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ROTEIRO DE ESTUDOS DIREITO PENAL I Prof. Marcelo Mattar Diniz Belo Horizonte (2011)

Apostila Direito Penal i (2011)

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ROTEIRO

DE

ESTUDOS

DIREITO PENAL I

Prof. Marcelo Mattar Diniz Belo Horizonte (2011)

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Apostila Direito Penal I – Prof. Marcelo Mattar

SUMÁRIO

DIREITO PENAL I

Conceito de Direito Penal 04 Princípios Limitadores do Poder Punitivo Estatal 06 Garantismo 10 Direito Penal Máximo 12 Direito Penal Necessário 17 Evolução Histórica das Idéias Penais 18 Escolas Penais 19 História do Direito Penal Brasileiro 22 Fontes do Direito Penal 23 A Norma Penal 25 Conflito Aparente de Normas 27 Interpretação da Lei Penal 29 A Lei Penal no Tempo 31 A Lei Penal no Espaço e em Relação às Pessoas 33 Imunidades 35 Competência por Prerrogativa de Função 36 Extradição 36 CRIME

Conceito 38 Requisitos 39 Ilícito Penal e Ilícito Civil 40

Teorias sobre a Conduta 41 Teorias Causalistas 41 Teoria Finalista da Ação 41 Teoria Social da Ação 42

Características e Formas da Conduta 42 Classificação das Infrações Penais 43 Omissão Penalmente Relevante 46

Crimes omissivos próprios ou puros 46 Crimes omissivos impróprios ou impuros 47

O Resultado 48 Dolo 49

Teorias acerca do Dolo 50 Culpa 51 Relação de Causalidade 53 Crime Consumado e Crime Tentado 56

Iter Criminis 56 Momentos Consumativos 56 Atos preparatórios e Atos de execução 57 Elementos da Tentativa 58 Crimes que não admitem tentativa 58 Tentativa em Latrocínio 59

Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz 61 Arrependimento Posterior 61

Crime Impossível 62

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TIPICIDADE Evolução 64 Elementos do tipo 64 Adequação típica 65 Classificação 65 Tipicidade penal 66 Elementos Específicos do tipo penal 67 Funções do tipo 67

ILICITUDE

Conceito 68 Estado de Necessidade 68 Legítima Defesa 71 Estrito Cumprimento do Dever Legal 73 Exercício Regular de Direito 74 Consentimento do Ofendido 74

CULPABILIDADE Conceito 75 Concepção Psicológica da Culpabilidade 77 Concepção Normativa da Culpabilidade 81 Concepção Normativa Pura da Culpabilidade 84 Teoria Social 86 Entendimentos Conceituais Divergentes 87 Funcionalismo e Imputação ao Tipo Objetivo 88 Culpabilidade de Ato e Culpabilidade de Autor 92

Erro de Proibição 93 Erro de Tipo 95 Descriminantes Putativas 97 Causas de Exclusão da Culpabilidade 102

Imputabilidade e Inimputabilidade 102 Exigibilidade de Conduta Diversa 105

CONCURSO DE PESSOAS Teorias no Concursus Delinquentium 107 Teorias da Acessoriedade 109 Requisitos do Concurso de Pessoas 110 Participação de Menor Importância 110 Cooperação Dolosamente Distinta 110 Punibilidade no Concurso de Pessoas 111

RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 113

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ROTEIRO DE ESTUDOS Direito Penal – Parte Geral

Direito Penal X Direito Criminal O Direito Criminal está diretamente relacionado com o fato principal do fenômeno jurídico (crime), alongando-se a seus efeitos jurídicos, um dos quais é a pena, de onde provém a denominação Direito Penal, comumente utilizada. Outrossim, a expressão Direito Criminal não perde a razão de ser, sendo inclusive o norte para várias denominações jurídicas (juízes e promotores criminais, varas criminais, etc.). Convencionou-se, contudo, o uso da expressão “Direito Penal”. Conceito: Ramo do Direito Público que tutela os bens jurídicos mais importantes da sociedade, bem como as respectivas penas e medidas de segurança. Infração penal é o gênero. Nosso Código Penal não faz distinção entre crimes e delitos, espécies de infração penal, tratando-se de infrações punidas com detenção ou reclusão, sendo a contravenção uma infração penal menos grave, punida com multa ou prisão simples. Após a Lei 9.099/95, instituiu-se uma forma híbrida, chamada “infração penal de menor potencial ofensivo”, compreendendo todos os crimes com pena máxima até dois anos, ainda que processados mediante rito especial, bem como todas as contravenções penais. A doutrina ainda se refere a um Direito Penal Objetivo, como o conjunto de normas penais editadas pelo Estado, havendo um Direito Penal Subjetivo, entendido como a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Poder Judiciário. Ou seja, a aplicação prática do direito penal objetivo. Caracteres:

O Direito Penal é uma ciência cultural e normativa. Cultural porque invoca o dever-ser, traduzindo-se em regras de conduta que devem ser observadas pela sociedade. Normativa porque seu objeto é o estudo da lei, da norma, do direito positivo. É ainda valorativo (pois tutela os valores mais elevados da sociedade, valorando-os através da política criminal, que reflete a extensão da punição supostamente desejada pela sociedade às atitudes contrárias ao interesse social), finalista (visa à proteção dos bens jurídicos mais importantes, que necessitam da tutela penal) e sancionador, dado seu caráter punitivo.

