Não obstante a concorrência no mercado globalizado tenha sido fator determinante para a busca constante de incremento seletivo por parte das empresas brasileiras, estas tem sido alvo de pressões sociais e ambientais crescentes nos últimos anos. Portanto, para que tal incremento tenha resultados favoráveis, cabe a adoção, pelas empresas, de práticas gerenciais e produtivas direcionadas não somente ao aumento da produtividade7, mas também ao atendimento daquelas demandas sócio-ambientais.

Esta conjuntura impôs a necessidade de que produtos e processos sejam desenvolvidos através de soluções8 que propiciem economia de escala e customização, e que sejam menos agressivas ao meio ambiente9.

Se por um lado esses desafios implicam numa continuidade de investimentos, por outro, podem direcionar as empresas brasileiras a desenvolverem parcerias. Este

6 Este movimento, no que se refere ao processo produtivo brasileiro, pode ser mais bem visualizado pela maneira como os bancos foram afetados. De forma geral, os grandes continuaram a captar dinheiro no mercado, entretanto, os menores tiveram mais dificuldade em contornar a desconfiança dos investidores. Para as empresas, basicamente aquelas de pequeno e médio porte, os financiamentos provêm de bancos menores, isto, por si só, além de entrave à própria política é um fator que restringe o sistema produtivo. 7 Esta é uma categoria ampla que abrange o modo de organização do processo de produção e de outras funções chaves (finanças, desenvolvimento de produtos, vendas, marketing, etc.).8 Em qualquer processo produtivo é inerente a geração de dejetos. O que se busca com o desenvolvimento tecnológico, além da qualidade, é a minimização da geração de sucata / lixo, ou seja, que aumentos decrescentes de dejetos possam ser obtidos no ciclo produtivo, ao longo do tempo.9 Cada vez mais são utilizados processos industriais que permitem a reciclagem, ou seja, o reaproveitamento do dejeto.

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direcionamento, além de favorecer a minimização de custos operacionais, possibilita uma mais rápida integração em novos mercados. Deve-se também considerar que o movimento de melhorias da produtividade média, durante um processo de mudanças, normalmente tem continuidade através do aumento da produtividade de alguns dos estabelecimentos existentes, e da difusão deste diferencial para outros, com processos de produção menos eficientes10.

Conclusão

A perspectiva histórica se fez necessária, pois é fato que o sistema produtivo brasileiro não apresenta indicadores de pró-atividade, ou seja, suas dificuldades e problemas se acumulam e ele só vivencia saltos qualitativos em decorrência de crises conjunturais. Por isso, dentro de uma visão de contexto, apresentou-se a possibilidade da utilização de ferramentas, no sentido de inverter essa tendência.

Pela perspectiva de sustentabilidade, em que o desperdício é o inimigo a ser evitado, e o aproveitamento pleno de qualquer recurso, um alvo a ser constantemente buscado, o grande desafio é olhar com olhos realistas e transparentes o que se tem, o que se desperdiça, o que se pode perder ou ganhar nas ações coletivas. Essa visão crítica inexoravelmente aponta necessidades de mudanças e de readaptações que, ao serem realizadas, podem gerar impactos de maior abrangência que os pressupostos.

Assim, uma reestruturação do sistema produtivo brasileiro, voltada não só à sobrevivência pura e necessária das organizações, mas também ao desempenho de um papel significativo na cadeia sócio-ambiental onde se instalam, poderá trazer em seu bojo saltos qualitativos na existência dessas mesmas organizações, e mesmo para além delas.

A convivência por parcerias, por exemplo, torna possível o desenvolvimento de valores e processos consoantes com a ótica da sustentabilidade11: solidariedade, troca de expertise permitindo crescimento recíproco, e o despojo das atitudes predatórias usuais do ambiente competitivo. Da mesma forma, o movimento conseqüente à urgência da qualificação profissional em nosso país, precisa fazer frente até aos déficits atuais da educação básica, medida esta que pode levar a profissionais cidadãos, melhor informados e apropriados de maior visão crítica, dando assim forma e vida a uma competitividade sustentável.

10 Conceito de absorção e expansão explicitado em publicações da Bain & Company (empresa global de consultoria empresarial com escritórios em quatro continentes). O “benchmarking” (ferramenta usada na comparação da

empresa com as concorrentes) tem sido considerado, juntamente com cortes de custos, de grande utilidade. 11 A tecnologia por si só não garante sustentabilidade, até porque ela se torna rapidamente acessível deixando de ser diferencial num segundo momento. Na verdade, a garantia de sustentabilidade também perpassa pela

melhoria da visão sistêmica e crítica de todos os envolvidos no processo.

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James Buchanan e a “Política” na escolha pública

Marco Antonio Dias∗

∗ Economista pela USJT, Pós-Graduado com MBA em Economia do Setor Financeiro pela FEA/USP, Mestre em Gestão Ambiental pelo IPT-USP, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP. Docente da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado-FAAP, docente colaborador do Instituto de Economia da UNICAMP no CEEF-Pós-Graduação. Linhas de pesquisa nas áreas de Meio Ambiente, Sustentabilidade, Governança Corporativa e Economia do Estado. E-mail:< [email protected]>

Resumo:Conhecida como escola da Public Choice, tem sua origem no conjunto de reflexões que alguns autores, entre os quais se destaca a figura de James Buchanan, desenvolveram a partir dos anos sessenta, visando à adoção de uma perspectiva econômica de análise dos fenômenos políticos, notadamente das decisões em situações de não mercado ou de mercado político. Esta escola se desdobra na investigação de temas clássicos da ciência política, tais como as estruturas das decisões nas sociedades democráticas, o papel do legislativo na produção das escolhas coletivas através da ótica da uma teoria econômica, onde a especificidade da política se submete integralmente às categorias e à lógica da análise econômica.

Palavras-chave: Política; Teoria Econômica, Public Choice; Sociedade Democrática.

Abstract:Known as the Public Choice School, it has its origin in the set of ideas that some authors, among which the figure of James Buchanan stands out, developed from the sixties, seeking the adoption of a perspective of economic analysis of political phenomena, especially of decisions in situations of non-market or market policy.This school unfolds in the investigation of classic themes of science policy, such as the structures of decisions in democratic societies, the role of legislative choices in the production of collective through the perspective of an economic theory, where the specificity of the policy is fully submited to the categories and the logic of economic analysis.

Keywords: Policy; Economic Theory, Public Choice; Democratic Society.

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Introdução

O político é aquele indivíduo que pede dinheiro aos ricos e votos aos pobres, prometendo, se eleito, defender uns dos outros. (JAMES BUCHANAN)

Este artigo pretende resgatar a escola da Public Choice em todas as suas dimensões, repercutindo a importância da escolha pública nas decisões de caráter econômico, amparada no ambiente do regime público ou da figura do Estado. Tais decisões permeiam grupos de interesse que exercem força econômica e dirigem ou transferem a escolha pública na busca da otimização da aplicação dos recursos escassos.

James M. Buchanan Jr. nasceu em Murfreesboro, Tenessee, no dia 3 de outubro de 1919 e durante a maior parte de sua vida acadêmica esteve ligado a George Mason University, no estado de Virgínia, onde foi diretor do Center for the Study of Public Choice, sendo em 1986, laureado com o Prêmio Nobel de Economia.

Dentre suas contribuições liberalistas, deu inicio á vertente que é conhecida como Teoria da Escolha Pública (Public Choice) e que se caracteriza por introduzir o individualismo metodológico e o instrumental matemático na ciência política.

Segundo Toneto (1996), Buchanan viveu num ambiente em que dominava o keynesianismo (pós-Segunda Guerra), com sua defesa da intervenção do Estado na economia em virtude das falhas de mercado.

Com a desaceleração do crescimento mundial após a década de 60 e o surgimento das críticas ao keynesianismo, Buchanan começa então a desenvolver sua teoria na Universidade de Chicago, centro difusor das críticas ao keynesianismo. Ao perceber a efervescência deste contexto, James Buchanan apresenta as duas grandes preocupações que podem ser identificadas por trás da elaboração da teoria da escolha pública.

A primeira dizia respeito à excessiva matematização que, cada vez mais, assumia papel central na formulação teórica da época, e da qual a teoria das expectativas racionais é um ótimo exemplo. Para Buchanan, ao se preocuparem em elaborar modelos de análise com enorme sofisticação matemática, os economistas estavam se esquecendo daquilo que para ele deveria se constituir no essencial da análise teórica: compreender as motivações que explicam as decisões dos agentes econômicos. Com evidente ironia, Buchanan referia-se aos economistas matemáticos como “eunucos ideológicos”.

A segunda preocupação dizia respeito à acentuada politização das decisões econômicas, que era decorrência direta da enorme influência das políticas econômicas de inspiração keynesiana, como já mencionado anteriormente. A transferência para o âmbito da política muitas vezes fazia com que a racionalidade econômica fosse suplantada pelos interesses dos políticos envolvidos na tomada de decisões.

Como bem observou Buchanan, o economista e o político trabalham com vetores distintos, onde o primeiro tem por parâmetro fundamental em suas tomadas de decisão a eficiência, procurando sempre a alocação ótima dos recursos

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escassos; enquanto o segundo tem por parâmetro a conquista e a manutenção do poder, o que só pode ser alcançado, no regime democrático, através do voto.

Nesse sentido, o político, principalmente em períodos eleitorais, tem o costume de prometer mundos e fundos para conquistar os votos dos eleitores, desconsiderando, muitas vezes, os limites impostos pela escassez dos recursos produtivos.

Daqui surgem duas letais armadilhas; a primeira é o Estado entrar em todas as áreas da sociedade, tornando-se um Leviatã1 e sufocando as liberdades individuais, conforme pressupõe os ensaios sobre a liberdade de Stuart Mill. A segunda e não menos letal é os políticos utilizarem os bens públicos para atingir seus fins privados: a corrupção.

Assim, se a existência do Estado é necessária devido às falhas de mercado, para corrigir externalidades e conseguir assim melhorias de bem-estar, através da provisão de bens públicos, a preocupação de Buchanan é a limitação dos poderes do Estado para evitar as falhas deste.

Escola Public Choice

De acordo com Araújo (2003), o postulado básico da Public Choice a coloca na corrente da filosofia política que inclui autores do calibre de Thomas Hobbes, Alexis de Tocqueville, Maquiavel, Stuart Mill e David Hume.

As origens da Public Choice podem ser localizadas no final da década de 1940, conforme contextualizado na introdução deste artigo, á luz do debate sobre as funções de bem-estar de Bergson e Samuelson (Mueller, 1989).

Os modelos de socialismo de mercado desenvolvidos nos anos 30 e 40 do século XX visualizaram o Estado como provedor de bens privados2 (Mueller, 1989). A intervenção estatal seria necessária para suplementar a insuficiência de investimentos privados, causa principal do desemprego, segundo a análise keynesiana. No período posterior à II Guerra Mundial os problemas referentes à eficiência alocativa continuaram demandando atenção.

No entanto, passado este período o bom desempenho da economia mundial reduziu o interesse sobre os problemas relacionados ao desemprego e a redistribuição de renda.

Nas décadas de 40 e 50 tornou-se dominante uma literatura sobre falhas de mercado (bens públicos, externalidades e economias de escala) que fornecia uma explicação natural para a existência do Estado devido ao fato de o mercado, em determinadas condições, não ser capaz de levar a economia à condição ótima de Pareto3.

1 Referência à obra clássica de Thomas Hobbes.2 Bérgson (1938), Samuelson (1947).3 Vilfredo Pareto, economista e sociólogo italiano de origem francesa nascido em Paris.Considerado um dos ideó-logos do movimento fascista, elaborou a teoria de interação entre massa e elite e aplicou a matemática à análise econômica, mais conhecido por sua dedicação à matemática voltada para a economia e a sociologia. Educado na Itália, estudou matemática e literatura e graduou-se em física e matemática (1867) e em engenharia (1870) no Instituto Politécnico de Turim.

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Segundo Buchanan (1949), a teoria e a prática das finanças públicas deveriam ser revisadas para relacionar a distribuição individual do custo público à distribuição individual de benefícios, de modo que as pessoas pudessem visualizar o que eles recebem em troca dos impostos que pagam.

A pergunta fundamental colocada pela Public Choice era: se o Estado existe como uma espécie de substituto do mercado para fornecer bens públicos e eliminar externalidades, como seria possível a revelação das preferências por esses bens públicos?

Contudo, a Teoria da Public Choice começa a ter notoriedade nos estudos acadêmicos e passa a ser entendida como uma extensão dos métodos da teoria econômica convencional para o ambiente conhecido como mercado político. O principal argumento era que, fosse no mercado, fosse na política, indivíduos comportavam-se da mesma maneira, ou seja, movidos pelas mesmas motivações – eram maximizadores do interesse próprio.

Tal abordagem tem como principais propugnadores Tullock (1962), Downs (1957) e Olson (1965) que acabaram influenciando com seus argumentos liberais Buchanan (1993), membro da então Escola de Virgínia ou Thomas Jefferson Center for Studies in Political Economy, responsável pela elaboração da perspectiva denominada Public Choice.

Surgida nos EUA nos anos 60, incorpora a segunda fase da Public Choice ostentando um quadro liberal em dois aspectos: quanto às críticas aos efeitos perversos da intervenção do Estado na economia e na sociedade como um todo4, com efeitos à própria democracia; e quanto à formulação de um método de compreensão e análise da sociedade, com enorme influência às próprias Ciências Sociais (sobretudo em relação à Ciência Política). Trata-se do desenvolvimento da Teoria do Individualismo Metodológico.

Ainda vale lembrar que, apesar da ausência de citações nos trabalhos que envolvem a Public Choice, existe a contribuição de Schumpeter (1973) em Capitalismo, Socialismo e Democracia que apresenta a esfera política organizada como um mercado, em que os políticos atuam como empresários, intermediando a negociação em que se trocam votos por políticas, revelando que o que está em jogo no mercado político e econômico, são interesses privados.

Para compreender melhor a Public Choice, basta observar que o crescimento dos gastos públicos é devido ao auto-interesse de eleitores, políticos e burocratas, ou seja, os economistas e cientistas políticos ligados à Public Choice têm procurado demonstrar que os gastos públicos e a burocracia crescem de forma significativa e ineficiente tornando a empresa pública menos eficaz que a empresa privada.

4 Lafer (1991) afirma que, o antipaternalismo é outra característica identificadora a doutrina liberal. Traduz-se na deslegitimação da função de interveniência do Estado na vida das pessoas com fundamento a avaliação de que todo indivíduo precisa ser protegido até dos seus próprios impulsos e inclinações. Stuart Mill, como aponta Bobbio, da mesma maneira que Locke e Kant é um antipaternalista e o seu pressuposto ético é o de que “sobre si mesmo, sobre o seu próprio corpo e espírito, o indivíduo é soberano”.

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Esforços no sentido de abordar o processo político por meio de teorias pluralistas5 tendem a interpretar o Estado não como uma unidade autônoma e soberana, mas como resultado de reflexos provenientes de centros de ação sociais diversos. Conforme apontado por Offe (1996), os principais interesses organizados nas sociedades capitalistas competem com níveis de poder diferenciado, sem que seja determinada a priori a hegemonia de um grupo específico.

Mueller (1989, p.1) define Public Choice como:[...] o estudo econômico da decisão fora da lógica do mercado, ou simplesmente a aplicação da economia à ciência política. A questão da escolha pública é a mesma que a da ciência política: a teoria do Estado, votando regras, o comportamento dos eleitores, partidos políticos, a burocracia, e assim por diante. A metodologia de escolha pública é o da economia, entretanto, o postulado básico do comportamento da escolha pública, como para a economia, é que o homem é um egoísta, racional e maximizador de utilidade.

Notadamente a análise da escola Public Choice situa-se sobre as finanças públicas, as políticas comerciais e as políticas regulatórias. Dentre as diversas idéias enfatizadas pela

Escola da Public Choice destacam-se:(i) logrolling - é o termo usado para denotar a troca de apoio entre políticos;

quando os partidos são baseados em princípios de lealdade e disciplina partidária, a maior parte da atividade de logrolling é desenvolvida no interior dos partidos (na formulação dos seus programas); quando, ao contrário, os partidos são fracos e seus membros indisciplinados, as atividades de logrolling tendem a ser intensas e muitas vezes sem princípios.

(ii) grupos de interesse - muitos grupos sociais organizados têm intenso interesse em influenciar o governo pelos grandes ganhos que estão em jogo. Estes grupos são constituídos por empresas, associações empresariais, grupos específicos de funcionários do governo, etc.

Tais grupos são organizados, têm recursos, e podem financiar lobistas de modo a exercer pressão sobre os legisladores e membros dos poderes executivo e judiciário de modo que seus discursos ideológicos se pareçam com as reivindicações do interesse público. Os favores que eles almejam são obtidos à custa dos contribuintes, que por não estarem organizados, não têm condições de resistir – a pressão concentrada ultrapassa a resistência difusa6.

5 Olson (1965) define pluralismo como “...the political philosophy which argues that private associations of all kinds [labor unions, churches, cooperatives etc] should have a larger constitutional role in society and that the govern-ment should not have unlimited control over the plurality of these private associations. It opposes the Hegelian veneration of the nation state, on the one hand, but fears the anarchistic and laissez-faire individualistic extremes, on the other, and ends up seeking safety in a sociey in which a number of important private associations provide a cushion between the individual and the state.”

Há um conjunto expressivo de trabalhos que enfatiza a necessidade

de se resgatar o sentido de “interesse público” na tomada de decisões. Ver MACFARLAND, A.S. - “Interest groups and the policymaking process: sources of countervailing power in America” in PETRARCCA, M.P. (Ed.) The politics of interests. Boulder, Westview, 1992. MAJONE, G. - Evidence, argument and persuasion in the policy process. New Haven, Yale University Press, 1989. SHAPIRO, M. - Who guards the gardians? Athens, University of Georgia Press, 1988. COLLIARD, C.A. & TIMSIT, G. (Eds.) - Les autorités administratives indépendantes. Paris, PUF, 1988. 6 Olson (1965) se destacou no estudo dos grupos de interesse.

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(iii) burocratas - vários teóricos da Public Choice estudaram a burocracia, tanto em organizações públicas, como privadas, procurando explicar interesses e motivações dos burocratas e sua relação entre os interesses individuais e os da corporação. De acordo com Niskanen (1971) os burocratas tendem a maximizar os orçamentos dos órgãos governamentais, pois o seu interesse está diretamente vinculado à amplitude da sua ação administrativa.

(iv) rent-seeking - tarifas sobre produtos e monopólios proporcionam ganhos para indústrias. Tradicionalmente os economistas têm estudado os custos relacionados às perdas de consumo associadas à introdução dessas tarifas. Tullock (1967) identificou outros custos associados à busca pelas empresas (seeking) por tarifas e monopólios.

Teóricos da Public Choice detectaram custos semelhantes em regulação comercial ou industrial, licenciamento para profissões qualificadas, políticas de proteção ambiental, competição por cargos políticos, e projetos de constituições nacionais. (Orchard e Stretton, 1997) Silveira (1996), que se refere à Public Choice como uma das extensões do marginalismo faz duas críticas fundamentais:

A primeira questiona a afirmação de que o comportamento individual no âmbito público e privado se baseia na mesma hipótese - a da maximização do auto-interesse. A polêmica é a mesma que foi iniciada por Downs (1957) sobre a natureza do comportamento político. A questão é relevante dado o caráter axiomático do método aplicado pela Public Choice. Caso não seja razoável admitir o comportamento dos indivíduos no âmbito público (da mesma forma que no âmbito privado) como maximizador de utilidade e racional, a estrutura teórica da Public Choice sofreria um abalo significativo. Vale lembrar que o conceito de racionalidade individual da Public Choice não exige que o comportamento seja egoísta.

Segundo Buchanan e Tullock (1962, p.3), As análises não dependem de lógica elementar para validar qualquer motivação estritamente hedonista ou de auto-interesse dos indivíduos no seu comportamento social envolvendo processos de escolha. O indivíduo representado neste modelo pode ser egoísta ou altruísta, ou qualquer combinação dos dois. Nossa teoria é “econômica” enquanto supõe que os indivíduos são separados e distintos, como tal, podem ter diferentes objetivos e propósitos para os resultados de uma ação coletiva. Em outros termos, assumimos que os interesses dos homens diferem por outros motivos que não os da ignorância.

Nas crises sociais agudas, como guerras e revoluções, a hipótese do homem político (com motivações diferentes da simples maximização do auto-interesse) apresenta-se mais plausível. Contudo, em situações de normalidade e estabilidade política, a hipótese do homem econômico na esfera pública e privada parece de acordo com o senso comum, principalmente num regime de estabilidade das instituições democráticas, o papel preponderante do auto-interesse no comportamento dos políticos e dos eleitores apresenta-se evidente e muito claro.

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A segunda é semelhante àquela feita à economia neoclássica – o problema que Schumpeter chamou de vício ricardiano (REDMAN, 1997). Tal crítica aplica-se melhor no caso da Nova Economia Política, dada a sua característica peculiar de utilizar-se da modelagem matemática, e, por conseguinte, de ancorar-se em simplificações axiomáticas potencialmente comprometedoras.

Modelo Buchaniano

Conforme Souza (1996), os arranjos que virão ordenar as decisões coletivas repousa numa concepção de sociedade que não apresenta clivagens sociais agudas, sendo assim, a formação de coalisões previsíveis e em posição privilegiada estariam descartadas, conduzindo a uma certa igualdade entre os indivíduos que participam do processo de definição das regras de convivência , revelando o cerne do modelo buchaniano.

No ápice, o alvo das formulações buchanianas é a discussão sobre a natureza e o princípio que devem nortear a escolha das regras de agregação das preferências, destinadas a cumprirem um curso de ação modificadora ou de conservação do mundo material, tendo em vista o critério dos custos daí advindos.

A questão central para os contratualistas é aquela que enfatiza o problema dos limites e das formas de exercício do poder. Araújo (2003) alerta que, o que está em pauta, é o sistema democrático representativo nas sociedades ocidentais materializado em suas instituições através de sistemas eleitorais, legislatura mono ou bicameral, procedimentos decisórios ordinários (operacionais) e procedimentos para a escolha das regras de escolha (inclusive aqueles que prevêem os mecanismos de reformas constitucionais) e que dimensiona e controla a produção do poder.

Do lado oposto, sociedades com grandes níveis de desigualdade social, tal aplicação do princípio poderia a primeira vista, perturbar e levar a uma perpetuação do status quo. Ainda observa Araújo (2003), no caso brasileiro por exemplo,o Estado tradicionalmente tem sido utilizado como instrumento de abuso de poder por parte das minorias privilegiadas, o que poderia indicar que um sistema político baseado no princípio do benefício levaria fatalmente a uma reversão no quadro de desigualdade pela ação de dois efeitos:

Pelo fim das transferências de recursos dos pobres para os ricos;Pelo início da transferência de recursos dos ricos para os pobres, impulsionado pelo sentimento altruísta reiteradamente manifestado em campanhas de solidariedade organizadas pela mídia ou espontaneamente como tem sido observado e que não se traduzem em decisões políticas pelo absoluto descrédito das populações com as instituições governamentais.

“A primeira questão a respeito de qualquer instituição política é o quanto ela tende a promover nos membros da comunidade as várias qualidades morais e intelectuais desejáveis (...)” (MILL, [1861], 1994).

Então pode se dizer que ,a análise sobre o Estado feita por Buchanan aponta para uma divisão em dois eixos; a fase do contrato constitucional, que seria o

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momento de constituição da sociedade e o contrato pós-constitucional, entendido como a provisão dos bens públicos, neste momento Buchanan exibe a influência de Locke e Stuart Mill, pai e seguidor da obra liberal.

Dessa forma, de alguma maneira a escolha pública ou Public Choice, parece romper com a teoria econômica convencional, que para este autor a mesma estava muito preocupada com as propriedades puramente formais de seus modelos calcadas em seus mundos de fantasia, esquecendo-se de entender o próprio objeto da economia, qual seja: o processo de mercado e a relação deste processo com o conjunto institucional no qual as pessoas fazem suas escolhas.

Ainda sobre a teoria econômica convencional, Buchanan atribui duas outras grandes limitações: (i) não levar em consideração o quadro institucional – que é tomado como dado e (ii) considerar o Estado um agente exógeno, obstruindo assim a análise do processo político.

Para Buchanan e Tullock (1962), á análise do quadro institucional se baseia na democracia individualista da ordem política (individualistic – democracy model) ou individualismo metodológico. Individualismo aqui referido não a um valor humano (no sentido de egoísmo), mas ao método analítico que parte da premissa de que é o indivíduo que, em última análise, se defronta com alternativas e realiza escolhas7. Segundo esta perspectiva, não haveria intermediários nos processos de decisão coletiva, ou seja, não haveria necessidade de delegar a alguma autoridade a prerrogativa de fazer escolhas fiscais.

Deste modo, com as análises tributárias da teoria da “escolha pública” pretende-se alcançar as condições em que ocorre a alocação autorizada dos recursos públicos, definidos previamente, pela escassez. Por fim, esta abordagem visa elaborar modelos indicativos do processo de tomada de decisão nas instituições públicas tendo como suposto os cursos alternativos da ação pública.

Cálculo do consenso e a democracia constitucional

Esse modelo assume que cada cidadão possui, pelo menos remotamente, algum poder de mudar as políticas. A melhor política, segundo esta perspectiva é aquela escolhida pelo grupo, qualquer que seja, pois não há escolha mais adequada do que aquela feita individualmente por cada cidadão. Cada indivíduo sabe o que é melhor para si, onde mais uma vez o autor recorre a filosofia de Mill sobre a liberdade individual.

Logo o processo político é analisado à maneira tradicional da teoria neoclássica, como um processo de minimização de custos. Há dois tipos de custos envolvidos: os custos externos e os custos de transação. O primeiro tipo são maiores quanto menos os indivíduos puderem participar do processo decisório e mais tiverem que acatar, portanto, as decisões impostas. O segundo tipo são os custos envolvidos no próprio processo decisório, que são maiores quanto maior for o número de pessoas envolvidas no processo de decisão. 7 Aqui, Buchanan exprime novamente sua formação liberal e usa contextualizações sobre o indivíduo de Stuart Mill, que vê assim na liberdade de pensamento e discussão, a condição para o contínuo estímulo daatividade intelectual e do progresso humano, chamando a atenção para o questionamento de verdades quese tornam dogmas mortos, e não verdades vivas, quando não debatidas livremente.

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Há, portanto, um trade-off entre os dois custos (Toneto, 1996). Assim, além de o governo ter de intervir o mínimo nas liberdades individuais já que ele também tem falhas, ele deve ser mínimo também em outro sentido: é melhor que as decisões sejam tomadas em grupos menores, pois nestes é mais fácil chegar-se a um consenso.Daí resulta a defesa do federalismo ou da descentralização máxima da tomada de decisões, influência de Alexis de Tocqueville8 sobre Buchanan.

Segundo Tocqueville (1987), as instituições da soberania do povo acrescentaram outras duas vantagens políticas que contribuíram para salvaguardar a liberdade: a descentralização administrativa e as associações livres.

A descentralização administrativa na América produziu efeitos políticos admiráveis como reproduzidas nas palavras de Alexis de Tocqueville (1987, p.29),

Ali a sociedade age sozinha e sobre ela própria. Não existe poder, a não ser no seio dela; quase nem mesmo se encontram pessoas que ousem conceber e, sobretudo, exprimir a idéia de ir procurá-la noutra parte. O povo participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação pela eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que ele mesmo governa, tão frágil e restrita é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana. O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. É ele a causa e o fim de todas as coisas;tudo sai do seu seio, e tudo se absorve nele.

O livro “The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy” 9, escrito em parceria com Gordon Tullock, tratou o fenômeno da burocracia estatal e tornou-se um marco de referência para os autores que, influenciados que foram, construíram seus modelos explicativos a partir do constructo de homo economicus.

Se os indivíduos têm idéias diferentes sobre o bem público, argumenta Buchanan, ou antes, agem segundo suas preferências, o processo político aí configurado deve ser analisado em termos dos “custos” advindos da obtenção de acordo entre as partes.

Pode-se afirmar que os mecanismos e os arranjos constitucionais daí decorrentes, constituem o foco privilegiado das atenções dos autores mencionados. As abordagens teóricas que buscam enfatizar os mecanismos que definem e delimitam o exercício do poder, são conhecidas pela denominação de “contratualistas”10. A obra de Buchanan pode ser considerada como representativa dessa matriz.

Buchanan (1987) indica que todo indivíduo considera como vantajoso explorar a possibilidade de organização de uma atividade coletiva quando supõe que a sua

8 Alexis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, em 29 de julho de 1805 e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859. Viveu, portanto, o período mais atribulado da História francesa durante o século XIX. Ele nasceu pouco tempo após o Terror da Revolução Francesa (sobre a qual escreveria uma obra clássica). A infância transcorreu sob as vicissitudes de Napoleão. Assistiu à restauração da monarquia sob Luís XVIII e Carlos X (a quem seu pai serviu) e à sua subseqüente derrubada por Luís-Felipe.9 Buchanan, J. e Tullock, G. - The calculus of consent. Logical foundations of constitutional democracy. Michigan, The University of Michigan Press, 1965 10 Contratualismo- família de teorias morais e políticas que fazem uso da idéia de um contrato social. Tradicio-nalmente filósofos como Hobbes e Locke usaram a idéia do contrato social para justificar certas concepções do Estado.

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utilidade possa aumentar. Neste modelo, a utilidade individual pode ser aumentada pela ação coletiva de duas formas:

(i) a ação coletiva pode eliminar alguns custos externos impostas pelas ações privadas de outros ao indivíduo em questão,

(ii) a ação coletiva é um meio para assegurar alguns benefícios adicionais ou externos que não estão previstos pelo comportamento privado puro.

Para Buchanan (1987), a variável chave de sua análise refere-se aos custos da organização em si mesma, isto é, o custo derivado de decisões tomadas coletivamente. Para utilizar a sua terminologia, os custos da interdependência social deveriam estabelecer os parâmetros para escolher entre ação voluntária (individual ou cooperativa) e ação política (coletiva), pois o custo de organização das decisões voluntárias é zero.

Recorrendo a Maquiavel11, Buchanan compara que raramente podem-se reduzir os custos da atividade humana, pois uma atitude nesta direção significa novos custos.

A existência de custos externos explicaria assim, do ponto de vista da racionalidade, a origem de atividades organizadas voluntariamente e de atividades cooperativas ou governamentais, estas últimas baseadas em arranjos contratuais.

A filosofia política e moral de Buchanan

Conforme constata Souza (1996), o autor recupera e incorpora as proposições construídas no âmbito da chamada revolução behaviorista12 no que se refere aos novos postulados metodológicos da ciência política. Seu interesse é discutir e fornecer elementos que possibilitem a construção de uma reflexão sobre a ciência política de tal modo que certos representantes da filosofia política clássica são enfatizados como elementos-chave nesta construção metodológica.

Segundo Simon e March (1979), na Teoria Comportamental a organização é concebida como um sistema de decisões, e neste sistema cada pessoa toma decisões de forma racional e consciente, as quais vão gerar comportamentos ou ações. Assim sendo, as decisões são tomadas continuamente em todos os níveis hierárquicos da organização, em todas as áreas, em todas as situações e por todas as pessoas.

Na ciência política não é diferente, cuja finalidade behaviorista seria não só a de descrever a realidade, mas também a de fornecer os meios operativos para aí intervir. Segundo Simon (1979), o sistema que envolve uma organização é composto por um complexo modelo decisório onde cada pessoa participa de forma racional e conscientemente, escolhendo e tomando decisões individuais a respeito de alternativas mais ou menos racionais do comportamento.

11 Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, onde a erradicação de um inconveniente no mundo dos homens só se realiza com a constituição de um outro.12 Os enunciados do behaviorismo ou comportamentalismo pretendiam estipular contornos mais “científicos” às chamadas ciências do homem. As origens deste debate remontam às discussões que objetivavam delimitar um campo próprio à reflexão filosófica, diferenciando-o daquele constituído pelo conhecimento científico.

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Lembra ainda Souza (1996), que Buchanan ao invés de simplesmente rechaçar a tradição da filosofia política clássica nesta nova reconstrução metodológica da assim denominada “ciência política”, realiza uma incursão pelo pensamento filosófico, de modo a enfatizar apenas aqueles autores que definem e alimentam a matriz racionalista, e se contrapõe a uma concepção normativa do comportamento individual. Em sua formulação, tanto os economistas, como os cientistas sociais e teóricos da política, deveriam pensar os homens da forma como são e não como gostariam que fossem.

Para o autor:[...] a obrigação ou dever do cidadão individual em obedecer à lei, de sujeitar-se ao desejo da maioria, e de agir antes coletivamente na esfera pública do que no interesse privado, são questões que ocuparam o centro das atenções de muitos filósofos políticos. São temas vitais e significantes, mas devem ser reconhecidos como pertinentes ao âmbito de uma moralidade pessoal, e como tais não competem à problemática própria da teoria política.

Desta forma, Buchanan enfatiza como fundamental o divórcio entre a política e a moral, no entanto, não sugere que o teórico da política tenha que restringir-se a uma atuação meramente historicista dos fenômenos da política, e sim, que suas reflexões apontem para uma dimensão do aperfeiçoamento das instituições políticas.

Buchanan lembra a linha filosófica do inglês Hume, que segundo ele, foi bem sucedido ao tentar assentar a idéia da obrigação política sobre o interesse, descartando aí, o princípio da moral e a teoria do contrato.

A propensão natural dos indivíduos em observar certas regras de convivência como as de justiça, portanto, sustentar-se-ia, segundo o esquema de Hume13, no interesse egoísta de cada um. As regras e as leis de convivência sintetizadas numa constituição, não devem, segundo Hume, partir do pressuposto da existência de virtudes privadas. Uma constituição verdadeiramente eficaz garantirá que os interesses privados dos homens (incluindo aí os homens “maus”) serão controlados e orientados no sentido de produzirem o bem público.

Considerações finais

Uma das principais críticas em relação à teoria da Public Choice – é que esta seria uma visão bastante simplista do mercado político, por considerar apenas algumas poucas variáveis, sendo que muito outros fatores entrariam em questão na determinação de visões políticas. Questões relativas à análise do Governo, eleitores, legisladores e burocratas e a falta da análise sobre o poder executivo, partidos políticos e outras organizações comprometem o encadeamento da teoria.

13 David Hume foi o mais influente dos filósofos do Iluminismo escocês. Nascido em Edimburgo a 7 de maio de 1711, suas idéias afetaram todos os cientistas e filósofos que o sucederam. Suas principais obras filosóficas foram: Um Tratado sobre a Natureza Humana (1739), Investigação sobre o Entendimento Humano (1748, desdobramento do primeiro volume do “Tratado”) e Investigação sobre os Princípios da Moral (1751, desdobramento do segundo volume do “Tratado”). Essas três obras continuam atuais e, graças a sua elegante e despojada linguagem, ainda falam diretamente ao leitor do século XXI.

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As decisões relativas aos benefícios e aos custos dos bens e serviços públicos poderiam resultar de uma votação majoritária (50%+1). E aí que entra no seu modelo, o sistema do logrolling. Como a política é feita de inúmeras questões abertas à decisão, e as preferências do corpo social são múltiplas, o comércio dos votos instalar-se-ia como um recurso natural e não como um comportamento necessariamente antiético.

O argumento essencial é o de que sendo o orçamento público um processo político complexo em que os participantes possuem interesses muitas vezes conflitantes, observa-se que, num ambiente de grande incerteza e pobreza, os atores têm o incentivo de desenvolver estratégias com o objetivo de aumentar sua respectiva margem de manobra. Deste processo dinâmico emergem padrões de comportamento identificados como anômalos, porém racionais.

Ainda dentro desta linha comportamental, deve-se evitar o sentimentalismo de assumir que todo ser humano (os servidores públicos em particular) tenta a todo tempo promover altruisticamente o bem social, e paradoxalmente seria necessário também evitar a demagogia de assumir que todo mundo está inteiramente e constantemente motivado pelo interesse pessoal.

A condenação da doutrina do igualitarismo é evidente em todas as formulações do autor, como de resto, em todas correntes do liberalismo. Como defensor de uma sociedade de homens livres (não necessariamente igualitários), Buchanan propõe que um “teste indireto sobre o grau de coesão de uma sociedade pode ser oferecido pela extensão de atividades que são deixadas livres (abertas) ao controle informal e aquelas reguladas por um controle formal”. É patente nas reflexões do autor uma concepção de liberdade, própria da doutrina liberal clássica, pensada como uma esfera de ações em que não há controle por parte dos organismos estatais.

Mais do que prescrever uma redução das atividades estatais, Buchanan se propõe ao que chama de “revolução constitucional”, isto é, reformas das instituições e dos órgãos decisores no sentido de estabelecer novos procedimentos segundo os quais as decisões serão tomadas.

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Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento Economico: Uma Análise da Experiência Internacional & Brasileira

Raul Gouvea*

* Professor of International Business, Anderson School of Management - University of New Mexico. E-mail: <[email protected].>

Resumo: Cada vez mais o cresc imento e o desenvolvimento econômico de regiões e países é ditado por sua capacidade de gerar inovações tecnológicas. Processos inovadores na forma de tecnologia de produto ou processos hoje, são os grandes indutores de crescimento econômico. A nanotecnologia, com o seu potencial inovador, é a nova fronteira tecnológica. Aquela que tem maior potencial como geradora de ganhos em competitividade para nações e empresas. A nanotecnologia gera pontos de inflexão tecnológica em várias indústrias, criando novos paradigmas de desenvolvimento econômico e empresarial. O artigo aborda as estratégias tecnológicas na área de nanotecnologia de países como a China, países da “tríade econômica”, países asiáticos, e a do Brasil. Esses países oferecem ao Brasil “blueprints” diferenciados de como a nanotecnologia está sendo usada para aprofundar e criar novas vantagens competitivas.

P a l a v r a s C h a v e : n a n o c i e n c i a s , nanotecnologia, inovação, competitividade, Brasil.

Abstract: A countr y ’s capacity and determination to innovate is increasingly d e t e r m i n i n g i t s g l o b a l e c o n o m i c competitiveness standing. Innovative processes at the product and at the process level, are currently considered main drivers of economic growth and development. Nanotechnology is one of the current technologies frontiers which carry a promisse to create new competitiveness inflection points in countries that are currently developing nanotechnology innovations. In the next years, nanotechnology is bound to create a new competitive paradigm for nations and industries accross the globe.This article assess the nanotechnology strategies being designed and implemented by developed and emerging economies; special heed is payed to the Brazilian case.

Keywords: Nanotechnology, emerging economies, competitiveness, Brazil.

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Introdução

Cada vez mais o crescimento e desenvolvimento econômico de regiões e países está ligado a sua capacidade de gerar inovações tecnológicas. Processos inovadores na forma de tecnologia de produto ou de processos são hoje, os grandes indutores de crescimento econômico (CRUZ, 2005; INVERNIZZI, FOLADORI, E MCLURCAN, 2008; VELLOSO, 2008; POCHMANN, 2008).

A nível global, a economia do conhecimento tem demandado crescentes gastos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Nos anos 1980 os países desenvolvidos gastaram em média 1.5% de seus PIB’s em P&D; hoje esse número cresceu para 2.2%. O Japão, entre os países desenvolvidos é o que mais investe em P&D, com cerca de 3.2% do seu PIB. O “Global R&D Report” estima que gastos globais com P&D irão passar de US$ 1,2 trilhões. Entre as economias emergentes e dos BRIC’s, a China aparece como um dos expoentes globais em gastos em P&D. Em 2008, os investimentos chineses em P&D chegaram a 18% dos gastos globais em P&D (BUTCHER, 2008; BATTELLE, 2008; BOUND, 2008; REDIGUIERI, 2009). A China começa a desafiar a visão tradicional que tem apontado o país não como inovador, mas sim como um adaptador de tecnologias e know-how estrangeiros.

Tradicionalmente, os Estados Unidos e o Japão tem sido responsáveis pela grande maioria dos gastos globais em P&D. Em 2005 o Japão e os Estados Unidos contribuíram com 60% dos gastos em P&D dos países que compõem a OCDE e 48% dos gastos globais. Esses números refletem a grande participação do Japão e Estados Unidos nos gastos em P&D globais. No entanto, em 1995, essa participação era ainda maior, ao redor de 56% dos gastos globais em P&D. Uma das razões desse declínio é o fato de que economias emergentes, como a Índia, a China e o Brasil, estão investindo cada vez mais em P&D, e transformando-se em parceiros importantes no esforço tecnológico global (HASSAN, 2005; NATIONAL SCIENCE BOARD, 2008).

De acordo com um recente relatório da OECD (2008), em 2005, no nível de patentes na área de Informação e Comunicação (ICT), os Estados Unidos detinham 35% de todas as patentes, o Japão 18.6%, a Alemanha 7.7%, a China 4.2%, a Coréia 4.6%, enquanto o Brasil detinha 0.1%. (OECD, 2008). De acordo com o mesmo relatório, o registro de patentes de nanotecnologia tem crescido bem acima da média, ao redor de 18% ao ano. Em 2005, os Estados Unidos detinham 41.8% das patentes de nanotecnologia, seguido pela União Européia com 25.4%, Japão com 16.7%. A China detinha 1.4% e o Brasil não aparece na lista. (Metha, 2007; OECD, 2008). As grande áreas de patente em nanotecnologia em 2005, foram as de eletrônicos (23.3%), nano materiais (31.3%), ótico-eletrônicos (8.1%), medicina e biotecnologia (14.8%), meio ambiente e energia (2.2%), e manufatura (20.4%). (OECD, 2008).

A nanotecnologia é hoje, a nova fronteira tecnológica para a pesquisa e desenvolvimento (P&D) a nível global. A nanociência e a nanotecnologia estão redefinindo o que entendemos por inovação tecnológica. Ela é a nova fronteira tecnológica com o maior potencial estimado em gerar ganhos de competitividade para nações e empresas (ATKERNEY, 2009; MURRIELO, CONTIER, E KNOBEL, 2009). Essa revolução tecnológica não está sendo considerada mais uma “onda”, mas sim

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma de Desenvolvimento..., Raul Gouvea, p. 46-67

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um “tsunami” tecnológica. É um “tsunami”, porque se expande por várias indústrias com alta velocidade, afetando elos para frente e para trás de vários setores produtivos ao redor do mundo. Quando esse “tsunami” atinge indústrias as mudanças são radicais. Ao contrário de “ondas” passadas, a nanotecnologia é considerada uma “plataforma tecnológica” que irá mudar o “status quo”e o “modus vivendi” de várias industrias (KNOL, 2004, SOUTH CENTRE, 2005).

1 Nanociências & Nanotecnologia

A percepção dos ganhos econômicos induzidos pela nanotecnologia gerou uma corrida tecnológica em nível global. A tríade econômica, composta pelos Estados Unidos, Japão e Europa, além da China, India, Tigres Asiáticos, México, Argentina, e Brasil, estão investindo na nova fronteira tecnológica. Até o momento bilhões de dólares já foram investidos na indústria que promete mudar os paradigmas de crescimento econômico e de negócios a nível global. É hoje, uma das tecnologias mais promissoras deste século. Já se fala na criação de um novo “divide”, o “nano divide.” (KALLENDER, 2004; ROCO, 2003) . Em outras palavras, países que detenham controle sobre nanociencias e nanotecnologias irão crescer a taxas mais rápidas do que países que hoje não investem e ignoram as ramificações econômicas dessa nova fronteira tecnológica. Em outras palavras, a nanotecnologia é vista com o potencial de gerar pontos de inflexão tecnológica em várias indústrias, cadeias de produção, e criar novos paradigmas de desenvolvimento econômico e empresarial (BAYOT, 2002; FREITAS, 2004; TREDER, 2005).

Em 2007, vários países e empresas gastaram 13.8 bilhões de dólares em P&D em nanotecnologia, mostrando o potencial dessa tecnologia emergente (NANOCHINA, 2008). Nos próximos dez anos, a indústria global da nanotecnologia irá gerar receitas estimadas em 2.6 trilhões de dólares (VICTORIAN GOVERNMENT, 2008).

Hoje, o impacto da nanotecnologia já é evidente nas indústrias de cosméticos, eletrônicos, têxtil, diagnósticos médicos e terapêuticos, materiais, e produtos de consumo. Empresas como GE, 3M, IBM, L’Oreal, Lucent, HP, BASF, Dupont, e Merck, entre outras, já identificaram nanotecnologia como um o potencial de gerar lucros e crescimento tecnológico. Mais de 60 países têm programas nacionais de nanotecnologia e centenas de nano produtos já estão disponíveis em vários mercados ao redor do mundo. Entre 1976 e 2006, o “United States Patent and Trademark Office (USPTO) registrou 7,406 patentes na área de nanotecnologia. Essas patentes vieram de 46 países. Desse total, os Estados Unidos contribuíram com 4,772 patentes. As empresas e instituições que mais registraram patentes foram: IBM, Eastman Kodak, Xerox, 3M, HP, L’Oreal, Samsung, BASF, Nippon Eletric, Sony, Seiko, entre outras. Entre as instituições acadêmicas, a University of California, o MIT, a Rice University, e a Japan Science and Technology Agency, foram os atores mais visíveis no período 1976-2006. (Chen, Roco, Li., e Lin, 2008). Esses resultado mostram a natureza global da competição na área de nanociências e nanotecnologia (KALLENDER 2004, ROCO, 2003).