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Relaciona-se com os demais ramos do Direito: Filosofia Jurídica, TGE, Constitucional (que o limita), Civil, etc., pois nenhum ramo de estudos jurídicos pode ser visto isoladamente, todos fazendo parte de um sistema que se inter-relaciona e se completa. Assim, uma decisão na esfera criminal reflete-se na esfera cível (como, a título de exemplo, com a obrigação de reparação do dano decorrente da decisão penal condenatória), na esfera eleitoral (com a suspensão dos direitos políticos durante o tempo da condenação), na esfera administrativa (com a proibição de exercer cargos públicos ou determinadas atividades que dependem de autorização do poder público, como a condução de veículos automotores), dentre outros.

Ainda apresentam relação tangencial com o direito penal disciplinas como a Criminologia, ciência que estuda o fenômeno e as causas da criminalidade, com foco na pessoa do criminoso, a sociologia, penologia, política criminal, vitimologia (sujeito passivo da infração penal), biotipologia criminal (para classificação dos presos) e a criminalística, de natureza complementar.

Por fim, refere-se a doutrina a um Direito Penal Comum, este aplicável a todos os possíveis autores, e a um Direito Penal Especial, dirigido a uma classe especial de indivíduos que, por sua qualidade especial, recebem tratamento diferenciado (Direito Penal Militar, lei do Impeachment). Tal distinção, contudo, não encontra respaldo na legislação.

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Princípios Limitadores do Poder Punitivo Estatal: Em um Estado Democrático de Direito, onde o império da lei, escrita e positivada está condicionado ao respeito aos ideais democráticos e ao homem como pessoa digna e merecedora de direitos, o Direito Penal sofre limitações oriundas do próprio sistema jurídico vigente, tendo que se ater, sempre e sem exceções, aos princípios que regem a sociedade, consubstanciados no texto constitucional e na interpretação que dele é feita. Na verdade, o Direito Penal, embora visto como meramente punitivo pelo leigo, funciona como verdadeiro direito de proteção do criminoso, em um enfoque garantista, principalmente buscando transmitir segurança jurídica à sociedade, que sempre deve ter noção segura do que é proibido e das maneiras aceitáveis de aplicação de eventuais sanções, possíveis somente quando necessárias à reprovação da conduta humana. Destacamos, dentre os princípios aplicáveis, os seguintes: Princípio da Humanidade: Também conhecido como “Princípio da Dignidade da pessoa humana”. Consagrado constitucionalmente, já no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, deve servir de norte a todos os outros, orientando um Direito Penal de trato humanista, voltado ao respeito ao homem como ente sujeito de direitos. Nesse sentido, um Direito Penal de índole humanista mostra-se incompatível com penas cruéis (como trabalhos forçados), com penas corporais, com tratamento desumano e degradante, etc.

Princípio da Legalidade: (nullum crimen, nulla poena sine lege): Não há crime sem lei anterior que o defina, não há pena sem prévia cominação legal. Dele derivam os princípios da anterioridade (não há crime sem lei anterior que o defina) e da reserva legal (somente a lei pode definir condutas criminosas). Além de anterior, a lei deve ser certa, (princípio da taxatividade), clara, induvidosa e escrita.

Princípio da Intervenção Mínima e Adequada: O Direito Penal, dado seu caráter eminentemente punitivo, mostra-se como ultima ratio, ou seja, o último recurso a ser utilizado pelo Estado para solução dos conflitos sociais, devendo, por isso, ser aplicado somente para proteção dos bens jurídicos mais importantes, quando os outros ramos do Direito não forem suficientes para resolver os conflitos. Logo, intervém minimamente nas questões sociais, somente quando estritamente necessário, atingindo apenas aquelas condutas socialmente inadequadas, segundo a política criminal vigente. A utilização do Direito Penal na solução de questões mais bem resolvidas por outros ramos acaba por provocar insegurança jurídica, como na antiga criminalização do adultério e no recente tratamento jurídico-penal excessivo aos casos de violência doméstica.

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Princípio da Fragmentariedade: Por tutelar somente os bens jurídicos mais importantes, o Direito Penal possui um caráter fragmentário, atingindo apenas uma pequena parcela dos conflitos sociais. Sequer atinge todas as violações aos bens jurídicos tutelados, mas somente aquelas mais relevantes. A título de exemplo, não é qualquer lesão ao bem jurídico patrimônio que merece a atenção do Estado, não havendo responsabilização penal por dívida.

Princípio da Adequação Social: O Direito Penal não deve intervir em atos aceitos pela sociedade - condutas socialmente adequadas - ou meramente imorais (Ex.: Homossexualismo, “jogo do bicho” - este para alguns doutrinadores, etc.).