O tamanho do mercado global de produtos de nano eletrônicos é estimado em US$ 4.3 trilhões em 2010, nano agricultura perto de US$ 20.4 bilhões, produtos

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têxteis ao redor de US$ 115 bilhões em 2010, e o de nano ferramentas ao redor de US$ 2.7 bilhões em 2013. (BUSINESSWIRE, 2007). Em 2014 espera-se que 15% da produção global na indústria manufatureira ou cerca de US$ 3 trilhões sejam constituídos por nano produtos (A. T. KEARNEY, 2009).

A nanotecnologia deve gerar mais inovações que resultarão em níveis mais altos de competitividade que, por sua vez, irá gerar novos produtos com impactos positivos no meio de negócios, no meio ambiente e no meio social (VICTORIAN GOVERNMENT, 2008). Por exemplo: materiais mais leves e mais resistentes, plataformas mais eficientes para a administração de remédios, reparação de pele, químicos e produtos com impacto ambiental menores, membranas que são usadas para filtrar poluentes nas águas, sensores que podem oferecer melhores níveis de monitoramento na medicina, computadores menores e mais eficientes, e processos melhores de manufatura. Na área de saúde espera-se que a nanotecnologia tenha varias aplicações. Na India, ela está sendo usada na construção de nano kits que possam detectar turberculose; o Departamento de Energia nos Estados unidos está pesquisando bio- sensores óticos para detectar a tuberculose (MACLURCAN, 2005).

A nanotecnologia nasceu em uma economia globalizada, já nasceu global (ROCO, 2001; NANOCHINA, 2007). Os elementos principais da cadeia de valor e de produção da nanotecnologia são de natureza global. Tanto os principais elementos dessa cadeia de valor: nano materiais (nano tubos, fullerenes, etc), nano intermediários (chips de memória, componentes óticos, etc), como os produtos nano (automóveis, tecidos, aviões, computadores, produtos farmacêuticos, etc) estão interconectados na cadeia de produção e de valor globais. É importante lembrar que o potencial econômico da nanotecnologia é maior no início da cadeia de valor (P&D) e no final da cadeia, isto é, inovação ou comercialização (APPELBAUM, GEREFFI, PARKER, e ONG, 2006).

A possibilidade de fabricar produtos a nível molecular, átomo, por átomo, de criar estruturas e produtos com novas propriedades e funções está abrindo a possibilidade de controlar e entender as propriedades e funções de produtos naturais ou manufaturados. Abre também, a possibilidade de se fazer uso de materiais microscópicos para alcançar uma série de tarefas. A nanotecnologia manipula as propriedades da máteria na escala nano para criar produtos com novas propriedades na macroescala (GOURDON, 2002; MERKLE, 1996; THE INSTITUTE OF NANOTECHNOLOGY, 2003a). A nanotecnologia permitira a fabricação de uma nova geração de produtos que são mais resistentes, mais leves, mais precisos, e mais limpos (PELLS, 2008). As “small wonders” ganham cada vez mais espaço, abrindo uma nova fronteira de escala na indústria. Desta maneira cria uma nova fronteira de conhecimento, e gera novos produtos industriais (SHIMBUN, 2003; WHERRETTT e YELOVICH, 2004).

A nanotecnologia começou a receber mais atenção na década de 1990. Em 1989 Don Eigler escreveu as letras da IBM com 35 átomos de Xenon, mostrando que estruturas poderiam ser construídas molécula por molécula, ou átomo por átomo. Em 1991 o professor Sumio Iijima, da NEC, descobriu os nanotubos de carbono.

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Os nanotunos de carbono podem ser usados como condutores ou semicondutores e são muito sólidos. A produção desses nanotubos de carbono mudou radicalmente a percepção da aplicação mais difundida de produtos nanos. Com esses desenvolvimentos a nanotecnologia estava criada. Espera-se que ela seja uma das mais importantes fontes de inovação deste século. A indústria molecular, por exemplo, poderá ser usada para aumentar a qualidade, baixar custos, e fazer com que o impacto ambiental do processo industrial seja menor.

Nano tubos de carbono estão no centro das revoluções nano tecnológicas, porque são dez vezes mais eficientes na condução da eletricidade do que o cobre. Nano tubos tem várias características como: a) grande condutividade elétrica, b) flexibilidade, c) elasticidade, d) grande dose de resistência. Essas características abrem um grande número de aplicações, da indústria eletrônica à medicina (OLIVEIRA, 2005). O termo nanotecnologia cobre um sem número de tecnologias em áreas como nano partículas, MEM’s, sensores químicos e bioquímicos, neurofisiologia, semicondutores e eletrônica molecular, entre outras (SCHUMMER, 2007).

Hoje a nanotecnologia atravessa a sua primeira fase de nanoestruturas passivas, como nano partículas e polímeros, passando em um futuro próximo à segunda fase, que envolve nano estruturas ativas; à terceira fase, que envolverá sistemas de nano sistemas e à quarta, que deve ser alcançada em 2020 e que dará ênfase a nano sistemas moleculares (NSF, 2008).

É de se esperar também que a nanotecnologia mude o perfil do comércio global. Países que exportarem produtos intensivos em nanotecnologia ocuparão fatias maiores do mercado global de produtos manufaturados. Alem disso, o ciclo de vida de produtos que passem a competir com os nano produtos deve ser interrompido drasticamente. Países que dependem de produtos baseados em recursos naturais vão sentir os efeitos da nanotecnologia, na medida em que várias commodities serão substituídas por produtos nano. Assim, esses países sofrerão uma mudança na quantidade e perfil de demanda por seus produtos.

Estima-se que o mercado para nanotecnologia na indústria global crescerá 33% ao ano, em média, entre 2007 e 2015. Na área de produtos de consumo, o emprego de nano deverá registrar um crescimento de 9,4% ao ano entre 2007 e 2015 (MARKET RESEARCH.COM, 2008). Mas a nanotecnologia já é uma realidade em várias indústrias. Em 2003, o mercado para produtos de nanotecnologia nas áreas de semicondutores, energia, medicina, instrumentação, e materiais, chegou a US$ 499 milhões. Em 2009, esse mercado deve crescer para US$ 4,5 bilhões.

O mercado americano para nano materiais deve chegar a US$ 1 bilhão em 2007. Suas principais aplicações deverão ocorrer na área de produtos de consumo, na indústria de defesa, e no setor automotivo. Em 2005, perto de 700 nano produtos já estavam sendo comercializados (SOUTH CENTRE, 2005). Em 2008, a Intel lançou a sua nova geração de processadores “Atom” desenhados para a nova geração de “mobile internet devices – MIDS” e uma nova geração de “internet centric computers”. A Hewlett-Packard e a Intel estão fazendo pesquisas com circuitos moleculares com o intento de usar nano tubos de carbono no lugar de silício. A substituição faz com que a

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capacidade de processamento aumente exponencialmente (SOUTH CENTRE, 2005).Cientistas da empresa Kraft Foods, estão criando “uma língua eletrônica” que

irá identificar patogênicos em produtos alimentícios, alertando consumidores do seu estado de conservação antes que sejam comprados. Pesquisadores da Rice University estão pesquisando nano cristais para remover arsênico de águas contaminadas.

2. Nanociências & Nanotecnologia: A Experiência Internacional

Os países da tríade econômica (Estados Unidos, Europa, e Japão), a China, a Índia, os Tigres Asiáticos e o Brasil estão desenvolvendo vários programas nas áreas de nanociências e nanotecnologia.

2.1 Estados Unidos

Os Estados Unidos são os maiores investidores mundiais na nova tecnologia, e tem o maior número de empresas ligadas à indústria de nanotecnologia, com cerca de mil empresas. A expectiva é de que o programa de nanotecnologia seja tão importante como foi o programa espacial americano (ROCO, 2002, ROCO 2003; FREITAS, 2004; NSF, 2008; A. T. KERNEY, 2009). Em 2009, o governo dos Estados Unidos tem um orçamento de 1.5 bilhoes de dólares em P&D na área de nanociências e nanotecnologia, bem acima dos 116 milhões de dólares investidos em 1997 e dos 500 milhões investidos em 2001 (NATIONAL NANOTECHNOLOGY INITIATIVE, 2009).

Nos Estados Unidos os esforços coordenados começaram com o Nanotechnology Group, em 1996. Em 2000 foi criada a “National Nanotechnology Initiative (NNI)” A nano iniciativa é coordenada pelo “Nanoscale Science, Engineering and Technology (NSET)”, que é um sub comitê do “National Science and Technology Council (NSTC)”. O NNI tem como foco principal a ênfase na pesquisa básica em nanotecnologia, bem como em aplicações industriais. O NNI também compreende, alem da pesquisa básica, a criação de centros e redes de excelência, e promove a criação de uma infraestrutura de pesquisa, formação de recursos humanos, e estuda o impacto da nanotecnologia no meio ambiente alem dos impactos sociais.

O crescente orçamento reflete o apoio do Governo e do Congresso dos Estados Unidos a essa tecnologia. Esses esforços são parte do “American Competitiveness Initiative”, que foca em tecnologias chaves para o futuro desenvolvimento econômico do país. Como no passado, o “Department of Defense – DOD”, o National Science Foundations –NSF”, e o “Department of Energy-DOE” são as agências com os maiores orçamentos, ilustrando as várias dimensões da nanotecnologia sob a perspectiva dos Estados Unidos (FREITAS 2004; NATIONAL NANOTECHNOLOGY INITIATIVE, 2009; ROCO 2002, ROCO 2003, ROCO 2007). Além dessas agências existem também o “Homeland Security”, Department of Agriculture (USDA), e o “Department of Justice.” (ROCO, 2003; 2004). Essas agências participam do processo de regulamentação da área.

O National Science Foundation, Department of Defense e o Department of Energy correspondem a mais de 2/3 dos investimentos no setor de nanotecnologia em nível federal. . Em 2003, os Estados Unidos passaram o ato “21st Century

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Nanotechnology Research and Development Act” alocando US$ 3.7 bilhões, para projetos apoiados pela NNI no período 2005-2008, em subsídios federais para a NNI. A NNI já tem o seu orçamento estimado em US$ 886 milhões para 2005, o que corresponde a quase 3% dos gastos de P&D do governo americano. Dentro do âmbito da NNI, US$ 4.6 bilhões foram autorizados para P&D alem de programas do National Nanotechnology Coordination Office. Mas o setor privado da América também investe maciçamente na nova tecnologia. Desde 1999, venture capitalists investiram mais de US$ 1 bilhão em iniciativas na área de nanotecnologia.

Em 2009, os Estados Unidos tinham perto de quatro mil nano projetos, com cerca de 500 universidades, 50 laboratórios e o setor privado investindo em nanotecnologia. Dessas universidades, seis foram designadas como “Nanoscale Science and Engineering Centers”: Rice, Columbia, Cornell, Harvard, Northwestern e Rensselaer. Essa presença se estende ao número de trabalhos citados, na percentagem das patentes na USPTO ( perto de 60%,) e detém 70% das novas empresas em nano (NSF, 2008).

Em 2007, o setor privado americano gastou perto de 3 bilhões de dólares em P&D (Sargent, 2008). Em 2007, os Estados Unidos investiram 2.6% de seu PIB em P&D, ou 129.7 bilhões de dólares (Butcher, 2008). A expectativa é de que a nanotecnologia contribuirá com 1 trilhão de dólares para a economia americana em 2015 (Atkearney, 2009).

Desde 2000, o Congresso Americano alocou cerca de 8.4 bilhões para P&D em nanotecnologia (Sargent, 2008). Em 2003, o Congresso passou o 21st Century Nanotechnology Research and Development Act” criando um fundação legal para as atividades do NNI.

A NNI também promoveu a criação de redes regionais de pesquisa na área de nanotecnologia. Redes regionais como a Nanotechnology Alliance na Southern Califórnia, o Nanotechnology Franklin Institute, e a Texas Nanotechnology Initiative são alguns exemplos. Agências como NSET/NNCO funcionam como catalizadores do encontros entre pesquisadores e o mundo empresarial.

O Laboratório Sandia National Laboratories, Los Alamos National Laboratories, University of New Mexico, New Mexico Tech and New Mexico State estão cooperando na área de nanotecnologia com ênfase na comercialização dessas tecnologias. Sandia está investindo perto de 500 milhões de dólares no projeto Mesa que resultará no mais avançado laboratório de microtecnologia dos Estados Unidos.

2.2 Ásia: Japão, China, Taiwan, e Coréia do Sul

As economias asiáticas estão também investindo maciçamente em nanotecnologia. Paises asiáticos tem sido grandes proponentes da nanotecnologia, que apóiam através de políticas governamentais, pesquisa, e estratégias tecnológicas. Essas estratégias materializam-se no apoio a programas “triple helix” sto é., programas que envolvam colaboração entre a universidade, o governo e o setor privado. Alem desses programas provererem incentivos para a comercialização e exportação de nano produtos, a Ásia começa a mostrar um maior interesse em pesquisa aplicada (Small Times, 2005). A ênfase tem sido

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dada a pesquisas com impacto de mercado, contruindo alianças entre pesquisas desenvolvidas no setor privado e pesquisas realizados em agências de pesquisa do governo e universidades.

2.3 Japão

Em 2009, a nanotecnologia é uma das quatro grandes prioridades tecnológicas do Japão a nível de governo e a nível empresarial. Em 2008, o orçamento da nanotecnologia deve chegar a US$ 5.2 billion, quando em 1998 foi de US$ 135 milhões. O governo Japonês é o grande financiador do P&D através do Ministério da Educação e do Ministério da Indústria e Comércio (KALLENDER, 2004; NEWSWIRE TODAY, 2008; SANO; 2003; SOOD, 2003).

Os esforços na área de nanotecnologia datam de 1992, com as primeiras iniciativas de se desenvolver as fundações de uma estrutura “bottom-up” para a indústria de nanaotecnologia japonesa. Em 2002 foi criado o Nanoeletronics Collaborative Research Center (NCRC), com o propósito de gerar sinergias entre pesquisas realizadas no setor privado japonês e no setor acadêmico. O NCRC está localizado na Universidade de Tokio.

O Ministério da Indústria e Comércio é o grande responsável pela fase de promoção da fase de comercialização da tecnologia e de seu desenvolvimento. Em 2004 o seu orçamento chegou a US$ 101 milhões na área de nanotecnologia. Hoje, ela é uma das quatro prioridades tecnológicas do Ministério, assim como IT, meio ambiente, e ciências da vida. A nanotechnologia já é reconhecida como uma indústria pelo governo japonês, o que a qualifica para apoio governamental nas áreas tecnológicas de próxima geração.

O Japão esta atrás dos USA em IT e biotechnologia, mas esta investindo de maneira substancial em nanotecnologia. Espera-se que nos próximos anos o governo chegue perto de US$ 50 bilhões para pesquisa em nanotecnologia. O governo tem enfatizado seus investimentos nas áreas de IT/eletrônica e na área de nanomateriais. Essas são duas áreas de excelência do Japão.

Mas não é só o governo que está investindo na nanotecnologia. O setor privado japonês investiu em 2004 cerca de US$ 200 milhões. O Japão tem hoje mais de 21 empresas competindo na área de carbon walled nanotubes. A NEC é a empresa de maior destaque nessa área.

Companhias japonesas como a Hitachi, Sony, Toray, Fujitsu, e Mitsui estão investindo grandes somas nessa tecnologia. O grupo Mitsui investiu, entre 2004 e 2008, perto de US$ 800 milhões. O setor privado Japonês vê a nanotecnologia como um componente vital na restauração de seu momento econômico. O triple helix no Japão é uma parte importante desse desenvolvimento. Um dos consórcios entre o setor acadêmico privado e governo, é liderado pela Matsushita Electric Industrial, Tokyo Institute of Technology, Nara Institute of Science and Technology and Osaka University and Kyoto University. A Universidade de Kyoto tem laços de pesquisa com as empresas Pioner, Hitachi, and Mitsubishi Chemicals (FDI, 2004).

Venture Capital (VC), até recentemente uma figura pouco ativa no cenário tecnológico no Japão, também esta mudando. A partir de 2000, uma série de mudanças, tem permitdo o surgimento de angels e VCs no Japão. No âmbito da

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nanotecnologia a “Innovation Engine” é uma importante VC dedicada à área de nanotecnologia.

2.4 Taiwan

Taiwan é outro ativo participante na indústria de nanotecnologia. O programa Nacional de Nanociência e Nanotecnologia foi criado em 2003, com um orcamento de 550 milhões de dólares. O programa de Taiwan premia a aplicação de nanotecnologia na indústria, visando seu uso comercial . Espera-se que até 2008 Taiwan já esteja vendendo perto de US$ 8.8 bilhões de produtos baseados em nanotecnologia, com estimativas de US$ 30 bilhões até 2012. As hoje 800 empresas, chegariam a 1,500 empresas até 2012 (CHOI, 2004). As empresas de nano se concentram, na sua maioria, na área engenharia química e o resto nas áreas de eletrônicos, metais, e equipamento industrial. Taiwan em 2007 registrou perto de 1,000 patentes, mostrando a grande evolução do setor, comparado com 131 US patentes entre 1990-1999. O governo de Taiwan espera que até 2012 o país tenha 500 empresas com receita de 30 bilhões de dólares. O país lançou o primeiro sistema de certificação mundial – Nano Mark – onde empresas que queiram vender os seus produtos tem que se submeter aos testes de qualidade do governo. O governo de Taiwan espera começar a usar os princípios da nanotecnologia no ensino médio, visando a criação de uma mão-de-obra especializada em nanotecnologia (SMALL TIMES, 2005; THE REPUBLIC OF CHINA, 2008).

2.5 China

A China elegeu a nanotecnologia como uma prioridade tecnológica e tem enfatizado esforços na área de alta tecnologia como uma estratégia de aceleração de seu crescimento econômico. No caso chinês, esses investimentos são realizados ao mesmo tempo que o país explora suas vantagens competitivas em indústrias intensivas em mão-de-obra. (PARKER, 2008).

O país está investindo em nanociencia com o propósito de aumentar a sua fatia em um mercado de produtos manufaturados nano, estimado em 3 trilhões de dólares daqui a uma década. A China também acredita que descobertas nessa tecnologia na área de pesquisa e no desenvolvimento de produtos dará ao país um status de superpotência econômica. A nanotecnologia é parte fundamental da estratégia global chinesa na área de exportação, competitivividade econômica e crescimento sustentável a longo prazo (PHYSORG, 2007).

Até recentemente, o crescimento econômico chinês era o resultado de uma combinação de salários baixos e manufatura baseada em baixas densidades tecnológicas. Mas esse padrão de manufatura está mudando. A China entra no final da primeira década do ano 2000 enfatizando investimentos crescentes em P&D e está evoluindo do modelo copiador para o modelo inovador. Nos próximos anos, a China planeja gastar 2.5% do seu PIB em P&D. O governo chinês, através do Programa 973 ou “Programa Nacional Chinês de Pesquisa Básica”[...] promove o renovação do país usando a ciência e a tecnologia através de pesquisa básica e aplicada. A nanotecnologia será usada na China nas áreas de energia, indústria,

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defesa, meio ambiente, e doenças como SARS e Gripe Aviária (Appelbaum, Gereffi, Parker, e Ong, 2006). Nos últimos 12 anos os gastos com P&D na China cresceu a uma taxa de 17% ao ano. Esses gastos são compartilhados pelo setor privado, governo e universidades.

Os esforços chineses na área de nanotecnologia já resultam em mais de 70 institutos acadêmicos, 50 universidades, 20 institutos de pesquisa, e mais de 100 empresas desenvolvendo nano produtos. O montante de investimentos também tem aumentado consideravelmente. A China tem orçamentos de US$ 240 milhões de recursos da área Federal e US$ 250 milhões de fundos estaduais. Isso atesta o rápido crescimento da indústria na China, não só em P&D mas também sua ênfase na aplicação industrial dessas inovações e descobertas (INVESTORIDEAS, 2003; PEOPLE’S DAILY, 2001; WAGA, 2002).

A China capitaliza ainda, nos chineses que trabalham no exterior, facilitando o desenvolvimento de parcerias com empresas, centros de pesquisa, e universidades estrangeiras (PARKER, 2008).

Antes de 2000, pouco se falava sobre nanotecnologia na China. Hoje, dezenas de centros de pesquisa e centenas de empresas estão envolvidas em tecnologias ligadas a nanotecnologia. A maior parte desses centros e empresas se encontram nos maiores centros urbanos como Beijing, Shenyang, Shanghai, Hangzhou e Hong Kong.

O centro em Beijing, The National Center for Nanoscience and Technology (NCNST) está focado na pesquisa básica. Em Shanghai, The National Engineering Research Center for Nanotechnology (NERCN), centra seus esforços na área de pesquisa aplicada e na área de transferência de tecnologia entre outros centros chineses e estrangeiros. O centro em Tianjin, The Nanotechnology Industrialization Base of China (NIBC), funciona como uma incubadora para micro empresas alem de ter como função a comercialização de inovações desenvolvidas nos outros centros. O centro em Suzhou faz pesquisas nas áreas de nano materiais, nano biotechnologia, medicina, nano bionics, e tecnologia de nano bioseguranca (Asian Technology Information Program, 2006).

A nanoindustria recebeu grande apoio do governo, hoje listada como uma das prioridades tecnológicas Chinesas. Esse apoio foi formalizado com o Plano Nacional de “Alta Tecnologia 863.” (Nemets, 2004).

Investimentos chines em tecnologia tem focado em áreas, como a nanotecnologia, onde podem explorar sinergias onde essas tecnologias podem, também, ter usos militares, isto é, onde a integraçãoo e sinergias de esforços tecnológicos entre o setor privado e o militar são substanciais. Companhias chinesas como Huawei, Datang, e Zhongxing interagem com o “People’s Liberation Army – PLA” na forma de pesquisas conjuntas upgrading a qualidade do hardware e software militar chinês. O Pentágono estima que em 2007, a China gastou perto de US$ 139 billhões em projetos militares como nanotecnologia, Tecnologia da Informação, Células de Hidrogênio, entre outros projetos (Pells, 2008; Vance, 2008).

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As principais agências de financiamento chinesas são a Academia Chinesa de Ciências, a Fundação Nacional de Ciência Chinesa, Ministério da Educação, e o Ministério de Ciência e Tecnologia. O Ministério de Ciência e Tecnologia tem dado ênfase a projetos na área de nano-eltrônicos, nano-biotecnologia, nano-meio ambiente, nano-energia, e nanomaterials.

O governo chinês está criando o Centro de Pesquisa de Nano Ciências e Tecnologia, que funcionará como o grande integrador de esforços na área de nanotecnologia no país. O centro vai também coordernar esforços com as universidades líderes na pesquisa de nanotecnologia como Fudan, Jiaotong, Nanjing, Beijing, TsingHua, e a East China.

Os esforços de P&D nessa área já começam a dar frutos. A China já encontra-se em terceiro lugar no mundo, no número de patentes, atrás dos Estados Unidos e do Japão. Entre o início dos anos 1990 até 2001, a China tinha perto de 1,000 patentes na área. Nos últimos três anos esse número já deu a China 2,400 patentes na indústria, perto de 12% do montante mundial De acordo com O Ministério Chinês de Ciência e Tecnologia, a China começou dando ênfase aos materiais nanométricos nos anos 1990 e hoje, já compete com as nações mais avançadas na área de materiais nanométricos e suas aplicações. A China já é o segundo país do mundo em publicações de artigos na área de nanotecnologia. Os Estados Unidos estão no primeiro lugar e o Japão em terceiro.

A estratégia Chinesa é a de integrar a indústria de nanotecnologia com o seu parque industrial manufatureiro, gerando e criando novas vantagens competitivas na forma de produtos intensivos em conhecimento, e com competitividades globais . Nesse sentido, a China está montando o Centro de Engenharia e de Base Industrial e o Centro de Nanotecnologia Industrial em TianJin. Esse centro irá enfatizar o lado aplicado à manufatura da nanotecnologia. Em 2008, o governo chinês desenvolveu o “International

Nanotech Innovation Park. O parque é composto de uma incubadora (Biobay) e Suzhou Nanotech e Nanbionics Instituto.

Cientistas da Academia de Ciências Chinesa desenvolveram aplicações de nanotecnologia a produtos como seda e tecidos de algodão tornando-os á prova de água.e óleos. Esses resultados já estão sendo aplicados por fabricantes de gravatas. por exemplo: as “nanogravatas”. A tecnologia fará com que roupas se mantenham limpas por mais tempo. No futuro os tecidos inteligentes irão se adaptar a variações de luminosidade, temperatura, umidade e radiação.

Como outros paises, a China tem procurado criar uma indústria de nanotecnologia com porosidade tecnológica. Por exemplo: empresas americanas já começam a desenvolver parcerias estratégicas com essas empresas chinesas. A empresa Americana Veeco abriu um centro de pesquisas na China, em Beijing. O centro sera dirigido por cientistas e engenheiros chineses . Esse centro será operado pelo Instituto de Química da Academia Chinesa de Ciências e é o maior centro de pesquisa científica da China.

Outro fator a ser considerado no caso chinês, é o crescente investimento por companhias multinacionais na criação de centros de P&D na China. Esses investimentos reforçam o esforço tecnológico chinês. A China quer ser reconhecida

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como uma economia do conhecimento ate 2020, como um grande reservatório de conhecimento gerado na própria China e tem tomado medidas para assegurar que esse cenário se torne uma realidade. Na ultima década, gastos em P&D cresceram à taxa de 20% ao ano, o dobro do crescimento econômico . De acordo com a OCDE, a China em 2006 já estava em segundo lugar no mundo em gastos em P&D, atrás apenas do Japao. Um dos resultados alcançados é o segundo lugar no número de publicações acadêmicas em nanotecnologia depois dos Estados Unidos. Com cerca de 40% dos alunos universitários na China estudando engenharia e ciências, o país consolida seu futuro na nanaotecnologia e em outras novas e pouco desenvolvidas tecnologias (Hughes, 2008).

2.6 Coreia do Sul

Outro pais asiático que se destaca na nanotecnologia é a Coreia do Sul. O governo tem atuado direta e indiretamente na área de nanotecnologia. O macro plano nanotecnológico da Coreia do Sul tem três estágios bem claros: a) criar infraestrutura, b) formar mão de obra especializada, c) desenvolver estratégias de comercialização de produtos nanotecnológicos (Nanotechnology Research Institute, 2004). O governo quer desenvolver pelo menos 10 nanotecnologias até 2010, nas áreas de nano materiais, e nano mechatronics.

O “triple helix” é uma marca do esforço Coreano com os nano projetos no governo, universidades, e empresas privadas,. criando sinergias e integrados. . A ênfase tem sido em gerar produtos comercializáveis, baseados na tecnologia.

O país deu ênfase a pesquisas nas áreas nanomateriais, eletrônicos baseados em tecnologia nano, memórias, e aparelhos lógicos moleculares.

A Coreia do Sul inaugurou em 2005 o “Nano Fab Center (NNFC) “ alojado no Instituto de Ciência e Tecnologia (KAIST), sob os auspícios do Ministério de Ciência e Tecnologia. O NanoFab Center é ligado a uma série de laboratórios satélites ao redor da Coreia. A idéia principal do NNFC é oferecer um nano onde empresas possam passar do desenvolvimento à manufatura de produtos nanotecnologicos.

O setor privado Coreano teve uma participação expressiva nos esforços na área de nanotecnologia. Empresas como Daewo, LG, e Samsung tem investido na área. A empresa Sul Koreana “Hyosung” lançou em 2004 uma fibra sintética com propriedades antibactericidas para várias pecas de vestuário. Esse é só um exemplo dos esforços Coreanos nesta área. E a Samsung desde 2002 comercializa “flash memory chips” baseados em tecnologia de nanotecnologia.

2.7 Europa

Os Europeus também investem na nova fronteira tecnológica e a União Europeia, através da Comissão Europeia, é o maior investidor público em nanotecnologia a nível global. Na União Europeia 2/3 dos fundos dirigidos à nanotecnologia são provenientes do Estado, e um terço e proveniente do setor privado, mostrando a fragilidade do modelo europeu (NANOCHINA, 2008). Em 2008, a UE desenvolveu e adotou um código de conduta para nanociência que inclui a contabilidade e sustentabilidade. A França e a Alemanha são os grandes investidores

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nessa área. Ainda em 2008, a União Europeia está investindo 5.5 bilhões de euros em “embedded chips” e nanoctenologia. Esse esforço tecnológico, ARTEMIS, irá enfatizar a microcomputação. Recursos federais de vários países europeus serão articulados com universidades e empresas europeias em um típico arranjo de “triple helix.” (THEREGISTEr, 2008). Os Europeus estabeleceram um código de conduta para listar princípios que identifiquem as lacunas de conhecimento e os possíveis impactos em seres humanos e no meio ambiente (EUBUSINESS, 2007). Hoje, a Uniao Europeia é um dos líderes em nanotecnologia.

A União Europeia apresentou 550 projetos na área entre 2002-2006, investindo 1.4 bilhões de euros na implementacao do “Sixth Framework Programme – FP6.” Os investimentos deverão aumentar com a implementação do “Seventh Framework Programme -FP7 (Eubusiness, 2007). Em 2008, um novo programa foi colocado no lugar do MEDEA, um programa pan europeu na área de microeletrônica - o CATRENE (Cluster for Aplication and Technology Research in Europe on Nanoeletronics (Solid State, 2007).

2.8 França

A França tem um bom nível de pesquisa de nanociências, na área de nano-objetos, magnetismo, e em electrônica molecular. Entre 1991 e 1999, a França estava em quarto lugar no mundo em número de aplicações de patentes na área.Os maiores centros de pesquisa encontram-se m Paris, Lille, Grenoble, e Toulouse. Os atores principais na área de nanotecnologia são Technology Research Department, Onera, Sciences pour L´Ingenieur e Sciences et Technologies de Ìnformation. A França também dispõe de programas como o Programme National Nanosciences, ACI nanotechnologies, Reseau Dês Grandes Centrales em Nanotechnologies, . O Reseau Micro et Nanotechnologies provê fundos para pesquisa, tanto públicas como privadas. (British Embassy, 2004; The Institute of Technology 2003ª).

Em 1999 o governo francês reestruturou a pesquisa em nanotecnologia, com a criação do Reseau National de MicroNano Technologies (RMNT). Essa rede permite laços entre o setor publico e o privado na área de pesquisa. Em 2003, mais redes entre os maiores centros de tecnologia franceses foram promovidas. O RMNT conseguiu fundos de 100 milhões de euros para o período 2003-2006. Os maiores centros de pesquisa na França são SCS cluster em Sophia Antipolis, Systematic cluster em Paris, Minalogic em Grenoble, Institut dÉlectronique Fondamentale em Orsay, Laboratoire de Physique et Nanostructurte, em Paris, o Institut d´Electronique de Microelectronique et de Nanotechnologies em Lille (innovations-report, 2007).

2.9 Alemanha

Na Alemanha, em 1998 o Ministério Federal de Educação e Pesquisa (BMBF) lançou os Centros de Competência em Nanotecnologia, com o objetivo de promover uma maior interação entre ciência e indústria. Em 2002 o governo federal alemão criou a Nanotechnology Initiative. As prioridades são: comercialização da nanotecnologia, promover a formação de cientistas, promover o estabelecimento

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de novas empresas da área, e estabelecer redes de pesquisa (Loick, 2003; Roos, 2004; The Institute of Technology, 2003b).

Como em outros países a Alemanha promove o uso de nanotecnologias em indústrias que sejam competitivas e de interesse para a economia Alemã como a automotiva, informação e comunicação, química, alem de opticoeletrônicos, biotechnologia, metrologia, e engenharia médica.

Os maiores centros de nanotecnologia do país são German Research Foundation (DFG), Leibniz Association (WGL), Helmholtz Association (HGF), Max Planck Society (MPG), Fraunhofer Society (FhG). Outros centros de competência na área de nano tecnologia na Alemanha : Nanotechnologie CC-NanoChem, NanoCLubLateral, Nanomat, NanOp, OpTech-Net, UPOB.

3 Nanotecnologia no Brasil

A pesquisa em nanotecnologia e nanociência (Nano S&T) é de natureza recente no Brasil. As atividades na área sao na maior parte focadas em pesquisa básica. Investimentos são feitos a nível federal e estadual .

No plano do PACTI de 2007-2010, a nanotecnologia é parte de esforços tecnológicos em áreas estratégicas do governo federal. Os objetivos são o de desenvolver estratégias de médio e longo prazo para o setor, fortalecer a dimensão educacional, consolidar a infraestrutura, e fortalecer as competências na área.

Com essa intençção, no período de 2007-2010, dez laboratórios serão consolidados. Esses laboratórios irão manipular sistemas de nanoestruturas. Há intenção de contemplar-se e apoiar projetos de pesquisa que envolvam o setor privado, educar perto de 100 profissionais na área de nanotecnologia, e estimular a cooperação internacional.(Nanoforumeula, 2008). Uma dessas cooperações internacionais seria com a Argentina e um centro de nanotcnologia foi criado centralizando os esforcos dos dois países. Esforços de cooperação com Canadá, a India e Africa do Sul também estão sendo organizados .

Várias agências governamentais e empresas estão engajadas no esforço nanotecnológico como: Petrobras, Embraer, INMETRO, INPA, Embrapa, Centene. Estima-se que perto de 40 empresas, no país, tenham projetos na área de nanotecnologia. Entre elas podemos citar: Petrobras, Natura, Boticario, Braskem, Santista Textil, Ceramica, entre outras. A Brasken criou uma nano resina termoplástica que tem maior resistência a calor e maior proteção à luz do sol e umidade, com grandes aplicações na indústria automobilística.

A Embrapa está centralizando seus esforços em várias áreas críticas para a agência. Está investindo na produção de nanofibras para aumentar a resistência de fibras naturais de coco e de sisal. A Embrapa também investe em nanoparticulas para serem usadas em pesticidas (Science and Development Network, 2009). Um nano laboratório de 1.9 milhões de dólares está sendo construído para fortalecer e focar os esforços nanotecnológicos da agência e tem desenvolvido projetos com universidades nacionais e estrangeiras. A agência desenvolveu a “língua eletrônica” em cooperação com a USP e a University of Pennsylvania. Esse sensor, permite a identificação de tipos diferentes de água, vinhos, e café. A “língua eletrônica” vai ser adaptada para atuar na área de sucos, de frutos e leite (Almeida, 2008).

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Uma nova geração de nano empresas começa a aparecer no Brasil, como resultado de programas de incubação em universidades, ou como manifestações empreendedoras, tais como: Nanobionics, Supranano, Perinova, Ponto Quantico, e Gaviasensor.

As redes de pesquisa na área da nano no país são bem diversificadas. Decidiu-se criar redes nas áreas de: materiais nanoestruturados, nanobiotecnologia, nanotecnologia molecular e de Interfaces, nanobioestruturas, e nano dispositivos semicondutores e materiais nano estruturados. Esses redes ficaram sob o controle das seguintes universidades: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Unicamp, e a Universidade Federal de Pernambuco. Juntas, essas redes agregam cerca de 300 pesquisadores de 40 instituições de pesquisa e ensino. Hoje o país dispõe de cursos de mestrado e doutorado na área, garantindo uma oferta interna de técnicos e cientistas para essa indústria nascente. Até o momento, as rede geraram 17 patentes, e perto de 1,000 artigos acadêmicos. Em Julho de 2004, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) criou a Coordenação Geral de Política e Programas de Nanotecnologia (Cezar, 2004; Godinho, 2004; Pereira, 2005; Silveira, 2003). Em 2005, a Universidade Federal de Minas Gerais começou a comercializar nanotubos de carbono através da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa –Fundep (Oliveira, 2005).

Pode se dizer que a pesquisa em nanociências e nanotecnologia começou no Brasil em 1999, quando a Universidade Federal de Minas Gerais passou a pesquisar nanotubos. Em 2001 o CNPq lançou as bases para a criação de redes de nanotecnologia. Essas redes são formadas por 40 institutos de pesquisa nacionais e 6 do exterior e estão localizadas em vários estados brasileiros como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, e Pernambuco (Foladori, 2006).

Universidades federais e estaduais desenvolvem vários projectos, alguns com empresas nacionais. A UFRGS atua na área de semicondutores, a UFPE na área de nanotecnologia molecular, a Unicamp e USP na área de nanobiotechnologia e nanomateriais, a Coppe atua na área da nanotecnologia molecular, a UFMG atua na área de nanotubos de carbono, e a Suframa na área de microsistemas. Nanobiotecnologia e nanoeletronicos, CTA e o INPE tem seu foco na área de nano para uso espacial, e a Embrapa no uso de nano para a agricultura. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desenvolve junto com a Petrobras nanocatalizadores que podem ajudar a empresa a proteger o meio ambiente por meio da remoção de compostos poluidores, resultado de processos de refinação.

O Plano Pluri Anual do governo federal alocou R$ 77.7 milhões no período 2004-2007 para o desenvolvimento de nanociência e nanotecnologia. Segundo indicações do Ministério da Ciência e Tecnologia, existem possibilidades de fundos para a nanotecnologia e nanociência serem expandidos consideravelmente nos próximos anos.

Outro investimento federal em Nano S&T, são os 15 “Millennium Institutes” , resultado de uma parceria entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Banco Mundial, um investimento de R$ 90 milhões (ALMEIDA, 2008). Novos laboratórios estão sendo construidos com o apoio do MCT, ampliando a infrastructura nacional de nano (NANOVIP.COM, 2008).

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Os esforços nanotecnológicos nacionais, já começam a dar frutos. A Petrobrás trabalha na elaboração de biosensores em nanoescala; a Embrapa desenvolveu a “língua eletrônica”, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul trabalha na produção de sistemas inteligentes para a administração de fármacos. No setor privado, a empresa Nanacore Biotechnology trabalha na área de vacinas utilizando sistemas micro e nano particulados.

O futuro desenvolvimento da nanotecnologia no país, no entanto, enfrenta uma série de desafios. Ao contrário de outros países, as redes de nanotecnologia nacional não têm a participação expressiva do setor privado nacional, os recursos são escassos e falta um “master plan” nanotecnológico por parte do governo Aos poucos, no entanto, empresas como a Petrobras começam a desenvolver centros de pesquisa, como o centro de nanotecnologia na PUC do Rio de Janeiro (NANOFORUMEULA, 2008). O país ainda precisa construir uma infraestrutura nanotecnológica, incentivos para a criação de nano empresas e centros que promovam uma maior interação entre o setor privado, acadêmico e estatal. Alem disso, é importante enfatizar o pragmatismo de outros países em suas pesquisas nanotecnológicas.

A comercialização é um ponto marcante na experiência nanotecnológica desses países. O Brasil não conseguiu ainda criar um “triple-helix” efetivo, envolvendo um número maior de empresas do setor privado nacional, governo, e instituições acadêmicas. E mais, tem um modelo top-down, ao contrário de outros países onde se dá ênfase ao modelo “bottom-up” consultivo. A política de se criar nichos de excelência na nanotecnologia é uma

característica marcante da experiência desses países. A nanotecnologia está sendo usada para criação de novas vantagens competitivas em setores que já são competitivos ou venham a ser no futuro. Nesse sentido, o Brasil tem que prestar atenção ao pragmatismo usado por outros países em suas indústrias nanotecnológicas.

Nossas redes de nanotecnologia deveriam estar construindo pontes com os setores mais dinâmicos da economia brasileira. O Brasil não pode se dar ao luxo de criar mais “torres de marfim” tecnológicas no pais. Nossos esforços têm que resultar em patentes e em produtos comercializáveis com alcance global.

4 Desafios

Vários países estabeleceram regras e políticas para assegurarem a seguranca da nanotecnologia nas áreas ambientais, de saúde, e segurança. Os nanotubos de carbono (CNTs) e outras moléculas de carbono têm sido objeto de intensa pesquisa. Algumas pesquisas em animais mostram lesões causadas por esses elementos, outras mostram a não toxicidade de CNTs e moléculas de carbono. Alem disso, a acumulação dessas nano partículas no cérebro e pulmão podem ser fatais (SARGENT, 2008). Estudos com camundongos, mostram que a exposição ao nanocarbono danificam o coração e a artéria da aorta.

Hoje, mais de 700 nano produtos já estão no mercado, sem uma legislação específica. Algumas questões terão que ser respondidas. Por exemplo: a) As regulações existentes são adequadas?, b) Quais são as circumstâncias que irão fazer com que a nanotecnologia force a mudança nas legislações existentes?

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Um dos problemas e desafios presentes é a falta de dados em nível internacional. É quase imperativo que países que hoje pesquisam nanotecnologia combinen seus esforços para o design de estratégias regulatórias na área de nanociência e nanotecnologia.

No entanto, um número crescente de artigos científicos apontam para o fato de que nano particulas podem criar riscos à saúde humana e ao meio ambiente. As nanoparticulas podem ser ingeridas, aspiradas, ou passar através da pele (CRN, 2008).

Esses riscos à saúde em potencial, levantam questões sobre a imposição de regulações comerciais a nível global, como acordos no âmbito da “SPS Agreement – Sanitary and Phytosanitary Measures.” Essas são medidas que visam proteger animais, plantas, ou saúde humana contra riscos associados à importacao de produtos estrangeiros como toxinas, pestes e outras doenças contagiosas (THAYER, 2005). O “Environmental Protection Agency - EPA” dosEstadosUnidos tem dado apoio financeiro para pequisas em universidades americanas sobre os impactos da nonotecnologia sobre o meio ambiente e a saúde humana (THAYER, 2005).

A nível internacional , perto de 80% do comércio global é afetado por standards e por regulações. A nanotecnologia vai demandar a implementação de standards que favoreçam o desenvolvimento e a comercialização de novas tecnologias e que protejam consumidores e o meio ambiente (ANSI, 2007).

No Brasil, a rede Renanosoma, enfatiza o impacto da nanotecnologia na sociedade e no meio ambiente. Desde 2006, a Fundacentro estuda os impactos da nanotecnologia em trabalhadores e no meio ambiente. Outras agências como o DIEESE, DIESAT, também estão envolvidos nesses esforços.

5 Redesenhando Vantagens Competitivas a Nível Global

A avaliação dos impactos de curto, médio,e longo prazo das nanotecnologias e nano inovações são de fundamental importância para a competitividade de empresas e crescimento econômico de países.

Hoje, a aplicação de inovações nanotecnologicas já são uma realidade nas indústrias automobilísticas, de telecomunicações, comésticos, químico, e médicos. Microsistemas são usados extensivamente na telefonia celular, computadores pessoais e eletrônicos.

A experiência internacional nos mostra que vários paises já entenderam as ramificações e importância desse novo ponto de inflexão tecnológico e as implicações que irão ter sobre o seus modelos de negócios e econômicos vigentes.

A participação do setor estatal, privado e acadêmico, ou a existência do “triple helix” tem sido o modelo prevalente de mais sucesso. Em todos os países, a ênfase tem sido não só na pesquisa básica mas também na comercialização desssa inovações. O número de patentes de países como os Estados Unidos, Japão e China, por exemplo, mostram o pragmatismo desses paises em relação a nanotecnologia. Existe ainda um planejamento claro e definido que procura encontrar nichos de excelência tecnológica e manufatureira. O envolvimento do três setores nesse planejamento nanotecnólogico é também o ponto em comum dessas experiências.

A crescente alocação de recursos para a indústria, a formação crescente

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de profissionais e infra-estrutura é outra característica marcante da experiência internacional.

O Brasil ainda tem muito a aprender com a experiência internacional. Nossas universidades não são muito eficientes em transformar pesquisas em produtos comercializáveis (Albuquerque, 2003; Cruz, 2005). Sem uma participação maior do setor privado e multinacional no setor de nanotecnologia, o país não vai criar uma indústria de nanotecnologia.

No México, o Centro de Física Aplicada y Tecnologia Avanzada da Unam criou a tinta Deletum 3000 que repele água e óleo, fazendo dela uma nanotinta que é resistente ao graffiti (Azonano, 2004). Esse tipo de nano produto com alto potencial de comercialização a nível global é de fundamental importância para manter a expansão desses estudos.

As implicações para o futuro econômico do país podem ser vários. No lado exportador, fica muito claro que produtos nanotecnológicos irão controlar uma fatia cada vez maior dos mercados mundiais. Países que não dispuserem de produtos nanotecnológicos verão o preço de seus produtos caírem e perderem faixas de mercado.

As experiências Chinesas e Coreanas nos mostram, muito claramente a estratégia exportadora que já começam a desenvolver. Esses países entenderam que a sua participação nos mercados mundiais será ditada por seus sucessos na nanotecnologia.