Princípio da Lesividade (ou Ofensividade): Limita a ação do Estado, proibindo a punição de condutas que não causam dano a terceiros, onde não haja ofensa ao bem jurídico alheio. Assim, proíbe-se a punição de atos preparatórios, sem ingresso na fase de execução e de condutas internas, de pensamento, que permanecem na fase de cogitação – vide iter criminis. Deve haver, por conseguinte, repercussão externa da vontade do agente. Princípio da Insignificância: Conhecido também como “Crime de Bagatela”, prega que o Direito Penal, que tutela somente os bens jurídicos mais importantes, só deve ser utilizado quando tais bens forem lesados significativamente, de modo relevante, taxando de atípicas as condutas de menor lesividade, com base no desvalor da conduta do agente, do resultado e da culpabilidade, como grau de censura social que recai sobre a ação do autor. Correlação direta com a tipicidade material, elementar da tipicidade conglobante. O entendimento atual do STF para o reconhecimento do princípio da insignificância leva em consideração os seguintes requisitos: ofensividade mínima da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado. Princípio da Proporcionalidade: A pena deve ser aplicada de acordo com a gravidade do ilícito cometido. A resposta estatal deve ser proporcional à injúria praticada. Quanto mais grave a ofensa, mais severa a punição. Proíbe a previsão de penas desproporcionais, tanto excessivamente brandas quanto excessivamente severas, pois ambas as hipóteses ameaçam a paz social. Princípio da Culpabilidade: Juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente (conceito finalista). Juízo de censura que se faz sobre o autor do fato, sendo ainda a medida de aplicação da pena.

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Princípio da Limitação das Penas (Constitucional): Proíbe-se a presença no ordenamento jurídico pátrio de penas cruéis, que acarretem sofrimento desnecessário e infamante, restritivas de liberdade, que limitam parcialmente a liberdade de locomoção, como o exílio e o degredo, de caráter perpétuo e de morte, esta excetuada em caso de guerra declarada e para crimes militares.

Princípio da Responsabilidade Pessoal ou Intranscendência: A pena não pode passar da pessoa do condenado, visto que o crime é ato pessoal. Refere-se, obviamente, à sanção penal propriamente dita, pois sanções civis costumam atingir terceiros, inclusive nos direitos de herança, em caso de reparação de danos. Também não se nega que a pena privativa de liberdade aplicada ao cidadão acaba prejudicando seus familiares que dele são dependentes, os quais normalmente perdem o arrimo de família. Daí a existência de benefícios previdenciários, como o auxílio-reclusão, para compensar tal perda. Princípio do Devido Processo Legal: Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, feito por um órgão do Estado (Poder Judiciário), seguindo procedimentos previstos em lei própria, em um sistema acusatório, onde se separem as funções de acusar e julgar, garantindo-se a imparcialidade do julgador.

Princípio do Contraditório: É a igualdade de oportunidade para as partes no processo, possibilitando aos contendores praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Também significa que a uma parte é dado conhecer e, se possível, questionar a prova produzida pela parte contrária, inclusive produzindo contraprova. Assim, a defesa pode fazer reperguntas à testemunha arrolada pela acusação e vice-versa. Pode-se nomear assistente técnico para acompanhar a perícia solicitada ou produzida pela parte contrária, etc.

Princípio da Ampla Defesa: Implica o dever de o Estado proporcionar a todo acusado a mais completa defesa, seja pessoal (autodefesa), seja técnica (efetuada por advogado) e o de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, via defensor dativo ou público. A ampla defesa inclui, inclusive, a possibilidade de apresentação de teses antagônicas, como defesa eventual. Pode-se, ao mesmo tempo, negar a autoria e alegar-se excludente de ilicitude, como a legítima defesa, não cabendo tal faculdade à acusação, que deve ser sempre técnica e vinculada às provas dos autos. Assim, não pode o Ministério Público processar alguém de modo alternativo, por exemplo, por furto ou receptação, embora já se tenha defendido tal posicionamento (Afrânio Silva Jardim).

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Princípio do Juiz Natural: O réu tem direito a ser julgado pelo Juiz competente para a causa, designado previamente, não sendo permitida a nomeação de Juiz especialmente para o fato. Princípio constitucional da proibição do Juízo ou Tribunal de Exceção – criado após o fato (Exemplos de Tribunal de Exceção: Tribunal de Nuremberg, que julgou os crimes nazistas; Tribunais militares que os norte-americanos pretendem implantar para o julgamento dos terroristas do World Trade Center detidos sem acusação formal em Guantánamo). Correlação com o Princípio do Promotor Natural, onde o réu também teria o direito de ser processado pelo Promotor instituído previamente no cargo, em caso de ação penal de iniciativa pública.

Princípio do Duplo Grau de Jurisdição: Possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau, existente mesmo em processos de competência originária dos tribunais.

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GARANTISMO E DIREITO PENAL DE MÍNIMA INTERVENÇÃO

O movimento penal garantista vincula-se ao Estado Democrático de Direito, modelo de organização social destinado a limitar e evitar a arbitrariedade no exercício do poder estatal. Nessa lógica, em um estado democrático, todos os princípios que o orientam devem se lastrear no princípio da humanidade ou da dignidade da pessoa humana, o maior dos direitos e garantias fundamentais conferidos no texto constitucional. Nessa ótica, também o Direito Penal deve fundar-se no respeito ao homem como ser consciente e pleno de direitos, evitando-se a destruição do indivíduo com penas excessivas e desproporcionais. O crime, como é sabido, estigmatiza o cidadão. O processo de criminalização destrói o homem como membro do corpo social, tornando dificultosa sua reinserção na comunidade de modo útil e produtivo. Um modelo garantista busca, portanto, minorar tal conseqüência oriunda da aplicação do sistema repressivo. Logo, a idéia de um modelo garantista encontra-se diretamente vinculada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Embora o foco principal do direito penal seja a proteção a bens jurídicos, somente deve haver punição quando houver concreta lesão ou perigo de lesão para o bem protegido pela norma, como reza o princípio da ofensividade, sendo a pena vinculada à medida de culpabilidade do agente, como grau de censura social que mereça pela prática da conduta delitiva. O garantismo, portanto, no âmbito jurídico, destina-se à defesa do direito à liberdade. Obviamente, possui intensa repercussão no direito penal, que atinge diretamente o status libertatis do cidadão. Hoje, é pacífico que o direito penal deve intervir minimamente na sociedade, somente quando estritamente necessário, dada sua notória ineficiência na solução de conflitos sociais, tratado, portanto, como ultima ratio. Nesse contexto, é sempre subsidiário em relação aos demais ramos do direito, não devendo em nenhuma hipótese constituir-se na primeira solução utilizada pela sociedade na solução de conflitos. Nessa ótica, extraem-se as idéias centrais de um modelo garantista da obra “Direito e Razão”, de Luigi Ferrajoli. Para tanto, o autor italiano cunhou dez axiomas principais, que resumem os ideais garantistas e assinalam o marco central de suas idéias. São eles:

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A1 – Não há pena sem crime

A2 – Não há crime sem lei

A3 – Não há lei penal sem necessidade

A4 – Não há necessidade sem ofensa

A5 – Não há ofensa sem ação

A6 – Não há ação sem culpa

A7 – Não há culpa sem processo

A8 – Não há processo sem acusação

A9 – Não há acusação sem provas

A10 – Não há provas sem defesa

Nestes axiomas percebem-se as principais idéias e princípios do Direito Penal constitucional. Aqui se encontram os princípios da legalidade e da reserva legal, da intervenção mínima, da ofensividade ou lesividade, da culpabilidade, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, bem como a consagração do sistema processual acusatório, questão a ser estudada na disciplina Direito Processual Penal. Como se conclui, a pena, como medida aflitiva a ser imposta ao indivíduo, somente se justifica quando necessária. De outro modo, mostra-se injusta e com características abusivas. Contudo, muito embora haja na doutrina penal um verdadeiro monopólio quanto às idéias garantistas e minimalistas (leia-se movimento garantidor e direito penal de intervenção mínima), tal fato não impede o seguimento dos abusos e a distorção das idéias garantistas, facilmente utilizáveis apenas como legitimadoras da necessidade de punir. Embora seja tarefa utópica a criação de um sistema penal sem punição, apenas com medidas socializantes, como já se propôs na vertente abolicionista radical (que na verdade prega a extinção do direito penal e sua substituição por outro modelo focado em medidas sociais), não se nega que o Direito Penal de Mínima Intervenção é o único modelo aceitável, atento, na sua utilização, às reais necessidades e particularidades de cada sociedade.

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DIREITO PENAL MÁXIMO E DIREITO PENAL DO INIMIGO

Em clara oposição aos ideais garantistas, onde se considera o Direito Penal como último recurso a ser utilizado na solução de conflitos, surge a idéia de um direito penal de máxima e extremada intervenção, como panacéia de todos os males. O aumento da criminalidade na sociedade moderna e o sentimento de insegurança coletiva servem de justificativa para a utilização desmedida do Direito Penal, pois a sociedade parece clamar por medidas duras e eficazes contra os infratores, medidas estas que somente o Direito Penal poderia tomar. Todavia, o problema da utilização exacerbada do Direito Penal está na inevitável perda de legitimidade daí advinda. Afinal, se o aumento da criminalidade traz insegurança, o aumento da repressão tem igual efeito, como já sentimos nos anos duros da ditadura. O famoso programa Zero Tolerance, implantando inicialmente em Nova York pelo então chefe de polícia Willian Bretton, é um bom exemplo. De uma idéia sociológica interessante, evoluiu para um sistema repressor que provocou perda de credibilidade das forças de segurança. Analisemos, portanto, a matriz ideológica do sistema: Em primeira análise, o programa baseia-se na teoria norte-americana do início dos anos 80 conhecida como “janelas quebradas” (broken windows). Esta teoria foi divulgada através de um artigo de autoria de James Q. Wilson e George Kelling, publicado em 1982 na revista norte-americana Atlantic Montly. Tal preceito prega que a ausência de cuidado com a coisa pública transmite ao cidadão comum uma mensagem subliminar de desleixo, incentivando-o, de certa maneira, a agir da mesma forma, ocasionando um ciclo vicioso de desmazelo sobre desmazelo. Como ninguém se importa com a coisa pública, o dano causado à mesma deixa de ser caracterizado como comportamento contrário ao interesse social, tornando-se ato corriqueiro. A sensação é de anomia. Tal premissa por vezes mostra-se verdadeira. Um cidadão comum, como regra, ao transitar por uma via pública urbana onde o lixo se acumula nas calçadas, onde os aparelhos telefônicos encontram-se danificados, os muros pichados e as janelas quebradas, não tem porque se preocupar com a conservação do ambiente que o cerca naquele momento. No mínimo se omite, contribuindo com a degradação.