No lado dos investimentos, empresas começarão a se localizar em países onde a existência de uma infra estrutura nanotecnológica facilite suas operações. Países que continuem enfatizando a disponibilidade de mão de obra barata e de recursos naturais verão o perfil de investimentos mudar radicalmente no futuro, tendo suas economias afetadas pelo “nano-divide.” As parcerias nanotecnológicas entre países que investem nessa nova plataforma è uma indicação dessas tendências a nivel global.

A nanotecnologia também vai afetar países que hoje dependem da exportação de commodities e produtos intensivos em recursos naturais e vai alterar o perfil de demanda por esses produtos radicalmente. Hoje, quase cem paises são dependentes da exportação desses produtos, mostrando a fragilidade dessas economias para a nanotecnologia. A nanotecnologia vai criar um novo paradigma para o setor exportador global, mudando os preços relativos de produtos.intensivos em nanotecnologia e produtos que não tenham essa tecnologia. É muito provável que países que exportem produtos sem conteúdo nanotecnológico vejam o preço de seus produtos cairem em relação aos intensivos em nanotecnológicos. É bem provável também que as taxas de obsolecência e ciclos de vida de produtos sem nanotecnologia sejam dramaticamente afetados em mercados domésticos e internacionais.

A nanotecnologia chegou para mudar radicalmente a estrutura de negócios e economias a nível global. O Brasil já perdeu vários “bondes tecnológicos”. É de suma importância que nossos dirigentes entendam as implicações tecnológicas, econômicas e sociais da nanotecnologia.

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Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções

metodológicas para o desenvolvimento de

monografias

Celi Langhi*

Resumo:Este trabalho analisa alguns dos processos que envolvem a elaboração de monografias em cursos de pós-graduação lato sensu. Verificou-se que a grande maioria dos livros sobre Metodologia Científica publicados nos últimos cinco anos se preocupa mais com a elaboração das pesquisas e dos relatórios de conclusão do que com os itens iniciais como a seleção do tema, a identificação do problema e os objetivos que se pretende atingir, ou seja, há poucas considerações sobre como elaborar o projeto da monografia. Por isso, são propostos alguns procedimentos, modelos e exercícios para facilitar a elaboração das monografias e para que a produção de conhecimento seja mais significativa para os alunos de cursos de MBA.

Palavras chave: MBA, produção científica do conhecimento, metodologia científica, monografia.

Abstract:This paper analyzes some of the processes used in the development of essays in lato sensu post-graduation courses. It has become evident that the great majority of books on Scientific Methodology published over the last five years is concerned about research structuring and the construction of the concluding report, as opposed to the initial tasks, such as subject selection, problem identification and the objectives one wishes to achieve. One realizes that there are few considerations on how to elaborate the project for the essay. Therefore this paper proposes some procedures, models and exercises in order to facilitate the elaboration of essays, and so that knowledge production may become more significant to MBA courses students.

Keywords: MBA, scientific knowledge development, scientific methodology, essay.

*Doutora e mestre em psicologia da aprendizagem (Universidade de São Paulo), mestre em comunicação social (Universidade Metodista de São Paulo); especialista em didática do ensino superior (Universidade São Judas) e pedagoga (UNIABC). Professora de metodologia científica há 20 anos em cursos de especialização e MBA. E-mail: <[email protected]> e <[email protected]>.

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Introdução

Fazer um curso de MBA (Master Business Administration) é quase obrigatório para todo profissional que pretende atingir cargos de gerência e direção em empresas de vários segmentos. Os candidatos podem optar por cursos em instituições nacionais com ou sem a presença de módulos internacionais, ou então buscar um curso diretamente no exterior. Dada a grande quantidade de oferta, essa seleção pode ocorrer tanto pela qualidade do curso quanto pelo valor que o candidato está disposto a pagar por sua formação em nível de pós-graduação. A qualidade e o preço de um MBA estão relacionados ao currículo do curso, à formação acadêmica e profissional de seu corpo docente e à tradição da instituição. Mas, apesar da diversidade de ofertas entre os cursos, há um item que os aproxima e os torna vulneráveis, quase que na mesma proporção: a monografia.

É comum os alunos participarem das disciplinas com entusiasmo, buscando a aplicação das aprendizagens adquiridas em seu dia-a-dia imediato ou almejado. Contudo, quando chega o momento de iniciar a monografia, surgem reclamações as mais diversas. Alguns alunos começam a dizer que o curso ficou “chato”. Outros começam a questionar se realmente esse trabalho é essencial para sua formação. Outros ainda se consolam com a idéia de que não vão precisar do certificado do curso e, por isso, não farão a monografia. Esse tipo de argumentação possivelmente faz parte da realidade da maioria dos professores de Metodologia Científica que geralmente iniciam suas aulas na segunda parte do curso, quando diversas disciplinas já foram dadas, e num momento em que os alunos já têm condições de optar pelo estudo de um único tema.

Para muitos alunos, a produção de conhecimento não é vista como um importante tipo de aprendizagem que propicia a formação de uma série de habilidades e competências que são necessárias para a formação de um líder que pretende atuar em cargos de gerência ou de direção. A partir do momento em que esse aluno prepara um relatório, contendo informações que fazem parte de sua experiência com teorias estudadas e/ou pesquisas realizadas, cruzando tais dados e propiciando uma análise aprofundada baseada em sua percepção e nos conhecimentos adquiridos, ele se torna mais apto a conduzir equipes e buscar soluções inovadoras tanto para o desenvolvimento de novos produtos ou serviços, quanto para a resolução de problemas.

Diante do que foi exposto nota-se que a produção científica do conhecimento é relevante num curso de MBA, porém, quais são as principais causas que levam muitos alunos a não apreciarem essa atividade, chegando até mesmo a desistir do certificado por causa dela?

A essa pergunta pode-se atribuir uma série de respostas, sendo que a mais comum é a falta de tempo, uma vez que a atividade profissional ocupa todos os espaços disponíveis e isso sem levar em consideração o tempo destinado ao convívio familiar. Outros motivos também podem ser apresentados como significativos: a falta de um tema que seja do interesse do aluno, a falta de bibliografias atualizadas e interessantes, a dificuldade de expor as idéias por meio da escrita e a falta de significado que a monografia exerce sobre o aluno.

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81

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Este artigo tem por objetivo apresentar soluções que auxiliem alunos e professores na produção de monografias que sejam significativas para tais alunos, tanto do ponto de vista pessoal como profissional e que estejam engajadas ao objeto de estudo do curso. O objetivo geral é contribuir para que hajam mais literaturas que demonstrem de forma prática, como os conteúdos de cunho teórico podem ser aplicados.

Na organização geral desse artigo, são apresentados os principais conceitos relacionados à produção de conhecimento, bem como sobre sua aplicação à realidade corporativa. Na sequência são expostas as principais formas pelas quais as monografias são apresentadas aos alunos e como os principais livros de metodologia científica contribuem para essa finalidade. Finalmente são propostas algumas sugestões para tornar a experiência de produção científica mais significativa e mais prazerosa num curso de MBA.

1 O Conhecimento e sua Produção

O conhecimento nasce quando há uma espécie de encantamento ao se contemplar a Natureza, o Universo e as coisas ou fatos que os cercam. Esse encantamento leva à curiosidade e assim se estabelece o processo do conhecimento e do discernimento. Esse processo termina com a produção do saber de forma metódica e organizada (SANTOS, 2010).

A palavra conhecer tem origem no latim “cognascere”, que significa ter a posse de informações, ter noção e idéias de algo que se relaciona com o mundo com o qual convive. O conhecimento significa prática de vida, consciência de si mesmo e “[...] ato ou efeito de saber e conhecer de forma metódica e organizada” (SANTOS, 2010, p. 46).

O conhecimento pode ser entendido como o processo de transmissão e acumulação de informações. O ser humano herda boa parte dos conhecimentos que foram produzidos por seus antepassados, os quais durante séculos fizeram experiências, observações e pesquisas. A capacidade de conhecer e de pensar sobre o próprio conhecimento é fundamental para a sobrevivência e para o progresso. “O homem vê e conhece, conhece o que vê e pensa no que viu e no que não viu, conhece e pensa, pensa e interpreta” (RUIZ, 2006, p. 41).

Um dos objetivos mais perseguidos pelo ser humano é o de conhecer a realidade ou a verdade e para isso utiliza uma série de mecanismos (MARTINS, 2007). Para que tenha esse tipo de conhecimento o homem se expressa por meio de processos cognitivos e de forma lenta e gradativa começa a dominar tanto os fenômenos naturais, metafísicos quanto os produzidos por meio da interação com o ambiente e também em contato com instituições públicas e privadas. “Nesse contato, o homem passa a conhecer e compreender o real. Dada a complexidade da vida moderna, o ato de conhecer surge de maneira natural e o ser humano nem se dá conta da sua enorme complexidade ou cogita mesmo de saber a conceituação ou significado do termo conhecer” (SANTOS, 2010, p. 47).

Uma das formas mais utilizadas para se compreender a realidade e adquirir conhecimento é a leitura. Ela é o principal pré-requisito para àqueles que se sentem

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estimulados a buscar novas idéias, transformá-las e aplicá-las para, então, observar o resultado do conhecimento que foi adquirido.

1.1 Tipos de Conhecimento

Ao se materializar, o conhecimento pode tomar a forma de senso comum, de ciência, de filosofia e de religião. “A esse formato correspondem tipos de conhecimentos distintos: o senso comum ou conhecimento empírico; o conhecimento religioso; o conhecimento filosófico; e o conhecimento científico” (SANTOS, 2010, p. 47).

Os estudo dos tipos de conhecimentos é muito frágil. Os limites entre esses quatro tipos não são muito claros e pode-se até questionar o porquê da não-inclusão, por exemplo, das artes como uma forma de conhecimento (MATTAR, 2008). Mas, mesmo reconhecendo as limitações dessa divisão percebe-se que ela facilita algumas reflexões relacionadas à produção científica do conhecimento.

O conhecimento empírico também pode ser chamado de vulgar, popular, cotidiano ou de senso comum (MATTAR, 2008). Indica o conhecimento simples e prático das coisas. Geralmente é praticado por meio de experiências causais, que representam erros e acertos. É desenvolvido no contato direto e diário com a realidade e faz parte das crenças e opiniões, utilizadas em geral para objetivos práticos, ou seja, por meio dos sentidos (RUIZ, 2006). Não emprega nenhum tipo de metodologia para a busca de informações. É por meio dele que se constitui a base do conhecimento. As pessoas mais comuns, que desconhecem métodos e técnicas científicas para a busca de informações mais acertivas, têm conhecimento de seu mundo e das pessoas com quem convive por causa do processo de interação humana e social que estabelecem entre si. Os conhecimentos são transmitidos de uma pessoa à outra, de uma geração à outra.

O conhecimento científico é produzido quando se vai além do empírico, procurando conhecer, não apenas o fenômeno, mas também suas causas e leis. A ciência tem como seu objeto principal de estudo, o universo material, naturalmente perceptível pelos órgãos dos sentidos ou mediante a ajuda de instrumentos de investigação. Ele resulta da investigação metódica e sistemática da realidade. Por meio dele os fenômenos são estudados com efeitos imediatos e, através da experimentação em laboratório, busca-se a construção das leis gerais, que os regem. Esse conhecimento está em constante e rápida ampliação. Muitas coisas que eram do domínio da filosofia ou da religião, hoje podem ser comprovados pela ciência. Há algumas exceções como a matemática, que não se ocupa do universo físico e material, mas deve ser igualmente metódica, sistemática e verificável.

O conhecimento filosófico pode ser caracterizado como um diálogo contínuo com os filósofos precedentes, baseados em raciocínios lógicos e sem a obrigação de aplicação direta à realidade (MATTAR NETO, 2008). Seu principal instrumento é o raciocínio, o pensar. A filosofia procura compreender a realidade em seu contexto mais universal. Não há soluções definitivas para grande número de questões. Entretanto, habilita o ser humano a fazer uso de suas faculdades para ver melhor o sentido da vida concreta. Para obter conhecimentos filosóficos deve-se partir dos dados materiais e sensíveis (ciência) para, posteriormente, refletir sobre dados de

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ordem metafísica, não sensíveis. Em outras palavras, parte-se do concreto material para o concreto supramaterial; do particular ao universal (CERVO e BERVIAN, 2002).

O conhecimento teológico surge com a revelação de algo divino, aceito pela fé. Ao adotar esse tipo de conhecimento pode-se ou não utilizar a razão. Não é preciso ver para crer, e deve-se crer mesmo que as evidências apontem para o contrário do que a religião ensina. Esse conhecimento geralmente acontece quando há um mistério, ou seja, algo oculto, que provoca a curiosidade e que leva à busca. São adquiridos nos livros sagrados e aceitos racionalmente pelas pessoas, depois de terem passado pela crítica histórica mais exigente.

O quadro a seguir sintetiza as principais características dos tipos de conhecimento.

Conhecimento

Popular

Conhecimento

Filosófico

Conhecimento

Teológico

Conhecimento

Científico

Valorativo Valorativo Valorativo Real (factual)

Reflexivo Racional Inspiracional Contingente

Assistemático Sistemático Sistemático Sistemático

Verificável Não Verificável Não verificável Verificável

Falível Infalível Infalível Falível

Inexato Exato Exato Aproximadamente exato

Quadro 1 Tipos de conhecimentos

a) Conhecimento empírico: valorativo - se fundamenta numa seleção operada com base em estados de ânimo e emoções: os valores do sujeito impregnam o objeto conhecido; reflexivo – estando limitado pela familiaridade com o objeto, não pode ser reduzido a uma formulação geral; assistemático - se baseia na “organização” particular das experiências próprias do sujeito; verificável - está limitado ao âmbito da vida diária e diz respeito àquilo que se pode perceber no dia-a-dia; falível e inexato - se conforma com a aparência e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto.

b) Conhecimento filosófico: valorativo - seu ponto de partida consiste em hipóteses que não poderão ser submetidas à observação, pois baseiam-se na experiência; verificável - os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados; racional - consiste num conjunto de enunciados logicamente correlacionados; sistemático - suas hipóteses e enunciados visam a uma representação coerente da realidade estudada,

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numa tentativa de apreendê-la em sua totalidade; infalível e exato e seus postulados e hipóteses não são submetidos ao decisivo teste da observação (experimentação).

c) Conhecimento teológico: valorativo – apóia-se em doutrinas que contêm proposições sagradas; inspiracional e infalível – foi revelado pelo sobrenatural; são exatos; indiscutíveis; sistemático – apresenta origem, significado, finalidade e destino como obra de um criador divino; não verificável – está sempre implícita uma atitude de fé perante um conhecimento revelado.

d) O conhecimento científico é real (factual) – lida com ocorrências ou fatos, ou seja, com alguma forma de existência que se manifesta de algum modo; contingente – suas proposições ou hipóteses têm a sua veracidade ou falsidade conhecida por meio da experimentação; sistemático – trata de um saber ordenado logicamente, formando um sistema de idéias; verificável– as afirmações que não podem ser comprovadas não pertencem ao âmbito da ciência; falível – não é definitivo, absoluto ou final; aproximadamente exato – novas proposições e o desenvolvimento de técnicas podem reformular o acervo das teorias existentes.

Estudar os tipos de conhecimentos de forma separada é importante para que se perceba quais são as características que uma monografia deverá ter. Essa subdivisão, embora tenha apenas cunho didático, poderá ser esclarecedora para a produção científica uma vez que não deverão ser utilizadas idéias baseadas apenas nos próprios conhecimentos ou tendo por base apenas as idéias próprias, sem se levar em consideração o referencial teórico que já foi produzido sobre o assunto.

Em síntese, para que o aluno prepare uma monografia adequada para um curso de MBA deverá ter por base as características gerais do conhecimento científico, a concepção de que nesse mundo não há nada pronto ou acabado e reconhecer que tudo está em constante transformação, inclusive o próprio ser humano.

2 Elaboração de monografias

Na produção de monografias é necessário ter capacidade de observação, produção de teorias para explicar essa observação, teste dessas teorias e aperfeiçoamento de idéias e teorias. A produção do conhecimento não deve ser considerada como algo pronto, acabado ou definitivo, como era na época dos filósofos gregos, em especial Aristóteles; ou na Renascença. Deve haver a busca constante de explicações e de soluções, de revisão e de reavaliação de seus resultados, apesar de sua falibilidade e de seus limites (CERVO e BERVIAN, 2002).

Em uma monografia o conhecimento deve ser renovado e reavaliado continuamente. É isso que permite com que a elaboração do conhecimento seja considerada um processo em construção. Para se aproximar cada vez mais da verdade utiliza-se métodos que proporcionem controle, sistematização, revisão e segurança maior do que possuem outras formas de saber não – científicas.

É nesse momento que se reconhece o papel da Metodologia Científica. Por

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meio dessa disciplina o aluno conhecerá uma série de métodos e técnicas que poderão auxiliá-lo na produção geral de seu trabalho. Como não existem cursos próprios para a formação de professores de Metodologia Científica, geralmente são indicados para essas aulas profissionais que têm experiência com pesquisas publicadas ou que desenvolveram dissertações de mestrado e teses de doutorado. Muitas instituições separam os papéis entre os orientadores de metodologia e os de conteúdo, uma vez que os professores de metodologia científica não dominam todos os assuntos de um curso e nem sempre encontra-se no mercado nacional profissionais devidamente titulados, conhecedores do conteúdo que é o objeto da orientação e ainda com conhecimentos metodológicos suficientes para dominar toda a cadeia da orientação e do desenvolvimento desses trabalhos. O papel do professor de metodologia científica pode variar conforme as instituições de ensino, mas geralmente é quem acompanha o desenvolvimento das monografias.

As aulas de Metodologia Científica, em sua grande maioria, são preparadas conforme a experiência do professor e por meio de publicações disponíveis no mercado. A experiência é fundamental para auxiliar os alunos na previsão de dificuldades. Já as bibliografias especializadas auxiliam o professor a ter o suporte teórico fundamental, que será o alicerce do trabalho científico. Aqui cabe, contudo, um breve questionamento: será que as bibliografias disponíveis realmente auxiliam os professores no preparo da aulas?

Para esse artigo foram estudados vinte e sete livros de metodologia científica, publicados ou reeditados entre 2005 e 2010. Com base nesse levantamento verificou-se que os livros de Metodologia Científica podem ser classificados de várias formas: pelo conteúdo, formato, experiência do autor etc. Ao avaliar essa amostra, optou-se por utilizar uma classificação própria, também fruto da experiência da autora desse artigo, na orientação de mais de quinhentas monografias durante sua carreira profissional.

Essa classificação comporta cinco etapas: conceitos gerais sobre ciência; sugestões para a elaboração de projetos de pesquisa; classificação dos métodos e técnicas de pesquisa; produção do relatório final e regras/ normalizações. Cada uma dessas etapas será analisada a seguir.

a) Conceitos sobre ciência - dos vinte e sete livros analisados, seis fazem algum tipo de referência aos conceitos em que se baseiam o desenvolvimento científico como: aspectos gerais da filosofia da ciência (APPOLINÁRIO, 2006); tipos de conhecimento, classificação da ciência, epistemologia, paradigmas e modelos teóricos dentre outros (MARTINS e THEÓPHILO, 2009; MATTAR, 2008; LAKATOS e MARCONI, 2007) e técnicas de aprendizagem, conhecimento, ciência (SANTOS, 2010; BARROS e LEHFELD, 2007).

b) Projeto de pesquisa – sete publicações optaram pelo desenvolvimento do projeto de pesquisa e suas etapas (LIMA, 2008; BRENNER e JESUS, 2007; GULLO, 2009; LUNA, 2009; SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2006; ECO, 2007). Nota-se que não há um consenso entre quais são os principais elementos que um projeto de pesquisa deve apresentar. Contudo, a maioria destaca a

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importância do tema, dos objetivos a serem atingidos e da justificativa. Se um pesquisador inexperiente se apoiar apenas em publicações para definir seu projeto de pesquisa, possivelmente terá dificuldade quanto à seleção dos itens que seu projeto deverá ter. Esse é um dos motivos pelos quais muitas instituições de ensino (USP, FGV, PUC, Centro Paula Souza), que solicitam projetos de pesquisa como um dos componentes de classificação para o ingresso em cursos de mestrado e doutorado, indicam seus próprios modelos de projeto.

c) Métodos e técnicas de pesquisa – a maioria das publicações analisadas, ou seja, 18 publicações se preocupam com os métodos e técnicas de pesquisa (VERGARA, 2008; VERGARA, 2009; ROESCH e FERNANDES, 2007; LIMA, 2008; BOOTH, COLOMB e WILLIAMS, 2005; MARTINS, 2007; YIN, 2009; CASTRO, 2006; APPOLINÁRIO, 2006; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; GIL, 2009; MATTAR, 2008; SILVERMAN, 2009; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI, COLLADO e LUCIO, 2006; LAKATOS e MARCONI, 2007). Aqui também não há consenso sobre quais são os métodos e técnicas de pesquisa mais indicados para o estudo de determinados assuntos ou áreas do conhecimento. São apresentados vários tipos de classificações para esses métodos e técnicas, com foco principalmente em como adotá-los. Contudo, falta uma análise mais aprofundada de cada um para que auxilie o pesquisador a fazer suas opções.

d) Relatório final – avaliou-se ainda que treze das publicações analisadas se preocupam mais com o relatório final que será apresentado no formato de uma monografia (LIMA, 2008; AQUINO, 2008; ANDRADE, 2007; MARTINS, 2007; MARTINS e THEÓPHILO, 2009; SANTOS, 2010; BERTUCCI, 2009; MATTAR, 2008; MORAES e AMATO, 2006; BARROS e LEHFELD, 2007; SAMPIERI, COLLADO E LUCIO, 2006; ECO, 2007; RUIZ, 2006). A preocupação central está na forma que o documento deverá apresentar. Supõe-se, portanto, que todas as decisões sobre o tema a ser abordado, o problema da pesquisa, as hipóteses, os objetivos, a fundamentação teórica e a coleta de dados já estão resolvidos e aguardam apenas o processo de registro.

e) Regras e normalizações – dos vinte e sete livros analisados, todos indicaram como aplicar as principais regras para a escrita de citações, referências bibliográficas, quadros, tabelas, figuras etc. Todas elas se baseiam na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para propor seus modelos. É interessante notar que não mencionam que pode haver outros tipos de normalizações como, por exemplo, a proposta pela American Psychological Association – APA. Também não explicam que as normalizações internacionais é que deverão ser adotadas caso se decida fazer algum tipo de publicação em periódicos estrangeiros.

Produção de Conhecimento em Cursos de MBA: opções metodológicas para..., Celi Langhi, p. 68-81

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Após essa análise fica evidente que se o professor de Metodologia Científica optar pelar adoção um único livro, não oferecerá ao aluno uma visão global do processo de produção científica do conhecimento. Algumas instituições de ensino como a FAAP, o Mackenzie, o Instituto de Psicologia da USP e a PUCSP preferem adotar seus próprios “Manuais de Monografias”. Mas, mesmo esses manuais contemplam mais as questões de formatação e normalizações do que o processo criativo, iniciando-se pelo tema do trabalho.

3 Sugestões para tornaras aulas de metodologia científica mais didáticas

Diante da dificuldade dos alunos de cursos de MBA elaborarem suas monografias, propõe-se que a organização das aulas sejam revistas e que a monografia seja parte integrante de todo o curso, e não apenas um dos pré-requisitos para aprovação e cuja preocupação advém somente ao término das disciplinas programáticas. Para isso, se propõe os seguintes passos:

1º Passo: Nas primeiras aulas do curso o aluno deverá ser informado a respeito da importância da produção de uma monografia para a sua formação no curso. Isso poderá ocorrer numa aula específica de metodologia científica ou então fazer parte de aula inaugural quando o coordenador do curso geralmente apresenta a proposta do programa e as especificações do curso. Nessa aula o aluno poderá ser instrumentalizado para utilizar algum tipo de ferramenta que o auxilie a detectar um possível tema de estudo. Sugere-se, por exemplo, o uso da seguinte ferramenta:

Quadro 2 Exercício para a seleção de temas de monografias

Por meio dessa ferramenta o aluno será convidado a pensar nos motivos que o levaram a realizar um curso de MBA e a manter o foco em seus próprios objetivos.

Sabe-se que a decisão por um tema de monografia não é algo simples. Isso envolve uma tomada de decisão que, se for errônea, o aluno poderá ter que gastar muito mais horas de estudos do que realmente esperava consumir para essa atividade e ainda ficar satisfeito com o trabalho final. A apresentação da ferramenta no início do curso visa permitir com que o aluno reveja várias vezes suas opções para, então, tomar a decisão definitiva. Essa decisão geralmente é finalizada no

EXERCÍCIO: TEMAS PARA MONOGRAFIAS Siga as instruções indicadas em cada atividade:

Atividade a. Elabore uma relação individual de palavras chave que te motivou a realizar o curso de MBA.

Atividade b. Selecione cinco dessas palavras chave e numere-as de acordo com seus interesses particulares (ordem decrescente).

Atividade c. Escreva uma frase contendo mais de três palavras contidas no quadro elaborado anteriormente.

Atividade d. Transforme essa frase em uma pergunta.Atividade e. Avalie se você realmente tem interesse em estudar esse

assunto.

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transcorrer de, pelo menos, metade do programa do curso. Dessa forma, o aluno terá vários meses para optar por um tema e, tendo uma ferramenta de apoio, poderá se sentir mais confortável em seu delineamento.

2º Passo: Elaboração do Projeto de Pesquisa, caracterizado por um documento preliminar que deverá indicar como o aluno pretende desenvolver sua monografia. Ele poderá conter os seguintes elementos:

a) Capa - A capa deverá conter: nome da instituição de ensino e departamento ao qual o curso pertence, título do documento elaborado, turma e curso, título do trabalho, nome dos alunos, nome do coordenador do curso e dos orientadores técnico e de metodologia, local e ano.

b) Título -. Deve ser breve e já dar alguma idéia do tema da pesquisa. c) Tema/Problema - Indicação do tema geral que será pesquisado. Informar

qual é o caso específico e concreto que se quer pesquisar, ou seja, a questão principal que a pesquisa procurará descobrir.

d) Introdução e Justificativas – Essa parte é basicamente um balanço bibliográfico introdutório e justificativo sobre o tema. O aluno deverá elaborar um texto que introduza o tema e apresente as informações mais importantes sobre o que já foi escrito sobre o tema escolhido ou, ao menos, sobre os assunto(s) aos quais o tema se relaciona (pelo menos três obras). Isso permite organizar melhor as idéias necessárias para começar a pesquisar e mostra que se está preparado para isso. Devem ser apresentados os argumento que justificam a relevância do tema e os motivos que levaram a essa escolha para estudá-lo. Ele vem antes dos itens objetivos e hipóteses uma vez que, detalhando melhor o tema, permite ao leitor entendê-los melhor.

e) Hipóteses - É a suposição (explicação) inicial que orienta o trabalho de investigação. Aqui o aluno deve redigir as explicações preliminares e provisórias que ele quer testar com a pesquisa e a análise. O uso da teoria é fundamental e deve-se lembrar que, para cada problema é possível mais de uma hipótese.

f) Objetivos - São as questões / desafios que o trabalho terá que resolver para responder a questão maior formulada pelo problema. Em outras palavras, é o problema formulado mais detalhadamente. É ele que irá informar se uma pesquisa será quantitativa ou qualitativa ou ambos. Assim, os objetivos devem, em primeiro lugar, estar coerentes com o problema formulado pela pesquisa, sob o risco do projeto perder o foco. Quanto mais claros e precisos forem os objetivos maior clareza e foco terá o projeto e mais eficiente será o trabalho.

g) Metodologia - Deve-se definir em detalhes os procedimentos e os critérios de cada etapa da pesquisa. Primeiro deve-se indicar quais são os procedimentos para a busca de fontes secundárias (dados já publicados, teorias, conceitos, contextualizações realizadas por outros e que necessárias para que se analise adequadamente os dados primários). A pesquisa dessas fontes é chamada de pesquisa bibliográfica. Posteriormente deve-se definir como serão feitas as coletas de dados relacionadas às fontes primárias (que oferecem

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informações sobre o tema específico com o qual se pretende trabalhar). Essas fontes podem ser obtidas por meio de: Entrevistas pessoais - é uma boa opção quando a fonte é muito rica e não muito numerosa e pode oferecer informações não previstas. São classificadas em 3 tipos: estruturada (usa questionário); semi-estruturada: (usa roteiro ou pauta) e não-estruturada (conversa livre); Questionários - é bastante interessante quando as fontes são numerosas e já se sabe bem as informações que se quer, ou seja, é o mais adequado à pesquisa quantitativa e podem ter 2 tipos questões: abertas (respostas livres), fechadas (com alternativas já estabelecidas, como alternativas fixas (sim/não), múltipla escolha, com escala); Observações - são os registros de comportamentos e atitudes que são importantes para o assunto estudado. Estas podem ser: sistemática (sempre que a observação for regulada por horários, intervalos de tempos, repetições e alternância de estratégias e locais de observação todos anteriormente definidos em detalhe) e assistemática (sempre que a observação não seja regulada por intervalos, horários, repetições já definidos).

h) Sumário Preliminar - aqui deve-se apresentar a relação dos capítulos (quer, dizer, o que será o títulos destes) e partes do trabalhos na ordem em que irão se suceder. A sugestão é de que os capítulos sejam organizados passando dos assuntos mais gerais para chegar à situação concreta analisada.

i) Plano de Trabalho - é a descrição das fases e do cumprimento das metas de pesquisa durante o período de vigência e desenvolvimento da monografia. É uma tabela onde se define, mês a mês, as atividades gerais desde a realização da monografia até sua conclusão.

j) Breve Currículo do autor da pesquisa – esse documento é importante para que os orientadores saibam qual é a experiência profissional e acadêmica do aluno. O conhecimento desses dados facilita a orientação dos temas da monografia bem como o seu desenvolvimento. O orientador poderá citar exemplos, teorias e bibliografias que já são do conhecimento do aluno para que, a partir daí, possam sugerir novos materiais. Deve-se escrever itens como: nome completo, contato, local de trabalho e cargo, cursos que já fez, perspectivas de futuro.

k) Referências Bibliográficas - indicar as referências bibliográficas que foram utilizadas para a elaboração desse projeto: livros, sites, periódicos, monografias, dissertações, teses, documentos técnicos etc., para que desde a apresentação do projeto o aluno já siga um tipo de normalização, o texto poderá ser formatado de acordo com os seguintes critérios propostos pela ABNT: letras Arial ou Times New Roman, letra tamanho 12, com espacejamento de 1,5 cm entre linhas.

3º Passo: Registro de leituras realizadas durante o curso, ou seja, ao participar das várias leituras os alunos verificam vários tipos de conteúdos, fazem leituras e participam de trabalhos individuais ou em grupo. As leituras que fazem para essas atividades podem ser aproveitadas para a realização do referencial teórico das monografias. Para isso, basta o aluno elaborar um sistema próprio para o registro

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dessas informações. Sugere-se que as informações lidas e consideradas relevantes para a elaboração da monografia sejam classificadas por palavras chave, digitadas e organizadas em arquivos exclusivos num editor de texto como o Microsoft Word ou o Open Office. Nesse caso deve-se tomar o devido cuidado para sempre registrar o sobrenome do autor, o ano da publicação e a página onde se encontra a citação selecionada. Deve-se também organizar uma pasta exclusiva para a indicação completa das referências bibliográficas como: sobrenome(s) do(s) autor(es), título da obra, local da publicação, editora e ano. Ao término do curso o aluno terá uma série de informações colecionadas às quais poderá unir com as demais informações coletadas sobre as leituras que fizer sobre assuntos específicos de seu tema de pesquisa. Dessa forma, terá um grande rol de informações para iniciar o registro da fundamentação teórica.

4º Passo: Pesquisas e Relatos de casos – nesse momento o aluno deverá voltar sua atenção para a coleta de dados que deverá fazer para verificar quais são as possíveis respostas para seu problema de pesquisa. Deverão ser elaborados os roteiros para as entrevistas, os questionários ou os roteiros para observação. Na sequência deverá selecionar sua amostra e fazer a coleta de dados. Posteriormente deverá fazer o relatório sobre essas descobertas, o qual deverá conter itens como: método empregado para o desenvolvimento da pesquisa, participantes (amostra), material utilizado para a coleta de dados, procedimentos adotados durante a coleta (por exemplo, como se chegou até aquele sujeito, como ele foi abordado, qual sua localidade etc), apresentação dos dados. Os resultados deverão ser apresentados conforme o tipo de pesquisa que foi realizado.

Cabe lembrar que diante de pesquisas quantitativas pode-se apresentar o relatório no formato de tabelas e gráficos. No caso de pesquisas qualitativas os dados são apresentados no formato de dissertação.

5º Passo: Análise dos dados e discussão, considerações finais e introdução – para finalizar a pesquisa deve-se analisar os dados obtidos e compará-los com o que o referencial teórico diz a respeito dessas informações. É elaborado um cruzamento entre o que os dados da pesquisa dizem com o que o referencial teórico apresenta, de forma a indicar suas semelhanças e suas diferenças. Na sequência se apresenta a opinião do aluno/ pesquisador a respeito dos dados encontrados. Após finalizar os capítulos deve-se elaborar a introdução, para a qual deve-se elaborar um texto dissertativo, explicando os motivos que deram origem à monografia (tema, problema, hipóteses e demais itens que constam no projeto de pesquisa). O término do trabalho ocorre com a produção das considerações finais, na qual deve-se reapresentar o problema, as hipóteses e os objetivos da pesquisa e indicar se há uma possível resposta para esse problema, se as hipóteses foram ou não verificadas e se os objetivos forma atingidos. Pode-se também sugerir a realização de futuras pesquisas nessa área de conhecimento.

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6º Passo: Análise final do trabalho – ocorre quando o trabalho está praticamente pronto. Nesse momento se faz as devidas verificações ortográficas e metodológicas para a entrega final e avaliação do trabalho.

Com esses seis passos propostos para a realização das monografias e tendo-se em vista os conteúdos apresentados nos livros de Metodologia Científica, verifica-se que tais publicações são pertinentes para auxiliar o aluno em algumas das etapas da produção das monografias, mas geralmente uma única publicação não é suficiente para esse tipo de orientação.

Considerações Finais

A produção de conhecimento científico é fundamental para a inovação tecnológica e para o desenvolvimento das pessoas e das nações. A elaboração de monografias nos cursos de MBA tem por função auxiliar na busca dessa inovação e desse desenvolvimento. Contudo, sua imposição, e a falta de livros didáticos que facilitem o desenvolvimento do trabalho, têm levado muitos alunos a desistirem de cursos desse porte antes mesmo de iniciá-los.

Nesse trabalho se pretendeu apresentar os elementos que envolvem a produção de uma monografia e promover uma reflexão a respeito de como os livros poderão auxiliá-los tanto na orientação quanto na execução de monografias. Cabe lembrar que não se teve o interesse de defender um modelo único para a elaboração dessas monografias. Mas foram apresentados os principais itens que as compõem e dentre esses itens quais são os mais trabalhados nos livros específicos dessa área.

Espera-se que essa contribuição permita com que os alunos se sintam menos angustiados no processo de elaboração de seus trabalhos quer pela visualização global do que deverão elaborar, quer pela análise dos livros específicos que deverão fazer e optar, com segurança, sobre como tais materiais poderão auxiliá-los.

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Finanças comportamentais: aspectos teóricos e

conceituais

Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato∗

∗ Eduardo Pozzi Lucchesi é Doutor em Administração com ênfase em Finanças pela FEA-USP e mestre em Admi-nistração pela PUC-SP. Professor de finanças do Departamento de Administração da PUC-SP e da Fundação Ar-mando Álvares Penteado nos cursos de graduação e pós-graduação.<[email protected]>, <[email protected]>. José Roberto Securato é Engenheiro, Matemático, Mestrado em Matemática, Doutorado e Livre Docência em Finanças – FEA/USP. Professor Titular da FEA-USP e Professor Titular na PUC-SP. <[email protected]>.

Resumo:

As finanças comportamentais constituem um vasto campo de pesquisa que envolve o estudo das finanças a partir de uma ampla perspectiva do ponto de vista das ciências sociais, incluindo a psicologia e a sociologia. Neste artigo o objetivo é apresentar os principais aspectos teóricos e conceituais que sustentam o campo de pesquisa das finanças comportamentais com base na segmentação proposta por Shefrin (2002) em três temas fundamentais: viés heurístico, efeitos de estruturação e mercados ineficientes. Os dois primeiros temas tratam da influência de aspectos psicológicos no processo decisório dos agentes econômicos e o último alega que o comportamento enviesado dos indivíduos pode exercer um impacto importante sobre os preços dos ativos negociados no mercado.

Palavras chave: Finanças Comportamentais, Heurísticas, Eficiência de Mercado

Abstract:

Behavioral finance is a wide field of research that involves the study of finance from a broader social science perspective including psychology and sociology. In this paper the goal is to present the most important theoretical and conceptual aspects which support the research field of behavioral finance based on the division proposed by Shefrin (2002) on three core themes: heuristic-driven bias, frame dependence and inefficient markets. The first two themes deal with the influence of psychological aspects in individual decision-making process and the latter assumes that the individuals biased behavior can produce an important impact on prices at which assets are traded on the market

Keywords: Behavioral Finance, Heuristics, Market Efficiency

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Introdução

A teoria de finanças tradicional, ao longo de seu desenvolvimento, procurou entender os mercados financeiros assim como as decisões financeiras utilizando modelos fortemente apoiados na racionalidade dos agentes econômicos. A racionalidade, segundo Bazerman (2004, p. 6), “refere-se ao processo de tomada de decisão que esperamos que leve ao resultado ótimo, dada uma avaliação precisa dos valores e preferências de risco do tomador de decisão”.

O paradigma da racionalidade constituiu o alicerce do arcabouço teórico das finanças tradicionais cujos principais expoentes são Markowitz (1952) e a teoria do portfolio; Modigliani e Miller (1958) e suas proposições de irrelevância da estrutura de capital e da política de dividendos; Sharpe (1964) e Lintner (1965) e o capital asset pricing model (CAPM); Fama (1970) e a hipótese do mercado eficiente e Black e Scholes (1973) e o modelo de apreçamento de opções. Tais modelos, segundo Shiller (2003, p. 83), “procuraram relacionar preços de ativos especulativos a fundamentos econômicos utilizando expectativas racionais para amarrar as finanças e toda a economia em uma única elegante teoria”.

Em meados da década de 1950, foi inaugurada uma linha de investigação que passou a questionar a validade dos modelos baseados no comportamento plenamente racional e a privilegiar modelos de decisão com base em agentes não plenamente racionais, incorporando o conceito de racionalidade limitada (SIMON, 1957). O principal argumento dessa abordagem é que a adoção da racionalidade plena dos agentes econômicos impede o entendimento dos processos de decisão reais (como uma decisão é tomada), pois privilegia exclusivamente a análise de processos de decisão normativos (como uma decisão deve ser tomada).

No início da década de 1970, Kahneman e Tversky (1972) deram continuidade aos estudos de Simon (1957) e passaram a identificar vieses sistemáticos específicos que afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo comportamento plenamente racional. Essa nova linha de pesquisa em finanças, cujo foco passou a ser o estudo de como o julgamento dos agentes se desvia da racionalidade, ficou conhecida como finanças comportamentais. Segundo Bazerman (2004, p. 129), “as finanças comportamentais focam o modo como os vieses afetam os indivíduos bem como afetam os mercados”.

Os estudos de como os vieses afetam os indivíduos foram desenvolvidos ao longo da década de 1970 após a condução de uma série de experimentos que tinham como objetivo mostrar que erros sistemáticos permeiam o processo decisório individual. Já a abordagem que foca os mercados foi desenvolvida com base em resultados de um amplo conjunto de evidências empíricas que mostraram que o comportamento viesado dos indivíduos pode exercer um impacto substancial e duradouro sobre os preços dos ativos negociados no mercado. Tais estudos cujos resultados mostraram-se inconsistentes com aquilo que seria previsto pela abordagem tradicional ficaram conhecidos como anomalias.

A descoberta de algumas anomalias não constituiria um entrave significativo para o apelo dos modelos tradicionais pois, segundo Statman (1999, p. 19), “poucas teorias são consistentes com toda a evidência empírica disponível e as finanças tradicionais não constituem uma exceção”. Todavia, “a descoberta de

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novas anomalias ao longo do tempo fez com que os pesquisadores começassem a questionar a capacidade dos modelos tradicionais em explicar os fatores determinantes dos preços dos ativos” (SHEFRIN, 2002, p. 9).

Segundo Thaler (1999b, p. 14), “os fatos empíricos levam a concluir que os mercados financeiros reais não se parecem com aqueles que imaginaríamos se apenas lêssemos os manuais de finanças tradicionais”. De acordo com o autor,

[...] a leitura de um manual de finanças tradicional [...] pode criar a impressão de que os mercados financeiros são desprovidos de atividade humana. Grande atenção é dada para os métodos de cálculo de importantes números tais como valores presentes, taxas de retorno e análise de risco, além de muitas discussões sobre quanto uma empresa deveria tomar emprestado, quanto ela deveria pagar de dividendos (resposta: é irrelevante) e como apreçar opções. Mas virtualmente, não existem pessoas. Muito pouco seria modificado nas páginas dos manuais se todas as pessoas tanto nas corporações quanto nas instituições financeiras fossem substituídas por máquinas. (THALER, 1993, p. xv).

A noção de que o comportamento dos indivíduos é afetado por vieses sistemáticos bem como a crescente descoberta de anomalias solidificou a visão de que os modelos racionais apresentam problemas para explicar tudo o que vemos nos mercados financeiros. Tal noção fez as finanças comportamentais emergirem como uma nova abordagem para entender tais mercados, pelo menos em parte, como resposta às dificuldades enfrentadas pelo paradigma tradicional. Em termos gerais, o argumento central é que a utilização de modelos nos quais os agentes não são plenamente racionais pode melhorar a compreensão de alguns fenômenos financeiros.

Diante do exposto, o objetivo neste artigo é apresentar os principais aspectos teóricos e conceituais que norteiam o campo de pesquisa das finanças comportamentais. Para cumprir tal objetivo, foi adotada a segmentação proposta por Shefrin (2002) em três temas fundamentais: viés heurístico, efeitos de estruturação e mercados ineficientes. A justificativa para a segmentação é a ausência de afinidade entre as finanças comportamentais e as finanças tradicionais em relação ao tratamento desses temas.

O primeiro tema, o viés heurístico, preconiza que os indivíduos cometem erros ao tomarem decisões porque confiam em regras práticas conhecidas como heurísticas para processar as informações. Em contraposição a esse argumento, as finanças tradicionais assumem que os indivíduos, quando processam os dados para a tomada de decisão, utilizam as ferramentas estatísticas de forma correta e adequada.

O segundo tema, efeitos de estruturação, aborda o impacto da estruturação da informação nas decisões dos indivíduos, ou seja, postula que a forma com que a informação é apresentada ou a maneira com que um problema é estruturado exerce uma influência significativa no processo de tomada de decisão dos indivíduos. Em contraste, as finanças tradicionais assumem que os indivíduos são imunes à estruturação da informação e vêem todas as decisões através das lentes transparentes e objetivas do trade-off entre risco e retorno.

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O terceiro tema, mercados ineficientes, procura entender como o viés heurístico e os efeitos de estruturação afetam os preços estabelecidos no mercado fazendo com que eles se desviem de seus valores fundamentais. Já as finanças tradicionais assumem que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos coincidem com seus valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam influenciados por vieses heurísticos ou por efeitos de estruturação.

1 Finanças Comportamentais

1.1 Viés heurístico

A teoria de finanças tradicional, com base no postulado da racionalidade, assume que os indivíduos processam corretamente as informações quando tomam decisões. A abordagem das finanças comportamentais, ao contrário, postula que os indivíduos, ao tomarem decisões, se fiam em diversas estratégias simplificadoras ou regras práticas conhecidas como heurísticas. Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1124), “embora tais heurísticas sejam úteis pois simplificam as complexas tarefas de avaliação de probabilidades e previsão de valores, sua utilização pode conduzir a erros graves e sistemáticos os quais afastariam o processo decisório dos indivíduos da racionalidade”.

Kahneman e Tversky (1972, p. 430) afirmam que “talvez a conclusão mais genérica obtida a partir de numerosas investigações é que, ao contrário do que preconizam as finanças tradicionais, as pessoas não seguem os princípios da teoria das probabilidades ao avaliarem a probabilidade de eventos incertos”. Segundo os autores, tal conclusão não é surpreendente porque as leis das probabilidades não são intuitivas e fáceis de aplicar. O fato surpreendente é que a utilização de heurísticas na avaliação da probabilidade de eventos incertos produz desvios confiáveis, sistemáticos e difíceis de eliminar.