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Visando modificar tal comportamento, a implantação da teoria das janelas quebradas busca combater tal premissa. Ao se constatar o dano à coisa pública, a administração imediatamente age para repará-lo. Minutos após o aparelho telefônico público ter sido danificado por vândalos, a equipe da concessionária já se encontra no local, consertando-o. Logo após menores infratores promoverem a pichação do muro da escola, equipes da Prefeitura já estão aplicando nova demão de tinta, reparando o dano. Tal conduta, segundo os teóricos do programa, transmitiria ao cidadão uma mensagem subliminar de cuidado e zelo, o administrador passaria a ser visto como guardião da coisa pública, a sensação coletiva seria de valorização do ambiente. A incidência de vandalismo, portanto, diminuiria, pois a própria população passaria a melhor fiscalizar, na medida do possível, impedindo o dano e comunicando ao órgão competente a ocorrência do mesmo, na certeza do resultado positivo. Tal filosofia mostra-se eficaz, segundo se viu em Nova York e Londres e, após efetivamente implementada, termina por reduzir o gasto público com despesas desta natureza, dada à mudança de consciência social muitas vezes alcançada. Como dito, a premissa original na qual se baseou o Tolerância Zero é verdadeira e deveria ser aplicada pelos administradores, como verdadeira filosofia de atuação. Mas o problema não repousa neste ponto. Na verdade, partindo da teoria das janelas quebradas, os defensores do programa passaram a apregoar que condutas caracterizadas como vandalismo, praticadas de forma reiterada, provocavam uma habitualidade criminosa em pequenas infrações que acabava levando o agente à prática sistemática de delitos de maior gravidade. Logo, a solução seria, além do pronto reparo do dano, a punição severa e exemplar ao infrator, de modo a coibir nova prática infracional. O Direito Penal passou a ser dirigido ao delinqüente, novamente visto como um degenerado moral, ignorando-se por completo as causas sociais da criminalidade. É o Direito Penal Máximo. Ora, a punição com excessiva severidade ao pequeno infrator acaba tendo efeito contrário, pois a sociedade deixa de colaborar com as forças de segurança, temendo que seus pares sofram punições desmedidas e desproporcionais. Na verdade, a questão da proporcionalidade na resposta estatal é basilar no direito penal. Se muito branda, gera sensação de impunidade. Se muito severa, gera sentimento de injustiça.

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De todo modo, a aplicação de penas excessivamente severas para pequenos delitos remonta ao antigo Direito Penal de Autor, punindo-se a pessoa pelo que é, por sua conduta de vida, e não pelo que efetivamente fez. Raciocínio extremamente perigoso, se usado por regime autoritário. Expressão maior do Direito Penal Máximo é o chamado Direito Penal do Inimigo. Parte das idéias funcionalistas de Gunther Jakobs e da distinção ontológica entre pessoas e não-pessoas. Pessoas seriam cidadãos de regular convívio social, via de regra cumpridores das normas de conduta exigidas pela sociedade. A estes, aplica-se o Direito Penal comum, com todas as suas garantias e direitos fundamentais. Não-pessoas seriam aqueles elementos vistos como nocivos ao meio social, de vida desregrada e personalidade criminógena, de conduta social reprovável e contrária aos interesses da coletividade. A estes, o Direito Penal do Inimigo, pois seriam inimigos da sociedade. Nesta ótica, terroristas, traficantes, criminosos de colarinho branco, dentre outros, não seriam merecedores dos direitos e garantais fundamentais, pois, se inimigos da ordem, não se mostram merecedores de tratamento igualitário. Inimigo, então, é quem se afasta do direito, não demonstrando que irá eventualmente seguir a norma. Não sendo pessoa, é coisa. Sendo coisa, não pode ser considerado sujeito processual. Assim, não há advogado, contraditório ou ampla defesa, por vezes sequer acusação formal, não há devido processo legal ou presunção de não-culpabilidade. A situação é de guerra. O inimigo, como violador do contrato social, torna-se adversário do Estado. Logo, deve ser eliminado.

É um retorno à antiga “teoria da neutralização seletiva”, segundo a qual seria possível identificar na sociedade um pequeno número de delinqüentes, responsável por um grande número de crimes. Assim, neutralizando-os (mantendo-os na prisão pelo maior tempo possível ou aplicando-se pura e simplesmente a pena de morte), estar-se-ia protegendo a sociedade, reduzindo-se estatisticamente o número de infrações, a baixo custo. Vide, sem necessidade de maiores explicações, Guantánamo, com seus presos sem acusação formal.

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Nas palavras de Jakobs: “Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não ‘deve’ tratá-lo, como pessoa, já que do contrário vulneraria o direito à segurança das demais pessoas”. Jakobs, criador do funcionalismo sistêmico, dito radical, defende que a função do direito penal não é primariamente a proteção de bens jurídicos, como acreditamos, mas a reafirmação da eficácia da norma, a reafirmação dos valores morais da sociedade. De matiz claramente autoritária, sequer deve ser considerado propriamente como um “direito”. Luiz Flávio Gomes resume as principais características do Direito Penal do Inimigo: − o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de

segurança; − não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão

consoante sua periculosidade; − as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado

(o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); − não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; − o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; − o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de

pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade);

− o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos;

− o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios;

− mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal;

− quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.

O Direito Penal do Inimigo também é conhecido como “Direito Penal de Terceira Velocidade”, na lição do Professor Silva Sanchez, para quem haveria uma primeira, uma segunda e uma terceira velocidades no Direito Penal.

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De primeira velocidade seria o modelo focado na utilização da pena privativa de liberdade, mas fundada em garantias fundamentais e individuais irrenunciáveis. O Direito Penal de segunda velocidade incorpora duas variantes: a possível flexibilização de garantias penais e processuais e a adoção de medidas alternativas à prisão (no Brasil, Lei nº 9.099/95 e Lei nº 9.714/98). O Direito Penal de Terceira Velocidade utiliza-se da pena privativa de liberdade, assim como o de primeira velocidade, mas autoriza a flexibilização de garantais materiais e processuais, como o de segunda. Simplificando, torna possível prisão sem processo.

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DIREITO PENAL NECESSÁRIO

Embora simpatizemos com os ideais garantistas, a premissa maior da ineficácia pura e simples do Direito Penal como solucionador de conflitos não é de todo justa. O Direito Civil e suas derivações não resolve todas as questões. Por vezes o Direito Penal mostra-se indispensável, não podendo ser deixado ao relento por supostos ideais socializadores. Defendemos não a utilização mínima do Direito Penal, mas a sua utilização sempre que apto a restaurar a paz social e cumprir sua função primordial de proteção aos bens jurídicos. Não se pode ignorar o aumento da criminalidade e tentar combatê-lo com medidas sociais. Não se pode aplicar penas alternativas para crimes graves. Não se pode deixar condutas típicas impunes ou punidas de modo desproporcionalmente brando. Não se pode deixar o crime “valer a pena”. Por vezes, a delinqüência exige um tratamento mais severo por parte da sociedade, de modo a servir de contra-estímulo a novas infrações penais. Assim, multas e serviços comunitários nem sempre têm a capacidade de dar a resposta exigida pelo direito. Se coerentes e proporcionais, penas severas são jurídica e socialmente defensáveis. Mas esta é apenas a nossa opinião.

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Evolução Histórica das Idéias Penais: - Tempos Primitivos: Não havia sistema penal. Todos os fenômenos

eram interpretados como manifestações divinas. As proibições (tabus), não obedecidas, acarretavam castigos, que serviam para aplacar a ira dos deuses (o castigo era o sacrifício da própria vida à divindade, no altar erigido em sua honra, ou oferendas à mesma, em forma de alimentos e objetos valiosos). Em sua origem remota, a pena resumia-se à vingança, revide à agressão sofrida, desproporcional, sem preocupação com o conceito de Justiça.

- Vingança Privada: Cometido um crime, ocorria a reação da vítima,

dos parentes, etc., de maneira desproporcional, atingindo não somente o ofensor, mas todo o seu grupo, caso pertencente a grupo distinto. Para evitar a dizimação dos grupos, surge o talião (a reação à ofensa é o mal idêntico ao praticado), adotados no Código de Hamurábi (Babilônia), Êxodus (hebreus) e nas leis das XII Tábuas (Roma). Posteriormente, surge a compensação, com a compra da liberdade (em moeda, gado, etc..). Com a influência cada vez maior da religião, surge a fase da vingança divina, sendo o crime uma ofensa à divindade (Pentateuco, Código de Manu, Livro das Cinco Penas, etc.)

- A maior organização social originou a Vingança Pública, visando à

segurança do Príncipe, do Estado. O soberano, merecendo a proteção do Estado, estava acima da lei, ainda severa.

- Os hebreus evoluíram do talião e do Pentateuco para o Talmud, com

penas de multa, prisão e restrições diversas, praticamente extinta a pena de morte, substituída pela perpétua.

- Os romanos passaram pelo talião, pela composição e pela vingança

divina. Posteriormente, instauraram as crimina publica, para proteção da cidade e delicta privada, mais leves, de sanção particular. Com a evolução, a pena torna-se pública, sendo mitigada a pena de morte. Os romanos contribuíram com o conceito de culpa, dolo, imputabilidade, agravantes, atenuantes, legítima defesa, etc..

- Os germânicos, em sua origem, orientavam-se pelo costume, sem leis

escritas, caracterizada pela vingança privada. Sob influência romana, adotaram o talião. Não havia distinção entre dolo, culpa e caso fortuito, ocorrendo a punição pela simples ocorrência do resultado. No processo, vigoravam as “ordálias”, ou juízos de deus (prova do ferro em brasa, da água fervente, etc.) e os duelos judiciários (pessoalmente ou por lutadores profissionais).

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- O Direito Canônico, direito penal da Igreja, visava ao predomínio do papado sobre o poder temporal para proteção dos interesses religiosos. Acentuou-se o aspecto subjetivo do crime e combateram-se as ordálias e duelos judiciários. Pela doutrina da purgação da culpa, da expiação e arrependimento, permitiu-se o surgimento da Inquisição e seus horrores.

- Na fase do Iluminismo acentua-se o aspecto humanitário do DP, com

a reforma das leis e administração da Justiça. Com a consciência da importância filosófica e jurídica do DP, fundamenta-se o direito de punir e a legitimidade da pena. Em 1764, Cesare Bonesama (Marquês de Beccaria - Dos Delitos e das Penas), tornou-se referência contra a crueldade das penas, limitando a punição pela moral (lei anterior ao fato, direito de defesa, proporcionalidade, intranscendência, etc.).

- Período Humanitário (Movimento Codificador): Decorrente do

iluminismo, corrente filosófica que visava ampliar o domínio da razão a todas as áreas da experiência humana. Destaca-se a obra “Dos Delitos e das Penas”, que limitou a ação do Estado pela moral (princípios da legalidade), prevenção geral, proporcionalidade, abolição da tortura e da pena de morte, separação das funções estatais, igualdade de todos perante a lei. Os ideais reformistas dão início ao período codificador (França, Prússia, Baviera). Movimento precursor da escola denominada Clássica.