Segundo Shefrin (2002, p. 13), “a identificação dos princípios que formam as bases das heurísticas e os erros sistemáticos a elas associados constitui um dos grandes avanços da psicologia comportamental”. Tversky e Kahneman (1974) descrevem três heurísticas que são empregadas para avaliar probabilidades e prever valores e também enumeram os vieses sistemáticos que emanam de tais heurísticas. São elas: a heurística da representatividade, a heurística da disponibilidade e a heurística da ancoragem.

1.1.1 Representatividade

Um dos princípios heurísticos mais importantes que afetam as decisões financeiras é conhecido como representatividade. A definição formal de representatividade é fornecida por Kahneman e Tversky (1972, p. 431) que afirmam que “uma pessoa que segue a heurística da representatividade avalia a probabilidade de um evento incerto pelo grau com que ele (1) é similar em suas propriedades essenciais à sua população e (2) reflete as características salientes do processo pelo qual é gerado”.

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituais, Eduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato, p. 82-102

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A primeira definição considera que a representatividade refere-se a julgamentos baseados na confiança em estereótipos. Segundo Bazerman (2004, p. 10), a heurística da representatividade postula que, “ao fazer um julgamento sobre um evento, as pessoas tendem a procurar peculiaridades que ele possa ter que correspondam a estereótipos formados anteriormente”. A implicação dessa primeira definição para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que “espera-se que uma amostra que preserve a relação com sua população seja mais provável que uma amostra igualmente provável (objetivamente) onde essa relação é violada” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 433).

Já a segunda definição considera que, para ser representativo, “não é suficiente que um evento incerto seja similar a sua população. O evento deveria refletir também as propriedades do processo incerto pelo qual é gerado, ou seja, deveria apresentar aleatoriedade” (KAHNEMAN; TVERSKY, 1972, p. 434). A implicação disso para a avaliação de probabilidades de eventos incertos é que se espera que uma amostra na qual os diversos resultados possíveis estão presentes seja, em geral, mais representativa que uma amostra comparável na qual alguns dos resultados não estão incluídos.

A confiança em princípios heurísticos para a avaliação de probabilidades e previsão de valores pode conduzir a erros sistemáticos conhecidos como vieses cognitivos. Conforme considera Bazerman (2004, p. 10) “o viés cognitivo ocorre em situações em que um indivíduo aplica a heurística de maneira inadequada ao tomar uma decisão”.

Tversky e Kahneman (1974) enumeram um conjunto amplo de vieses cognitivos que emanam da heurística da representatividade. São eles: insensibilidade aos índices básicos; insensibilidade ao tamanho da amostra; interpretação errada da chance; insensibilidade à previsibilidade; ilusão da validade e interpretação errada da reversão à média, como vemos na seqüência.

Insensibilidade aos índices básicos – trata-se de um viés que ocorre quando as pessoas tratam com negligência a probabilidade a priori ou a taxa de freqüência básica dos resultados de um evento incerto. Tversky e Kahneman (1974, p. 1124) destacam que “aparentemente, as pessoas avaliam a probabilidade de uma descrição particular pertencer a uma determinada categoria ao invés de outra pelo grau com que essa descrição é representativa dos estereótipos de tais categorias, sendo que pouca ou nenhuma atenção é dada para as probabilidades a priori das categorias consideradas”.

Como exemplo ilustrativo, Tversky e Kahneman (1974, p. 1124) mostram que “caso seja utilizada a heurística da representatividade para estimar a probabilidade de um indivíduo ser bibliotecário ou agricultor, o fato de existirem mais agricultores do que bibliotecários na população deveria ser considerado em qualquer estimativa razoável”. No entanto, essa taxa de freqüência básica não afeta a similaridade do indivíduo ao estereótipo de bibliotecários e agricultores, razão pela qual a avaliação de probabilidades baseada somente na representatividade pode conduzir a erros graves.

A única circunstância em que as pessoas utilizam probabilidades a priori corretamente é quando nenhuma outra informação está disponível. De posse de

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qualquer outra informação, mesmo informações sem valor, probabilidades a priori são desconsideradas.

Insensibilidade ao tamanho da amostra – é outro viés que decorre da utilização da heurística da representatividade. Neste caso, o argumento é que o tamanho de uma amostra é independente de sua similaridade com alguma propriedade essencial da população. Em outras palavras, a representatividade de uma amostra não tem relação alguma com o tamanho da amostra e, conseqüentemente, se as probabilidades são avaliadas apenas com base na representatividade, então, a probabilidade avaliada poderia desconsiderar um princípio fundamental da teoria das probabilidades que é exatamente o tamanho da amostra. De acordo com Tversky e Kahneman (1974, p. 1125), “a importância do tamanho da amostra é uma noção fundamental em estatística, mas visivelmente não faz parte do repertório de intuição das pessoas”.

Interpretação errada da chance – é um viés baseado na expectativa que as pessoas têm de que uma seqüência de eventos gerados por um processo aleatório representará as características essenciais desse processo mesmo quando a seqüência é pequena, ou seja, as pessoas esperam que uma seqüência de eventos aleatórios pareça aleatória. Dessa forma, uma decorrência importante desse viés “é que as pessoas esperam que as características essenciais do processo serão representadas não apenas globalmente na seqüência como um todo, mas também localmente em cada uma de suas partes” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).

Uma conseqüência importante desse viés é a famosa falácia do jogador (gambler’s fallacy) ilustrada na seguinte situação:

Após observar uma longa seqüência de vermelhas em uma roleta, por exemplo, muitas pessoas erroneamente acreditam que uma preta é esperada presumivelmente porque a ocorrência de uma preta resultará em uma seqüência mais representativa do que a ocorrência de uma vermelha adicional (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).

Em situações tais como a descrita acima, a chance é comumente vista como um processo autocorretivo no qual um desvio em uma direção induz a um desvio na direção oposta para restaurar o equilíbrio. Na verdade, “os desvios não são corrigidos à medida que um processo de chance se desenrola, eles são meramente diluídos” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1125).

A interpretação errada da chance não se limita a sujeitos ingênuos. Um estudo das intuições estatísticas de experientes psicólogos pesquisadores revelaram uma crença no que se pode chamar de lei dos pequenos números, de acordo com a qual mesmo pequenas amostras são altamente representativas da população da qual foram extraídas. As respostas desses pesquisadores refletem a expectativa de que uma hipótese válida sobre uma população será representada por um resultado estatisticamente significante em uma amostra sem levar em conta o seu tamanho. Como conseqüência, “os pesquisadores atribuem muita importância aos resultados de amostras pequenas e superestimam a replicabilidade de seus resultados” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1126).

Kahneman e Tversky (1972) caracterizam a expectativa da representatividade local como uma crença na lei dos pequenos números, segundo a qual a lei dos

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grandes números - a idéia de que grandes amostras são mais representativas da população da qual foram extraídas - também se aplica aos pequenos números.

Insensibilidade à previsibilidade – trata-se de um viés que ocorre quando um indivíduo faz uma previsão numérica a respeito de um objeto ou evento incerto com base apenas em uma descrição fornecida, conforme mostra a seguinte situação:

[...] suponha que seja dada uma descrição de uma empresa a uma pessoa e, com base nessa descrição, ela tenha que prever os lucros futuros da empresa. Se a descrição da empresa é muito favorável, um lucro muito alto mostra-se mais representativo dessa descrição; se a descrição é medíocre, um desempenho medíocre mostra-se mais representativo (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1126).

A realização de previsões com base exclusivamente em descrições fornecidas pode conduzir a erros de julgamento por dois motivos. Primeiro, o fato de uma descrição trazer uma informação favorável ou desfavorável em relação a um objeto ou evento incerto não implica que tal descrição seja confiável. Segundo, o conteúdo informacional da descrição fornecida pode ser irrelevante para a realização de previsões. Por vezes, a descrição de uma empresa não traz informações relevantes sobre sua lucratividade e, nesse sentido, a utilização da descrição como base para a realização de previsões não seria adequada.

Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1126), “o grau com que a descrição é favorável não é afetado pela confiança naquela descrição ou pelo grau que permita previsões mais exatas”. Portanto, se as pessoas fazem previsões apenas considerando quão favorável é a descrição, então, suas previsões serão insensíveis à confiabilidade das evidências e à exatidão esperada da previsão.

Ilusão da validade – é um viés decorrente da injustificada confiança que é produzida por um bom ajuste entre o resultado previsto e as informações de entrada (input information). Um exemplo dado por Tversky e Kahneman (1974) é que as pessoas expressam grande confiança na previsão de que uma pessoa é bibliotecária quando é dada uma descrição de sua personalidade que se ajusta com o estereótipo de uma bibliotecária, mesmo se tal descrição seja limitada, não confiável ou obsoleta, ou seja, a ilusão da validade persiste mesmo quando o julgador está ciente dos fatores que limitam a exatidão de suas previsões. A esse respeito Tversky e Kahneman (1974, p. 1126) afirmam: “É muito comum observar psicólogos que conduzem entrevistas selecionadas mostrarem uma considerável confiança em suas previsões mesmo quando eles são conhecedores da vasta literatura que mostra que entrevistas selecionadas são altamente falíveis.”

Interpretação errada da reversão à média – é um outro viés de julgamento que ocorre quando os indivíduos falham em refletir adequadamente sobre a propensão que determinados eventos possuem de tender para a média.

No cotidiano, existe uma vasta gama de exemplos onde é encontrado o fenômeno da reversão à média. Bazerman (2004, p. 31) cita, por exemplo, que estudantes brilhantes freqüentemente têm filhos menos bem-sucedidos, pais de baixa estatura tendem a ter filhos mais altos, ótimos calouros podem fazer segundos anos medíocres e empresas que alcançam resultados notáveis em um ano tendem a ter um desempenho não tão bom no ano seguinte.

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A despeito da ampla diversidade de exemplos disponíveis, Tversky e Kahneman (1974) destacam que as pessoas não desenvolvem intuições corretas sobre esse fenômeno por dois motivos: o primeiro é que elas não esperam uma reversão à média em muitos contextos onde certamente ela ocorre; o segundo é que, quando elas reconhecem a ocorrência da reversão, as pessoas freqüentemente inventam explicações causais espúrias.

Segundo Bazerman (2004), as pessoas comumente pressupõem que os resultados futuros podem ser previstos diretamente dos resultados passados e, por essa razão, há uma tendência em desenvolver previsões ingênuas com base na presunção de perfeita correlação com os dados passados. Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) ilustram o efeito da interpretação equivocada do fenômeno da reversão à média por meio da seguinte situação:

Em uma discussão sobre treinamento de vôo, instrutores experientes notaram que, após um elogio para aterrissagens extremamente suaves, essas eram tipicamente seguidas por aterrissagens medíocres, enquanto duras críticas após uma aterrissagem turbulenta produziam uma melhora substancial na tentativa seguinte. Os instrutores concluíram que elogios verbais eram prejudiciais para o aprendizado enquanto punições verbais eram benéficas, contrariando a doutrina psicológica aceita.

Nesse caso, a conclusão dos instrutores é injustificada em virtude da presença do fenômeno da reversão à média: “A má interpretação dos efeitos desse fenômeno leva as pessoas a superestimar a efetividade da punição e a subestimar a efetividade de um elogio” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1127). Segundo Bazerman (2004, p. 32) “administradores que geralmente falham em reconhecer a tendência de reversão à média dos eventos provavelmente desenvolverão falsas premissas sobre resultados futuros e, portanto, farão planos inadequados”.

1.1.2 Disponibilidade

A heurística da representatividade não é o único caminho para estabelecer uma avaliação intuitiva de probabilidade, como vimos. Tversky e Kahneman (1973) investigaram outra heurística - a disponibilidade - segundo a qual uma pessoa estima freqüências ou probabilidades com base no quão facilmente exemplos ou associações podem ser recuperados na memória.

Segundo Tversky e Kahneman (1973, p. 208), “a experiência mostra que exemplos de categorias mais numerosas são recordados mais rapidamente do que categorias menos numerosas, que ocorrências prováveis são mais fáceis de imaginar do que ocorrências improváveis e que conexões associativas são fortalecidas quando dois eventos freqüentemente ocorrem simultaneamente”. Assim, uma pessoa pode estimar a ordem de grandeza de uma categoria, a probabilidade de um evento ou a freqüência de ocorrências simultâneas avaliando quão facilmente a operação mental de recordar, construir e associar pode ser executada.

A despeito da disponibilidade ser uma pista útil para avaliar freqüências ou probabilidades, a confiança nessa heurística de julgamento pode conduzir a vieses previsíveis. Tversky e Kahneman (1974) enumeram quatro vieses: recuperabilidade de exemplos, efetividade do contexto da procura, imaginação e correlação ilusória.

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Recuperabilidade de exemplos – segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1127), “quando o tamanho de uma categoria é avaliado pela disponibilidade de seus exemplos, uma categoria cujos exemplos são mais facilmente recuperados na memória mostra-se aparentemente mais numerosa do que uma categoria de igual freqüência cujos exemplos são menos recuperáveis”. Os autores demonstraram os efeitos desse viés em um experimento no qual foram lidas para os participantes listas de nomes de personalidades conhecidas de ambos os sexos e, na seqüência, foi perguntado a eles se as listas continham mais nomes de homens do que de mulheres. Diferentes listas foram apresentadas para diferentes grupos de participantes. Em algumas listas, os homens eram relativamente mais famosos que as mulheres e, em outras, as mulheres eram relativamente mais famosas que os homens. Em cada uma das listas, os participantes equivocadamente avaliaram que a categoria que possuía mais personalidades famosas era a mais numerosa.

Além da familiaridade, vista no experimento anterior, existem outros fatores, tais como a saliência de um determinado exemplo ou o realce de determinada ocorrência, que afetam a recuperabilidade de exemplos. Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) afirmam, por exemplo, que “ver uma casa incendiada exerce um impacto muito maior na avaliação de probabilidades subjetivas de acidentes dessa natureza do que ler sobre um incêndio no jornal local”. Além disso, é mais provável que ocorrências recentes estejam relativamente mais disponíveis do que ocorrências antigas.

Efetividade do contexto da procura – trata-se de um viés que ocorre quando uma pessoa estima freqüências ou probabilidades de um evento incerto com base no quão facilmente os contextos nos quais tais eventos aparecem podem ser recuperados na memória. Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) ilustram esse viés de julgamento com a seguinte situação:

[...] suponha que você tenha que estimar a freqüência com que palavras abstratas (pensamento, amor) e concretas (porta, água) aparecem no inglês escrito. Uma forma natural de responder a essa questão é procurar os contextos nos quais a palavra pode aparecer. É mais fácil pensar em contextos nos quais conceitos abstratos são mencionados (amor em histórias de amor) do que pensar em contextos nos quais uma palavra concreta (tal como porta) é mencionada. Se a freqüência de palavras é avaliada pela disponibilidade dos contextos nos quais ela aparece, palavras abstratas serão avaliadas como relativamente mais numerosas do que palavras concretas.

Imaginação – Tversky e Kahneman (1974, p. 1127) afirmam que “algumas vezes, uma pessoa tem que avaliar a freqüência de uma categoria cujos exemplos não estão registrados na memória mas podem ser gerados de acordo com uma dada regra”. Em tais situações, uma pessoa tipicamente gera uma série de exemplos e avalia a freqüência ou a probabilidade pela facilidade com que exemplos relevantes podem ser construídos. No entanto, a facilidade em construir exemplos nem sempre reflete sua freqüência real e, portanto, essa forma de avaliar é propensa a vieses.

Correlação ilusória – é um viés que ocorre quando uma pessoa avalia a probabilidade de dois eventos ocorrerem ao mesmo tempo. Foi relatado inicialmente por Chapman e Chapman (1967) que notaram que, quando a probabilidade de dois eventos ocorrerem concomitantemente é julgada pela disponibilidade de

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exemplos concomitantes percebidos em nossas mentes, usualmente, atribuímos um valor inadequadamente alto à probabilidade de os dois eventos ocorrerem concomitantemente de novo. Bazerman (2004, p. 10) afirma, por exemplo, que “se conhecermos muitos usuários de maconha que são delinqüentes, pressupomos que o uso da maconha está relacionado com a delinqüência, ou se conhecermos muitos casais que se casaram jovens e têm famílias grandes, pressupomos que essa tendência é mais preponderante do que pode ser na realidade”.

Representatividade versus disponibilidade – até aqui, foram explorados os vieses sistemáticos oriundos da utilização dos princípios heurísticos conhecidos como representatividade e disponibilidade. Neste ponto, é pertinente salientar as diferenças entre os dois. Segundo Kahneman e Tversky (1972, p. 452), “a grande diferença entre as duas heurísticas repousa na natureza do julgamento”. De acordo com a heurística da representatividade, a probabilidade subjetiva é avaliada pelo grau de correspondência entre a amostra e sua população ou entre uma ocorrência e um modelo, enfatizando as características genéricas ou as conotações do evento. Já conforme a heurística da disponibilidade, a probabilidade subjetiva é avaliada pelo grau de dificuldade de recuperação e construção de exemplos (ocorrências), enfatizando as características particulares ou as denotações do evento. Nesse sentido, a heurística da representatividade é mais propensa a ser empregada quando os eventos são caracterizados em termos de suas propriedades gerais, enquanto a heurística da disponibilidade é mais propensa a ser empregada quando os eventos são pensados em termos de ocorrências específicas. Quando as características genéricas de um evento bem como suas ocorrências específicas são consideradas, ambas as heurísticas podem estar presentes na avaliação da probabilidade subjetiva.

1.1.3 Ancoragem

A terceira heurística de julgamento estudada por Tversky e Kahneman (1974) é conhecida como ancoragem e preconiza que as pessoas fazem estimativas partindo de um valor inicial que é ajustado até produzir uma resposta final. O valor inicial ou ponto de partida pode ser sugerido com base na formulação do problema ou pode ser o resultado de um cálculo parcial. Em ambos os casos, os ajustes tipicamente são insuficientes, ou seja, diferentes pontos de partida (âncoras) produzem diferentes estimativas que são enviesadas na direção do valor inicial.

Da heurística da ancoragem emanam três vieses: ajuste insuficiente da âncora, vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos e excesso de confiança.

Ajuste insuficiente da âncora – preconiza que as pessoas desenvolvem estimativas partindo de uma âncora inicial, com base em qualquer informação que seja fornecida, a qual é ajustada até produzir uma resposta final. Uma conseqüência importante da utilização dessa heurística é que o ajuste geralmente é insuficiente, ou seja, a resposta final freqüentemente fica próxima dessa âncora.

Para demonstrar que o ajuste em relação à âncora geralmente é insuficiente, Tversky e Kahneman (1974, p. 1128) realizaram um experimento no qual

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[...] os participantes deveriam estimar a porcentagem de países africanos nas Nações Unidas. Para cada participante foi dado um número entre 0 e 100 obtido por uma roleta na presença do participante. Os participantes então foram instruídos, em primeiro lugar, a indicar se aquele número era maior ou menor do que a porcentagem real e, depois, foram instruídos a estimar o valor da porcentagem real ajustando-o para cima ou para baixo a partir do número dado. Diferentes participantes receberam diferentes números e esses números arbitrários produziram um efeito substancial nas estimativas. Por exemplo, a porcentagem mediana estimada de países africanos nas Nações Unidas era de 25 e 45 para os grupos que receberam 10 e 65, respectivamente, como pontos de partida.

Vieses de eventos conjuntivos e disjuntivos – segundo Tversky e Kahneman (1974), estudos indicam que as pessoas tendem a superestimar a probabilidade de eventos conjuntos (eventos que devem ocorrer em conjunção com um outro) e subestimar a probabilidade de eventos disjuntivos (eventos que ocorrem independentemente). Tversky e Kahneman (1974, p. 1129) afirmam que “esse viés fornece explicações importantes para os problemas de cronograma de projetos que requerem planejamento multiestágio, pois a tendência geral de superestimar a probabilidade de eventos conjuntivos leva a um injustificado otimismo na avaliação da propensão de que planos serão bem sucedidos ou que projetos serão finalizados no prazo”.

Excesso de confiança – em análise de decisão, especialistas freqüentemente são requisitados a expressar suas crenças em relação a uma quantidade, tal como o valor médio do índice da Bolsa de Valores em um determinado dia, na forma de distribuição de probabilidade. “Tal distribuição é geralmente construída por meio da solicitação para que as pessoas selecionem valores que correspondam a percentis específicos na sua distribuição de probabilidade subjetiva” (TVERSKY; KAHNEMAN, 1974, p. 1129).

Ao coletarmos distribuições de probabilidades subjetivas para diversas quantidades diferentes, é possível testar o avaliador por meio de uma calibragem adequada. A calibragem consiste na comparação dos valores reais com aqueles declarados pelo avaliador em sua distribuição de probabilidade subjetiva. Dessa forma, para que um avaliador seja considerado adequadamente calibrado em um conjunto de problemas, a quantidade real deve estar exatamente dentro do intervalo de confiança por ele selecionado.

Segundo Tversky e Kahneman (1974, p. 1129), muitos pesquisadores têm obtido distribuições de probabilidade para muitas quantidades de um grande número de avaliadores. Essas distribuições indicam desvios amplos e sistemáticos de calibragem adequada, o que sugere que as pessoas declaram intervalos de confiança bastante estreitos, os quais refletem uma certeza maior do que aquela justificada pelo seu conhecimento sobre as quantidades avaliadas. Esse efeito, atribuído em parte à ancoragem, é conhecido como viés de excesso de confiança.

Para Barberis e Thaler (2003), o excesso de confiança pode, em parte, originar-se de outros dois vieses: auto-atribuição e previsão retrospectiva. O primeiro se refere à tendência de as pessoas atribuírem aos seus próprios talentos qualquer

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sucesso obtido em uma atividade, enquanto atribuem à má sorte, e não à sua incompetência, qualquer fracasso obtido. A repetição dessa tendência leva as pessoas à agradável, porém errônea, conclusão de que são muito talentosas. Por exemplo, investidores poderiam tornar-se excessivamente confiantes após vários trimestres de investimentos bem sucedidos. Já o viés de previsão retrospectiva consiste na tendência de as pessoas acreditarem, após a ocorrência de um evento, que elas o previram antes de ele ter acontecido. Nesse caso, se as pessoas pensam que previram o passado melhor do que realmente fizeram, elas também podem acreditar que são capazes de prever o futuro melhor do que realmente podem.

Um outro viés intimamente relacionado ao excesso de confiança é o otimismo que, segundo Shefrin (2005b), consiste na superestimação da freqüência de resultados favoráveis e na subestimação da freqüência de resultados desfavoráveis. Bazerman (2004) afirma que embora os conceitos de excesso de confiança e otimismo possuam uma estreita relação, existe uma importante distinção entre eles: “quando investidores tomam decisões excessivamente confiantes, conservarão esse otimismo despropositado em relação ao sucesso futuro; retrospectivamente, eles manterão o otimismo, mesmo quando os resultados desapontadores de seus investimentos estiverem facilmente disponíveis” (BAZERMAN, 2004, p. 133).

Em termos de modelagem, Baker, Ruback e Wurgler (2004, p. 35) afirmam que “o otimismo pode ser modelado como uma superestimação da média e o excesso de confiança como uma subestimação da variância”. Em outras palavras, investidores otimistas tendem a superestimar o retorno esperado de suas aplicações, enquanto investidores excessivamente confiantes tendem a subestimar o risco.

1.2 Efeitos de estruturação

Na seção anterior, abordou-se o tema do viés heurístico que prevê que os indivíduos cometem erros ao tomarem decisões porque confiam em uma série de regras práticas (heurísticas) para processar as informações. Nesta seção, o foco central é o impacto da estruturação da informação nas decisões dos indivíduos. De acordo com essa abordagem, a maneira como um problema é estruturado ou a forma como a informação é apresentada exerce um impacto importante no processo decisório.

1.2.1 Teoria perspectiva

A ampla maioria dos modelos que tentam entender os preços dos ativos assume que os investidores avaliam decisões em condições de risco de acordo com as suposições da teoria da utilidade esperada, a qual é baseada em um conjunto de axiomas que fornecem os critérios de uma escolha racional. No contexto dessa teoria, as escolhas de um indivíduo podem ser descritas em termos das utilidades de diversos resultados para aquele indivíduo e a utilidade de uma perspectiva arriscada é igual à utilidade esperada de seus resultados, obtida pela ponderação da utilidade de cada resultado possível pela sua probabilidade. Diante de uma

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escolha, um tomador de decisão racional irá escolher a perspectiva que oferece a mais alta utilidade esperada.

A teoria da utilidade esperada tem dominado a análise de tomada de decisão em condições de risco e tem sido amplamente aceita como um modelo descritivo do comportamento econômico racional (KAHNEMAN; TVERSKY, 1979). Todavia, o resultado de uma série de experimentos tem mostrado que as pessoas exibem padrões de preferência incompatíveis com a teoria da utilidade esperada.

Em resposta aos resultados dos experimentos que têm mostrado que as pessoas sistematicamente violam a teoria da utilidade esperada quando tomam decisões em condições de risco, surgiu uma série de abordagens alternativas. Segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1067), “de todas as abordagens alternativas à teoria da utilidade esperada, a mais promissora em termos de aplicação em finanças é a teoria perspectiva de Kahneman e Tversky (1979)”.

Para aqueles autores, a teoria perspectiva contribui para explicar por que as pessoas fazem escolhas diferentes em situações nas quais o nível de riqueza final é o mesmo. Trata-se de uma constatação que ilustra uma característica importante da teoria: a capacidade de acomodar os efeitos da descrição ou estruturação de um problema. Existem inúmeras demonstrações de mudanças de preferências com base na descrição de um problema e nenhuma teoria normativa de escolha pode acomodar tal comportamento, uma vez que o primeiro princípio da escolha racional é que as escolhas deveriam ser independentes da descrição do problema.

Os resultados de um experimento realizado por Tversky e Kahneman (1981, p. 454) ilustram as bases da teoria perspectiva. Os autores apresentaram aos participantes do experimento um par de decisões concorrentes e, então, solicitaram a eles a indicação da opção preferida.

Decisão 1 - Escolha entre:a) um ganho certo de $ 240 (84%);b) 25% de chance de ganhar $ 1.000 e 75% de chance de não ganhar nada

(16%).Decisão 2 - Escolha entre:c) uma perda certa de $ 750 (13%);d) 75% de chance de perder $ 1.000 e 25% de chance de não perder nada

(87%).A escolha preferida pela maioria dos respondentes (84%), na decisão 1, é avessa

ao risco, ou seja, uma perspectiva menos arriscada é preferível a uma perspectiva arriscada de valor esperado igual ou maior. Em contraste, a escolha preferida pela maioria dos respondentes (87%), na decisão 2, é propensa ao risco, ou seja, uma perspectiva arriscada é preferível a uma perspectiva menos arriscada de igual valor esperado. De acordo com a teoria perspectiva, quando se trata de ganhos e de perguntas estruturadas positivamente, as pessoas tendem a ser avessas ao risco. Ao contrário, quando se trata de perdas ou de perguntas estruturadas negativamente, as pessoas tendem a ser propensas ao risco. Isso acontece em virtude da função de valor na teoria perspectiva possuir a forma de S (côncava acima do ponto de referência e convexa abaixo dele), conforme apresentado na figura 1.

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Fonte: Kahneman e Tversky (1979, p. 279)Figura 1 – Função de valor hipotética

Os resultados do experimento mostram que o valor associado ao ganho de $ 240 é maior do que 24% do valor associado ao ganho de $ 1.000 e o valor (negativo) associado à perda de $ 750 é menor do que 75% do valor associado à perda de $ 1.000. Dessa forma, para os autores, a forma da função de valor contribui para a aversão ao risco na decisão 1 e para a propensão ao risco na decisão 2. Em outras palavras, a resposta das pessoas às perdas é mais extrema que a resposta a ganhos, isto é, o aborrecimento associado à perda de uma soma em dinheiro é geralmente maior do que o prazer associado ao ganho do mesmo montante, fenômeno que ficou conhecido como aversão à perda.

1.3 Mercados ineficientes

Nas duas últimas seções, tratou-se da influência de aspectos psicológicos no processo decisório dos indivíduos com base no argumento de que a confiança em princípios heurísticos e os efeitos da estruturação da informação conduzem a vieses sistemáticos que afastariam as decisões dos indivíduos daquilo que seria previstos pela teoria da utilidade esperada. Essa linha de investigação desempenhou um papel central na construção do campo de pesquisa das finanças comportamentais. Shefrin (2002, p. 7), nessa direção, afirmou que “as finanças comportamentais floresceram quando os avanços feitos pelos psicólogos chamaram a atenção dos economistas”.

Nesta seção, o objetivo é contrapor os argumentos das finanças comportamentais, que defendem que o viés heurístico e os efeitos de estruturação

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afetam os preços estabelecidos no mercado fazendo-os se desviarem de seus valores fundamentais, aos argumentos das finanças tradicionais os quais assumem que os mercados são eficientes e que os preços dos títulos coincidem com seus valores fundamentais, mesmo que alguns indivíduos sejam influenciados por vieses heurísticos ou por efeitos de estruturação.

1.3.1 Bases teóricas da hipótese do mercado eficienteA hipótese do mercado eficiente, segundo a qual “os preços dos ativos, em

qualquer tempo, refletem plenamente toda a informação disponível” (FAMA, 1970, p. 383), tem sido a proposição central em finanças nas últimas décadas. No contexto dessa teoria, assume-se que os agentes são racionais e que o preço de um título é igual ao seu valor fundamental, isto é, a soma dos fluxos de caixa futuros esperados descontados, em que, na formação das expectativas, os investidores processam corretamente toda informação disponível e a taxa de desconto reflete adequadamente as características de risco do título, conforme apresentado no esquema da figura 2. Nesse caso, nenhuma estratégia de investimentos poderia obter retornos esperados maiores do que aqueles justificados pelo risco.

A premissa assumida pela hipótese do mercado eficiente, de que nenhuma estratégia de investimentos pode obter retornos maiores do que aqueles justificados pelo risco, implica a dependência de um modelo de relação justa entre risco e retorno. Essa constatação - de que a eficiência do mercado não é, por si só, testável em virtude da dependência de um modelo de apreçamento que forneça um padrão de referência adequado considerando a relação de risco e retorno dos ativos analisados - é conhecida como hipótese conjunta, a qual permeou grande parte do debate das finanças empíricas e constituiu a grande contribuição de Fama (1970, 1991).

Fonte: Daniel (2004, p. 57)Figura 2 – Processo simples de formação de preço

Na ótica de Shleifer (2000), as previsões empíricas da hipótese do mercado eficiente podem ser divididas em duas grandes categorias: (1) quando notícias sobre o valor de um título chegam ao mercado, seu preço deveria reagir e incorporar

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essas notícias rápida e corretamente e (2) uma vez que o preço de um título deve igualar-se ao seu valor fundamental, os preços não deveriam se mover sem que houvesse qualquer notícia a respeito do título, ou seja, os preços não deveriam reagir a mudanças na oferta ou demanda de um título que não seja acompanhada por notícias sobre o seu valor fundamental.

O raciocínio por trás da idéia de que os preços devem refletir seu valor fundamental repousa em duas afirmações: (1) assim que é constatado um desvio em relação ao valor fundamental, uma oportunidade de investimento atrativa é criada e (2) investidores racionais imediatamente irão aproveitar a oportunidade e, portanto, os preços serão corrigidos pois tal movimento por parte dos investidores os fará voltar a refletir o valor fundamental (BARBERIS; THALER, 2003).

As afirmações que norteiam o raciocínio apresentado remetem ao conceito de arbitragem cuja definição é a compra e venda simultânea do mesmo título ou de títulos essencialmente similares, em dois mercados diferentes, com o objetivo de tirar proveito de diferenciais de preços sem correr riscos. De acordo com Shleifer e Vishny (1997, p. 35), “a arbitragem desempenha um papel crítico na análise do mercado de títulos porque seu efeito faz os preços dos títulos refletirem seu valor fundamental, mantendo, assim, os mercados eficientes”, conforme é mostrado no esquema da figura 3.

Fonte: Daniel (2004, p. 58)Figura 3 – Processo de formação de preços com investidores ingênuos e arbitradores

Segundo Shleifer (2000, p. 5), “de fato, o campo das finanças acadêmicas em geral, e a análise de títulos em particular, foi criado com base na hipótese do mercado eficiente e suas aplicações”. No entanto, nas últimas décadas, tanto as bases teóricas da hipótese do mercado eficiente quanto as evidências empíricas que a suportam têm sido desafiadas.

1.3.2 Desafios da hipótese do mercado eficiente

Conforme apresentado na seção anterior, a hipótese do mercado eficiente é fortemente calcada em dois postulados. O primeiro assume que os investidores avaliam decisões em condições de risco de acordo com as suposições da teoria

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da utilidade esperada, a que fornece os critérios de uma escolha racional, ou seja, no contexto da hipótese do mercado eficiente, assume-se que os investidores são plenamente racionais e, por conseguinte, tal racionalidade é incorporada nos preços dos títulos no mercado, os quais refletiriam seu valor fundamental. O segundo assume que, caso seja constatado qualquer desvio em relação ao valor fundamental, os investidores plenamente racionais, por meio de operações de arbitragem, atuariam de modo a fazer os preços dos títulos voltarem a refletir seu valor fundamental.

Em contraposição aos postulados da hipótese do mercado eficiente, os argumentos favoráveis à abordagem das finanças comportamentais colocam em xeque tanto o aspecto da racionalidade plena dos investidores quanto a efetividade da atividade de arbitragem como um instrumento para a manutenção de um mercado eficiente.

Com relação ao postulado que assume que os investidores são plenamente racionais, os teóricos das finanças comportamentais argumentam que “alguns aspectos dos preços dos ativos são mais plausíveis de serem explicados como desvios em relação ao valor fundamental e que esses desvios são verificados em razão da presença de investidores não plenamente racionais” (BARBERIS; THALER, 2003, p. 1054). As bases desse argumento repousam na idéia de que o comportamento enviesado dos indivíduos, fruto da influência dos princípios heurísticos e dos efeitos da estruturação da informação, pode exercer um impacto substancial sobre os preços dos títulos negociados no mercado, afastando-os de seu valor fundamental. Dessa forma, os teóricos defendem que o processo decisório dos indivíduos sistematicamente se afasta daquilo que seria previsto pela teoria da utilidade esperada e, portanto, não é norteado pela racionalidade plena.

De acordo com Daniel (2004), quando os pesquisadores das finanças comportamentais afirmam que os investidores se comportam de maneira não plenamente racional, não estão dizendo que eles são desequilibrados, desmedidos ou que suas atitudes são insensatas. Ao contrário, tais investidores tomam atitudes que seriam consideradas bastante razoáveis por grande parte das pessoas, uma vez que utilizam a intuição - definida como um conjunto de regras ad hoc que norteiam a tomada de decisões - de forma sofisticada para decidir sobre situações complexas. Um grande número de experimentos, porém, indica que há muitos cenários em que a intuição conduz a equívocos e os pesquisadores argumentam que os mercados financeiros apresentam tais cenários para os investidores e que os pequenos erros cometidos pelos investidores fazem os preços se desviarem daqueles previstos pelas teorias baseadas na racionalidade plena.

Em relação a esse aspecto, não existe uma discordância absoluta entre os partidários da hipótese do mercado eficiente e os partidários da abordagem das finanças comportamentais.

Conforme é destacado por Daniel (2004, p. 58),[...] mesmo os fortes proponentes da teoria das expectativas racionais concordariam que alguns indivíduos não processam corretamente as informações e estão sujeitos a vieses. Todavia, eles argumentariam que, mesmo que muitos investidores tomem atitudes consideradas irracionais, os preços, ainda assim, seriam estabelecidos como se todos os

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investidores fossem plenamente racionais. O argumento para isso é que, caso os preços de mercado não estejam corretamente estabelecidos, a atividade de arbitragem forçaria os preços a retornar para os seus valores fundamentais.

Todavia, se, por um lado, não existe uma discordância absoluta entre as duas abordagens em relação à constatação de que o comportamento enviesado dos indivíduos pode exercer um impacto nos preços estabelecidos no mercado, por outro lado, existe uma visceral discordância acerca da efetividade da atividade de arbitragem como um instrumento de correção dos preços dos títulos no sentido de fazê-los refletirem o valor fundamental.

O questionamento acerca do papel desempenhado pela atividade de arbitragem é encontrado em uma série de estudos conhecidos na literatura como limites à arbitragem. Esses estudos, segundo Barberis e Thaler (2003, p. 1053), “constituem uma abordagem que mostra que, em uma economia em que agentes racionais e irracionais interagem, a irracionalidade pode ter um impacto substancial e duradouro sobre os preços”.

Para Shleifer e Vishny (1997, p. 36), “os manuais de finanças tradicionais abordam a questão da arbitragem como uma atividade exercida por um grande número de pequenos arbitradores, cada um deles assumindo uma pequena posição e cuja ação coletiva conduz os preços na direção de seus valores fundamentais”. O problema dessa abordagem é que os milhões de pequenos investidores não são tipicamente aqueles que possuem o conhecimento e a informação adequada para se envolver na atividade de arbitragem. O mais comum é a atividade de arbitragem ser relativamente conduzida por poucos profissionais altamente especializados, tais como gestores de grandes fundos de investimento que combinam seu conhecimento com os recursos dos investidores externos.

A constatação de que a atividade de arbitragem no mundo real é conduzida por profissionais que não estão gerindo os seus próprios recursos mas os de terceiros traz consigo uma importante implicação na qual cérebros e recursos são separados por uma relação de agência (SHLEIFER; VISHNY, 1997) que, de acordo com Barberis e Thaler (2003, p. 1057), tem conseqüências importantes, pois os investidores, desprovidos de conhecimento especializado para avaliar as estratégias de arbitragem conduzidas por profissionais, podem simplesmente avaliá-los com base em retornos. Caso o desvio de preço que o arbitrador (gestor) esteja tentando explorar aumente no curto prazo, ou seja, não reverta para o seu valor fundamental, gerando retornos negativos, os investidores podem considerá-lo incompetente e sacar seus recursos. Se isso acontecer, o gestor será forçado a liquidar sua posição de forma prematura. O medo de tal liquidação prematura o torna menos agressivo no combate aos desvios de preços em relação aos valores fundamentais.

Um outro aspecto importante destacado por Shleifer e Vishny (1997, p. 52) é que “a abordagem dos mercados eficientes é baseada na suposição (altamente implausível) de que existem muitos arbitradores diversificados”. Na realidade, todavia, os recursos da atividade de arbitragem são fortemente concentrados nas mãos de poucos investidores altamente especializados em negociar poucos ativos e que estão longe de serem diversificados.

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Como resultado, esses investidores preocupam-se com o risco total e não apenas com o risco sistemático. Dessa forma, uma vez que o retorno em excesso de equilíbrio é determinado por estratégias de negociação desses investidores, considerar o risco sistemático como único determinante de apreçamento é inapropriado, pois o risco idiossincrático também intimida os arbitradores.

Um último aspecto levantado por Shleifer (2000) como fator limitador da atividade de arbitragem seria a ausência de ativos substitutos no mercado. Esse aspecto possui uma implicação importante, pois uma condição essencial para que a atividade de arbitragem seja rápida e efetiva é a existência de ativos substitutos prontamente disponíveis.

Diante do exposto, Shleifer (2000, p. 5) destaca que “as principais forças por meio das quais o mercado deveria atingir a eficiência, tais como a atividade de arbitragem, são, provavelmente, mais fracas e mais limitadas do que supõem os teóricos da eficiência do mercado”. Em suma, com novas teorias e evidências, as finanças comportamentais emergiram como uma nova visão alternativa dos mercados financeiros, segundo a qual a teoria econômica não nos leva a esperar que os mercados financeiros sejam eficientes. Ao contrário, espera-se que desvios sistemáticos e significantes em relação à eficiência persistam por um longo período de tempo. Empiricamente, as finanças comportamentais tanto explicam as evidências que se mostram anômalas sob a ótica dos mercados eficientes quanto geram novas predições que têm sido confirmadas pelos dados.

Considerações Finais

O objetivo neste artigo consistiu em apresentar os principais aspectos teóricos e conceituais que sustentam o campo de pesquisa das finanças comportamentais. Em termos gerais, esse campo de pesquisa é baseado em dois argumentos. O primeiro é que vieses cognitivos sistemáticos permeiam o processo decisório e afastam o julgamento dos agentes daquilo que seria previsto pelo postulado da racionalidade. O segundo é que o comportamento enviesado dos indivíduos pode exercer um impacto importante sobre os preços dos ativos negociados no mercado.

Estes dois argumentos em conjunto questionam a validade de um paradigma dominante no campo das finanças tradicionais que é a hipótese do mercado eficiente. A esse respeito, Shleifer (2000) coloca um importante questionamento: por que os pesquisadores falharam em reportar tantas evidências que desafiam a eficiência de mercado até o início da década de 1980? A resposta inclui duas possíveis explicações. A primeira, menos plausível, destaca a dominância profissional dos defensores da hipótese do mercado eficiente e a dificuldade de publicar rejeições a essa hipótese em periódicos acadêmicos. Esta explicação não é inteiramente satisfatória uma vez que há muitos periódicos de finanças e economia competindo por novos achados. A segunda argumenta que muitos testes de eficiência de mercado apresentam um baixo poder para discriminar formas plausíveis de ineficiência. Independentemente do motivo, o fato é que, na prática, o impacto cumulativo tanto das teorias quanto das evidências enfraqueceu

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a hegemonia da hipótese do mercado eficiente e criou uma nova área de pesquisa: as finanças comportamentais.

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Desenvolvimento financeiro e crescimento econômico

Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos*

1 Doutor em Ciências – História Econômica, Professor Titular Doutor da Faculdade de Administração e da Faculda-de de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado, Vice-Diretor da Faculdade de Administração da FAAP, Diretor do FAAP-MBA. E-mail: <[email protected]>

Resumo:O trabalho apresenta a visão de diferentes autores sobre as relações causais entre o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais e o crescimento econômico, mostrando a evolução dessa análise desde a formulação inicial de Joseph A. Schumpeter em 1911 até os dias atuais, tanto no exterior como no Brasil.Palavras chave: desenvolvimento financeiro, crescimento econômico, regulação, estrutura legal, governança.

Abstract:The paper presents the evolution of the ideas concerning to the relations between financial development and economic growth since the inicial proposition of Joseph A. Schumpeter in 1911 untill nowadays. The opinions of foreign economists and financial experts are compared to the essays presented in Brazil about the subject. Key-words: financial development, economic growth, regulation, legal structure, corporate governance.

Introdução

A análise dos fenômenos causais que guardam relação com o desenvolvimento econômico é relativamente recente, tanto na literatura estrangeira, como no Brasil. Na segunda metade dos anos 80 surgiram estudos sobre o crescimento econômico, procurando analisar as implicações decorrentes de ações sobre os investimentos de infra-estrutura nas políticas de distribuição de renda e fiscal.

Com relação à contribuição do sistema financeiro para o crescimento econômico, os estudos que procuraram abordar esta questão surgiram na literatura especializada estrangeira desde a formulação inicial de Schumpeter (2004) em 1911. Nos anos 50, desde a posição exposta por Joan Robinson (1982), poucos autores trataram do assunto. As principais contribuições foram as de Solow (1956) e de Modigliani e Miller (1958). O assunto foi tratado ao final dos anos 60 por Cameron(1967), Goldsmith (1969) e Hicks(1969), sendo retomado no início da década seguinte por McKinnon(1973) e Shaw(1973) . Estudos mais detalhados foram apresentados por Romer (1986) e por Lucas (1988). A partir do trabalho de Lucas, mais autores passaram a preocupar-se com o assunto, sendo importante destacar as contribuições de Greenwood e Jovanovic (1990), Grossman e Helpman(1991), King e Levine (1992; 1993a; 1993b), Pagano (1993), Dermirgüç-

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Kunt e Maksimovic (1996), Jayaratne e Strahan (1996), La Porta, Lopez-De-Silanes, Schleifer e Vishny (1997), Levine (1997), Arestis e Demetriades (1998), Levine e Zervos (1997), Raghuram e Zingales (1998), Darrat (1999) e, finalmente, Khan e Senhadji (2000).

Como se pode notar, as contribuições dos autores estrangeiros ao assunto se intensificaram a partir da segunda metade dos anos 80. Isso se deve à falta de adequação dos modelos neoclássicos às questões do desenvolvimento econômico. Assim, apenas após o surgimento dos modelos de crescimento endógeno, inspirados nos estudos e formulações de Romer (op.cit.), em 1986, e de Lucas(op.cit), em 1988, é que a relação entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico pode ser estudada com mais detalhe.

No Brasil pouco se tem discutido sobre esta questão. No plano teórico deve-se destacar as contribuições de Gonçalves (1980) e de Studart (1993), enquanto que no aspecto empírico existem trabalhos de Triner (1996), Monte e Távora Jr.(2000), Arraes e Teles(2000), Carvalho (2001) e Matos(2002).