Escolas Penais: - Escola Clássica: O séc. XIX marca o surgimento de inúmeras

correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, baseado na legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções. Linha filosófica de cunho liberal e humanitário. A pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime, visando restabelecer a ordem da sociedade alterada pelo delito. Logo, a pena deve ser célere, justa, proporcional ao crime.

- Escola Positiva: Produto do Naturalismo, sofre influência do

evolucionismo de Darwin, das teorias materialista, frenológica e fisionômica. Para o positivismo, o DP é um produto social, obra humana, derivando a responsabilidade social do determinismo, sendo o delito um fenômeno natural e social. A pena é meio de defesa social, com finalidade preventiva. Apresenta três grandes fases: a) Fase Antropológica: Cesare Lombroso – O homem não é livre,

mas determinado por forças inatas. Aplicação do método experimental ao estudo da criminalidade, com a figura do

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criminoso nato (atavismo), após estudos, percebendo a ocorrência entre os detentos de características físicas semelhantes

b) Fase Sociológica: Enrico Ferri – Tese sobre a negação do livre-arbítrio (determinismo), classificando os delinqüentes em natos, loucos, ocasionais, habituais e passionais. Pelo positivismo, não há vontade humana. O homem age como sente, não como pensa. Nesse sentido, o homem é levado por fatores antropológicos, psíquicos e sociais à prática criminosa, dependendo o número de crimes cometidos do meio social em que vive, combinado com suas características físicas.

c) Fase Jurídica: Rafael Garofalo – Sistematização jurídica da escola, estabelecendo a periculosidade como base da responsabilidade e a prevenção especial como fim da pena.

Deve-se à Escola Positiva o nascimento da criminologia, o conceito de periculosidade, medidas de segurança, suspensão condicional da pena, livramento condicional e o tratamento assistencial e tutelar do menor. Contudo, mostrou-se prejudicial, por tentar unir uma ciência causal, como a Criminologia, com uma ciência cultural e normativa, como o Direito, submetendo o delinqüente a tratamento médico. - Escola Crítica: Positivismo Crítico (Carnevale), fundamenta a

responsabilidade penal no determinismo psicológico, sendo o homem um escravo da motivação. O motivo predominante leva o homem à ação, sendo imputável aquele que é capaz de se deixar levar pelo motivo. A quem não é capaz, se impõe medida de segurança. A pena é meio de defesa da sociedade.

- Escola Moderna Alemã: Também no contexto de positivismo crítico

(Franz Von Liszt). Busca a neutralidade entre livre arbítrio e determinismo. Defende a aplicação de pena para os delinqüentes normais e de medida de segurança para os perigosos (anormais e reincidentes), com o objetivo de assegurar a ordem social. Distingue a Criminologia do Direito Penal e respeita o princípio da legalidade. Coexistência da prevenção geral e da prevenção especial.

- Escola Penal Humanista: O Direito tem elevado caráter ético e moral,

sendo o delito uma violação aos sentimentos morais do homem. O sentimento domina a conduta humana. Logo, atos praticados em legítima defesa, estado de necessidade e suicídio devem ser punidos como expressões rudimentares de egoísmo e vingança. Concebe a pena como medida educativa.

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- Escola Técnico-Jurídica: Resposta à confusão metodológica provocada pela Escola Positiva. Determina que a escola penal é autônoma com relação a outras ciências.

- Escola Correcionalista: Apresentou-se como doutrina cristã, tendo

em conta a moral e o direito natural. A pena era vista como um bem e o criminoso tinha pleno direito a ela, ao tratamento correspondente. O Estado, por conseguinte, prestaria “assistência” às pessoas necessitadas, incapazes de autogoverno.

- Movimento de Defesa Social: O Direito Penal deve ser substituído por

um direito de defesa social, com a finalidade de adaptar o indivíduo à ordem social, e não à sanção de seus atos. Radical supressão dos conceitos de crime, substituindo a infração pela anti-sociabilidade do autor, substituindo a pena por medidas sociais. Adaptação/ressocialização do delinqüente, proibindo sua neutralização. O tratamento penal é de natureza preventiva, devendo não somente proteger a sociedade contra criminosos, mas também o cidadão contra o risco de cair na criminalidade.

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História do Direito Penal Brasileiro: Antes do domínio português, imperava a vingança privada, sem qualquer formalidade, com destaque para a compensação, exílio e penas corporais, sem tortura. - Período Colonial: Ordenações Afonsinas, substituídas em 1521 pelas

Ordenações Manuelinas. Ineficientes, devido à condição de colônia. Também sofria influência do Direito Canônico (bulas pontificiais), bem como cartas-régias. Na prática, valia o arbítrio do donatário. A lei penal efetivamente aplicada no período foram as Ordenações Filipinas (1603), com generalizada criminalização e penas severas. A aplicação dependia da qualidade da pessoa. Pequeno período de DP holandês no nordeste, durante a dominação, abandonado por ideais nacionalistas, após a expulsão dos flamengos.

- Código Criminal do Império: 1830 – Composto de 313 artigos, dividia-

se em quatro livros: Dos crimes e das penas (parte geral); dos crimes públicos; dos crimes particulares; dos crimes políticos. Previa o respeito ao princípio da legalidade, equiparação da ação e da omissão, tentativa, autoria e participação, menoridade penal com 14 anos, inimputabilidade dos loucos, causas de justificação. Tratou-se de obra moderna, a primeira da América Latina.