O debate acadêmico no exterior

O estudo sobre as relações existentes entre o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais, que doravante se designará simplesmente como desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, têm ocupado diversos autores ao longo do tempo. Trata-se de saber se o desenvolvimento financeiro contribui para que se tenha crescimento econômico ou se, por outro lado, é o crescimento econômico que provoca o desenvolvimento financeiro, na medida em que a expansão das atividades produtivas passa a exigir o crescimento e o aperfeiçoamento dos instrumentos financeiros, o que provoca um salto qualitativo, além do quantitativo, no nível de intermediação financeira.

Um grande número de autores, desde Schumpeter (2004), enfatiza a influência positiva do desenvolvimento do setor financeiro de um país sobre o nível e a taxa de crescimento de sua renda per capita. O argumento essencial é que os serviços fornecidos pelo setor se caracterizam como um elemento essencial na promoção do crescimento econômico.

Estes serviços residem na realocação dos recursos de capital, buscando maximizar seu retorno, evitar os riscos de seleção adversa e reduzir os custos de transação envolvidos. Para Schumpeter (2004), o papel desempenhado pelo sistema financeiro para a introdução das inovações tecnológicas é essencial para que se chegue ao desenvolvimento econômico.

Este assunto também foi objeto de considerações relativamente detalhadas por Hicks (1969) que, ao analisar a Revolução Industrial, procura estabelecer as relações entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, baseando-se no fato que as inovações tecnológicas, que caracterizaram o grande salto alcançado por ocasião da primeira etapa da Revolução Industrial, haviam sido criadas muito antes, sem que conseguissem precipitar a grande mudança.

Hicks (1969) argumenta ainda que foi o surgimento do mercado de capitais que viabilizou a mobilização de grandes somas de recursos, por períodos longos o suficiente, para permitir que as inovações tecnológicas pudessem ser introduzidas

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na produção. Foi o mercado de capitais que criou as necessárias condições de liquidez para que os detentores de poupança pudessem se dispor a aplicar recursos de vulto em investimentos de longo prazo de maturação.

Bencivenga, Smith e Starr (1993), em trabalho publicado pelo Journal of Economic Theory, concluem que a revolução industrial só ocorreu realmente após a revolução financeira.

Outros autores, como Joan Robinson (1982), preferem adotar a posição oposta, segundo a qual o desenvolvimento financeiro nada mais é do que uma conseqüência do crescimento. Para a autora, a ampliação do alcance e do volume da atividade bancária é irrelevante, na medida em que decorre do aumento das transações que caracterizam um processo de desenvolvimento econômico ou de crescimento industrial.

Para Solow (1956) as inovações financeiras não se traduzem em fatores de indução do crescimento econômico no longo-prazo, se ocorrer uma modificação endógena na tecnologia. Por outro lado, Grossman e Helpman (1991), Lucas (1988) e Romer (1986), afirmam, em modelos de crescimento endógeno, que níveis mais elevados de poupança e de investimento, ou ainda investimentos de melhor qualidade1 podem elevar, no longo prazo, a taxa de crescimento. Para Lucas (1988), especialmente, está havendo uma tendência exagerada dos economistas de considerarem os fatores financeiros como essenciais ao desenvolvimento econômico.

Os autores mais céticos, entre os quais se incluem Arestis e Demetriades (1998), apresentam um conjunto de argumentos contra essa pretensa relação causal. Em primeiro lugar, o de que o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico decorrem de variável não explícita, que é a propensão a poupar da sociedade. Na medida em que a poupança endógena afeta a taxa de crescimento de longo prazo de uma dada economia, não é surpreendente que crescimento econômico e o desenvolvimento financeiro inicial estejam correlacionados.

Por outro lado, o desenvolvimento financeiro, se medido através do nível de crédito e da dimensão do mercado de ações, pode antecipar o crescimento econômico simplesmente porque os mercados financeiros antecipam o crescimento futuro: o mercado de ações capitaliza o valor presente das oportunidades de crescimento, enquanto as instituições financeiras elevam seus empréstimos para setores que apresentam boas perspectivas de crescimento.

Assim, a configuração do sistema financeiro e do mercado de capitais é afetada naturalmente pelo crescimento econômico, que implica – de forma progressiva – em uma elevação da demanda por serviços dessa natureza. Neste caso, o desenvolvimento financeiro é apenas um indicador importante, ao invés de um fator de causação.

Modigliani e Miller (1958,) se situam em uma quarta posição distinta em relação ao debate, expressa em seu trabalho The cost of capital, corporation finance and the theory of investment, publicado pela American Economic Review em 1958, uma contribuição essencial ao estudo dos investimentos nas finanças corporativas. Para esses autores,

1 O investimento de melhor qualidade deve ser entendido na acepção de inversões que geram um retorno mais elevado para o investidor.

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não existe relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, posição que fica muito clara na medida em que afirmam que a forma pela qual as empresas obtêm financiamentos não apresenta maior relevância e caracterizam os mercados financeiros como independentes do restante da economia.

O mesmo tipo de visão é explicitado por Stern (1989) que, ao estudar o desenvolvimento econômico, não faz nenhuma referência à contribuição dos mercados financeiro e de capitais para a aceleração do ritmo de crescimento econômico.

Por outro lado, na visão de Rondo Cameron (1967), o desenvolvimento financeiro age como um lubrificante, o que constitui um aspecto essencial, mas que não atua como substituto do mecanismo, que é o crescimento econômico. Em outras palavras, a despeito do valor que cerca a existência de um setor financeiro, aí incluído o mercado de capitais, como elemento provocador do crescimento econômico, o autor não atribui às instituições financeiras a capacidade de induzir esse crescimento.

Raymond W. Goldsmith (1969), em pesquisa baseada em dados de 35 países, no período compreendido entre 1860 e 1963, conclui que existe um forte paralelismo entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico, quando observada a evolução em várias décadas. Para o autor, não há possibilidade, no entanto, de estabelecer com precisão em que direção ocorre a relação causal, ou seja, de determinar se os fatores financeiros foram responsáveis pela aceleração do crescimento econômico ou, ao contrário, o crescimento econômico criou as condições para que se desse o desenvolvimento financeiro.

Na mesma linha de raciocínio, McKinnon (1973) e Shaw (1973) mostram que economias com elevado grau de crescimento tendem a dispor de mercados financeiros altamente sofisticados, mas, como Goldsmith (1969), preferem registrar a relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, sem determinar a natureza da relação entre ambos.

Greenwood e Jovanovic (1990) desenvolvem um modelo no qual a extensão da intermediação financeira e o crescimento econômico se acham determinados de forma endógena. Em seu trabalho, os intermediários financeiros podem investir com maior produtividade que os demais agentes econômicos em virtude de sua habilidade para identificar oportunidades de investimento. Assim, a intermediação financeira promove o crescimento econômico porque permite obter maiores taxas de retorno sobre o capital aplicado e o crescimento, por sua vez, fornece os recursos para implementar estruturas financeiras mais caras.

O modelo desenvolvido por Greenwood e Jovanovic (1990) serve para demonstrar que o desenvolvimento financeiro reduz o custo de captação de recursos externamente à empresa, em oposição aos recursos gerados internamente pelo fluxo de caixa. Normalmente se considera que os custos de captação externa de recursos são mais elevados em virtude do reduzido controle que os fornecedores de fundos, localizados externamente à empresa, detém sobre a atuação da mesma. O desenvolvimento financeiro, contando com melhores normas contábeis e de transparência dos dados das empresas, bem como um melhor grau de governança corporativa, contribui para reduzir a diferença entre os custos de recursos externos

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e internos, permitindo que se acelere o crescimento, especialmente das empresas que necessitam mobilizar volumes maiores de recursos no mercado financeiro ou de capitais.

Robert G. King e Ross Levine (1993) investigam a relação causal com base em dados empíricos, mostrando que o comportamento do desenvolvimento financeiro em um dado momento se constitui em bom instrumento pré-determinador do crescimento econômico que deverá ocorrer num período mais à frente, com uma defasagem temporal de dez a trinta anos.

Levine e Zervos (1997) referem-se à relação entre mercado de capitais e sistema bancário e a promoção do crescimento econômico, concluindo que o grau de liquidez do mercado se acha fortemente relacionado ao crescimento, acumulação de capital e produtividade, enquanto que formas mais tradicionais de se mensurar o desenvolvimento financeiro, como o volume das transações no mercado de capitais, não apresentam uma relação muito forte. Outra conclusão dos autores diz respeito ao volume de empréstimos do setor bancário ao setor privado, indicando a existência de uma relação direta muito forte entre esse volume e o crescimento econômico.

Darrat (1999), analisa dados de países do Oriente Médio, mostrando que o grau de desenvolvimento financeiro tem uma relação causal com o crescimento, apesar de ter constatado que essa relação é maior em alguns países que em outros.

Em estudo mais recente, Khan e Senhadji (2000) concluem pela existência de sinais de uma relação direta entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. Utilizando o modelo de Mankiw et alli. (1992) aplicado a 159 países no período 1960/99, estes autores concluem que o crescimento do PIB real per capita depende da taxa de investimento e do crescimento demográfico. Para representar o crescimento econômico, foram utilizadas, tentativamente, algumas variáveis, como: a relação investimento/PIB; as taxas de crescimento demográfico; os termos de troca; e o PIB per capita de 1987, para indicar a renda inicial e testar a hipótese de convergência (uma vez que países com renda mais baixa no passado tendem a apresentar taxas de crescimento mais elevadas no futuro). Os resultados indicam uma forte correlação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico, além de mostrarem que existe um desenvolvimento financeiro ótimo, ou seja, o desenvolvimento financeiro tem um impacto direto sobre o crescimento até determinado ponto, declinando a seguir.

As relações do desenvolvimento financeiro com a estrutura legal

Alguns autores, durante a década de 90, procuraram estudar a natureza das relações entre o desenvolvimento financeiro e o arcabouço legal existente numa dada economia. Dentre esses trabalhos, merecem especial destaque as contribuições de Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) , Jayaratne e Strahan(1996), La Porta et alli.(1997) e Levine (1998) .

Dermirgüç-Kunt e Maksimovic (1996) utilizam-se de dados provenientes do comportamento de empresas em diferentes países para desenvolver um teste sobre a influência do desenvolvimento financeiro no crescimento econômico. Os autores demonstram a existência de uma correlação positiva entre as empresas

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que apresentam crescimento acima da média de seus mercados e o volume de recursos aplicados nos respectivos mercados de capitais nacionais. Essa correlação positiva também se verifica quando é analisado o grau de segurança oferecido pelo sistema legal dos países, em termos de respeito e manutenção dos termos acordados em contratos legais. Assim, o respeito pelos contratos celebrados, ao lado do volume de operações registrado no mercado de capitais, que nada mais significam que o desenvolvimento financeiro, se acham na base do crescimento econômico, de forma mais acentuada neste ou naquele país.

A mesma linha de abordagem é seguida por Jayaratne e Strahan (1996), que ao examinar o processo de desregulamentação bancária em vários estados dos Estados Unidos, concluem que o processo levou a uma ampliação das condições financeiras à disposição das empresas, o que provocou um impacto positivo sobre o crescimento econômico do Estado.

Uma forma de progredir na análise da causalidade seria abordar os mecanismos teóricos, por meio dos quais o desenvolvimento financeiro vem afetar o crescimento econômico e analisar esta relação. Os diferentes autores afirmam que as instituições e o mercado financeiro contribuem para que a empresa supere as questões de risco moral e de seleção adversa, reduzindo dessa forma os custos de captação de recursos envolvidos. Assim, o desenvolvimento financeiro contribui para que setores ou empresas que tem grande dependência da captação de recursos para assegurar seu crescimento pudessem fazê-la de forma mais ágil e eficiente.

La Porta, Lopez-De-Silanes et alli (1997) em trabalho sobre investimentos estrangeiros apresentado ao 57˚ Congresso Anual da American Finance Association, demonstram que o ambiente legal, representado pela estrutura da legislação e pela eficiência de funcionamento do poder judiciário influenciam o tamanho e o grau de sofisticação que o mercado de capitais pode assumir em um dado país.

Na medida em que existam dispositivos legais que possam proteger investidores externos contra expropriações, tais dispositivos funcionam como pólos de atração de recursos e sua troca por valores mobiliários, expandindo as condições de funcionamento do mercado de capitais.

Os autores mostram que os países que mantém uma tradição legal de direito codificado (próprio de legislações baseadas no direito romano) apresentam não apenas um grau inferior de proteção aos direitos dos investidores e acionistas, mas também um menor grau de desenvolvimento no mercado de capitais, que aqueles baseados na common law, como os países anglo-saxões.

A questão que se coloca é se os países com direito codificado mantém normas legais pouco atraentes aos investidores por coincidência, ou se – pelo contrário – esta é uma medida intencional no sentido de assegurar às empresas familiares e ao governo um papel mais destacado no cenário dos negócios.

Levine (1998) concentra-se no objetivo de verificar se as características legais vigentes em um dado país guardam relação com o produto per capita, crescimento do estoque de capital e crescimento da produtividade, utilizando os direitos do credor, enforcement2 e, como La Porta et alli.(1997), a origem histórica do sistema legal

2 Expressão inglesa usada para designar mecanismos através dos quais a lei obriga que um dado agente obedeça determinado(s) preceito(s).

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vigente no país, como variáveis. Os resultados obtidos confirmam o trabalho de La Porta et alli, indicando que os países em que o sistema legal protege os direitos do credor e mantém enforcement apresentam setor bancário mais desenvolvido do que aqueles em que a lei não prioriza credores e mantém um regime frouxo ou ambíguo. O ambiente legal, concluiu o autor, é fortemente relacionado com as possibilidades de desenvolvimento a longo prazo, com a acumulação de capital e com a expansão da produtividade. Levine, em outro estudo desenvolvido em parceria com Loyasa e Beck (1999) publicado pelo Banco Mundial, confirma as suas conclusões anteriores.

Diferenças entre grau de capitalização e nível de desenvolvimento finan-ceiro requerido

Outra questão interessante abordada pelos autores que se dedicaram ao estudo das relações entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico diz respeito à ligação entre o grau de capitalização requerido para o crescimento de um dado setor econômico e a estrutura financeira disponível em um país.

Raghuram e Zingales (1998) verificam que, em países com maior desenvolvimento financeiro, empresas fortemente dependentes da mobilização de recursos vultosos, como as que se situam no setor farmacêutico, devem se desenvolver de forma mais rápida que as que independem desses recursos. Entre os setores menos dependentes de um volume considerável de recursos externos, situa-se a industria do fumo, por exemplo. Estudo focalizando as taxas de crescimento setorial das indústrias farmacêutica e do fumo, em países emergentes como Malásia, Coréia e Chile, mostram que nos dois países asiáticos, em que há um razoável grau de desenvolvimento financeiro, o setor farmacêutico cresceu a taxas maiores que a indústria de fumo, enquanto que no Chile, que apresenta um menor nível de desenvolvimento em seu setor financeiro, as taxas de crescimento do setor farmacêutico foram bastante menores que as registradas pela indústria do fumo. A conclusão dos autores é que o desenvolvimento financeiro influencia de maneira positiva as taxas de crescimento relativo de diferentes setores da economia.

Para Raghuram e Zingales (1998), o crescimento industrial pode ser decomposto em dois diferentes aspectos: o crescimento do número de empresas do setor e o crescimento da escala média de produção, por estabelecimento. O efeito provocado pelo desenvolvimento financeiro é duas vezes mais pronunciado quando se aborda a questão da expansão do número de empresas, do que quando se trata de elevar o número de plantas de empresas existentes ou de se expandir a escala produtiva das empresas já estabelecidas.

O desenvolvimento financeiro, dessa maneira, está afetando mais o estabelecimento de novas empresas, que auxiliando a expansão das já existentes. Se as novas empresas forem ligadas a novas tecnologias, trata-se de viabilizar as ondas de ”destruição criativa” a que se refere Schumpeter (2004), que evidentemente não poderiam ocorrer em países que apresentem baixo grau de desenvolvimento financeiro.

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Raghuram e Zingales (1998) mostram que o desenvolvimento financeiro desempenha uma influência importante sobre a taxa de crescimento econômico e que esta influência se dá pela redução dos custos de captação de recursos para as empresas que deles dependem.

Aduzem que não existe contradição mesmo quando ocorre uma taxa relativamente baixa de crescimento econômico em períodos em que, pelo contrário, está ocorrendo desenvolvimento financeiro de forma persistente. Essa falta de sincronia pode decorrer da ação de outros fatores, que provocam alterações na atratividade de investimentos em um dado país. O desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais pode, ao contrário, estimular a superação desse ambiente adverso, permitindo que o crescimento de longo-prazo possa ser retomado.

Por outro lado, considerando os fatores restritivos que são impostos ao crescimento econômico por variáveis dependentes do grau de desenvolvimento financeiro alcançado, Raghuram e Zingales (1998) consideram, no artigo citado, que existem evidências no sentido de relacionar os impactos criados pelas imperfeições do mercado financeiro sobre os investimentos e o ritmo de crescimento econômico.

Finalmente, os mesmos autores concluem que existe uma correlação positiva entre o grau de desenvolvimento financeiro e os padrões de especialização industrial de cada país. Ainda que o grau de desenvolvimento dos mercados financeiro e de capitais tenha sido determinado por um acidente histórico, ou por regulamentação governamental, a existência de uma estrutura robusta para essas atividades se constitui em uma vantagem competitiva para um dado país, quando se trata de atrair indústrias que são mais dependentes da captação externa de recursos. Simultaneamente, a falta dessa estrutura financeira atua como uma forte barreira para o ingresso de novas empresas nesses setores dependentes de recursos. Assim, pode-se concluir que o desenvolvimento financeiro se constitui também em um fator determinante da dimensão e do grau de concentração de um determinado setor industrial.

A contribuição acadêmica no Brasil

De acordo com Carvalho (2001), os benefícios gerados pelo sistema financeiro devem depender de alguns aspectos. O primeiro é a competência com que o mesmo deve mobilizar recursos, promovendo a redução de vazamentos dentro da economia. O segundo aspecto a abordar é a forma com que o sistema pode tornar compatível a oferta de recursos com a correspondente demanda. Em ambos os casos existem diferentes padrões de risco, retorno e prazos de maturação.

O trabalho de Triner (1996) aborda a evolução do sistema bancário brasileiro entre 1906 e 1930, procurando as relações entre desenvolvimento financeiro, industrialização e crescimento econômico. Suas conclusões são no sentido de confirmar a relação entre o funcionamento do sistema de intermediação financeira e o crescimento econômico, mostrando que existe uma relação mais forte com o crescimento industrial que com o do setor agrícola.

O estudo de Arraes e Telles (2000), que analisa as condições de crescimento econômico no país, se utiliza de dois modelos diversos. No primeiro modelo, a meta

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é comparar modelos de crescimento endógeno e exógeno, testando a hipótese de retroalimentação contínua nas variáveis que geram impacto no crescimento a longo prazo. O segundo modelo procura relacionar as variáveis produto per capita, tecnologia, capital físico e humano. No caso da tecnologia, o desenvolvimento financeiro foi considerado como variável exógena. Os autores concluem, após a análise de dados para estados do Nordeste e demais estados do Brasil, no período 1980/93, que em modelos com variáveis defasadas, existe uma relação positiva entre desenvolvimento financeiro e produto per capita, mas que esta relação é inversa no caso dos estados nordestinos, especialmente quando analisa uma defasagem de 20 anos entre as variáveis. Como o progresso tecnológico é sempre uma determinante do crescimento do produto per capita, há evidências que – mesmo no caso estudado – o desenvolvimento financeiro se integra ao crescimento econômico através do progresso tecnológico.

Por outro lado, Monte e Távora (2000) estudam o impacto dos financiamentos regionais do Banco do Nordeste, Sudene e BNDES sobre o crescimento do produto regional nos estados da região Nordeste. Os resultados comprovam a existência de uma forte relação entre os financiamentos das três fontes mencionadas e o ritmo de crescimento econômico experimentado pela região a partir de 1981 até 1998.

Por fim, Matos (2002) estuda a existência de uma relação entre o desenvolvimento financeiro e o crescimento econômico no Brasil no período 1947/2000, concluindo pela existência de uma relação significativa entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico.”

O autor afirma que os estímulos financeiros ao crescimento econômico ganham uma dimensão adicional quando se aborda a questão da confiabilidade institucional. Reformas que venham promover uma expansão no grau de confiança dos investidores internos e externos, que depositem sobre a estabilidade econômica e sobre a proteção oferecida a seus direitos, pela estrutura legal vigente no país, deverão sempre resultar em fatores de atração de um maior volume de recursos para a economia e, conseqüentemente, maior crescimento econômico.

Aspectos a destacar

A revisão da literatura destaca alguns dos aspectos mais importantes que se acham presentes neste estudo.

Em primeiro lugar, considerando as contribuições de autores estrangeiros e as evidências empíricas colhidas por pesquisadores brasileiros, fica claro que existe uma relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico. A maioria dos trabalhos empíricos demonstra que esta relação é direta, ou seja, que o desenvolvimento financeiro se constitui em uma alavanca para o crescimento econômico.

Por outro lado, existem também contribuições que procuram relacionar o ambiente legal e institucional com o desenvolvimento financeiro e este com o crescimento econômico. Fica claro que os diferentes autores que se ocuparam desse tema mostram uma íntima relação entre respeito ao direito de investidores, internos

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e externos, o arcabouço legal existente num dado país e o grau de desenvolvimento financeiro que pode ser alcançado.

Outro ponto coberto pelos estudos já realizados sobre o assunto se refere à relação entre o nível de capitalização requerido por empresas situadas em setores de uso mais intenso de tecnologia e o grau de desenvolvimento financeiro atingido por um determinado país. Quando se trata de atrair setores de densidade tecnológica maior, que – por sua própria característica – exigem um maior volume de investimentos, o patamar atingido pelos mercados financeiro e de capitais de uma dada economia se constitui num elemento relevante. Apenas países dotados de um apreciável nível de desenvolvimento financeiro poderão contar com setores de elevado grau de capitalização com desempenho superior ao revelado por setores que requerem menor grau de capitalização.

No entanto, o que não se acha coberto pelas contribuições analisadas diz respeito ao formato do desenvolvimento financeiro em si mesmo. Não se localizou, na literatura estudada, dados que permitam realizar a comparação entre os mercados financeiro e de capitais quanto à sua contribuição para o desenvolvimento financeiro.

Economias mais desenvolvidas, como as dos Estados Unidos e Inglaterra apresentam mercados de capitais muito ativos, o que permite oferecer às empresas formas distintas de acesso aos recursos requeridos para o crescimento econômico. Por outro lado, em alguns países europeus e no Japão, ainda predomina a presença de um mercado financeiro forte, como elemento essencial do desenvolvimento financeiro.

Em suma, não existe nenhuma indicação no sentido de que exista uma tendência de aumento da desintermediação financeira na medida em que o desenvolvimento financeiro avança e parcelas maiores dos requisitos de capital das empresas passam a ser supridos pelo mercado de capitais.

Outro ponto importante reside na composição do sistema financeiro. Nos países mais desenvolvidos do hemisfério norte (Estados Unidos, países da Comunidade Econômica Européia e Japão), o mercado financeiro e o mercado de capitais são essencialmente privados, enquanto que no caso de países emergentes, como a Coréia e mesmo a China, a presença do Estado no mercado financeiro é um ponto essencial.

Em ambos os sentidos, faz-se necessário analisar a evolução histórica recente dos dois mercados no Brasil, para procurar determinar em que medida a economia brasileira está caminhando para um modelo de desenvolvimento mais aberto, com maior ou menor grau de intermediação financeira e com maior ou menor presença do Estado como financiador das atividades econômicas.

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Aspectos Negociais do Plano de Contas

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta*

* Luiz Alberto M. de Carvalho é mestre em Teoria Econômica pela PUC-SP. Pós-graduado em Economia Inter-nacional pela Columbia University (NY). Professor do MBA Executivo da FAAP. Empresário de consultoria em Agronegócios. [email protected]. Marcio Lopes Pimenta é mestre em Administração de Empresas. Doutorando em Engenharia da Produção. Professor da Universidade Federal de Itajubá. Consultor em Agronegócios.

Resumo: Atualmente o plano de contas é um aparato fundamental para diversas atividades contábeis e gerenciais dentro das organizações, incluindo: analisar projetos, granjear investidores, obter empréstimos, gerenciar andamento de operações. Garantir a solvência da operação é uma situação desejada atualmente nas empresas, entretanto, nem todos os formatos de planos de contas permitem flexibilizar controles com base nas operações específicas do negócio em questão. Este artigo visa fomentar a discussão para aproximar a contabilidade do negocial, adaptando o plano de contas a alguns exemplos de operação em que o ciclo de produto varia. São apresentados exemplos ilustrativos de operações com ciclos produtivos curto e longo, que denotam a percepção de que o plano de contas pode, se orientado por atividades, demonstrar ‘o que’ de fato ocorreu, norteando mais claramente o processo de tomada de decisão.

Palavras chave: plano de contas, ciclo de produto, contabilidade, aspectos negociais

Abstract:Presently, account chart is an essential apparatus to many accounting and managerial matters. This includes project analysis, getting capital investment, applying for lances, operations managing. To guaranty operation balance is a current goal in any enterprise. Account charts, however, not always offer enough flexibility to control specific operations. This article tries to improve the discussion towards to align accounting and business point of view. For doing so, account charts were adapted to some short or long production cycles operations in order to show that the account chart, based on activities, can present what has actually occurred, which helps in decision making process.Keywords: chart of account, product cycle, accounting, business pont of vew

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124

Introdução

Existe uma dicotomia entre o que a contabilidade oferece e o que o administrador precisa saber, seja ele da área de marketing, produção ou finanças (CUPERTINO, 2004). Pricing depende da contabilidade de custos, seja via markup, seja via observação de mercado (KOTLER e KELLER, 2006), enquanto a contabilidade de custos depende intimamente do plano de contas (MARTINS, 2003). Nesta mesma ótica, administração da produção depende da contablidade de custos para tomar

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decisões sobre processos e produtos, assim como na assunção da inovação como meta. O administrador financeiro, por sua vez, precisa dos índices que também são fornecidos pelo plano de contas, pois é a posição em que as contas se encontram que os determina, portanto, disso depende a acurácia das decisões, seja de orçamento, seja de investimento.

A dicotomia reside em que, sejam as demonstrações orientada por solidez, como na primeira metade do século XX (RICHARD, 1995); por liquidez, mais frequente de lá para cá, de acordo com a lei 6404/76 (TEIXEIRA, 2001); por atividade ou processo, que parece ser a tendência (GOMES, 2004; AZEVEDO, CARVALHO e GOMES, 2008), dificilmente compreendem os aspectos negociais da entidade analisada.

O mundo vive a ditadura da liquidez, pois, seja para analisar projetos, seja para granjear investidores, seja para obter empréstimos, o que vale a capacidade de a empresa pagar suas contas em um dado prazo, ao contrário dos tempos em que o que valia era a solidez, ou seja, a possibilidade de o patrimônio garantir a solvência da operação (TEIXEIRA, 2001).

Exemplo da dissociação entre os anseios dos investidores e a apresentação das contas é que, quanto mais específicas forem as matérias-primas, menor será sua liquidez, mesmo assim, os itens especiais não são discriminados entre as contas de almoxarifado, tendo o mesmo peso no ativo circulante. Indo mais adiante, meio avião não vale a metade de um avião, ou seja, a simples transferência de recursos (mão-de-obra, uso de máquinas, matéria-prima e serviços de terceiros) de uma conta para outra não faz com que o dispêndio de recursos representem maior liquidez. Um rolo de chapa de alumínio tende a ser comercialmente muito mais líquido que uma asa pela metade. Neste exemplo, a adição de mão-de-obra e uso de máquinas, ao contrário, torna o bem menos vendável. Mais notório é o problema na agricultura, pois, além de não estar certo do preço por que venderá a mercadoria, o produtor não sabe sequer qual será a quantidade produzida.

Nem mesmo a conta de mercadorias pode sempre ser considerada como de maior liquidez, haja vista que há empresas que trabalham sob encomenda, partindo de matérias-primas consideradas como commodityes, e, mesmo que o produto esteja acabado, pode transformar-se emsucata, caso não se cumpra o contrato que o gerou, mesmo que haja indeninzações previstas. Tudo isso se reflete no restante da administração da empresa, mais obviamente no que é financeiro, porém, extendendo-se a todos os seus demais aspectos.

Este artigo visa fomentar a discussão para aproximar a contabilidade do negocial, adaptando o plano de contas a alguns exemplos de operação em que o ciclo de produto varia. Na segunda seção, apresenta-se um exemplo fictício de operação com ciclo curto de produto, enquanto que, no terceiro, apresentam-se algumas alternativas para apresentação das contas em empresas cujo ciclo de produto seja longo.

Quando o ciclo de produto é curto

Empresas como tecelagens têm ciclo de produto muito curto, ou seja, entre a matéria-prima entrar em processo e transformar-se em produto acabado o tempo é tão curto que a conta de produto em elaboração tem valor ínfimo, se comparado

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à de almoxarifado e à de mercadorias e, principalmente, em função da conta de custos das mercadorias vendidas (CMV). Mesmo assim, alguns itens resultantes de suas etapas de produção simplesmente não têm valor, como pode se ver no quadro 1, onde, no campo ‘valor’, N representa itens não vendáveis e S vendáveis.

Etapa Input Processo Output Valor

1 algodão em pluma e fibras sintéticas

Linha de Abertura Manta N

2 Manta Cardagem Véu N3 Véu Passador Mecha N4 Mecha Filatório Fio S5 Fio Tear Tecido Cru S

6 Tecido Cru TingimentoTecido

Tingido S

Fonte: Elaborado pelos autoresQuadro 1 Bens relacionados por etapa produtiva.

Há outros casos em que, apesar de o ciclo de produto ser curto, formou-se um mercado secundário, como no automobilístico, pois as peças, a partir de uma determinada condição, realmente podem ser encaradas como produtos acabados de reposição. Exemplos disso são capôs, portas, para-lamas e outros não adquiridos de terceiros. Mesmo assim, há pontos em que esse exemplo enquadra-se perfeitamente no anterior. Um capô, por exemplo, leva quatro operações (corte, estampa, dobra, solda e tratamento de superfície). Ele só adquire valor comercial a partir do quarto passo, sendo valorizado como sucata na prática, nos três primeiros, por menor que seja a probabilidade de o processo interromper-se ali de fato.

Fazer os itens intermediários transitarem pelo estoque só é possível desde que haja interrupção no processo sem prejuízo do produto em si. No caso da tecelagem (exceto confecção), são os itens que contém S na quarta coluna da tabela acima; fios, tecidos crus e tecidos acabados, sendo o último obviamente item de mercadoria. Mesmo assim, se o fio destinar-se a um tecido exclusivo, não poderá enquadrar-se nesse rol, posto que não possui mercado próprio.

Uma maneira interessante parece ser adaptar o plano de contas por atividade, ou seja, distinguindo-se a etapa e o modelo dela resultante, caso haja um (BACKEs et al, 2009). No exemplo em questão, o dispêndio com a linha de abertura, cardagem, formação de mechas e fiação acabarão por compor uma só atividade, que é a fiação, tendo como último nível o item a ser produzido. O controler poderá, então, provisionar valor correspondente ao risco de perfórmance dos contratos que, porventura, os tenham gerado. Essa provisão reduzirá o saldo no ativo, adequando os cálculos dos índices mais usados pelos administradores financeiros, permitindo-lhes estimar melhor os riscos de seu negócio. O quadro 2 mostra um exemplo de plano de contas para processos simples de tecelagem. Como tratamos não apenas de

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contas tradicionais do plano de contas utilizamos a nomenclatura de grau ao inves de nível, de modo a evidenciar aspectos multi-dimensionais envolvidos nas operações.

Note-se que a inversão das contas que, geralmente, iniciam-se pelos clientes no realizável, ao contrário de prejudicar o cômputo dos principais índices financeiros, por exemplo, dá uma idéia muito mais precisa do que a empresa faz, sendo mesmo um passo para o plano de contas baseado em atividades.

grau 1 grau 2 grau 3 grau 4 grau 5 descrição1 Ativo1 1 Ativo Circulante1 1 1 Disponibilidade1 1 1 1 Caixa1 1 1 1 1 Caixa Central1 1 1 2 Bancos1 1 1 1 Aplicações de Curto Prazo1 1 2 Realizável a Curto Prazo1 1 2 1 Almoxarifado1 1 2 1 1 Algodão1 1 2 1 2 Poliester em microfibras1 1 2 2 Produtos em Elaboração1 1 2 2 1 Fiação em Anel1 1 2 2 2 Fiação Open End1 1 2 2 3 Tecelagem de Brim1 1 2 2 3 Tingimento1 1 2 3 Mercadorias1 1 2 3 1 Fios Comuns1 1 2 3 2 Fios Especiais1 1 2 3 3 Brim Cru1 1 2 3 4 Brim Tingido1 1 2 4 Clientes

Fonte: Elaborado pelos autoresQuadro 2 exemplo fictício de plano de contas para a tecelagem

Produtos de Ciclo Longo

Dizer que um produto tem ciclo longo simplesmente não dá a real idéia do que aqui se vai tratar. A construção de um prédio, por exemplo é de ciclo longo para qualquer efeito, pois costuma ultrapassar um exercício. O mesmo acontece com a de um navio ou a de um avião, porém, há produtos de ciclo anual que se podem considerar como longo, como é o caso da agricultura, especialmente porque são regidos pela Natureza, cujo ciclo não coincide com o ano fiscal, especialmente no Brasil, haja vista que, em outros países, pode findar em qualquer mês do ano. Nos Estados Unidos, por exemplo, o exercício varia conforme os interesses da empresa (SOUZA; MELHADO, 2008). Em complemento, Jaruga e Szychta (1997, p.509) destacam que na legislação polonesa a partir de 1990 “business entities (apart from those in the budgetary sector and banks) develop individually their own plans of accounts which are best suited to financial reporting and management accounting purposes”.

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O café brasileiro, por exemplo, é colhido de maio a setembro, enquanto o preparo da safra seguinte se dá a partir do fim da colheita, quando recomeçam as chuvas. O milho safrinha, ao contrário, tem seu ciclo dentro do mesmo exercício, pois começa no fim da colheta da soja (fim de janeiro a início de abril), sendo colhido no início do período de seca (de maio a junho). Seu ciclo tem entre noventa e cento e dez dias, dependendo da precocidade da variedade empregada. Já a soja, mesmo pertencendo à classe da lavoura branca como o milho, visto que tem de ser replantada anualmente, tem seu ciclo limitado pelo vazio sanitário, ou seja, muito embora seu ciclo seja de noventa a cento e vinte dias, não se pode plantar duas vezes ao ano para que as enfermmidades não se propaguem irremediavelmente. Assim, a soja fatalmente passa de um exercício para o outro, acumulando saldo visível na conta de produtos em elaboração no balanço anual, ao contrário do milho safrinha ou algodão, cujo custo só se apresenta nas contas de resultado como CMV (custo das mercadorias vendidas). Cabe lembrar que a conta de estoque pode sim carregar valores de um ano para o outro, dependendo da disponibilidade do produtor e dos contratos de entrega futura ou de “warranty” sobre eles firmados, o que não é alvo deste artigo.

Para efeito deste estudo, considerar-se-á o ciclo ser curto ou longo consoante o peso que o saldo de produtos em elaboração possa ter sobre a conta de CMV para o mesmo item, o que, por si só já requer a sua separação nas contas de resultado, como no exemplo a seguir.

Grau 1

Grau 2

Grau 3

Grau 4

Grau 5

Descrição Débito/Crédito

3 Resultado do Exercício Saldo3 1 Resultado Operacional Saldo3 1 1 Resultado com Soja Saldo3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo3 1 1 1 1 Vendas de Soja Crédito

3 1 1 1 2Redutores de Receita com

Soja Débito3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito3 1 1 2 3 Insumos para Soja Débito

3 1 1 2 4Serviços contratados para

Soja Débito3 1 2 Resultado com Milho Saldo3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo3 1 2 1 1 Vendas de Milho Crédito

3 1 2 1 2Redutores de Receita com

Milho Débito3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito3 1 2 2 3 Insumos para Milho Débito

3 1 2 2 4 Serviços contratados para Milho DébitoFonte: elaborado pelos autoresQuadro 3 Contabilização em ciclos longo e curto

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124

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120 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

No exemplo acima, vê-se uma particularidade, o abandono das fórmulas que se ensinam como aplicáveis às demonstrações de resultado, fazendo com que o próprio mecanismo de débito e crédito redunde na apuração de forma explícita. O maisusual, é que o produto em elaboração fique no ativo como nos exemplos a seguir, igualmente elaborados pelos autores. Note-se que, em ambos, já houve a preocupação em separar os itens de almoxarifado, tal que alguns deles possam ser excoimados em possíveis análises, consoante serem específicos para a planta em questão. Aqui representaram-se pelos fertilizantes formulados, já que a fórmula em si depende da decisão de plantio, bem como da análise de solo, o que dificilmente será aplicável a outro produtor.

Grau 1

Grau 2

Grau 3

Grau 4

Grau 5

Descrição Débito/Crédito

1 Ativo Saldo1 1 Ativo Circulante Saldo1 1 1 Disponibilidade Saldo1 1 1 1 Caixa Saldo1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo1 1 1 2 Bancos Saldo1 1 1 2 1 Banco Bradesco Saldo1 a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo1 1 2 Realizável Saldo1 1 2 1 Almoxarifado Saldo1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo1 1 2 1 2 Insumos Saldo1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo1 1 2 1 5 Peças Saldo1 1 3 Atividade em Andamento Saldo1 1 3 1 Soja Saldo1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Saldo1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Saldo1 1 3 1 3 Insumos para Soja Saldo

1 1 3 1 4Serviços Contratados para

Soja Saldo1 1 3 2 Milho Saldo1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Saldo1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Saldo

3 Insumos para Milho Saldo

1 1 3 2 4Serviços Contratados para

Milho Saldo1 1 4 Estoque Saldo

Fonte: elaborado pelos autoresQuadro 4 Plano de Contas não Acumulativo para produtos em Elaboração

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Note-se que, no exemplo acima, durante a colheita, creditam-se os valores contidos nos fatores de produção (Mão-de-obra, mecanização, insumos e serviços contratados), debitando-se o estoque de mercadorias, o que reduz o saldo conta a conta, de sorte que os custos relativos a uma safra não contaminem os registros vindouros. Seu defeito, porém, é perder o histórico, haja vista que, assim que os fatores de produção são creditados e o estoque é debitado, o saldo torna-se zero em todos eles.

Grau 1

Grau 2

Grau 3

Grau 4

Grau 5

Descrição Débito/Crédito

1 Ativo Saldo1 1 Ativo Circulante Saldo1 1 1 Disponibilidade Saldo1 1 1 1 Caixa Saldo1 1 1 1 1 Caixa Central Saldo1 1 1 2 Bancos Saldo1 1 1 2 1 Banco Bradesco SaldoA a a 3 Aplicações a Curto Prazo Saldo1 1 1 3 1 Títulos Públicos Saldo1 1 2 Realizável Saldo1 1 2 1 Almoxarifado Saldo1 1 2 1 1 Fertilizantes Formulados Saldo1 1 2 1 2 Insumos Saldo1 1 2 1 3 Combustíveis Saldo1 1 2 1 4 Material de Consumo Saldo1 1 2 1 5 Peças Saldo1 1 3 Atividade em Andamento Saldo1 1 3 1 Soja Saldo1 1 3 1 1 Mão-de-Obra para Soja Débito1 1 3 1 2 Mecanização para Soja Débito1 1 3 1 3 Insumos para Soja Débito

1 1 3 1 4Serviços Contratados para

Soja Débito1 1 3 1 5 Produção de Soja Crédito1 1 3 2 Milho Saldo1 1 3 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito1 1 3 2 2 Mecanização para Milho Débito

3 Insumos para Milho Débito

1 1 3 2 4Serviços Contratados para

Milho Débito1 1 3 2 5 Produção de Milho Crédito1 1 4 Estoque Saldo1 1 4 1 Lavoura Branca Saldo1 1 4 1 1 Soja Saldo1 1 4 1 2 Milho SaldoFonte: elaborado pelos autoresQuadro 5 Plano de Contas com Valores Acumulativos para Produto em elaboração

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122 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

No exemplo acima, os valores vão-se acumulando, safra a safra, desde o início da atividade, de sorte que a transferência para estoque dar-seá pelo saldo da atividade no momento da colheita num só lançamento, prejudicando a análise horizontal do balanço no que tange à evolução dos custos de produção.

No exemplo a seguir, denota-se a preocupação com o fato de o investimento estar em alto risco enquanto não se transformar em produto final, além de, para efeito de custo, por não se poder antever a produtividade, considerar o quanto da safra atual poderá ser financiada pela safra anterior. Isso decorre de que as contas 3.1.1.2.6 (CMV com Soja) e 3.1.2.2.6 (CMV com Milho) apresentarem-se valores obtidos na safra anterior.

Grau 1

Grau 2

Grau 3

Grau 4

Grau 5

DescriçãoDébito/Crédito

3 Resultado do Exercício Saldo3 1 Resultado Operacional Saldo3 1 1 Resultado com Soja Saldo3 1 1 1 Receitas com Soja Saldo3 1 1 1 1 Vendas de Soja Crédito

3 1 1 1 2Redutores de Receita com

Soja Débito3 1 1 2 Despesas com Soja Saldo3 1 1 2 1 Mão-de-Obra para Soja Débito3 1 1 2 2 Mecanização para Soja Débito3 1 1 2 3 Insumos para Soja Débito3 1 1 2 4 Serviços contratados para Soja Débito3 1 1 2 5 Produção de Soja Crédito3 1 1 2 6 CMV com Soja Débito3 1 2 Resultado com Milho Saldo3 1 2 1 Receitas com Milho Saldo3 1 2 1 1 Vendas de Milho Crédito

3 1 2 1 2Redutores de Receita com

Milho Débito3 1 2 2 Despesas com Milho Saldo3 1 2 2 1 Mão-de-Obra para Milho Débito3 1 2 2 2 Mecanização para Milho Débito3 1 2 2 3 Insumos para Milho Débito

3 1 2 2 4Serviços contratados para

Milho Débito3 1 2 2 5 Produção de Milho Crédito3 1 2 2 6 CMV com Milho Débito

Fonte: elaborado pelos autoresQuadro 6 Demonstração de Resultados com Foco em atividades

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No exemplo acima, a contaminação dos custos pelas safras anteriores não ocorre porque, no fim do exercício, as contas de resultado têm seu saldo extinto pela própria transferência do resultado aos produtos elaborados.

Conclusão

A padronização do plano de contas preconizado pela lei 11638/06 não pode esterilizar os registros contáveis a ponto de os controladores perderem a flexibilidade fornecida pela criatividade na ordenação das contas no que tange as análises financeiras, e de riscos de negócio. Pelo contrário, cabe ao controlador ordenar as contas para que as análises tornem-se mais transparentes e contínuas, haja vista que o risco não é constante ao longo do ano e que, talvez, não se possa esperar o fim do exercício para tomar uma decisão mais abrangente.

Na agricultura, que aqui foi mais explorada por estar mais próxima dos autores, o risco é agregado pela operação e pelo mercado. No momento da decisão por plantar, é a soma dos dois. Enquanto a lavoura está exposta às intempéries aguardando a colheita, o risco de operação parece ser decrescente, chegando ao de mercado a partir do momento em que os grãos entram no silo. Por causa disso – sendo que há atividades de ciclo muito maior que o dos grãos na agropecuária– o emprego de um plano de contas baseado em atividades parece ser de importância significativa, especialmente, se o ciclo de produto justificar, como parece ser o caso da pecuária de corte em que, entre a inseminação da vaca e o abate, podem-se passar três anos.

A construção civil, por si só é tema para um novo artigo, tantos e tão variados são os tipos de contratação. Mesmo assim, algo parece claro, pelo menos, quando se trata de contratos em que o pagamento deve ser feito por medição. Em outras palavras, a empresa recebe conforme as etapas ficam prontas. O plano de contas poderá, se orientado por atividades, demonstrar o que de fato ocorreu, norteando mais claramente as decisões a tomarem-se.

Resumindo, quanto mais descritivo da operação for o plano de contas, mais apuradas serão as decisões dos administradores, seja de que áreas forem. Quanto menor for a necessidade de controles paralelos, menor será a falta de comunicação entre os diversos setores da empresa.

Aspectos Negociais do Plano de Contas, Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e E Márcio Lopes Pimenta, p. 115-124

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Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa

do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa

Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos∗

∗ Maria do Carmo Whitaker é consultora em ética nas organizações, organizadora do site www.eticaempresarial.com.br e Professora do Curso de Ciências Econômicas da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP. E-mail: <[email protected].> José Maria Rodriguez Ramos é Prof.essor dos Cursos de Ciências Econômicas e de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da FAAP. E-mail:< [email protected]>

Resumo:O presente trabalho pretende mostrar que a Ética está acima e é mais abrangente que os valores adotados pelas melhores práticas de Governança Corporativa. A empresa que deseja se envolver com a Governança Corporativa para atrair maiores investimentos e ser bem sucedida em seu desempenho financeiro deve, também, estar preocupada com a adoção dos critérios éticos para atingir o seu fim. Não basta que sejam adotadas práticas de alto nível no âmbito contábil e financeiro das organizações, se a empresa como um todo, não estiver sintonizada com a preocupação de permear todas as suas áreas de critérios e práticas éticas. São analisados os princípios e valores éticos, bem como as linhas mestras das melhores práticas da Governança Corporativa adotadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Conclui-se que é imprescindível colocar acima das melhores práticas os princípios e valores éticos que atingem todas as pessoas com as quais a empresa se relaciona. É a Ética e não somente a Governança Corporativa que permitirá à empresa atingir seu fim e deixar um rastro de imagem sólida no mercado.

Palavras chaves: Ética, Governança Corporativa, Melhores Práticas, Gestão Financeira e Contábil

Abstract:The present paper intends to show that Ethics are above and more inclusive than the values utilized by even the best practices in Corporative Governance. The company that desires to involve itself with Corporative Governance in order to attract greater investments and be successful in its financial performance must also be concerned with the adoption of the ethical criteria necessary to reach its goal. It is not enough to apply high level practices and criteria in the financial areas if the company, as a whole, is not concerned with using ethical practices and criteria in all of its areas. The ethical principles and values will be analyzed, as well as the guide lines to the most successful Corporative Governance practices used by the Brazilian Institute of Corporative Governance. This analysis will make it possible to conclude that it is essential to place ethical principles and values that reach all the people the company has contact with, above Corporative Governance practices.

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133

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It is Ethics, and not only Corporative Governance, that will allow the company to reach its objective while also establishing a solid image in the marketplace.

Key words: Ethics, Corporat ive Governance, Best Practices, Financial Management

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo mostrar que assim como o ser humano sempre almeja metas mais elevadas para se realizar, a empresa também procura se superar para sobreviver e enfrentar a concorrência.

A empresa que adota as melhores práticas de Governança Corporativa e por isso está propensa a atrair maiores investimentos e ser bem sucedida em seu desempenho financeiro deve, também, estar preocupada com a adoção dos critérios éticos para atingir o seu fim.

Com razão observa Lynn Paine: “But no longer are companies judged by financial results alone. To be considered truly outstanding, companies today must than achieve superior financial results or meet impressive production targets. They must receive high marks not only from shareholders concerned with financial returns but also from other parties with whom they interact. And to do so, as we have seen, they must satisfy a mix of economical and ethical criteria” (2003, p. 116).

Nessa era de globalização, em que a vida das pessoas está mudando dentro e fora das empresas, tem sido crescente a competição instalada em todos os segmentos da sociedade e a pressão sobre os indivíduos tem aumentado de modo significativo. Assim, não basta que sejam adotadas práticas de alto nível no âmbito contábil e financeiro das organizações, se a empresa como um todo, não estiver sintonizada com a preocupação de permear todas as suas áreas de critérios e práticas éticas.

Em outras palavras, a conduta ética deve ser a preocupação maior da empresa porque ela tem a ver diretamente com a realização do ser humano. Quando se faz referência à empresa fala-se de um ente abstrato, mas tem-se consciência de que ela é formada por indivíduos e são esses mesmos indivíduos que fomentarão na organização, as práticas dos melhores padrões de informações financeiras e contábeis e imprimirão ou não, um caráter ético à organização.

A criação de uma cultura ética em uma empresa não é algo com que a maioria dos administradores tenha experiência. É fácil cometer erros. Infelizmente, erros éticos não podem ser desfeitos com a mesma facilidade que erros econômicos. Aguilar oferece um bom exemplo ao comentar que, enquanto “uma perda operacional de dez milhões de dólares é compensada por um ganho de dez milhões [...] o registro das falhas éticas tende a ser escrito com tinta indelével” (1996, p. 37).

Neste trabalho serão analisadas as linhas mestras das melhores práticas da Governança Corporativa, adotadas pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, para concluir que aliadas a outros princípios e valores éticos permitirão à empresa atingir o seu fim e deixar um rastro de imagem sólida no mercado.

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Ética e governança corporativa

A ética nas organizações e o compromisso com os valores éticos dentro das empresas é um tema que vem adquirindo particular relevância e destaque nos últimos anos, tanto academicamente quanto no mundo empresarial e na sociedade como um todo. Em função do crescente espaço e importância que têm sido atribuídos aos valores éticos torna-se necessário estabelecer alguns parâmetros iniciais para analisar o tema.

A questão ética na empresa não passará de um modismo caso a adoção de valores éticos não esteja fundamentada em uma perspectiva filosófica que justifique o porquê e a importância de introduzir valores éticos nas empresas e na Governança Corporativa.

Os valores éticos nas organizações não deveriam ser vistos como um conjunto de regras que podem contribuir para o resultado econômico da empresa, mas como algo que representa um valor em si, independentemente do resultado econômico da empresa.

A questão ética surge na Grécia clássica como uma explicação filosófica da vida feliz, da vida boa, que vale a pena ser vivida, como ilustra, por exemplo, Platão nos seus diálogos Alcibíades, Fédon e Ménon. O elemento econômico é um fator fundamental para a vida, porém pode não contribuir para uma vida boa e feliz caso os resultados econômicos sejam obtidos à margem dos valores éticos.

No momento em que a ética se torna um modismo nas organizações há o perigo de que seja instrumentalizada para fins econômicos. Nesse sentido torna-se necessário adotar, como ponto de partida, que os valores éticos são fundamentais para a plena realização das pessoas como seres humanos no interior das organizações. A inversão de valores, ou a subordinação dos valores éticos aos interesses econômicos pode produzir melhores resultados econômicos para as empresas, porém nunca será capaz de contribuir para a realização das pessoas como seres humanos.

O desempenho econômico de uma empresa, medido em termos de lucro, participação do mercado, volume de negócios ou através de qualquer outro indicador econômico diz respeito a um resultado fundamental e necessário para a sobrevivência e continuidade da empresa. Entretanto, em caso de conflito, os valores éticos devem prevalecer, uma vez que a perspectiva ética é mais importante, na ordem dos fins da vida humana, do que o resultado econômico.

Há muitas maneiras de traduzir os valores e princípios éticos para a vida das empresas. A discussão das diversas perspectivas éticas para as organizações é uma questão que foge ao objetivo deste trabalho sem, no entanto, poder ser deixada de lado. Uma perspectiva ética que se tem revelado particularmente frutífera para as organizações é a ética aristotélica. As obras de Tom Morris (1998) e Robert Solomon (2000) dão referências de como a ética aristotélica pode ser introduzida na vida das empresas.

De acordo com Aristóteles a vida feliz consiste em viver conforme a virtude. Partindo da premissa de que toda atividade humana tem um fim, Aristóteles examina no Livro I da Ética a Nicómaco qual é o fim da vida humana, concluindo que

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores..., Maria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos, p. 125-133

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128 Estratégica, vol.9(08), junho.2010

a virtude é um modo de ser pelo qual a pessoa se torna boa, realiza a sua função e é feliz.

A virtude concretiza ainda mais Aristóteles no Livro II, é um modo de ser da reta razão que se adquire pela repetição de atos de virtude, isto é as virtudes são adquiridas como resultado de ações exteriores. Ou seja, e resumindo o pensamento aristotélico, a vida feliz é a vida virtuosa e a vida virtuosa é alcançada pela prática constante de atos de virtude. As virtudes, portanto, são os princípios e valores que devem presidir o relacionamento e a vida humana em todos os seus âmbitos: econômico, social, político. Retorna-se, assim, a ponto de partida de que a ética é um valor em si e de que os valores éticos devem ser preservados em todos os aspectos da vida humana, também no campo econômico.

Embora estes comentários sobre a perspectiva aristotélica possam parecer distantes do tema “Ética e Governança Corporativa”, estão muito próximos ao se considerar que a Governança Corporativa está fundamentada em relacionamentos, entre pessoas e grupos de pessoas, que representam os interesses das organizações. As virtudes devem presidir esses relacionamentos. No caso do Código das Melhores Práticas da Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, as virtudes que merecem especial destaque são: a equidade, a transparência e a prestação de contas. Esta última pode ser analisada como uma consequência da responsabilidade.

Para se entender como a ética, através das virtudes, está presente na Governança Corporativa, é preciso em primeiro lugar definir bem os termos e conceitos envolvidos.

Governança Corporativa consiste nas práticas e nos relacionamentos entre os Acionistas ou Cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal, com a finalidade de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital. Para João Bosco Lodi “é um novo nome que identifica o sistema de relacionamento entre esse público” (2000, p. 9).

A expressão Governança Corporativa é designada para abranger os assuntos relativos ao poder de controle e direção de uma empresa, bem como as diferentes formas e esferas de seu exercício e os diversos interesses que, de alguma maneira, estão ligados à vida das sociedades comerciais.

Governança Corporativa é valor, apesar de, por si só, não criá-lo. Isto somente ocorre quando ao lado de uma boa governança tem-se também um negócio de qualidade, lucrativo, bem administrado e permeado de princípios éticos. Neste caso, a boa governança permitirá uma administração ainda melhor, em benefício de todos os acionistas e daqueles que lidam com a empresa. O movimento de governança corporativa ganhou força nos últimos dez anos, tendo nascido e crescido, originalmente, nos Estados Unidos e na Inglaterra e, a seguir, se espalhando por muitos outros países (www.ibgc.org.br , acessado em maio/2003).

No Brasil, os conselheiros profissionais e independentes começaram a surgir basicamente em resposta à necessidade de atraírem capitais e fontes de financiamento para a atividade empresarial, o que foi acelerado pelo processo de globalização e pelas privatizações de empresas estatais no país.

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Hoje, o mercado de capitais, as empresas, os investidores e a mídia especializada já se utilizam habitualmente da expressão governança corporativa, mencionam e consideram as boas práticas de governança em sua estratégia de negócios. Um dos principais responsáveis por essa nova realidade é o IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.

Atualmente, diversos organismos e instituições internacionais priorizam a Governança Corporativa, relacionando-a com um ambiente institucional equilibrado, com a política macroeconômica de boa qualidade e, assim, estimulando sua adoção em nível internacional.

“Deve haver uma divisão de esforços entre diretores executivos e outros líderes, no processo de liderar e dirigir o trabalho e desempenho efetivo de uma corporação ou organização”. (BRANDÃO FILHO et al., 2001, p. 57).

A boa governança

A boa governança sugere que na gestão da empresa haja separação entre participação acionária e controle.

Na teoria econômica tradicional, a Governança Corporativa surge para procurar superar o chamado “conflito de agência”, presente a partir do fenômeno da separação entre a propriedade e a gestão empresarial. O “principal”, titular da propriedade, delega ao “agente” o poder de decisão sobre essa propriedade. A partir daí surgem os chamados conflitos de agência, pois os interesses daquele que administram a propriedade nem sempre estão alinhados com os de seu titular. Sob a perspectiva da teoria da agência, a preocupação maior é criar mecanismos eficientes (sistemas de monitoramento e incentivos) para garantir que o comportamento dos executivos esteja alinhado com o interesse dos acionistas. (www.ibgc.org.br, acessado em maio/2003)

A boa governança corporativa proporciona aos proprietários (acionistas ou cotistas) a gestão estratégica de sua empresa e a efetiva monitoração da direção executiva. As principais ferramentas que asseguram o controle da propriedade sobre a gestão são os Conselhos de Administração, a Auditoria Independente e o Conselho Fiscal. (www.ibgc.org.br acessado em maio/2003).

Outra contribuição à aplicabilidade das práticas de Governança partiu da Bolsa de Valores de São Paulo, ao criar segmentos especiais de listagem destinados a empresas com padrões superiores de Governança Corporativa. Além do mercado tradicional, passaram a existir três segmentos diferenciados de Governança: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. O objetivo foi o de estimular o interesse dos investidores e a valorização das empresas listadas.

Basicamente, o segmento de Nível 1 caracteriza-se por exigir práticas adicionais de liquidez das ações e disclosure. Enquanto o Nível 2 tem por obrigação práticas adicionais relativas aos direitos dos acionistas e conselho de administração.  O Novo Mercado, por fim, diferencia-se do Nível 2 pela exigência para emissão exclusiva de ações com direito a voto. Estes dois últimos apresentam como resultado esperado a redução das incertezas no processo de avaliação, investimento e de risco, o aumento de investidores interessados e, consequentemente, o fortalecimento do

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mercado acionário. Resultados que trazem benefícios para investidores, empresa, mercado e Brasil. (www.ibgc.org.br, acessado em 19/05/2010)

O IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa é um órgão criado com a meta principal de contribuir para otimizar o conceito de Governança Corporativa nas empresas do país. Ao assumir esta missão, o Instituto visa cooperar com o aprimoramento do padrão de governo das empresas nacionais, para seu sucesso e perpetuação. A boa Governança Corporativa assegura aos sócios: equidade, transparência, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa

Equidade

Aristóteles (1973, p. 324-325), afirma que em toda espécie de ação em que há o mais e o menos também há o igual. Enquanto o injusto é iníquo, o justo é equitativo; e como o igual é um ponto intermediário, o justo será um meio termo. E de acordo com Tomás de Aquino (1946, p. 233): “A equidade está ordenada para fazer triunfar a razão de ser da justiça e o bem comum, objeto próprio da justiça legal”.

Em termos de Governança Corporativa, pode-se dizer que o envolvimento entre os líderes da empresa, os integrantes do Conselho, os diretores, os auditores, membros do Conselho Fiscal e as diferentes classes de proprietários deve ser caracterizado pelo tratamento justo e equânime. Não se aceitam atitudes ou políticas discriminatórias.

Transparência

Transparente é aquilo que se deixa atravessar pela luz, é diáfano, translúcido, evidente, claro, dizem os dicionários1.O Código das Melhores Práticas do IBGC exige que o executivo principal (CEO) e a diretoria satisfaçam às diferentes necessidades de informação dos proprietários, do conselho de administração, da auditoria independente, do conselho fiscal, das partes interessadas (stakeholders) e do público em geral de modo transparente, sem ocultar nada que seja relevante para o bom andamento dos negócios. A 4ª edição do referido Código, editado em 2009, pretende basear este princípio em um clima de confiança, não somente entre o público interno das empresas , como também, em suas relações com terceiros.

Prestação de contas (accountability)

O relatório anual é a mais importante e mais abrangente informação da companhia, e por isso mesmo não deve se limitar às informações exigidas por lei. Envolve todos os aspectos da atividade empresarial em um exercício completo, comparativamente a exercícios anteriores, ressalvados os assuntos de justificada confidencialidade, e destina-se a um público diversificado.

Os agentes de governança (sócios, administradores, conselheiros de administração e executivos/ gestores), conselheiros fiscais e auditores) devem prestar contas de sua administração. E mais, esse dever se complementa com a

1 Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa do Jornal da Tarde. Ed. Globo S.A., São Paulo, S.P. 30ª ed.1993. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Cândido de Figueiredo, 13ª ed., 1947, W.M. Jackson, Inc. Rio de Janeiro,Brasil.

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demonstração de sua responsabilidade ao assumir as consequências de seus atos e omissões.

Responsabilidade Corporativa

A responsabilidade é uma virtude que faz com que a pessoa assuma as consequências pelos seus atos, sejam eles intencionais, resultantes, portanto, das decisões tomadas ou aceitas; ou não intencionais (ISAACS, 2000, p. 133). Assumir as consequências significa preocupar-se com a projeção desses atos em relação aos demais, isto é, se podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.

Em se tratando de empresas ou outras instituições, a responsabilidade pelos resultados, deve ser mais abrangente do que, simplesmente gerar lucros. Significa preocupar-se com a repercussão dos atos de cada um, em relação à própria empresa e aos stakeholders.

A 4ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa incluiu como responsabilidade das empresas, a sustentabilidade, de modo que as estimula a incorporarem considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.

Conclusão

As empresas devem ter a preocupação de que todas as suas atividades estejam permeadas por critérios e práticas éticas. A boa Governança Corporativa assegura aos sócios: equidade, transparência, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa. Esses valores devem ser assegurados não somente aos sócios, mas também a todos os stakeholders.

A equidade, por exemplo, deve fazer prevalecer à justiça não apenas no âmbito dos acionistas e no relacionamento entre eles e a diretoria, auditoria e conselheiros. A Justiça deve vigorar em todos os setores da empresa. Nenhum privilégio deve ser concedido, nenhuma informação privilegiada deve ser usada, nenhum abuso de poder deve ser praticado, nenhum ato desonesto enfim pode ser aceito, nas empresas que pretendem se pautar pela Ética.

A transparência e a clareza devem ser praticadas entre todos os colaboradores, clientes, fornecedores, concorrentes e não somente entre os acionistas, diretores e conselheiros. Nada que seja relevante para o bom andamento dos negócios deve ser ocultado. Ao mesmo tempo o sigilo e a discrição deverão ser preservados em todos os âmbitos da organização.

O quadro em que se desenvolve a empresa (sua situação econômica, financeira, comercial e políticas administrativas) deve ser divulgado entre todos os interessados na sua atuação. Assim como a responsabilidade deve ser uma virtude assumida por cada integrante da empresa, cada pessoa tem um papel a cumprir e o seu desempenho terá influência sobre o desempenho do demais. Todos e cada um são responsáveis por seus atos.

Com efeito, muitas pessoas passam grande parte do seu tempo nas empresas. É no convívio com os seus colegas de trabalho e com o público com o qual se relacionam em função deste trabalho, que se processa o desenvolvimento pessoal

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e a realização profissional de cada um. A realidade do dia-a-dia é de uma riqueza incomensurável, por meio da qual a pessoa cresce, corrige os erros tirando deles experiência, amadurece, descobre valores, exercita-se na prática desses valores.

Uma virtude, em essência, é um valor incorporado e moldado como ação (SOLOMON, 2000, p.103). As virtudes resultam de hábitos, e estes da prática contínua dos mesmos atos. Quem adquire bons hábitos pelo exercício constante de boas práticas, torna-se uma pessoa íntegra, virtuosa, e a prática das virtudes é fundamental e se encontra na base da boa Governança Corporativa.

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Resumos de MonografiaValores e Proteção Social do

Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar

Social*

Vanessa Martines Cepellos*

* Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica,”Valores e proteção social do idoso: proposta de índice experimental de bem-estar social”, apresentada, em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado sob a orientação da Profª Drª Eloísa Helena de Souza Cabral, tendo sido apresentada também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009.

* Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Pen-teado-FAAP no ano de 2009 e atualmente atua como Professora Auxiliar de Ensino em Tempo Integral na mesma Instituição.

Email: [email protected]

Resumo:Este artigo aborda ações direcionadas para a população idosa brasileira, desenvolvidas por órgãos públicos, empresas privadas e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); sugere indicadores sociais que identificam os principais valores e circunstâncias que influem na qualidade de vida dos idosos. São examinadas questões consideradas pertinentes e atuais para a discussão, tais como: a tendência demográfica, os valores, o bem-estar social e a gestão intersetorial de políticas públicas. O estudo buscou identificar quais os valores implícitos nos programas e projetos sociais desenvolvidos intersetorialmente que influenciam as escolhas dos idosos, e como essas escolhas determinam as condições de qualidade de vida dessa população.

Palavras-chave: Idoso. Bem-estar social. Intersetorialidade

Abstract:This article deals with activities aimed at the brazil ian elderly population, developed by public agencies, private companies and Civil Society Organizations of Public Interest (OSCIP) suggests social indicators that identify the core values and circumstances that influence the quality of life for seniors. Relevant and current issues are considered for discussion, such as the demographic trend, values, social welfare and management of intersectoral public policies. The study sought to identify which e values are implicit in social programs and projects developed intersectorally influencing the choices of the elderly, and how those choices determine the conditions of quality of life for this population.

Keywords: Elderly. Welfare. Intersectoral

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Introdução

Atualmente, muito se discute acerca do aumento de expectativa de vida no Brasil e do impacto que esse aumento pode causar na sociedade brasileira. Nos últimos 46 anos a expectativa de vida saltou de 54,6 anos para 72,3 anos, sendo registrado, em 2006, um aumento de 32,4%. Estudos populacionais indicam que a projeção da população aponta para um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050. Este fato denota o processo de envelhecimento da população brasileira e se deve a diversos fatores, dentre ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da medicina e dos meios de comunicação (IBGE, 2008).

Diante dessa conjuntura, é fundamental que toda a sociedade se atente e acompanhe esse processo de transição demográfica. Esse quadro requer a busca de alternativas que proporcionem qualidade de vida e bem-estar aos anos conquistados e sugere uma maior atenção com esse contingente de idosos por parte dos órgãos governamentais, dos movimentos e associações da sociedade civil. A partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, e posteriormente com a Política Nacional dos Idosos e o Estatuto do Idoso, essa população vem sendo alvo de maiores cuidados. A responsabilidade do Estado em assegurar condições dignas de sobrevivência se estende à iniciativa privada, a qual atua na proposta de ações sociais, por meio da responsabilidade social, e às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), cabendo a esses setores iniciativas na lógica da solidariedade.

Desta maneira, as ações acontecem por meio de uma nova forma de gerir serviços com a atuação dos mais diversos atores da sociedade. A intersetorialidade se faz necessária nessa sociedade em constante transformação e na qual diversos setores buscam respostas aos problemas da vida moderna. Ações articuladas têm como objetivo agrupar energias e recursos visando ao bem comum, norteadas pelas necessidades do público-alvo e transpondo fronteiras setoriais. As propostas dessas ações e seus valores são revelados na missão das Instituições públicas, privadas e do Terceiro Setor que, para Cabral (2007), representa a razão de ser da organização e aponta para onde os esforços devem ser direcionados. A missão reflete a maneira como uma questão social se apresenta à sociedade e revela os valores que deverão ser alcançados mediante o processo de gestão. Nessa linha, a análise da missão dos programas e projetos sociais englobados na pesquisa de campo realizada subsidiou o estudo em questão.

1 Idosos e as ações intersetoriais

Segundo a definição legal da Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994) e pelo Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003), é considerado idoso o indivíduo com 60 anos ou mais. No Brasil, em 2007, havia aproximadamente 20 milhões de idosos, representando 10,5% do total da população (IBGE, 2007). Nos próximos anos a população de idosos será ainda maior, a projeção da população sinaliza um efetivo de 34,3 milhões de idosos em 2050 no país (IBGE, 2008). Esse aumento gradativo da população de 60 anos ou mais indica o processo de envelhecimento populacional que se deve, principalmente,

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ao adiamento da mortalidade por conta dos avanços da medicina e dos meios de comunicação.

Como analisa Maltempi (1999), este é um quadro novo que apresenta o Brasil, não mais como um país de jovens, mas sim, com grande número de idosos. A autora chama a atenção para a criação de alternativas de qualidade de vida e bem-estar à essa população de idosos e sugere maior atenção tanto do governo, como da sociedade, das empresas e das famílias. Deve-se cogitar, portanto, uma trajetória de envelhecimento bem-sucedida que, de acordo com Guerreiro e Rodrigues (1999, p.53), faz com que se pense sobre o ideal de manutenção da autonomia do idoso, permitindo que o indivíduo siga o curso de sua vida, mantenha a sua identidade e capacidade de interação e contribua para oferecer maior sentido à sua sobrevivência. Um envelhecimento bem-sucedido está associado à ideia de socialização dos idosos por meio de redes sociais.

Dessa forma, é relevante que maiores cuidados e atenção sejam direcionados aos idosos, de maneira que estes se sintam realmente integrantes da sociedade. Ações sociais que congregam esforços do Governo, das empresas privadas, das associações e fundações têm a meta de oferecer serviços para a população idosa. Essas ações congregadas representam uma mistura de integração e proteção social, que podem ser analisada pela perspectiva da intersetorialidade e que acontecem, portanto, no espaço público. Junqueira (2004, p.27) faz menção à visão integrada de diferentes atores acerca dos problemas sociais e declara que a intersetorialidade está intimamente ligada à qualidade de vida de uma população e chama a atenção para a necessária visão integrada das questões sociais. Para o autor, esta é uma nova possibilidade de solucionar os problemas que incidem sobre a população de um determinado território.

2 Qualidade de Vida e Bem-estar como Valores Sociais

São muitos os conceitos de qualidade de vida e bem-estar. O tema envolve diversos campos, desde a área da saúde até a economia e por isso as definições são complexas e diversas. Sen (1993, p.31) estudou o assunto através da Abordagem das Capabilities, conceito utilizado para a avaliação do bem-estar individual e do regime social, da concepção de políticas e de propostas de mudanças sociais associadas a uma ampla gama de áreas. A Abordagem das capabilities abrange todas as dimensões do bem-estar humano, dando bastante atenção às ligações entre os aspectos material, mental, social e os interesses econômicos, políticos e culturais da vida. Para o autor, o alcance do bem-estar de uma pessoa pode ser visto como uma avaliação da capacidade ou do acesso que a pessoa tem para realizar o estado de bem-estar. O exercício, então, é avaliar os elementos constituintes do indivíduo, vistos da perspectiva de acesso ao próprio bem-estar pessoal.

Dessa forma, o bem-estar é avaliado segundo o estado do indivíduo, de acordo com seus elementos constituintes e suas realizações, compondo o conjunto de escolhas sociais que constitui o pacote (bundle) de elementos considerados, pelo próprio indivíduo, valiosos para sua vida. Pode-se dizer que a liberdade da escolha está intimamente ligada à capability e, portanto, qualidade de vida dos indivíduos.

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3 Metodologia da Pesquisa

A coleta de informações a respeito do que o idoso realiza em sua vida foi efetuada com base em uma pesquisa de campo, com uma amostra de 110 idosos: 25 idosos asilados, 60 idosos participantes de programas e projetos sociais e 25 idosos não participantes de programas e projetos sociais.

Por grupo de não participantes de programas e projetos sociais, entende-se os idosos que não participam de ações sociais, pois não se interessam e não procuram por este serviço. Por grupo de asilados, entende-se idosos que vivem nas entidades ou instituições beneficentes. Por grupo de participantes de programas e projetos sociais entende-se os idosos que estão envolvidos em programas e projetos sociais, sejam eles desenvolvidos pelas prefeituras, empresas ou organizações do Terceiro Setor.

Assim, foi possível identificar os valores prezados pelos grupos, as escolhas sociais que estes idosos realizam na sociedade e sua percepção da qualidade de vida. Para a obtenção de dados primários foi elaborado um questionário composto por quatro partes.

A primeira parte do questionário, denominada “Caracterização”, identifica o perfil do idoso através das variáveis de caracterização do indivíduo.

Na segunda parte, denominada “Valores/Atitudes”, o indivíduo deveria ordenar os valores pessoais de acordo com a importância de cada um deles em sua vida, atribuindo ao valor mais importante a nota dez, ao menos importante a nota um e aos demais, atribuir em ordem decrescente do mais importante ao menos importante as notas de nove a dois, sem repetição da mesma nota para valores diferentes. Os valores apresentados foram: reconhecimento social, experiência de vida, auto-estima, participação na comunidade, condição econômica, ser útil socialmente, laços familiares, amizades, independência e autonomia e proteção.

A terceira parte do questionário, denominada “Temas Sociais”, é composta por dez questões com cinco ou seis alternativas de resposta, em que o indivíduo deveria assinalar a alternativa que melhor se encaixa na compreensão do que significa para ele a oferta de bem-estar. A intenção era identificar o conjunto de escolhas sociais que o idoso realiza. Os temas sociais que compuseram o questionário foram: acessibilidade e segurança, assistência social, consumo, relações humanas, cultura, igualdade social, saúde, trabalho, lazer e uso do tempo.

Na última parte do questionário, denominada “Qualidade de Vida”, foi definido um formato para medir a intensidade das respostas, em que foram fornecidas dez afirmações relacionadas aos temas sociais. O entrevistado deveria atribuir uma nota de 1 a 6 para as frases apresentadas; a nota 1 significava que a pessoa discordava totalmente da afirmação e a nota 6 que a pessoa concordava totalmente com a afirmação. Nesta situação, as frases permitiram estimar as alternativas para uma qualidade de vida satisfatória.

4 Análise dos Resultados

Para o grupo de asilados, os resultados obtidos foram diferentes dos demais, constituindo-se esse grupo em um caso único. Assim, o valor pessoal “amizades”

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140

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é o mais prezado entre os idosos e a condição econômica é o menos prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar relativas a cada tema social foram: segurança no lar em que reside; abrigo para a Terceira Idade; moradia; convivência com os amigos da comunidade ou do local em que reside; rádio e TV; aceitação do idoso; cuidados com a alimentação; satisfação pessoal e auto-estima; religião: cultos e reuniões; atividades laborais. No que tange à percepção da qualidade de vida, a afirmação referente ao tema social consumo obteve maior média de notas e a afirmação relativa ao tema saúde foi o que obteve a menor média.

Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o valor “laços familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “reconhecimento social” é o menos prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar, respectivas a cada tema social, para este grupo foram: equipamentos públicos e privados adaptados para a Terceira Idade; serviço médico/odontológico; aquisição de medicamentos e serviços médicos/odontológicos; convivência com os filhos; rádio e TV; aceitação do idoso; atendimento médico/odontológico, medicamentos e vacinação; satisfação pessoal e auto-estima; religião: cultos e reuniões; e a realização de atividades domésticas. No que tange à percepção da qualidade de vida, a afirmação relativa ao tema social relações humanas obteve maior média de notas e a afirmação relativa ao tema social assistência social foi o que obteve a menor média.

Para o grupo de participantes de programas e projetos sociais, o valor “laços familiares” é o mais prezado dentre os idosos e o valor “proteção” é o menos prezado. As escolhas que se referem ao estado de bem-estar respectivamente a cada tema social foram: segurança e defesa pública; serviço médico/odontológico para a população da Terceira Idade; lazer: teatros, cinemas, viagens, entre outros; convivência com os filhos; cursos específicos para a Terceira Idade; aceitação do idoso; cuidados com a alimentação; aplicação da experiência que adquiriu durante a vida; viagens; realização de atividades domésticas. Concernente à percepção da qualidade de vida, a afirmação relativa ao tema social uso do tempo foi o que obteve maior média de notas e a afirmação relativa ao tema assistência social obteve a menor média.

Os dados possibilitaram a criação de um Índice capaz de medir o Bem-estar social do idoso, permitindo maior conhecimento acerca dos grupos selecionados para análise. Para sua criação foi utilizada a metodologia sugerida por Jannuzzi (2008) de Indicador Sintético. O Índice, denominado Índice Experimental de Bem-estar Social (IEBS) foi configurado com base no conjunto de indicadores de bem-estar social: Indicador Família, Indicador Convivência Familiar, Indicador Nível de Escolaridade, Indicador Renda e Indicador Escolhas. Os valores do IEBS referente a cada indivíduo estão situados entre 0 e 1, sendo que “0” representa o mínimo de bem-estar e “1” representa o máximo de bem-estar na vida do indivíduo.

Os índices IEBS obtidos na pesquisa com os 110 idosos foram submetidos à análise estatística descritiva com ferramentas do aplicativo Microsoft Excel e os indivíduos tratados em 3 grupos distintos: participantes de programas e projetos sociais, não participantes de programas e projetos sociais e asilados. Os resultados

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foram analisados a partir do intervalo de confiança em que se concentram 95% dos IEBS.

Para o grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o intervalo é de 0,7154 até 0,7979. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo de idosos que não participam de programas e projetos sociais possuem alto IEBS, pois se aproximam do valor ideal 1. A média do IEBS deste grupo é 0,7566.

Quanto ao grupo dos participantes de programas e projetos sociais, visto que 95% dos IEBS se concentram no intervalo de 0,6858 e 0,7673, estes atingem parte do intervalo do grupo de não participantes de programas e projetos sociais, o IEBS para o tipo ideal de um grupo pode pertencer ao outro grupo na medida em que as médias são estatisticamente indistintas. A média do IEBS deste grupo é 0,7255.

O intervalo de confiança relativo ao grupo dos asilados ficou entre 0,3844 e 0,5852. Isto significa que 95% dos indivíduos do grupo dos asilados possuem IEBS dentro deste intervalo e exprimem valores distantes do ideal 1. A média do IEBS deste grupo é 0,4848.

A criação do IEBS permitiu levantar duas hipóteses: (a) asilados constituem um grupo de idosos isolados da sociedade; confirmada quando se verifica que a média do IEBS para o grupo de asilados em relação aos demais grupos de análise não são estatisticamente iguais, demonstrando que os grupos agregam indivíduos diferentes para a métrica do IEBS, e a hipótese (b) Os programas e projetos sociais apresentam uma amplitude quanto ao acolhimento dos indivíduos com os mais variados perfis mensurados pelo índice; confirmada quando se verifica a igualdade das médias do IEBS dos grupos de não participantes de programas e projetos sociais e do grupo de participantes de programas e projetos sociais, demonstrando que os grupos agregam indivíduos semelhantes para a métrica do IEBS, fato que decorre da universalidade dos programas sociais que acontecem na intersetorialidade.

Considerações Finais

Este artigo delineou questões concernentes ao idoso, tais como suas características e sua inserção na sociedade, como também os fatores referentes à sua qualidade de vida e bem-estar, condições estas propostas pelos diversos atores sociais e como estes diversos atores podem atuar por meio da intersetorialidade.

Em linhas gerais, este estudo teve como objetivo sugerir indicadores sociais que permitissem avaliar os principais valores e resultados que interferem na qualidade de vida dos idosos. A pesquisa de campo teve como finalidade conhecer quais os valores que o idoso preza, suas escolhas sociais e a percepção que possui acerca de sua qualidade de vida. Os dados obtidos permitiram ainda a criação de um Índice, o Índice Experimental de Bem-estar Social do Idoso (IEBS), que possibilitou separar os grupos de análise e identificar as diferenças entre os grupos e as possíveis convergências em termos de valores do espaço público nos quais as iniciativas acontecem.

O resultado obtido permite indicar que asilados compõem um grupo à parte dos demais analisados, visto que o índice foi capaz de configurá-los como um caso extremo. Assim, uma Instituição sem um plano pode levar à marginalização de indivíduos.

Valores e Proteção Social do Idoso: Proposta de Índice Experimental de Bem-Estar Social, Vanessa Martines Cepellos, p. 134-140

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Conclui-se, também, que a importância das relações sociais como atributo do espaço público manifesta-se nas sociabilidades induzidas pelos programas sociais e são reconhecidas pelos idosos como uma importante contribuição das atividades intersetoriais para o florescimento do espaço público.

Os entrevistados, ao escolherem a qualidade de vida e bem-estar, definem os seus olhares para o futuro. Alguns com mais capacidade para determinar suas condições de qualidade de vida, outros em busca de algumas saídas para que essa qualidade se materialize. Ambos com crença nos laços e vínculos sociais, crença essa que qualifica cada ser como essencialmente humano.

Referências Bibliográficas

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A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de

Financiamento por Parte das Empresas Brasileiras

Andréia Ghion e Horciliano Marques∗

Resumo:A oferta pública inicial (IPO), do inglês “initial public offering”, é considerada como alternativa para o financiamento e desenvolvimento das empresas brasileiras. Apresenta-se, neste artigo, o processo evolutivo do mercado de capitais, com o aprimoramento da auto-regulação e a busca pela eficiência compatível com os maiores mercados de capitais mundiais. Nossa abordagem refere-se aos fundamentos teóricos que proporcionaram sustentação aos argumentos apontados.

Palavras chave : Aber tura. Capital . R e g u l a m e n t a ç ã o. F i n a n c i a m e n t o. Desenvolvimento. Mercado de capitais

Abstract:Initial public offering is evaluated as an alternative for the funding and growth of Brazilian companies. The capital market evolutionary process is discussed, considering the self-regulation improvements and the search for effectiveness, which must achieve the same level as the major worldwide capital markets. The approach refers to the theoretical principles that provided grounds for the opinions expressed here.

Keywords: Public offering. Capital. Regulation. Funding. Development. Capital market.

* Andréa Ghion é administradora de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é diretora do Grupo Parra Comunicação. Horciliano Marques é administrador de empresas, com MBA Executivo pela FAAP, é Gerente de Prevenção a Atos Ilícitos no Banco Itaú S/A.

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146

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Introdução

A maioria dos negócios inicia-se com uma empresa individual ou sociedade, e as mais bem-sucedidas na medida em que crescem consideram desejável converter-se em empresas de capital aberto. Inicialmente, as ações dessas novas empresas são captadas pelos executivos e funcionários-chave das empresas, além de uns poucos investidores, que não estão ativamente envolvidos com a administração. Entretanto, se o crescimento continuar, essas empresas poderão decidir abrir seu capital1.

A Oferta pública inicial (IPO) é o evento que marca a primeira venda de ações ordinárias de uma empresa no mercado de ações. A abertura de capital pode ser entendida como a democratização do capital social de uma companhia, pois permite a distribuição de suas ações a um grande número de investidores. As limitações de uso do capital de terceiros e o esgotamento da capacidade do Estado de financiar os crescentes investimentos da indústria nacional em transformação fizeram com que o mercado de capitais se tornasse estrategicamente importante. Logo, a decisão de abertura de capital ganhou o merecido destaque.

A estabilização da economia e a liquidez internacional contribuíram para esse aumento do número de ofertas. Além do mais, não se pode deixar de destacar a importância da criação de diferentes níveis de governança corporativa por parte da Bolsa de Valores de São Paulo2.

A partir de meados da década de 1990, com a aceleração da abertura da economia brasileira, houve não somente um aumento do volume de investidores estrangeiros atuando no mercado de capitais brasileiro, como algumas empresas brasileiras começam a alcançar o mercado externo pela da listagem de suas ações em bolsas de valores estrangeiras, com o intuito de se capitalizar por meio do lançamento de valores mobiliários no exterior, principalmente nos EUA. Com isso, as companhias abertas nacionais foram obrigadas a seguir as regras contábeis, de transparência e divulgação de informações impostas pelo órgão regulador do mercado de capitais norte-americano, “Securities and Exchange Commission” (SEC). Além do mais, com a listagem internacional essas empresas começaram a atrair acionistas mais exigentes, habituados a investir em mercados com práticas de governança corporativa, mais avançadas das aplicadas no mercado brasileiro. Tais práticas garantiam tanto proteção ao acionista minoritário, como redução das incertezas em relação às aplicações financeiras, uma vez que possuíam regras de maior transparência e supervisão de tais companhias.

Neste cenário ocorre a necessidade de alterações da Lei Societária em vigor desde 1976 (Lei nº 6.404/76)3, surgindo a Nova Lei das S/As - Nº 10.303 de 20014 a

1 WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira. 10ª Ed.. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2000. p. 756.2 BOVESPA. Disponível em: <www.bovespa.com.br>. Acesso em 25 mai 2008.3 Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações.4 Lei no 10.3033/01, de 31 de outubro de 2001 - Altera e acrescenta dispositivos na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações, e na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários.

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fim de aperfeiçoar e incrementar os direitos e proteção dos acionistas minoritários, fortalecer o mercado de capitais e estimular a maior participação dos investidores. Nessa alteração foram introduzidas diversas regras com princípios de “disclousure” (transparência), tratamento eqüitativo, “compliance” e “accountability” (prestação de contas), além da volta do “tag along” que estabelece garantia de preço aos acionistas minoritários na venda das suas ações, impedindo que sejam ignorados, na venda do controle da empresa pelo acionista majoritário.

Essas alterações contribuíram para a confiabilidade dos investidores e, a partir de 2003, haveria um reaquecimento do mercado acionário, com aumentos significativos nos volumes médios diários de negócios registrados pela Bovespa5.

Com a modernização do Mercado de Capitais, a auto-regulação foi um tema que ganhou maior importância, aparecendo a necessidade de uma regulamentação específica das ofertas públicas. Essa regulamentação foi consolidada na Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 20036. Um ponto interessante desta regulamentação, deixa claro que a CVM apenas regula o processo, eximindo-se de qualquer avaliação relativa às expectativas de retorno do papel objeto da oferta. Neste sentido, destaca-se o importante papel desempenhado pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento (ANBID)7, que é a principal representante das instituições que atuam no mercado de capitais brasileiro, e tem por objetivo buscar seu fortalecimento como instrumento fomentador do desenvolvimento do país.

Dentre as recentes iniciativas voltadas para o aperfeiçoamento do Mercado de Capitais no Brasil, destaca-se o Plano Diretor do Mercado de Capitais8, liderado pela Bovespa e com a participação de 45 outras entidades. Os principais objetivos desse Plano Diretor foram identificar as ações do governo e do setor privado promovidas para superar obstáculos ao desenvolvimento e à funcionalidade do mercado de capitais brasileiro, criando condições compatíveis com sua eficiência; promovendo adequado grau de coordenação entre ações públicas e privadas e mobilizar todos os segmentos da sociedade em favor da prioridade e urgência do desenvolvimento desse mercado.

Entre os principais resultados alcançados, destacam-se a alteração na tributação sobre o mercado de capitais, com destaque para o fim da contribuição provisória sobre a movimentação financeira (CPMF); o aperfeiçoamento dos processos de auto-regulação; e o aperfeiçoamento das boas práticas de governança corporativa.

É importante mencionar entre estes resultados a criação do Bovespa Mais, novo segmento destinado às empresas com estratégias graduais e diferenciadas de acesso ao mercado de capitais e que se comprometem com boas práticas de

5 BOVESPA. Disponível em: <www.bovespa.com.br>. Acesso em 25 mai 2008.

6 COMISSÃO DE VALORES MOBIL. Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003. Dispõe sobre as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários, nos mercados primário ou secundário. Disponível em:

<http://www.cvm.gov.br/asp/cvmwww/atos/exiato.asp?file=%5Cinst%5Cinst400.htm>. Acesso em 27 mai 2008.

7 ANBID, op. cit.

8 PLANO DIRETOR DO MERCADO DE CAPITAIS. Disponível em:

<www.bovespa.com.br/Bovespa/PlanoDiretor.asp>. Acesso em 15 set 2008.

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146

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governança corporativa. A criação deste novo segmento permitiu a redução dos custos de IPO e facilitou o acesso ao mercado de capitais.

Na Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais realizada em 23/04/20079, além de ter sido feito um balanço dos resultados obtidos, também foram definidas as principais diretrizes que têm norteado e que nortearão a atuação do citado fórum, entre as quais se ressaltam:

a) Atuação junto ao Ministério da Educação visando à inclusão nos cursos básicos de disciplinas voltadas para educação financeira e de formação de poupança de longo prazo.

b) A continuidade ao Programa de Popularização do Mercado, que vem sendo conduzido pela Bovespa, buscando inclusive maior participação dos trabalhadores no capital das empresas.

c) A criação de um novo modelo previdenciário, buscando benefícios fiscais de longo prazo e permitindo que este seja mais um veículo de participação dos trabalhadores no capital das empresas.

d) A possibilidade dos trabalhadores utilizarem, voluntariamente, parte dos recursos do FGTS para a aquisição de ações.

e) A utilização da Participação nos lucros e resultados (PLR) do trabalhador no capital das empresas, cujo estudo já foi desenvolvido, dependendo de uma ação que envolva várias entidades para sua efetiva implementação.

f ) Os fundos de investimentos, os certificados de recebíveis imobiliários, a securitização de hipotecas e seus derivativos, a abertura do capital das empresas do setor são alguns dos veículos do mercado de capitais que podem ser utilizados para o desenvolvimento do mercado imobiliário.

g) A possibilidade de criação de novos títulos agrícolas e a abertura de capital na bolsa de empresas do setor são fortes indicativos que caberá ao mercado de capitais financiar o crescimento do setor agrícola.

Pode-se afirmar que nas últimas décadas foram inúmeras as transformações pelas quais passou o mercado de capitais brasileiro, saindo de um período de baixa regulamentação e pouco apelo junto à sociedade, e que chega aos dias atuais permeado por uma legislação mais eficiente e possuindo um maior nível de penetração junto à sociedade em geral.

Em que pese às críticas existentes em relação à lisura e forma de condução dos processos de privatização no Brasil, é inegável que os recursos obtidos por meio da venda das empresas estatais foram fundamentais para a melhoria dos fundamentos econômicos do país, principalmente no que se refere à redução da dívida pública.

Além do mais, os investimentos realizados pelas empresas que assumiram o controle das estatais deram inicio a uma fase de transformação na infra-estrutura de serviços do no país. Apesar dos inúmeros problemas ainda existentes, quem não se recorda do período em que os usuários enfrentavam uma longa espera para terem acesso a uma linha telefônica?

Outro exemplo de sucesso é o caso da Vale do Rio Doce que, na época de sua

9 Ata da 24ª Reunião do Comitê Executivo do Plano Diretor do Mercado de Capitais – 23/04/07 - Sede da Bovespa.

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privatização estava praticamente falida e hoje se tornou uma companhia global. No setor privado, o IPO também se mostrou uma alternativa interessante para obtenção de investimentos onde inúmeras empresas abriram seu capital, visando atrair recursos para dar continuidade ao seu processo de crescimento. Até mesmo grandes Grupos Empresariais, cuja administração tinha caráter basicamente familiar, foram atraídos por este mecanismo, como por exemplo, os Grupos Gerdau e Pão de Açúcar.

É importante destacar que como qualquer outra estratégia empresarial, o uso do IPO como fonte de captação de recursos apresenta vantagens e desvantagens. Entre as vantagens, podemos mencionar o aumento da base de captação de recursos, o que permite atrair investimentos que serão destinados ao financiamento de projetos, expansão, mudança de escala ou diversificação de seus negócios, ou mesmo à reestruturação de seus passivos financeiros.

A abertura de capital também apresenta algumas desvantagens, como a que se refere aos custos financeiros deste processo, uma vez a empresa será obrigada a manter um departamento de acionistas e um departamento de relações com os investidores, com a missão de centralizar todas as informações internas a serem fornecidas ao mercado. Adicionalmente, a companhia deverá contratar uma empresa especializada em emissão de ações escriturais, custódia, serviços de planejamento, de corretagem e “underwriting”. Além disso, também deverá arcar com os custos referentes às taxas da CVM e das Bolsas de Valores; à contratação de serviços de auditores independentes mais abrangentes que aqueles exigidos para as demais companhias; e as despesas de divulgação de informação sistemática ao mercado sobre as atividades da empresa.

Do ponto de vista do cenário atual e das perspectivas futuras, devemos frisar a importância da criação da nova bolsa, que tende não só a consolidar-se, mas melhorar, na medida do crescimento do País e do reconhecimento da economia brasileira entre as mais atrativas do mundo. Outro acontecimento recente refere-se à classificação do Brasil como “investment grade”. Normalmente, quando se recebe a nova classificação, o prêmio de risco cai, atraindo investidores para o Mercado de Capitais interno. A percepção que prevalece é que, com a eventual retomada do crescimento econômico, virá para o Brasil um número elevado de investidores estrangeiros, o que fará com que a demanda cresça, incentivando as empresas ao lançamento de suas ações.

Dessa forma, parece claro que a captação de recursos por meio da abertura de capital é uma alternativa interessante. Contudo, a decisão final deverá levar em conta vários fatores, como a situação macroeconômica, setorial e do mercado de capitais. O cenário atual exemplifica de forma bastante clara que o mercado de valores imobiliários é cíclico e, nem sempre, é possível realizar a abertura de capital a um preço considerado justo pelos atuais acionistas. Desta forma, é necessário que a operação seja concretizada no momento certo, que nem sempre coincide com a necessidade de recursos da empresa, exigindo, portanto, que haja um planejamento de médio prazo. Outro ponto importante a ser considerado, é o fato de o mercado de capitais ainda ser relativamente elitizado, ou seja, é necessário que a companhia já tenha certo porte, tradição, administração de caráter profissional e que atue num

A Evolução do Uso de IPO como Alternativa de Financiamento..., Andréia Ghion e Horciliano Marques, p. 141-146

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mercado interessante e com perspectivas positivas. Desta forma, para empresas de pequeno porte, ou que atuem em segmentos fortemente afetados por questões como a informalidade, a abertura de capital ainda não se apresenta como uma alternativa atraente de financiamento.

É possível afirmar que o aumento no uso de IPO, é um fator benéfico para todo o mercado de capitais, pois além de acelerar o crescimento da produção e do emprego, permitirá atingir outros objetivos de significado social, como a geração de recursos para grandes projetos de infra-estrutura, impactando a melhora da qualidade de vida da população; o aceso à casa própria, com a oferta de financiamento habitacional de longo prazo e, finalmente, a democratização do capital, ao facilitar o acesso de pequenos poupadores a projetos de grande escala e rentabilidade.

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Responsabilidade social empresarial a contribuição dos relatórios sociais para

a sua gestão estratégica*

Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares**

* Este artigo foi extraído da monografia de Iniciação Científica, “Responsabilidade social empresarial e a contribuição dos relatórios sociais para a sua gestão”, apresentada, em 2009, na Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Dirce Harue Ueno Koga , tendo sido apresentada também como trabalho em andamento no 9º Congresso de Iniciação Científica SEMESP em novembro de 2009. ** Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares são graduadas em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP.

Resumo:O presente artigo tem como foco a Responsabilidade Social Empresarial, buscando avaliar sua importância no meio empresarial e destacar a importância dos relatórios sociais como ferramentas utilizadas pelas empresas para difundir a ideia, publicar e mensurar os resultados das suas ações de responsabilidade social. São discutidos ainda dois modelos de mensuração de resultados, o Balanço Social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e o Global Reporting Initiative (GRI) da Coalition for Environmentally Responsible Economies (CERES) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Por fim, o artigo aborda a forma como esses relatórios são utilizados pela empresa Vale para avaliar a importância desses dois modelos na apresentação dos resultados das ações de responsabilidade social.

Palavras Chave: Responsabilidade social, Estratégia, Relatórios de Responsabilidade Social, Vantagem Competitiva.

Abstract:The present article focuses on Corporate Social Responsiblity, in order to evaluate its importance in the corporative environment. It also aims to emphasize the role of social reports as tools used by the corporations to disseminate the idea of Social Responsibility and publish and measure the results of their actions in this area. Two models of result measurement are discussed: the Balanço Social do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE (Social Balance of the Brazilian Institute of Social and Economic Analysis) and the Global Reporting Initiative (GRI) of the Coalition for Environmentally Responsible Economies (CERES) and of the United Nations Environment Programme (UNEP). Finally the article analyzes how these reports are used by Vale Corporation to evaluate the importance of these two models in the presentation of social responsibility actions results.

Keywords: Social Responsability, Strategy, Social Responsabiblity Report, Conpetitive Advantage.

Responsabilidade social empresarial a contribuição..., Cristiane Fernandes Haagsma e Marcella Balthar Tavares, p. 147-153

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Introdução

O conceito de Responsabilidade Social é tão antigo quanto podemos imaginar, ele existe desde o inicio de nossa sociedade, porém não da perspectiva que conhecemos atualmente. Na sociedade colonial brasileira a Responsabilidade Social já estava, porém como forma de filantropia realizada principalmente pelas Igrejas.

O século XX e o início do século XXI representam um marco para a Responsabilidade Social, pois nesse período a temática começou a envolver também o âmbito empresarial, uma vez que, até então, ela estava mais presente na sociedade por meio das instituições governamentais e religiosas. Nesse momento, o desemprego, a exclusão social, fez com que a idéia de Responsabilidade Social passasse a ser aplicada também nas empresas, nascendo assim, a Responsabilidade Social Empresarial (RSE).

Apesar do desenvolvimento da idéia de RSE “a premissa fundamental da legislação sobre as corporações era de que tinha como propósito, a realização do lucro para seus acionistas” (ASHLEY, et al, 2004, p. 18), entretanto surgiram diversas manifestações no mundo em favor da Responsabilidade Social e a “noção de que a corporação deve responder apenas aos acionistas, sofreu muitos ataques” (ASHLEY, et al, 2004, p. 19). Embora o conceito mais amplo de Responsabilidade Social Empresarial já houvesse sido desenvolvido, ele ainda era muito limitado à idéia de garantir a segurança no ambiente de trabalho com preocupações com a ética empresarial e princípios como: honestidade, integridade, justiça e confiança.

O conceito de RSE se ampliou quando incorporou o conceito e os interesses de stakeholders1: “a idéia de responsabilidade dissocia-se progressivamente na noção discricionária de filantropia, e passa a referir-se às consequências das próprias atividades usuais da empresa” (KREITLON, 2004, p. 5).

Na década de 90 o tema da Responsabilidade Social assumiu um aspecto empresarial tão forte, ao ponto de se transformar em uma doutrina empresarial, sem a qual não há sucesso. Nesse sentido, os empresários foram incentivados a investir cada vez mais em causas sociais o que contribuiu de forma significativa para gerar mudanças de grau estratégico nas empresas. A RSE passa a ser encarada como uma atividade associada ao negócio da empresa, envolvendo inclusive uma atitude estratégica, no sentido de fortalecer sua imagem.

Embora muito difundido entre as empresas, o tema da Responsabilidade Social ainda não tem seu conceito totalmente consolidado, ou seja, cada autor ou fundação cria seu próprio conceito, o que consequentemente faz com que as empresas tenham posturas tão diferenciadas, dependendo do conceito de RSE adotado por ela. Um dos conceitos mais utilizados e conhecidos atualmente é o do Instituto ETHOS,

1 Os stakeholders são os grupos de interesse para a empresa, “partes [...] interessadas no funcionamento da empresa, seja porque impactam ou são impactados pela empresa [...] Entre eles podemos incluir comunidades [...], empregados, consumidores, fornecedores, associações comerciais, governos, mídia, ONGs, (OLIVEIRA, J., 2008, p. 94-95), também a sociedade, bancos, meio ambiente, entre outros. Cada empresa tem seus stakeholders dependendo de seu segmento.

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Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, 2009).

Apesar da constante evolução e aperfeiçoamento das diversas definições de Responsabilidade Social Empresarial nota-se que a RSE tem uma relação íntima com a ciência da Administração.

Sua aplicabilidade de forma estratégica mostra-se muito vantajosa para as empresas, pois pode reforçar a imagem e se converte em vantagem competitiva para as organizações. A sociedade, o governo e todos os demais stakeholders têm cobrado das empresas uma postura socialmente responsável e estas sabem dessa tendência e, portanto, buscam “na responsabilidade social, uma nova estratégia para aumentar seu lucro e potencializar seu desenvolvimento.” (ASHLEY, et al, 2004, p. 3), por isso é crescente o número de empresas que vem se interessando pela temática.

No estudo em questão percebeu-se que a empresa ao adotar a responsabilidade em sua estratégia de negócio deve produzir ou utilizar ferramentas e/ou relatórios de gestão que sejam capazes de criar vantagem competitiva. Por essa razão muitas empresas têm divulgado relatórios, demonstrando sua performance, desempenho e iniciativas nas questões sociais e ambientais, a fim de obter um ganho econômico-financeiro: “independentemente do porte da empresa, nota-se que a Responsabilidade Social é considerada cada vez mais como uma das principais estratégias para alavancar seu crescimento” (ASHLEY, et al, 2004, p. 11).

Desta forma, identificamos diversas ferramentas que podem ser utilizadas pelas empresas de acordo com seu perfil e objetivo de negócio. Dessas ferramentas analisadas duas foram selecionadas como as mais importantes e mais abrangentes, para o foco desse trabalho: o Balanço Social do IBASE e as Diretrizes da GR.

Diversas instituições desenvolveram instrumentos para mensuração de ações sociais e ambientais das empresas, a maioria destes instrumentos são indicadores de desempenho que integram as dimensões econômica, social e ambiental. Porém, não existe um padrão de relatório consolidado, ou exigido por lei, cada empresa pode desenvolver seu próprio modelo. Estas publicações são estratégias de comunicação já adotadas por várias empresas com o objetivo de divulgação de suas ações, porém, para os relatórios passarem a exercer sua função social, é preciso ultrapassar o caráter divulgador, e que permitam às próprias empresas e à sociedade avaliarem os resultados concretos de sua atuação na área de Responsabilidade Social.

O Balanço Social modelo IBASE, é um dos modelos mais divulgados e uma referencia de Balanço Social no Brasil. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) fundado, em 1981, por Herbert de Souza, desenvolveu em parceria com empresas públicas e privadas um modelo de Balanço Social que estimula as empresas a divulgarem informações referentes às suas atividades sociais. O Instituto elaborou um padrão para o relatório que facilita a análise da função social de uma empresa ao longo dos anos e auxilia os gestores na analise comparativa com outras empresas. É um modelo simples e direto, mas engloba

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questões importantes em relação à Responsabilidade Social das empresas. O modelo do Balanço Social do IBASE apresenta seis divisões, descritas abaixo:

1) Base de Cálculo: informações financeiras;2) Indicadores Sociais Internos: investimentos em programas sociais que

atendam empregados e dependentes, também chamados de benefícios;3) Indicadores Sociais Externos: investimentos em programas sociais que

atendam a comunidade externa da empresa, chamados de patrocínios;4) Indicadores Ambientais: investimentos em programas sociais relacionados

com o meio ambiente e recursos naturais;5) Indicadores do Corpo Funcional : mostra o perfil de recursos humanos da

empresa, sendo considerados os empregados, estagiários e terceiros;6) Informações Relevantes quanto ao Exercício da Cidadania Empresarial: a

postura da empresa perante a sociedade. Trás métricas que refletem a política de recursos humanos, a relação com seus consumidores e a riqueza produzida pela empresa.

O modelo de relatório social do IBASE demonstra todos os investimentos realizados pela empresa nos aspectos mencionados acima, sempre em forma numérica, sendo um relatório 100% quantitativo.

O Global Reporting Initiative (GRI) foi lançado oficialmente em 2002, uma iniciativa conjunta da organização não-governamental Coalition for Environmentally Responsible Economies (CERES) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). A GRI apresenta uma estrutura mundialmente aceita para relatórios de sustentabilidade, seu objetivo é permitir às empresas e outras organizações preparar relatórios padronizados e comparáveis entre si, com a possibilidade de medir, divulgar e prestar contas para os stakeholders. Um relatório baseado na GRI divulga os resultados obtidos dentro de um período relatado, no contexto dos compromissos, da estratégia e da forma de gestão da organização. O relatório apresenta inúmeros indicadores que compõem diretrizes e são distribuídos em seis categorias apresentadas abaixo:

1) Indicadores de desempenho econômico: financeiros da organização, demonstram os principais impactos econômicos e o fluxo de capital da empresa, distribuídos entre diferentes stakeholders;

2) Indicadores de desempenho do meio ambiente: demonstrados os impactos da organização sobre sistemas naturais vivos e não-vivos abrangem o desempenho relacionado a insumos (como material, energia, água) e a produção (emissões, efluentes, resíduos). Apontam o desempenho relativo à biodiversidade, à conformidade ambiental entre outros dados relevantes;

3) Indicadores de desempenho referentes a práticas trabalhistas e trabalho decente: considerados aspectos de desempenho fundamentais referentes a práticas trabalhistas, direitos humanos, sociedade e responsabilidade pelo produto;

4) Indicadores de desempenho referentes a direitos humanos: importância dada aos direitos humanos nas práticas de investimento e seleção de fornecedores e empresas contratadas, o treinamento dos empregados em direitos humanos e em não discriminação, liberdade de associação, trabalho infantil, direitos dos índios e trabalho forçado e escravo;

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5) Indicadores de desempenho social referente à sociedade: abordam os impactos que as empresas geram nas comunidades em que operam e enfocam a divulgação de como os riscos resultantes de suas interações com outras instituições sociais;

6) Indicadores de desempenho referentes à responsabilidade pelo produto: abrange os aspectos dos produtos e serviços da organização relatora que afetam diretamente os clientes, saúde e segurança, informações e rotulagem, marketing e privacidade.

O modelo da GRI demonstra as atividades da empresa em todos os aspectos mencionados acima, porém dentro de cada categoria existem itens a serem preenchidos, podendo ser quantitativos em números ou descrevendo as atividades realizadas, desta forma, mesclando o quantitativo e o qualitativo.

Os dois modelos de Relatórios de Responsabilidade Social apresentados são muito diferentes entre si, em relação à amplitude de informações abordadas, sendo a GRI, uma ferramenta muito mais completa do que o Balanço Social. Porém os objetivos são bastante similares, pois as duas ferramentas são utilizadas por empresas para divulgar suas ações de Responsabilidade Social para seus stakeholders e quanto aos temas abordados são todos convergentes.

Partindo desses dois modelos foi selecionada uma empresa para que a aplicabilidade dessas ferramentas fosse avaliada na prática. Desta forma, a escolha recaiu sobre a Vale, maior empresa da América Latina e referência em Responsabilidade Social Empresarial. Foram realizadas entrevistas e coletados depoimentos de profissionais que atuaram de forma direta no processo de construção de uma nova perspectiva de Responsabilidade Social da empresa Vale, sendo Liesel Mack Filgueiras, (Gerente Geral de Responsabilidade Social Corporativa da Vale e Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009 e Olinta Cardoso Costa que, em 2007, ocupava o cargo de Diretora de comunicação da Vale e de presidente da Fundação Vale.

O ano de 2007 foi escolhido para realização da análise, pois neste ano foram implementadas na Vale novas ferramentas no campo da Responsabilidade Social Empresarial com a utilização das diretrizes da GRI em seu relatório social, além da continuidade do relatório Balanço Social IBASE anteriormente utilizado pela empresa. Assim, 2007, foi o primeiro e último ano em que a Vale utilizou os dois modelos de relatórios sociais, o Balanço Social e a GRI.

A análise do relatório, Balanço Social IBASE 2007 da Vale, percebe-se que ele está parcialmente preenchido, nota-se que os dados obtidos através do departamento financeiro estão completos, enquanto outros dados mais detalhados ficaram em branco, o que demonstra que a empresa não tinha informação suficiente para preencher o relatório. Em entrevista com Liesel Mack Filgueiras, ficou evidente que na empresa Vale a área de controladoria era uma das principais fontes de informação para elaboração do Balanço Social. De forma geral, verificou-se que a ferramenta não era vista como uma peça estratégica pela empresa.

Ao ser analisado, o Relatório GRI 2007 da Vale, verifica-se que se trata de um relatório muito complexo e amplo, que engloba detalhadamente os aspectos

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e descrições de cada indicador, possuindo no total 226 páginas, o tamanho e a abrangência do relatório é superior ao do Balanço Social IBASE. Para aplicação das diretrizes contidas no relatório GRI foi necessária uma adequação na empresa; uma área especifica foi criada para desenvolver esta atividade e não mais pelo departamento financeiro, “mais de 600 pessoas envolvidas na implantação do processo” (informação verbal)2. Pode-se perceber que a empresa ao adotar este modelo de ferramenta, passou a encarar a temática da Responsabilidade Social Empresarial de forma estratégica, ou seja, como um padrão de gestão envolvendo diversas áreas da empresa.

Assim, apesar do conceito de RSE ainda não estar perfeitamente consolidado, as empresas estão adotando, cada vez mais, as práticas de Responsabilidade Social visando vantagens financeiras e competitivas. Uma empresa ao adotar uma postura socialmente responsável não pode somente realizar ações pontuais e isoladas de modo a simplesmente mostrar para a sociedade que está realizando ações de Responsabilidade Social. Os compromissos da empresa a pressionam a ir além disso. O estudo permite afirmar que para uma empresa obter as devidas vantagens com a Responsabilidade Social Empresarial, deve encará-la como uma estratégia corporativa.

Pesquisando as possíveis utilizações dos relatórios, pode-se constatar que, quando se deseja adotar a Responsabilidade Social de forma estratégica, elas são grandes facilitadores para as empresa. Porém, como a própria identidade desses relatórios revela, tratam-se de ferramentas, de instrumentos que por si mesmos, não são capazes de alterar a cultura organizacional da empresa. Dessa forma, os relatórios deixam de ser meros prestadores de contas, relatos de números e atividades, que não agregam seu potencial valor ao negócio.

Verificou-se também que a maioria das empresas que utilizam estes relatórios são de grande porte, pela própria pressão internacional, já que são obrigadas a estarem alinhadas com políticas globais.

As vantagens para as empresas ao adotar um relatório de Responsabilidade Social de forma estratégica são diversas, porém, ficou constatado que o ponto mais importante e relevante é a imagem da empresa, o que consequentemente gera impacto e benefícios para a empresa como um todo.

Concluí-se, portanto, que uma estratégia corporativa de responsabilidade social, gera um diferencial competitivo entre as empresas, melhorando seu desempenho em todos os aspectos. E para que isto se efetive é necessário que os relatórios de Responsabilidade Social funcionem como peças chaves neste processo, possibilitando a geração de diversas vantagens, tais como, impacto positivo na imagem corporativa, potencialização da marca, obtenção de reconhecimento de toda cadeia de stakeholders, etc. Além disso, os relatórios de RSE, como indicadores de resultados, possibilitam a conquista de novo mercados, o incremento nas vendas e lucros, a solicitação de benefícios fiscais, o reconhecimento e maior lealdade de seus empregados, o aumento da confiança, possibilitando assim um aumento de sua participação no mercado. A conjunção de todos esses elementos em um plano

2 Entrevista realizada com Liesel Mack Filgueiras (gerente geral da Fundação Vale), em 06 de novembro de 2009. A transcrição foi feita pelos autores.

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de RSE e sua expressão por meio dos relatórios de responsabilidade social indicam a ampliação do conceito de RSE na direção dos interesses de todos os envolvidos com a organização, o transformando de fato em instrumento de gestão estratégica.

Referências Bibliográficas

ASHLEY, Patrícia Almeida et al. Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2004.HAAGSMA, Cristiane Fernandes e TAVARES, Marcella Balthar. Responsabilidade Social Empresarial e a Contribuição dos Relatórios Sociais para sua gestão Estratégica. Monografia (Trabalho de Iniciação Científica) – Fundação Armando Álvares Penteado. Faculdade de Administração. São Paulo, 2009.INSTITUTO ETHOS. O que é RSE. Disponível em: <http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx.> Acesso em: 18 de ago. 2009.KREITLON, Maria Priscilla. A Ética nas Relações entre Empresas e Sociedade: Fundamentos Teóricos da Responsabilidade Social Empresarial. (Artigo) Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ENANPAD). Curitiba, 2004.VALE. 2009. Disponível em: <www.vale.com.br>. Acesso em: 28 de out. 2009.

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O uso de redes sociais como ferramenta de CRM em São

Paulo e Barcelona*

Laura Melaragno**

* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”Redes sociais como ferramentas de Customer Relationship Management: estudo comparativo entre São Paulo e Barcelona” apresentado em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado sob a orientação da Prof Dr. Armando Terribili Filho.** Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP e pela Escuela de Administración de Empresas da Universidad Politécnica de Catalunya. Analista de ativação de marcas e trade na Kinberly Clark Brasil. Email: <[email protected]>.

Resumo: O presente artigo aborda as práticas de relacionamento entre a empresa e o consumidor nos mercados de São Paulo e Barcelona comparados por meio de análise de informações coletadas em entrevistas realizadas com profissionais da área de comunicação empresarial destas cidades e de estudos de casos publicados em sites e revistas especializadas. A avaliação permite apontar algumas tendências, os receios das organizações e o momento que as mesmas se encontram diante das novas ferramentas de comunicação representadas pelas redes sociais.

Palavras-chave: redes sociais, CRM, blog, microblogging, marketing de relacionamento.

Abstract: The current article regards the relationship prac t ices bet ween companies and consumers from São Paulo and Barcelona compared using information collected by interviews with professionals in the corporative communication area in these cities as well as case studies published in web sites and specialized magazines. The evaluation allows pointing out some tendencies, organizational reluctances and the moment they are facing with the new communication tools represented by the social network.

Key Words: social networks, CRM, Blog, microblogging, relationship marketing.

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Introdução

Com a evolução nos meios de comunicação, saindo da era do ouro do rádio, passando pela primeira televisão a cores, os celulares portáteis chegando à Internet, verifica-se uma mudança no ritmo de vida das pessoas, que passou a ser cada vez mais acelerado e com informações transmitidas em tempo real (UOL, 2009). De acordo com Celaya (2008, p. 23), a utilização da Internet em âmbito mundial atinge aproximadamente 1,5 bilhão de usuários, ou seja, aproximadamente 22% da população mundial. O Brasil conta com 39 milhões de internautas (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que acompanha a tendência mundial em termos de penetração, representando 21% dos 184 milhões de habitantes (IBGE, contagem 2007). Os usuários cadastrados no Orkut, site de relacionamento mais acessado no país, despendem em média 763,2 minutos ao mês navegando no mesmo (BERGAMASCO, 2008, p. F1), o que representa cerca de meia hora diária de utilização. Já a Espanha possui 23 milhões de internautas e está classificada como terceiro país no ranking de crescimento do número de internautas dentro da Europa, crescendo a uma taxa de 15% ao ano, 7% acima da média do continente (CELAYA, 2008, p. 23), contando com uma penetração de aproximadamente 57% dos 40 milhões de habitantes (CIA, 2008).

Em paralelo ao crescimento de usuários na rede, houve um aumento nas ferramentas à sua disposição; com isso, os internautas tiveram acesso a novas formas de se expressar, de manifestar seus interesses e opiniões, seja por meio de redes sociais como Orkut, Facebook, MySpace ou por “diários virtuais”, blogs e fotologs, ou ferramentas de microblogging, como o Twitter, além de fóruns, chats e portais. Ou seja, surgiu uma nova forma de relacionamento que utiliza tecnologias ligadas à Internet para administrar as interações com amigos, familiares e colegas de trabalho, além de possibilitarem uma nova maneira de interação com as marcas: o consumidor tem a opção de deixar de aceitá-las de forma passiva, pois agora avalia, aceita ou rejeita os “claims” de marketing baseando-se no seu conhecimento prévio (IND; RIONDINO apud MAKLAN; KNOX; RYALS, 2008).

Tendo em vista essa crescente influência e abrangência das comunidades virtuais, as empresas passam a considerá-las em suas estratégias de relacionamento com os clientes; por isso, essa nova forma de interação requer das empresas adaptações e inovações nestas estratégias.

1 Metodologia

Para analisar as diferentes práticas de relacionamento das empresas, foram selecionadas organizações tanto em Barcelona (Blanz Marketing e a Barcelona Virtual), como no Brasil (E-life, O Boticário, Tecnisa, Kimberly-Clark, Caixa Econômica Federal e Citröen) que utilizam as redes sociais como uma forma de marketing de relacionamento com os seus clientes, obtenção de dados, ou que simplesmente realizam o monitoramento do ambiente virtual para uma análise mais aprofundada

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do conteúdo publicado para uso interno na organização. A autora entrevistou quatro executivos, dois em cada cidade, responsáveis pelo gerenciamento da área de relacionamento entre a organização e o consumidor no âmbito virtual.

O roteiro de entrevistas foi segmentado entre a identificação do profissional, a forma de monitoramento das redes sociais, a utilização na organização dos dados coletados, a importância e a relevância dada a essa prática. As entrevistas com os executivos foram transcritas e com base nas proposições teóricas, que refletem um conjunto de questões da pesquisa, foi estruturada um guia de análise do estudo de caso, o que contribuiu para pôr em foco certos dados e ignorar outros. O conteúdo gerado pelas entrevistas foi compilado por temas em comum, trechos que abordavam assuntos similares baseado no guia de análise, o que permitiu a elaboração de conclusões que evidenciaram algumas práticas em comum realizadas no mercado paulistano e barcelonês e apontar eventuais diferenças entre eles.

Para um melhor entendimento do trabalho, cinco definições são apresentadas: blogs, CRM, marketing de relacionamento, microblogging e redes sociais.

1.1 Blogs

O termo blog descreve genericamente um diário pessoal mantido na Internet que pode ser editado pelo usuário. A diversidade de uso dessa ferramenta gerou as diferentes classificações: Blogs pessoais onde pessoas físicas publicam fotos e vídeos relacionados ao seu cotidiano, ou seja, fazem uso da ferramenta como se fosse um diário virtual. Os blogs profissionais que são sendo escritos por pessoas físicas, porém, o foco da ferramenta é outro, os autores desses blogs costumam ser formadores de opinião em determinado assunto. Ao longo dos últimos anos, muitas empresas passaram a adotar blogs como um complemento da sua estratégia corporativa por representar um canal dinâmico e diferente dos meios tradicionais de comunicação. Para atender aos seus diversos públicos, as empresas dividiram seus blogs entre internos e externos, assim criam novos canais de comunicação com clientes atuais ou potenciais, com fornecedores, com os meios de comunicação, com a sociedade de modo geral, bem como geram maior proximidade com os seus colaboradores.

1.2 CRM

A ferramenta de Customer Relationship Management (CRM) é definida por Jenkins (1999, p. 88-92) como sendo o processo de prever como se comporta o cliente e determinar as ações da empresa, buscando influenciar comportamentos que beneficiem a organização. Complementando essa definição, O’Brien (2004, p. 210) alega que o CRM é a principal estratégia da empresa que busca se centrar no cliente, e que essa ferramenta utiliza a tecnologia da informação para criar

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um sistema interfuncional que integra e automatiza diversos processos ligados ao atendimento ao cliente, como vendas, marketing, além dos serviços de produtos.

1.3 Marketing de relacionamento

O marketing tem como um dos seus objetivos principais desenvolver o relacionamento com todas as pessoas ou organizações que podem afetar o sucesso da empresa, direta ou indiretamente. Uma de suas dimensões é o marketing de relacionamento, sendo que a meta dessa faceta é cultivar o tipo certo de relacionamento com o grupo certo. Para que isso seja possível, a organização deve executar a questão do relacionamento com os seus clientes por meio do CRM, bem como com os seus parceiros (KOTLER; KELLER, 2006, p. 16).

1.4 Redes sociais e microblogging

As redes sociais são plataformas no ambiente virtual que permitem aos seus usuários se relacionar entre si. Por meio da ferramenta eles podem enviar mensagens instantâneas, publicar fotos e vídeos e se comunicarem em chats da própria rede.

No ano de 2007, surgiu uma nova forma de comunicação virtual, o fenômeno conhecido como microblogging. Essa ferramenta permite aos usuários enviarem pequenas mensagens de texto com até 140 caracteres por meio da Internet ou por meio de plataformas móveis (celulares) de forma instantânea e gratuita para todos os leitores de suas páginas, podendo ser amigos ou até mesmo pessoas desconhecidas. A mais conhecida ferramenta de microblogging é o Twitter.

2 Resultados Obtidos

Com base nas informações obtidas por meio das entrevistas realizadas e coleta de informações em sites e revistas especializadas, a autora desse trabalho consolidou uma base de informações sobre as práticas realizadas nos mercados estudados.

2.1 Comunicação

As empresas passaram a assumir as redes sociais como uma forma de interação com o consumidor em uma via de mão dupla, deixando de lado a publicidade unilateral. Isto representa uma quebra de paradigma, pois a publicidade tradicional deixou de ser o único veículo de comunicação e posicionamento da marca para o mercado consumidor.

Através das redes sociais, dos blogs, e microblogs, e das demais ferramentas interativas como alguns sites, e o YouTube, vias rápidas de comunicação de mão dupla, o consumidor consegue comunicar-se com a empresa e expor aos demais

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consumidores suas necessidades, vontades e frustrações. Assim, a informação que antes chegava ao público alvo somente via empresa, passa a ser disseminada entre os grupos, entre os formadores de opinião, e entre os próprios consumidores, sejam comentários positivos ou negativos a respeito da organização ou de seus produtos. As redes sociais também permitem que o retorno da empresa para o consumidor seja mais ágil e personalizado, possibilitando a correção de erros, ou responder a alguma insatisfação do consumidor em relação ao que ela produz.

Nas entrevistas realizadas, pode-se observar que as empresas estão buscando “ouvir os consumidores” e se organizando de maneira que possam atender suas expectativas, além de identificar seus pontos fracos internos e tentar saná-los.

2.2 Controle

Com esse diálogo e essa interação entre as partes, abre-se um espaço para que os consumidores construam a marca juntamente com a empresa. O relacionamento mais estreito entre ambos possibilita que o consumidor deixe de ser apenas um crítico da empresa, e passe a ser um aliado na construção do produto ou do serviço oferecido.

Algumas empresas de ponta estão começando a encarar essa interação como uma oportunidade ímpar de comunicação e relacionamento com o cliente. Estão mudando sua forma de contato nas redes, passando da simples publicidade de produtos para a criação e manutenção de uma relação com seus clientes. A partir do momento que essa relação é criada, a empresa lança a informação e o consumidor a devolve para a empresa, criando um relacionamento com base no diálogo, o que representa algo totalmente diferente da forma unilateral de comunicação que se tinha anteriormente.

Com o poder dos consumidores de trocarem de informações entre si, e criarem coisas novas a partir do conteúdo disponível na Internet, as empresas perdem o controle sobre o que se fala delas na rede mundial. Para tentar minimizar isso, as empresas podem construir uma imagem através dessa relação com seus consumidores, podem fazer com que eles conversem a respeito do que está incomodando, das formas de uso e de pontos de melhora que eles tenham detectado. Nesse meio, o consumidor pode disseminar informações negativas sobre as empresas de uma forma muito fácil, mas também pode se sentir muito valorizado quando é ouvido. Nesse relacionamento, o consumidor ganha uma importância que até então não havia sido dada a ele. Dessa forma, ao invés de ir contra a organização disseminando informações negativas, ele pode agir a favor da empresa por se sentir ouvido, acatado, respeitado, e, sobretudo, atendido.

2.3 Perfis Falsos

A publicação em perfis falsos é um fator que ainda preocupa as organizações, pois usuários podem falar em nome da empresa, apesar de não pertencerem a

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organização. Com isso, difamam a imagem da marca no ambiente virtual. Por outro lado, as organizações podem fazer uso dessa prática ao criar perfis falsos que elogiem o seu produto ou serviço para enaltecer sua imagem de uma forma antiética. Assim, seja identificado pelos consumidores uso indevido das redes sociais, certamente, acarretaria a perda de confiabilidade e uma péssima reputação para a organização. Vale ressaltar que devido ao fato do uso das redes ser algo recente, ainda não há um conjunto de leis específicas que tratem do tema, por isso, jurisprudência vem sendo criada com as primeiras ocorrências.

Conclusão

As organizações ainda estão em processo de aprendizado, em fase de “tentativa e erro” com relação a melhor forma de interação com o consumidor no ambiente virtual. Por não haver uma prática consolidada no mercado com relação às formas de interação, as empresas identificam o que deu certo e procuram manter, ao mesmo tempo que buscam melhorar as práticas que não foram bem aceitas. Nesse novo cenário, as empresas estão aprendendo, rompendo antigos paradigmas de comunicação com o consumidor, ajustando suas formas de comunicação nesses canais, e buscando a melhor forma de interagir, e de lidar com essa realidade das redes sociais e dos consumidores interagindo entre si.

As redes sociais deixaram de ser uma possibilidade e passaram a ser uma obrigação para as empresas que desejam se destacar no mercado e se relacionar de forma rápida, real e mais profunda com seus consumidores.

Seja o consumidor nascido na cidade que tem a Ponte Estaiada ou na que tem a inacabada Igreja da Sagrada Família, ele já está utilizando as redes sociais como uma forma de interagir com as empresas. Este consumidor já está consciente do seu poder de influência sobre outros consumidores, e por consequência, sobre as organizações.

Referências Bibliográficas

BERGAMASCO, Daniel. A força da turma: saiba como os milhões de usuários das redes sociais estão mudando a Internet. Folha de S. Paulo. São Paulo 5 mar. 2008. Caderno Informática, p. F1.CELAYA, Javier. La empresa en la web 2.0: el impacto de las nuevas redes sociales en la estrategia empresarial. Barcelona: Planeta, 2008.CIA. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/sp.html>. 28/10/2009. Acesso em: 02 nov. 2009.IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home>. Acessado em: 25 set. 2009.JENKINS, Drury. Customer relationship management and the data warehouse. Call Center Solutions, Norwalk, v. 18, n. 2, p. 88-92, Aug. 1999.

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KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006.MAKLAN, Stan; KNOX, Simon; RYALS, Lynette. New trends in innovation and customer relationship management: a challenge for market research. International Journal of Market Research. V. 50, n. 2, 2008.O’BREIN, James A. Sistemas de informação e decisões gerenciais na era da Internet. São Paulo: Saraiva, 2004.UOL. Disponível em: <http://sobreuol.noticias.uol.com.br/historia/ linhadotempo.jhtm>. Acesso em: 18 out. 2009.

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A influência dos fatores socioambientais no processo

de decisão de compra do consumidor*

Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica**

Resumo:

* Este artigo é um resumo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado ”A influência dos fatores socioambientais no processo de compra do consumidor” apresentado em 2009 na Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado sob a orientação da Prof. Dr. Agustín Perez Rodrigues.** Os autores são graduados em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP.

O artigo aborda o comportamento do consumidor perante a influência dos fatores socioambientais. O objetivo é verificar se os consumidores estão dando importância para os fatores socioambientais antes de realizar uma compra, qual é o nível de conhecimento e consciência sobre o tema e, por fim, investigar a adoção de hábitos e atitudes no dia-a-dia em favor do meio ambiente na comunidade. Por meio de uma pesquisa de campo realizada pela internet, foi possível apontar que o conhecimento sobre o tema sustentabilidade ainda é pouco claro, enquanto que o tema de responsabilidade ambiental mostra-se mais maduro para os entrevistados. Com relação a influencia dos fatores socioambientais (embalagem reciclável, alimento orgânico, produto biodegradável entre outros) no processo de decisão de compra, notou-se que estes são considerados importantes para os entrevistados, porém não há o costume de procurar informações socioambientais nas embalagens dos produtos. A respeito dos hábitos e atitudes do dia-a-dia em prol do meio ambiente e da comunidade, observa-se que os consumidores estão adotando hábitos, porém ainda com alguma resistência.

Palavras chave: comportamento do consumidor, fatores socioambientais, sustentabilidade.Abstract:

The paper studies consumer behavior before the influence of social environmental factors. The goal is to ensure that consumers are giving importance to the social and environmental factors before making a purchase, which is the level of knowledge and awareness on the issue and finally, to investigate the habits and attitudes in day-to-day in favor environmental community. Through field research conducted over the Internet, you can point that knowledge about the sustainability issue is still unclear, while the theme of environmental responsibility shows itself most mature respondents. Regarding the influence of social environmental factors (recyclable packaging, organic food, biodegradable products among others) in the process of purchase decision, it is noted that they, in short, are considered important to respondents, but the same does not tend to seek information or socio-environmental factors on product packaging. Regarding the habits and attitudes of the day-to-day in favor of the environment and community, it is observed that consumers are adopting habits, but still had some reservations.

Keywords: consumer behavior, social and environmental factors, sustainability.

A influência..., Diana Thereza Elias Ricardi, Diego Enrico Melo Monsó, Mônica Sonagere França, Raissa Maria Ribeiro Oiticica, p. 160-167

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Introdução

Sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, responsabilidade ambiental e social são conceitos muito comuns atualmente. Todos já ouviram, leram ou viram alguma coisa relacionada a esses temas. Mas afinal, o que é isso tudo?

É notável o cenário conflitante entre o crescimento econômico e a degradação do meio ambiente. Torna-se cada vez mais preocupante a maneira acelerada com a qual o meio ambiente está “desaparecendo”, o que poderá acarretar nos próximos anos, a perda da biodiversidade e dos recursos naturais, bem como o desequilíbrio das condições climáticas do planeta.

Por mais que muitos ainda acreditem que a preocupação socioambiental seja moda ou apenas uma maneira de criar um diferencial competitivo nas empresas, nota-se que essa questão não pode ser tratada como algo passageiro. Hoje a preocupação com o meio ambiente e com a comunidade tornou-se uma necessidade mundial, não pode estar apenas em prateleiras, como forma de consumo consciente, mas também inserida no cotidiano social, sendo ensinado nas escolas, nas empresas, por meio de campanhas explicativas organizadas pelo governo. Enfim isso deve ser vivido por todos, afinal vale lembrar que os ecossistemas são condições mínimas necessárias para a sobrevivência da humanidade e conseqüentemente da economia.

Diante desta situação, surgem novos conceitos e novas maneiras de trabalho, de vida e de abordagem do problema, como por exemplo, o marketing social, entendido segundo Dias (2007, p.53), como: "[...] a aplicação de tecnologias próprias do marketing comercial na análise, planejamento, execução e avaliação de programas criados para influenciar o comportamento de determinados grupos sociais ou da população de um modo geral, com o objetivo de melhorar suas condições de vida."

O marketing verde, como sendo uma maneira de intensificar a relação entre o meio ambiente, a empresa e o consumidor, ou seja, mostrar que um produto ou serviço ecologicamente correto é também mais saudável, pois reduzem os danos ambientais, fazendo com que a qualidade de vida das pessoas, direta ou indiretamente, apresente melhorias.

Começa-se a pensar também no produto em si, surgindo assim, os produtos ecologicamente corretos, ou seja, produtos que causem prejuízos menores ao meio ambiente, tanto em relação à sua composição e origem, quanto ao seu processo produtivo e até mesmo ao seu consumo. (DIAS, 2006). Com isso, torna-se necessária a criação de certificações que garantam o cumprimento das normas, como por exemplo, a ISO (Internacional Organization for Standardization, em português, Organização Internacional de Padronizações), a FSC (Forest Stewardship Council, em português, Conselho de Manejo Florestal) entre outros.

O próprio conceito de sustentabilidade, demonstrado graficamente através do tripé econômico, social e ambiental, representa o equilíbrio entre os aspectos sociais – o capital humano, os aspectos ambientais – o capital natural e por fim, o econômico – o capital financeiro.

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Fonte: Elkinggton (2001)Figura 1 Equilíbrio dos Pilares da Sustentabilidade

Denominadas de consumidor “verde” ou “ecológico”, algumas pessoas passam a ter maior consciência ambiental e social e adotam um novo estilo de vida, conhecendo e obtendo mais informações sobre as empresas e os produtos, planejando melhor as suas compras, preocupando-se mais com a adequação dos produtos e empresas aos seus valores e, com isso, passando a exigir mais do mercado.

Portanto, diante dessa nova atitude e comportamento, pode-se notar que há uma tendência da questão socioambiental se tornar cada vez mais presente no cotidiano das pessoas e das empresas, por isso torna-se necessário a compreensão de todos os aspectos relacionados a ela, principalmente no que tange às exigências dos stakeholders, sobretudo dos consumidores e do mercado em geral.”

1 Metodologia

No estudo foi utilizado o método de estudo descritivo ad hoc, caracterizado pela identificação de situações de mercado através de dados primários.

A pesquisa foi realizada por meio da internet e o questionário foi desenhado para obter indicadores numéricos, a fim de identificar o grau de importância que os consumidores estão atribuindo para as questões socioambientais tanto nos hábitos e costumes, como na intenção de compra, caracterizando assim, uma pesquisa quantitativa. Alem do caráter quantitativo a pesquisa contou também com perguntas abertas, que possibilitaram a identificação de percepções, opiniões dos consumidores sobre o tema, caracterizando, portanto, também uma pesquisa qualitativa.

A pesquisa de campo tinha como objetivo atingir os consumidores internautas em nível nacional, de uma maneira geral e aleatória, a fim de explorar e conhecer melhor a opinião dos mesmos sobre os aspectos e os fatores socioambientais. A pesquisa é subjetiva e abrangente, pois não foi escolhido nenhum produto ou empresa específica. A idéia era conhecer a opinião dos consumidores e identificar tendências.

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• População segundo CETIC (in http://www.cetic.br/usuarios/ibope/w-tab02-01-2009.htm, acesso em 05/11/2009): 35,5 milhões de internautas ativos em residências e no trabalho e horas navegadas – base 2009.

• Amostra obtida: 365 entrevistadosLevando em consideração o objetivo do trabalho e o tamanho da população,

os elementos da amostra foram selecionados de acordo com critérios subjetivos, porém de maneira aleatória, caracterizando-se por uma amostra não probabilística e autogerada, ou seja, o grupo enviou o questionário para a sua rede contatos, com pessoas de diversos lugares e diversos perfis, atingindo aproximadamente 300 pessoas com acesso à internet no trabalho e/ou no domicílio e depois cada entrevistado enviou o questionário para o seu grupo de contato e assim sucessivamente. Dessa maneira o alcance do questionário através de referências obtidas foi grande o que não permitiu o controle do número de pessoas que efetivamente receberam o questionário.

A amostra é relativamente jovem, sendo a maioria dos respondentes na faixa entre 20 e 40 anos (66%), predominantemente do sexo feminino (53%), solteiras (52,9%), com nível de escolaridade Superior Completo (37,3%) e Incompleto (20,8%), com renda familiar média mensal acima de R$ 3.001,00 (76%).

1.1 Análise dos resultados

Com relação aos conceitos testados, sustentabilidade, responsabilidade ambiental e responsabilidade social, o conceito de sustentabilidade ainda não está muito claro para a maioria dos entrevistados, uma vez, que na maior parte dos casos (54%), ele ainda é relacionado apenas ao uso consciente dos recursos e a reutilização dos materiais. Porém, como foi observado anteriormente, sustentabilidade é um conceito mais amplo que isso, envolvendo o pilar econômico, social e ambiental.

Já com relação aos hábitos e costumes, observa-se que, de uma maneira geral, o grau de concordância com as frases encontra-se entre “concordo parcialmente” e “concordo totalmente”, indicando que os entrevistados possuem hábitos como separação de lixo, interesse pelo tema, preocupação em ensinar e divulgar o tema para as outras pessoas, escovar os dentes sem deixar a torneira aberta e tomar banho o mais rápido que pode. Vale ressaltar neste aspecto, que a alternativa que obteve o menor grau de concordância entre todas, foi àquela relacionada ao banho rápido. Isso demonstra que alguns hábitos estão sendo incorporados, mas que a adoção de outros ainda apresenta certa resistência.

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Gráfico 1 Resumo médias ponderadas Hábitos e Costumes

Sobre o grau de informação testado, através das perguntas: “Quanto ao conhecimento sobre a separação do lixo”, “Quanto aos impactos causados pela sociedade ao meio ambiente e suas conseqüências” e “Quanto às medidas que o mundo está tomando sobre sustentabilidade”, nota-se que as pessoas consideram-se entre mais ou menos informadas e muito informadas.

Vale ressaltar neste ponto a diferença observada entre gerações, demonstrada através da pergunta “Onde você teve contato com os conceitos de sustentabilidade, meio ambiente, ecologia, socioambiental pela primeira vez?”: a escola aparece em primeiro lugar com 19,7% dos entrevistados, seguido de faculdade/ universidade com 16,7% e logo depois na empresa onde trabalha ou trabalhou com 12,1%. Lembrando que se trata de uma amostra jovem, predominantemente entre 20 e 40 anos. Ao analisarmos os entrevistados com mais de 41 anos, as revistas ou jornais aparecem em primeiro lugar (23,6%), seguidos, com o mesmo percentual (18,1%), na empresa onde trabalha ou trabalhou e na TV. Sendo assim, pode-se dizer que os conceitos foram e provavelmente continuam sendo trabalhados e incorporados nas instituições de ensino como escolas, faculdades e universidades. Isso representa algo positivo, pois, quanto antes essas questões forem aprendidas, mais fácil será incorporar mudanças nos hábitos e até mesmo nas empresas em prol do meio ambiente e da comunidade.

Por fim, com relação às influencias dos fatores socioambientais no processo de decisão de compra, nota-se que a qualidade, preço são sempre as mais importantes, porém já é possível perceber uma preocupação com o atributo de biodegradabilidade nas categorias de higiene e limpeza doméstica e de cuidados pessoais. Já na categoria de alimentos, os produtos orgânicos ou não transgênicos foram os menos importantes, porém vale salientar a importância dada aos produtos que não contem gordura trans.

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Foi interessante observar que os entrevistados não costumam buscar informações nas embalagens dos produtos, sendo assim, torna-se difícil a identificação de elementos ou atributos socioambientais do produto. Um outro aspecto importante foi que os entrevistados, em sua maioria, disseram estar dispostos a pagar mais por produtos de marcas ou empresas preocupadas com aspectos socioambientais.

Considerações finais

Por meio dos resultados obtidos pela pesquisa, é possível indicar que as pessoas estão mais preocupadas e conscientes com o tema e sabem da sua importância, porém percebe-se que ainda falta clareza e informação adequada para o consumidor, já que o mesmo muitas vezes não conhece alternativas para melhorar seus hábitos de consumo. Sendo assim, apesar da pouca informação essa mudança de comportamento dos consumidores pode demonstrar uma tendência de maior exigência com as empresas e com as demais instituições, pois se os indivíduos já estão preocupados com isso e conscientes de alguns aspectos, é provável que esses fatores se tornem cada vez mais importantes e essenciais.

Neste ponto, as empresas podem desempenhar um papel informativo importante para a sociedade. Ao contrário de apresentarem-se apenas como sustentáveis, demonstrar as medidas adotadas, ou seja, o que é feito, devem procurar fazer ações de marketing com o objetivo de informar quais os atributos socioambientais dos seus produtos, demonstrando como buscar elementos socioambientais nas embalagens, explicando os selos, enfim, estimulando busca por informação por mais conhecimento.

A fim de resumir e traduzir a idéia desse estudo para uma forma gráfica foi criado a figura conceito abaixo, que possui elementos como cérebro no formato de uma árvore, no sentido de estimular a informação e o conhecimento sobre o tema, bem como o pensamento sobre o assunto de maneira mais criteriosa e de forma consciente.

Figura 1 Conceito trabalho

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Embora durante muito tempo os problemas sócio-ambientais tenham sido preocupação apenas do Estado e ambientalistas, hoje, vem sendo debatidas intensamente por toda a sociedade, não apenas a divulgação, como também a maior conscientização e proximidade com esses problemas, levam empresas e consumidores a se preocupar cada vez mais com o assunto e rever suas praticas , dando espaço a novos conceitos, como consumo consciente, consumo verde, consumo sustentável.

Referências Bibliográficas

CETIC – Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação. Disponível em: <www.cetic.br>. Acessado em 08 de novembro de 2009.DIAS, Reinaldo. Marketing Ambiental: Ética, responsabilidade social e competitividade nos negócios. São Paulo: Atlas, 2007.DIAS, Reinaldo. Gestão Ambiental: Responsabilidade Social e Sustentabilidade. São Paulo: Atlas, 2006.ELKINGTON, John. Canibais com garfo e faca. São Paulo: Makron Books, 2001.SUKHDEV, Pavan. TEEB Interim Report. Disponível em <www.teebweb.org>. Acessado em 7 de nov. de 2009.

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SISTEMA JURÍDICO E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO:A BUSCA PELA EFICIÊNCIA E

O CASO BRASILEIROJosé Rubens Vivian Scharlack*

* Advogado em São Paulo. Sócio-fundador de Rodante & Scharlack Advogados. Professor-Colaborador da FAAP. Trabalho adaptado da monografia apresentada ao Curso de MBA da FAAP. Contatos pelo endereço eletrônico <[email protected]>.

Resumo: O texto analisa o desempenho da instituição máxima do sistema jurídico brasileiro, o Poder Judiciário, no desenvolvimento econômico de nosso país e busca discutir o papel e a capacidade desse poder perante as demandas que lhe serão apresentadas nesta época de crise e recuperação econômica em que se adentra.

Pa l av ra s c h ave : S i s te m a j u r í d i co.

Desenvolvimento. Economia. Eficiência.

Abstract:The text analyzes the performance of the Brazilian legal system’s main institution, the Judiciary Power, in the economic development of our Country and intends to discuss the role and the capacity of such power toward the demands that will be presented to it in this newly-entered time of economic crisis and recuperation.

Key words: Legal system. Development. Economy. Efficiency.

Introdução

Sistemas jurídicos, enquanto conjuntos de normas, processos e instituições, destinam-se a pacificar e regrar as relações sociais e, porque a qualidade destas influi na qualidade do sistema de trocas entre os agentes econômicos, é correto afirmar que alguma relação existe entre o nível de desenvolvimento de uma economia e o sistema jurídico ali vigente.

Dentre os sistemas jurídicos existentes no mundo, sobressaem-se, por sua relevância numérica, aqueles filiados ao civil law (ou direito romano-germânico) e aqueles adeptos do common law. O civil law é uma “família” de sistemas jurídicos em que predomina fortemente a lei geral e abstrata cuja hierarquização gera um ordenamento jurídico lógico, cuja flexibilização tem a rigidez da modificação

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legislativa e cuja aplicação ao caso individual e concreto depende de interpretação1. De sua vez, o common law pode ser definido como uma “família” em que os costumes, em maior grau, e as leis, em menor grau, servem de fontes e cuja elaboração, secular, foi feita nas cortes judiciais, e não nas universidades. Sua flexibilização é menos rígida porque prescinde de alterações legislativas e sua utilização nos casos concretos demanda menos a concretização de preceitos abstratos do que a identificação do remédio legal necessário.

Logo, a filiação de um sistema jurídico a determinada “família” influencia a maneira como as regras jurídicas serão criadas (seja pelo processo legislativo, mais geral e abstrato, seja pelo processo judicial ou costumeiro, mais individual e concreto, cada qual com particularidades e dinâmicas próprias) e como os conflitos serão solucionados, ou seja, a filiação determina a forma como se darão as normas e os processos. Não define como serão as instituições.

É por isso que a mera filiação de um sistema ao civil law ou ao common law – ou mesmo a aglutinação de influências dessas duas “famílias” em um mesmo sistema jurídico – não se revela fator determinante à catapultagem (ou não) de um país ao desenvolvimento econômico. Prova disso é o fato de existirem países ricos e pobres adeptos do civil law. Outros tantos, filiados ao common law, também os há economicamente desenvolvidos e subdesenvolvidos. Além do mais, a qualidade com que as normas são aplicadas pode variar significativamente de sistema para sistema dentro de uma mesma “família”, com relevantes conseqüências ao funcionamento das respectivas economias.

Por outro lado, outro fator revela-se crucial à criação de um ambiente propício ao desenvolvimento econômico: o grau de eficiência do sistema jurídico, sua capacidade de regrar a vida social, atender à população e solucionar-lhe os conflitos. Acredita-se que a busca pela eficiência dos sistemas jurídicos possa tanto resultar em modificações decorrentes da importação de figuras de sistemas alienígenas quanto no aperfeiçoamento de figuras do direito interno. De uma forma ou de outra, e sem se desprezar a importância de se ter regras e processos de qualidade, o que dará o tom para a classificação de um sistema jurídico como eficiente (ou não) será o grau de desenvolvimento de suas instituições.

Dentre as instituições encarregadas de aplicar as regras jurídicas, sobressai-se, por sua importância, o Judiciário. A migração do sistema econômico global do Estado intervencionista para a economia de mercado trouxe para o enfoque mundial a necessidade de avaliação e qualificação do Judiciário.

Na esteira desse raciocínio, deve-se ter em mente que um Judiciário lento, imprevisível ou arbitrário acarreta ao país custos econômicos, dentre os quais se destacam (i) o estreitamento da abrangência da atividade econômica, com desestímulo à especialização e à exploração de economias de escala (devido ao risco); (ii) o desencorajamento a investimentos e à ótima utilização do capital disponível, que, mercê da insegurança jurídica, tem de ser alocado de forma menos eficiente; (iii) a distorção do sistema de preços (decorrente da introdução do fator de risco jurídico nos preços); (iv) a diminuição da qualidade da política econômica, que volta a ser mais intervencionista; e (v) a pior avaliação, pelas

1 Em português jurídico, subsunção (adequação do fato à norma).

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agências de rating, das medidas de risco-país. O impacto da eficiência do sistema judicial no desenvolvimento econômico é, portanto, altamente relevante.

Com relação ao Brasil, nosso sistema jurídico oriunda do civil law e, assim, tem na lei o seu principal norte e na Constituição Federal de 1988 sua principal lei. Na eventualidade de uma lacuna legal, os operadores do direito utilizam-se de equidade, analogia e demais ferramentas postas pelo próprio Direito, notadamente pela Lei de Introdução ao Código Civil e demais codificações. Exercem grande influência sobre a forma de resolução de conflitos os Códigos de Processo Civil e Penal. Na área tributária, apesar da profusão normativa existente, prevalece o Código Tributário Nacional.

Por outro lado, não se pode negar a já importante mas ainda crescente influência que exerce em nosso sistema jurídico a jurisprudência. Cada vez mais se volta a atenção aos precedentes jurisprudenciais para se tomar decisões negociais e para se realizar planejamentos. Em contraste, cada vez menos atenção se dá às lições doutrinárias, outrora tão relevantes no civil law, ultimamente referenciadas apenas como fonte de aprofundamento do conhecimento da lei. O próprio Código de Processo Civil vem sendo reformado para dar mais valor aos precedentes jurisprudenciais e, assim, aproximar um pouco nosso sistema do common law. Prova disso são seus artigos 557 e 558, que permitem ao juiz relator (i) negar seguimento a recurso que esteja em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada no Supremo Tribunal Federal (STF) ou em Tribunal Superior, (ii) dar pronto provimento a recurso contra decisão que esteja em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência pacificada no STF ou em Tribunal Superior, ou ainda, ao juiz de primeira instância, (iii) dispensar de revisão pela segunda instância sentenças proferidas de acordo com súmula ou jurisprudência do STF ou Tribunal Superior.

No tocante ao quesito eficiência, entretanto, acredita-se que ainda hoje sejam fortes os problemas enfrentados por nosso sistema jurídico e, particularmente, por nosso Judiciário. Neste sentido, é necessário destacar o parcial descolamento fático das regras e estruturas formalmente idealizadas e postas na constituição e na lei. Fazendo uso dos conceitos criados por Gray (1989) para ilustrar o caso indonésio, conclui-se que o sistema jurídico brasileiro é um misto entre o modelo formal (sistema independente e funcional que reflete em grande parte as ideias de Max Weber sobre o tipo ideal de organização burocrática) e o modelo informal (sistema jurídico com distribuição assimétrica de informação e aversão a risco, com consequentes problemas de representação autoridade-agente).

Eis porque criam-se no Brasil estruturas paralelas às instituições formalmente existentes, como clubes ou empresas familiares. Ademais, proliferam, no Brasil, sistemas de informação contendo “listas negras”, como a Centralização de Serviços dos Bancos (SERASA), o Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) e o governamental Cadastro Informativo de Devedores da Fazenda Nacional (CADIN), além, é claro, da preferência empresarial pela negociação direta e pela cuidadosa e prévia seleção de parceiros de negócios. O recurso ao Judiciário é visto como última alternativa.

Por ser oriundo de um sistema misto, em que diversas funções são original e constitucionalmente reservadas a instituições que terminam por delegá-las ao Executivo, o Poder Judiciário não deixa de apresentar deficiências. Pinheiro (2003a)

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demonstra que os problemas do Judiciário brasileiro implicam às empresas custos econômicos estimados – grosseiramente – em 20% do PIB, o que evidencia a gigantesca importância do assunto. Tais problemas, apesar de agravados pela instabilidade de nosso arcabouço jurídico, decorrem de causas profundamente arraigadas e sedimentadas em nossa sociedade e são ainda hoje uma parcial incógnita em razão da quase ausência de estudos e análise a respeito desse Poder. Eis porque elaborou extensa pesquisa sobre a impressão dos próprios membros do Judiciário sobre a situação do Poder. Serviram de fonte 741 magistrados brasileiros, das Justiças Federal, Estadual e do Trabalho, em todas as suas instâncias. Seus principais resultados vão resumidos abaixo:

Os principais problemas do Judiciário, de acordo com os magistrados, são, em primeiro lugar, a morosidade, em segundo, o alto custo de acesso (custas judiciais e outros custos) e, em terceiro lugar, a falta de previsibilidade das decisões judiciais. O aspecto mais positivo ressaltado pelos magistrados é a imparcialidade de suas decisões;

De acordo com a visão dos magistrados, contribuem para a morosidade do Judiciário (i) a ação de indivíduos, firmas e grupos – sobretudo o próprio Estado, na seara tributária – que a ele recorrem não para pleitear direitos mas para postergar o cumprimento de suas obrigações; e (ii) problemas internos ao funcionamento do sistema legal e judicial (antigos e conhecidos, mas alheios à própria atuação dos magistrados, tais como número insuficiente de juízes, profusão de recursos e possibilidades de se protelar uma decisão – o que, além da morosidade, gera desmotivação e menos comprometimento do magistrado com a qualidade de suas próprias decisões, que sempre acabam sendo revistas por uma instância superior –, falta de equipamentos de informática, preferência dos advogados por estender a duração de litígios – e assim preservar seu mercado de trabalho –, ênfase no formalismo processual e precária situação das instalações judiciárias);

Ainda segundo os magistrados, contribuem para a falta de previsibilidade de suas decisões (i) as falhas no ordenamento jurídico, (ii) o uso freqüente de liminares e (iii) a tendência a que as decisões sejam tomadas com base em detalhes processuais (não se alcançando, portanto, em muitas decisões, o mérito das causas);

Por outro lado, não são percebidos pelos magistrados dois problemas que inquinam de imprevisibilidade as decisões judiciais – e consequentemente, afetam de forma séria a segurança jurídica de nosso sistema –, a saber, (i) a ‘judicialização’ da política, que é a tendência de os poderes políticos transferirem para o Judiciário a solução de conflitos políticos, a qual só é admitida pelos magistrados no círculo restrito dos Tribunais Superiores, e (ii) a ‘politização’ das decisões judiciais, fenômeno ainda mais perigoso, segundo o qual as decisões judiciais são baseadas mais na visão política do juiz do que na interpretação rigorosa da lei. De acordo com os achados de Pinheiro (2003b, p. 47), a politização das decisões judiciais, fenômeno tão mais grave em razão do pouco conhecimento que dele se tem, “[...] freqüentemente resulta da tentativa dos magistrados de proteger a parte mais fraca na disputa que lhe é apresentada. Os magistrados se referem a essa atitude como um papel social que o juiz tem de desempenhar. Em relação a essa questão, perguntou-se aos magistrados sobre com qual de duas proposições eles concordavam mais: (A) que os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões sociais;

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ou (B) que a busca da justiça social justifica decisões que violem os contratos. A grande maioria dos entrevistados (73,1%) respondeu que eles concordavam mais com a segunda alternativa (B)”. Enfim, os magistrados claramente privilegiam, por esse viés de politização de suas decisões, a “justiça” em detrimento da segurança jurídica. Quer o juiz brasileiro, dentro de nosso sistema de civil law, agir, em larga medida, como um juiz do common law, sem, entretanto, limitar-se pelas regras de precedente ou pelas decisões de tribunais superiores, que são os instrumentos que dão previsibilidade ao sistema de common law. Sua neutralidade, enfim, fica gravemente comprometida, sobretudo em questões envolvendo direito ambiental, direito do trabalho, direto previdenciário, direito do consumidor e direito tributário.

Percebe-se, pelos achados acima, que, infelizmente, no caso brasileiro, por compor um sistema jurídico onde ainda se vê divorciarem-se previsão constitucional e realidade fática, o Judiciário, na busca pela eficiência, tropeça em dois problemas particularmente graves: a demora para a entrega de uma prestação jurisdicional final e a falta de neutralidade política dos juízes. Ambos os problemas impactam negativa e significativamente o desenvolvimento econômico nacional, já que a demora do Judiciário e a incerteza do resultado de seus processos tornam-se componentes de risco que instruem as matrizes de preços em todas as transações (sobretudo as financeiras e de crédito nacional e externo, sendo a medida de risco-país a mais visível delas), bem como inibem o desenvolvimento da atividade empreendedora no país e o afluxo de investimentos externos na atividade produtiva nacional.

Todavia, conforme apontado na pesquisa, o problema da morosidade pode ser mitigado com o implemento de medidas simples e que não implicam necessariamente a realocação de mais recursos governamentais ao Judiciário, tais como (i) a instituição de indicadores de performance como condicionadores da promoção de magistrados (foram particularmente sugeridos dois critérios interessantes, a saber, [a] indicadores quantitativos sobre celeridade processual – intervalo de tempo entre a entrada e o julgamento dos processos – e [b] indicadores quantitativos sobre previsibilidade das decisões – proporção de decisões confirmadas em instâncias superiores), (ii) o aumento do treinamento de juízes em fase pré-judicatura (a exemplo do que ocorre com os diplomatas) e (iii) a nomeação de administradores forenses, ferramenta fundamental para otimizar o tempo dos juízes e concentrá-lo no que eles realmente são talentosos: proferir decisões judiciais.

Para remediar o problema da não-neutralidade, é necessária educação econômica, a qual pode ser, ao menos inicialmente, passada aos magistrados durante os treinamentos pré-judicantes, ou mesmo mediante leve aprimoramento das grades curriculares nos cursos de direito. A educação econômica mostra-se particularmente importante como mecanismo destinado a reduzir ou mesmo evitar a chamada “politização da justiça”, de modo a que os juízes centrem suas decisões na análise do Direito e não subvertam seu papel decisor eminentemente técnico no afã distributivista de realizarem, individualmente e em substituição ao governo, política social, mesmo porque a forma mais eficiente de se atingir os objetivos distributivistas que pesam na consciência dos juízes é garantir segurança

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jurídica ao nosso sistema, do qual o Poder Judiciário é a instituição máxima. Ademais, é necessário que se entenda que a não-neutralidade do magistrado tem conseqüências negativas, das quais se pinça, com Pinheiro (2003b), a incerteza dos contratos e o aumento de prêmios de risco (isto é, preços) com prejuízo direto, a posteriori, às próprias partes (trabalhadores, consumidores, clientes bancários etc.) a que o magistrado buscara inicialmente proteger.

Ainda, lembra-se que há recentes reformas implementadas, cujos resultados, pendentes de avaliação em razão de sua pouca expressividade até o momento, podem alterar o quadro acima descrito. É que, a partir de 2005, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, foram sendo paulatinamente introduzidas modificações no sistema brasileiro visando a aplacar as principais mazelas do Judiciário e, assim, dar-lhe maior eficiência. São oriundas dessa reforma, por exemplo, as súmulas vinculantes, as quais não só condensam o entendimento do STF a respeito de determinado assunto, mas também se impõem às instâncias inferiores, de modo a uniformizar a jurisprudência sobre aquele tema, trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade ao nosso sistema. Também são resultados dessa reforma a ferramenta de repercussão, a qual, quando utilizada, “congela” o trâmite de todos os processos existentes no país sobre determinado assunto até que o STF exare sua decisão a respeito. Por fim, é igualmente produto da reforma a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão composto por membros do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia, bem como por cidadãos de destaque, ao qual é atribuído o papel de controle externo do Poder Judiciário. Na esteira da Emenda 45, reformas outras foram trazidas pela legislação ordinária, donde se pinça, dentre outras, (i) a nova Lei de Execução Civil (Lei 11.232/2005), que abreviou a duração do processo de execução; (ii) a Súmula Impeditiva de Recursos (Lei 11.276/2006), que permite ao juiz não receber recurso de apelação se sua sentença estiver de acordo com matéria sumulada pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); (iii) a Lei 11.277/2006, que estabelece a possibilidade de pronta extinção da ação pelo juiz em casos repetitivos sobre cujo assunto ele já possua entendimento firmado pela improcedência da causa; e (iv) a Lei 11.280/2006, que permite ao juiz reconhecer a prescrição2 do direito discutido no processo sem prévia provocação das partes. Outra iniciativa de caráter administrativo que se vem notando é a progressiva informatização dos fóruns e tribunais, permitindo a verificação dos andamentos e decisões processuais pela internet e, nalgumas esferas mais restritas, mesmo a apresentação de ações, defesas e recursos por meio eletrônico.

Por fim, cabe ressaltar que parte do discurso liberalizante que ensejou toda a discussão a respeito da reforma do Judiciário – de acordo com o qual o Estado deveria reduzir sua atuação para atuar como mero facilitador dos negócios a serem empreendidos, com a maior liberdade possível, pela iniciativa privada – caiu por terra, em razão dos abusos cometidos no mercado financeiro norte-americano e europeu que acabaram por gerar uma onda de clamor por uma maior regulação do mercado financeiro e, por via de conseqüência, um maior controle estatal sobre suas transações. A tendência mesmo parece ser uma mudança significativa

2 Extinção do direito pelo decurso do tempo, sem que tenha havido o seu exercício pelo titular.

Sistema Jurídico E Desenvolvimento Econômico: A Busca Pela..., José Rubens Vivian Scharlack, p. 168-175

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do papel do Estado na economia. No momento inicial, em que a crise bateu às portas dos países, o Estado foi chamado a contribuir para reverter a iliquidez geral dos mercados e não raro assumir dívidas do setor privado. Em um segundo momento, estima-se a ampliação das funções regulatórias estatais, com esperadas repercussões políticas e sociais.

Com isso de maneira nenhuma se altera a necessidade de reforma judicial, mas reforça-se a necessidade da presença estatal, não como empreendedor, mas como forte regulador e facilitador (na medida em que não lhe cria entraves despropositados e ainda proporciona a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento) da economia, cujos principais agentes, concorda-se, devem ser os entes privados. A desestatização da economia significa, em última análise, a retirada do Estado do papel de ator econômico principal, nunca se lhe subtraindo, entretanto, a tutela do interesse público e a necessária regulação e controle das atividades dos particulares, na medida em que a falta dessa regulação e controle prejudiquem os direitos e garantias individuais e sociais e, assim, a sociedade como um todo.

Neste novo cenário, em que a demanda pela atuação estatal (não empreendedora, mas reguladora) é reforçada, o papel do Judiciário torna-se ainda mais relevante – posto que ele se constitui na esfera última de proteção ao indivíduo, à sociedade e ao próprio Estado, bem como a instituição máxima garantidora da segurança necessária à conformação da infra-estrutura legal para o desenvolvimento nacional – e sua reforma, nos termos aqui analisados, torna-se mesmo crucial.

Referências Bibliográficas

GRAY, C. W. Legal process and economic development, a case study of Indonesia, Washington: World Bank Technical Paper, 1989.PINHEIRO, A. C. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2003a._______. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – IPEA, 2003b.

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Resenha

A Arte da Guerra

TZU, S. A arte da guerra. Adaptação e prefácio: James Clavell. Tradução: José Sanz. 29ª ed.. Rio de Janeiro: Record, 2002, 111 p.

Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira**

Escrita há aproximadamente 2.500 anos na China antiga pelo general Sun Tzu, “A Arte da Guerra” é uma obra clássica não sujeita ao tempo. Redescoberta pelo mundo ocidental e utilizada como um “manual de estratégias” devido ao seu denso conteúdo filosófico, a obra reúne uma série de premissas de cunho militar, que podem ser facilmente aplicadas atualmente por administradores, políticos, empresários, entre outros, para formulação de suas estratégias.

A obra de Sun Tzu é considerada por muitos a precursora da literatura acerca da estratégia em combate. Posteriormente, essa temática também foi abordada em “Da Guerra” (1832), pelo general Clausewitz, e se tornou principal referência clássica em estratégia de guerra no Ocidente.

Grande parte da utilização do pensamento estratégico na área de negócios é proveniente da referida esfera de combate, na qual a estratégia é definida como uma arte militar que envolve o planejamento e a execução necessários para se chegar aos objetivos principais da guerra. Diferente de uma simples questão lógica, através da qual é possível alcançar um mesmo resultado final, a necessidade estratégica nasce da impossibilidade de satisfação simultânea de interesses divergentes e da imprevisibilidade da reação de qualquer oponente, que possui valores e percepções geralmente constituídos de forma totalmente diversa (COSTA; ALMEIDA, 2005, p. 205).

Segundo o professor Pankaj Ghemawat, os termos estratégicos existentes, a partir de sua origem militar, foram incorporados aos negócios efetivamente a partir do século XX, porém anteriormente, no período da Segunda Revolução Industrial, surgia a “emergência da estratégia como forma de moldar as forças do mercado e afetar o ambiente competitivo”, principalmente pelo surgimento dos mercados em massa (2000, p.16).

De acordo com o mesmo autor, a Segunda Guerra Mundial viabilizou o

* Silvye Ane Massaini, formada em Administração de Empresas pela FAAP em 2008, pós-graduanda em Gestão Estratégica de Projetos e Professora Auxiliar de Ensino em tempo integral na mesma instituição. <[email protected]>. Viviane Renata Franco de Oliveira é bacharel e licenciada em História pela USP e bacharel em Administração de Empresas pela FAAP, onde também exerce função. <[email protected]>

A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180

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pensamento estratégico nas empresas para solucionar o problema de alocação de recursos na economia e para guiar decisões gerenciais, com o objetivo de exercer influência sobre as forças do mercado (2000, p.17). As escolas de administração foram as principais responsáveis por promover o pensamento estratégico nos meios acadêmicos e, a partir da década de 1960, essa influência se fazia fortemente presente em diversos tipos de negócios, principalmente através da atuação de firmas de consultoria em estratégia que se formaram em meados da década de 1970.

A obra “O processo da estratégia” salienta que a influência militar foi ainda mais relevante nas concepções estratégicas que se disseminaram na década de 1980, sendo Michael Porter um dos representantes dessa influência, conhecida como Escola de Posicionamento. Na vertente do posicionamento, que tem a obra de Sun Tzu como base, a estratégia “reduz-se a posições genéricas selecionadas por meio de análises formalizadas das situações de segmento”, fazendo com que os estrategistas sejam caracterizados fundamentalmente pela sua capacidade analítica (MINTZBERG et al, 2003, p.10).

Percebe-se, pela apreciação de “A Arte da Guerra”, que tal aspecto fora explorado por Sun Tzu, ao afirmar que o general que tiver capacidade de analisar seu ambiente cuidadosamente, planejar estrategicamente e liderar, conhecendo a si e aos seus inimigos, obterá êxito. Sua obra apresenta como ponto central a busca da vitória frente a um ambiente de competição e conflito, na qual se evidencia a necessidade de antecipação diante do inimigo, de adaptação frente às diferentes variáveis e de ação rápida e eficaz.

O livro é dividido em 13 capítulos, nos quais o autor expõe a importância da disciplina e do planejamento nas ações militares.

Inicialmente, o autor trata da preparação dos planos, evidenciando a necessidade de planejamento para alcance dos objetivos. Nesse sentido, a figura do chefe militar torna-se fundamental devido a sua responsabilidade pela condução de seu exército de forma segura. Para tanto, o militar deve considerar as condições de sua equipe e de seu inimigo, tendo em mente cinco princípios básicos para se tornar um vencedor:

1. Lei Moral: significa a submissão do exército diante de seu governante.2. Céu: refere-se ao clima, representando tudo o que se encontra além do

controle do militar.3. Terra: refere-se ao caminho, à segurança, aos perigos e à distância,

questões através das quais é possível traçar algum tipo de avaliação prévia.4. Chefe: significa a sabedoria, a coragem, a integridade e a liderança para

o alcance de determinado objetivo.5. Método e disciplina: refere-se principalmente às divisões militares, aos

regimentos e ao método a ser aplicado para conduzir o exército.

Feitas tais considerações, Sun Tzu enfatiza a necessidade de estar um passo à frente do adversário e de ser eficiente nas ações militares, como forma de preservar

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os recursos militares e minimizar o desgaste do grupo. As operações militares não devem ser conduzidas em campanhas demasiadamente prolongadas, pois isso acarretaria na exaustão do grupo e na extinção de seus recursos, deixando-o vulnerável frente ao inimigo. Segundo Carlos Lima Silva, em seu livro “Harmonia no Conflito: A arte da estratégia de Sun Tzu”, o general deve encontrar o equilíbrio entre a velocidade e o tempo, estando ciente da situação em que os soldados se encontram (1999, p.306).

Nesta mesma linha argumentativa, o autor defende que a melhor estratégia de ataque será aquela que mantiver o Estado inimigo intacto, utilizando-se do domínio e da rendição ao invés do extermínio. “A glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar” (TZU, 2002, p.25). Dessa forma, a melhor política militar é aquela que obtém a vitória através do impedimento dos planos inimigos, explorando ao máximo as possibilidades diplomáticas.

A partir dessa ótica, Sun Tzu ressalta a necessidade do conhecimento do inimigo e de si mesmo, como forma de destacar-se frente ao oponente. Para tanto, torna-se fundamental a análise dos pontos fortes e fracos e a possibilidade de utilização de diversos métodos de ataque e defesa para surpreender o exército inimigo. Em outras palavras, o chefe militar deve preparar seus arranjos técnicos de modo a evitar os pontos fortes do inimigo, atacando seus pontos fracos. No âmbito organizacional, tal afirmação pode ser entendida como a necessidade de conhecimento da própria organização, dos clientes e da concorrência, para possibilitar o alcance dos objetivos (KRAUSE apud ZACCARELLI, 2000, p.43)

Outro ponto destacável da obra refere-se à questão da liderança, da utilização da lei moral, dos métodos e da disciplina. Conforme o autor, um comando rígido e imparcial possibilitará o alcance de uma vantagem competitiva, evidenciando assim a importância da coordenação, da força, da organização e da dinâmica do grupo. Para Sun Tzu, “o guerreiro inteligente procura o efeito da energia combinada e não exige muito dos indivíduos. Leva em conta o talento de cada um e utiliza cada homem de acordo com sua capacidade” (TZU, 2002, p.36), o que pode ser considerado inclusive no âmbito da liderança organizacional.

Isto posto, Sun Tzu trata das diferentes manobras de combate no campo de batalha. Segundo o autor, para posicionar-se à frente do inimigo, é necessário conhecer muito bem o terreno e mover-se rapidamente por ele. O planejamento das manobras facilita o sucesso do exército, assim como o conhecimento do território de batalha possibilita o ataque direto e indireto, facilitando a atração dos adversários à emboscadas. Aprofundando-se no tema, o autor apresenta nove fatores que devem considerados, como forma de evitar surpresas no campo de batalha: não acampe em terrenos baixos; busque “parcerias” com os príncipes dos terrenos considerados estratégicos; esteja preparado em terrenos sujeitos a armadilhas; lute agressivamente em um terreno no qual não se possa avançar ou se retirar; há momentos em que os inimigos não devem ser atacados, dentre outros. No ambiente de negócios, tais fatores podem ser representados pela a formação

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de alianças estratégicas, por exemplo, ou até mesmo pela utilização de estratégias para evitar “guerra de preço”.

Dando continuidade ao assunto, o autor trata das movimentações estratégicas que o exército deve tomar. Para se posicionar, o general deve procurar um território seguro e selecionar um lugar alto e ensolarado para montar seus acampamentos militares, aproveitando-se das vantagens propiciadas pelo terreno. Do ponto de vista mercadológico, tal fato pode ser entendido como a identificação de uma oportunidade de mercado, presente na análise SWOT. Esta ferramenta estratégica, amplamente difundida por autores contemporâneos, tem como base os mesmos princípios enunciados por Sun Tzu, e se baseia no levantamento das forças, fraquezas, oportunidades e ameaças presentes no ambiente interno e externo de uma empresa, de forma a possibilitar a tomada de decisão e, conseqüentemente, o cumprimento de seus objetivos. Ainda a esse respeito, Sun Tzu afirma: “para que o impacto do seu exército possa ser semelhante a uma pedra de moinho chocando-se com um ovo, utilize a ciência dos pontos fracos e fortes” (TZU, 2002, p.37).

Além disso, são apresentados diversos tipos de terrenos (acessível, complicado, duvidoso, estreito, acidentado e distante) e a forma mais adequada de lidar com cada um deles, enfatizando a questão da adaptação. Em um terreno acessível, por exemplo, as tropas devem ocupar posições altas e ensolaradas, mantendo as linhas de provisão desimpedidas, facilitando a luta com o inimigo. Já em um terreno duvidoso, é aconselhável recuar e atrair o oponente a uma situação através da qual se possa obter algum tipo de vantagem. Analogamente, essa questão pode ser compreendida nas organizações como a necessidade de um posicionamento estratégico, utilizando-se das variáveis do mercado, para obtenção de uma vantagem competitiva sustentável.

Outro ponto abordado na obra diz respeito aos cinco erros que podem afetar o líder militar: a negligência, que leva à derrota; a covardia, que leva à captura; a debilidade da honra, que leva à humilhação; a impetuosidade, que leva à precipitação; e o excesso de solicitude com os soldados, que leva à hesitação e passividade. Tais erros implicam em perda e para evitá-los nas organizações é necessária uma adaptação constante. Isso só será possível a partir de uma análise situacional, do cálculo dos recursos e da força necessária, da comparação dessa força com a força dos adversários e da previsão da vitória ou da derrota (SILVA, 1999, p.203).

O autor ainda destaca a necessidade dos soldados serem tratados de forma humana, mantidos, no entanto, sob controle de uma rígida disciplina. Assim, “quanto maior for o entendimento mútuo, o senso de justiça e a disciplina imparcial, maior será a confiança mútua entre superiores e subordinados” (SILVA, 1999, p.369).

Sun Tzu também discute algumas questões pelas quais o general é o grande responsável, evidenciando a importância do superior no alcance dos objetivos:

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179A Arte da Guerra, Silvye Ane Massaini e Viviane Renata Franco de Oliveira, p. 176-180

Quando os soldados rasos são muito mais fortes e seus oficiais muito fracos, o resultado é a insubordinação [...]; quando os oficiais são muito fortes e os soldados rasos muito fracos, o resultado é o colapso [...]; quando o general é fraco e sem autoridade, quando suas ordens não são claras e compreensíveis [...] o resultado é a desorganização absoluta [...]; quando um general, incapaz de calcular as forças inimigas, permite que uma força inferior ataque uma superior [...] o resultado pode ser a derrota total (TZU, 2002, p.71-72).

Sua abordagem tem continuidade na descrição dos cinco tipos de ataques incendiários. O fogo, neste contexto, representa a rápida destruição através da utilização da tecnologia, tendo como objetivo confundir o adversário, deixando-o hesitante (SILVA, 1999, p.494). Para atear fogo, no entanto, é importante aguardar o momento propício (dias secos e ventos fortes), ter os materiais necessários sempre à mão e conduzir o combate de forma apropriada.

Ao final de sua obra, Sun Tzu refere-se à utilização de espiões, como forma de reduzir os custos de guerra e obter informações essenciais a respeito do inimigo. Diante desta abordagem, o espião assume um papel de suma importância, já que toda a capacidade de movimentação do exército repousa sobre o conhecimento do inimigo (TZU, 2002, p.110-111). Para o autor Carlos Lima Silva, o papel do espião pode ser representado, no contexto organizacional, pelos funcionários e suas contribuições com relação ao conhecimento que possuem, tornando-se peças fundamentais no intercâmbio de informações (1999, p.509).

No contato com a obra comprova-se a relevância das idéias de Sun Tzu pela capacidade de síntese da filosofia e da realidade, permitindo a abstração de seus conceitos para realização das mais diversas analogias.

A comparação entre o cenário militar com o cenário organizacional é possível, uma vez que ambos dependem da formulação de estratégias adequadas para o alcance de seus objetivos. Assim sendo, para o administrador, a grande valia da obra está em sua possibilidade de aplicação genérica às questões de cunho estratégico.

A convergência dos conceitos anunciados por Sun Tzu ocorre também pela acentuada preocupação com o futuro na condução das organizações, influenciando diretamente as decisões e ações das organizações. As dificuldades eminentes nas projeções futuras são resultantes da complexidade do ambiente formado pelas “rápidas e radicais transformações que atingem a sociedade contemporânea” (COSTA; ALMEIDA, 2005, p. 23), sendo a estratégia uma das principais ferramentas utilizadas para amenizar os efeitos do atual cenário pautado pela incerteza.

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Referências Bibliográficas

COSTA, Benny Kramer; ALMEIDA, Martinho Isnard Ribeiro de (Org.). Estratégia: direcionando negócios e organizações. São Paulo: Atlas, 2005. GHEMAWAT, Pankaj. A estratégia e o cenário dos negócios: textos e casos. Tradução: Nivaldo Montigelli Jr. Porto Alegre: Bookman, 2000.MINTZBERG, H.; QUINN, J. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos. Tradução: Luciana de Oliveira da Rocha. 4ªed.. Porto Alegre: Bookman, 2006.SILVA, Carlos Lima. Harmonia no conflito: a estratégia de Sun Tzu. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1999.ZACCARELLI, Sérgio B. Estratégia e sucesso nas empresas. São Paulo: Saraiva, 2000.

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Orientação para Colaboradores

1 Foco da RevistaA Revista Estratégica publica artigos inéditos nas áreas de Estratégia,

Administração, Gestão e temas afins, em português, espanhol e inglês, de autores brasileiros e do exterior e que foram devidamente aprovados pelo Conselho Editorial da Revista. Excepcionalmente, publica também artigos não inéditos, mas ainda não divulgados em português ou espanhol, e que a Revista considere importantes para publicação nessas línguas, modificados ou não, conforme avaliação dos editores ou de membros do Conselho Editorial. Os artigos devem conter: resumo, abstract (e respectivas palavras chave), introdução, desenvolvimento, considerações finais e referências bibliográficas. A escrita deve ser acessível ao público em geral.

2 Formato dos OriginaisOs textos devem ser submetidos na forma de arquivo eletrônico, em CD-Rom

ou por e-mail, no programa Word, em fonte Times New Roman, 12 pontos, e com tabelas e gráficos no mesmo formato ou em Excell. Incluindo tabelas, gráficos e referências, cada artigo deve ter de 8 a 25 páginas tamanho A4, com espaço 1,5 entre linhas, entre 5 mil e 7 mil palavras ou 30 mil a 40 mil caracteres, inclusive espaços.

Tabelas e gráficos não preparados originalmente pelo autor e retirados de outras fontes não poderão ser colocados no artigo na forma de figuras. Precisarão ser refeitos no formato citado, e sempre escritos no mesmo idioma do texto em que estarão inseridos.

As notas, na mesma fonte, em 10 pontos, devem ser colocadas nos rodapés, numeradas sequencialmente, exceto a primeira, que referenciada por um * deve corresponder ao(s) autor (es) indicando a titulação acadêmica, a ocupação atual e outras já exercidas, bem como um endereço eletrônico para contato. O texto dessa nota inicial deverá tomar de três a cinco linhas.

As referências bibliográficas deverão ser listadas alfabeticamente no final do texto, seguinto a norma NBR – 6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, tal como mostram os exemplos a seguir:

• Livro BAZERMAN, Max H. Processo decisório. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.

• Livro em Meio EletrônicoALVES, Castro. Navio negreiro. [S.I.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: http://www.terra.com.br/virtualbooks/freebook/port/Lport2/navionegreiro.htm. Acesso em: 10 jan. 2002, 16:30:30.

• Parte de ColetâneaROMANO, Giovanni. Imagens da juventude na era moderna. In: LEVI, G; SCHIMIDT, J. (Org.). História dos jovens 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 7-16.SANTOS, F. R. dos. A colonização da terra do Tucujús. In: __________. História do Amapá, 1º grau. 2. ed. Macapá: Valcan, 1994. cap. 3.

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• Artigo de Revista STUDART, R. O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa pós-keynesiana à visão convencional. Revista de Economia Política, 13(1). Rio de Janeiro: 1993, p. 101-138 . REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA. Rio de Janeiro: IBGE, 1939-. Trimestral. Absorveu Boletim Geográfico, do IBGE. Ìndice acumulado, 1939-1983. ISSN 0034-723X.

• Artigo de JornalCOSTURA x P.U.R. Aldus, São Paulo, ano 1, n. 1, nov. 1997. Encarte técnico, p. 8. NAVES, P. Lagos andinos dão banho de beleza. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 jun. 1999. Folha Turismo, Caderno 8, p. 13.LEAL, L. N. MP fiscaliza com autonomia total. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p. 3, 25 abr. 1999.SILVA, Ives Gandra da. Pena de morte para o nascituro. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 set. 1998. Disponível em: < http://www.providafamilia.org/pena_morte_nascituro.htm>. Acesso em: 19 set. 1998.

• Trabalho de Congresso Publicado em Meio Eletrônico REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 20., 1997, Poços de Caldas. Química: academia, indústria, sociedade: livro de resumos. São Paulo: Sociedade Brasileira de química, 1997.SILVA, M. M. L. Crimes da era digital. .Net, Rio de Janeiro, nov. 1998. Seção Ponto de Vista. Disponível em: http://www.brazilnet.com.br/contexts/brasilrevistas.htm. Acesso em 28 nov. 1998.RIBEIRO, P. S. G. Adoção à brasileira: uma análise sociojurídica. Dataveni@, São Paulo, ano 3, n. 18, ago. 1998. disponível em: http://www.datavenia.inf.br/frame.artig.html. Acesso em: 10 set. 1998.

Cada artigo deverá estar acompanhado de um resumo de 100 a 150 palavras, não incluídas na contagem do tamanho do artigo, bem como a menção de três a cinco palavras-chave, no mesmo idioma do texto. A correspondência de remessa deve incluir o nome do autor e a instituição ou instituições a que está ligado. Pede-se também um endereço para contato, com menção do eletrônico e de um telefone.

3 Avaliação dos OriginaisOs artigos serão submetidos a pareceristas, cujos nomes não serão informados

aos autores.

4 ResenhasA revista publica resenhas de livros, que deverão ser submetidos no mesmo

formato dos artigos, mas com tamanho limitado a ¼ dos parâmetros mencionados no item 2.

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5 Remessa de OriginaisOs originais devem ser remetidos para:EstratégicaRevista da Faculdade de AdministraçãoFundação Armando Alvares Penteado – FAAPFaculdade de AdministraçãoRua Alagoas, 903,01242-902 São Paulo – SPe-mail: estraté[email protected]

6 AssinaturasInformações poderão ser obtidas por meio do e-mail acima.

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Revista da Faculdade de Administração

Estratégicavolume 9 • número 8 • junho 2010

Inovação e estratégia de luxo como fatoresque interferem na valorização da marca

Jose Eduardo Amato Balian

James Buchanan e a “Política”na escolha públicaMarco Antonio Dias

Nanotecnologia, Um Novo Paradigma deDesenvolvimento Economico: Uma Análise

da Experiência Internacional & BrasileiraRaul Gouvea

Aspectos de uma reestruturação produtivasustentável no Brasil

Walter Gomes da Cunha Filho

Produção de Conhecimento em Cursosde MBA: opções metodológicas para o

desenvolvimento de monografiasCeli Langhi

Desenvolvimento financeiro e crescimento econômicoTharcisio Bierrenbach de Souza Santos

Aspectos Negociais do Plano de ContasLuiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva e Márcio Lopes Pimenta

Ética e as linhas mestras do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança CorporativaMaria do Carmo Whitaker e José Maria Rodriguez Ramos

Finanças comportamentais: aspectos teóricos e conceituaisEduardo Pozzi Lucchesi e José Roberto Securato

volume 9 / núm

ero 8 / 2010 ESTRATÉGICA

ISSN 1519-4426