- Período Republicano: Código Penal de 1890 – Elaborado de forma

apressada, antes da CF de 1891, mostrou-se atrasado em relação ao Direito de seu tempo, onde vigorava a escola positivista. Com o passar do tempo, foram promulgadas inúmeras leis penais visando aperfeiçoá-lo, culminando com a Consolidação das Leis Penais de 1932, substituindo o primeiro Código Penal da República. Posteriormente, promulgou-se o CP de 1940 (atual), parcialmente reformado, pois sofreu reforma profunda em sua parte geral em 1984, pela Lei 7.209. Houve ainda um CP de 1969, de autoria de Nelson Hungria, que teve sua vigência sucessivamente postergada, até ser revogado em 1978, sem nunca ter entrado em vigor.

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Fontes do Direito Penal Fonte: Lugar de procedência, de onde se origina. Fontes de Produção (Materiais): Somente o Estado (União) pode legislar em matéria penal, sendo a única fonte de produção (art. 22, inciso I da CF). Lei penal ainda não pode ser criada por Medida Provisória, mas apenas por lei ordinária, devidamente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente. Fontes de Conhecimento (Formais): − Imediatas:

a) A Lei, como manifestação da vontade do povo, através de seus representantes regularmente eleitos.

− Mediatas:

a) Os Costumes, como regra de conduta praticada de modo geral, constante e uniforme, com a consciência de sua obrigatoriedade (repouso noturno, honra, mulher honesta, etc., são mais bem interpretados com a utilização dos costumes. Também o jogo do bicho é citado como exemplo de que o costume passa a tolerar condutas, não podendo, contudo, revogar leis).

b) A Eqüidade: correspondência jurídica e ética da norma às

circunstâncias do caso concreto. Ex.: perdão judicial. c) Princípios Gerais do Direito: Dentre os quais, para alguns autores,

situa-se a eqüidade. Também quando a conduta do agente, embora perfeitamente amoldada à norma geral, não pode, ante à consciência ética e às normas do bem comum, ser passível de punição. No Brasil, vários princípios a serem respeitados pelo direito penal encontram-se expressamente definidos na CF, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, já em seu art. 1º, inciso III.

d) A analogia: Inadmissível quanto às normas penais incriminadoras

face ao princípio da legalidade, consagrado na expressão “não há crime sem lei anterior que o defina”. Assim, veda-se a aplicação de lei por semelhança. Admissível in bonam partem, como na Lei Maria da Penha, presumivelmente aceitável em relação ao homem. Para alguns autores, não é fonte formal mediata do direito, mas mecanismo de auto-integração da norma.

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e) A doutrina: Tecnicamente, não é fonte formal do DP, mas ajuda na interpretação da lei.

f) A jurisprudência: como decisão reiterada dos tribunais, também

não é tecnicamente fonte do DP, mas torna-se indispensável tanto na interpretação do texto legal quanto na formulação de novas leis.

g) Os tratados e convenções internacionais: Ora são tratados como fontes mediatas, ora como imediatas. Interpretação mais correta é que seriam fontes formais, visto somente terem efeito depois do referendum do Congresso, quando então passam a ser fontes como leis. Até lá, constituem-se em fontes formais. Recente alteração constitucional instituiu que os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, como o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), após aprovados, terão força de emenda constitucional. Logo, acima da própria lei ordinária, método de criação da lei penal.

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A Norma Penal: A lei penal brasileira é escrita prevendo expressamente a conduta proibida (Matar Alguém – pena: reclusão de 06 a 20 anos), estando subentendido o preceito proibitivo “não matarás”. Para Binding, o agente, ao praticar o crime, não viola a norma, agindo de acordo com ela. Tal posicionamento não é contemplado pelos demais doutrinadores. Na verdade, o agente, ao praticar a conduta, age de acordo com o texto legal, que é descritivo, mas contrariamente à norma, que é subjacente ao tipo penal. Caracteres da Lei Penal: − É imperativa, pois a violação de seus preceitos acarreta sanção. − É geral, pois se destina a todos, mesmo aos inimputáveis, sujeitos à

medida de segurança. − É impessoal ou abstrata, pois não se refere a uma pessoa ou

categoria de indivíduos. − Somente se dirige a fatos futuros, não alcançando os pretéritos, a

não ser quando aplicada em benefício do agente criminoso. Classificação da Lei Penal: − Gerais ou locais (sendo estas de exceção, de determinado trecho

do território nacional). − Comuns ou especiais (dirigidas a uma classe de indivíduos de acordo

com sua qualidade especial, e a certos atos ilícitos particularizados). − Ordinárias ou excepcionais, por circunstâncias emergenciais

(durante o estado de defesa, por ex.) − Explicativas: declaram o conteúdo de outras normas, esclarecendo

dúvidas. − Permissivas: dispõem sobre condutas lícitas ou impuníveis, não

obstante típicas, como no art. 25 CP. − Completas e incompletas (norma penal incriminadora em branco,

incompleta strictu sensu ou imperfeita). A norma penal incriminadora parte de dois preceitos: o primário ou preceptum juris, onde se faz a descrição detalhada da conduta que se procura proibir ou impor (“Matar alguém”), e o secundário (sancto juris), que fixa a sanção (Pena: reclusão de 06 a 20 anos). Normas penais em branco: São as que necessitam de complementação para que se verifique o âmbito de aplicação do preceito primário, onde faltam informações necessárias à correta aplicação da lei. Ex.: O delito de tráfico de entorpecentes não define quais são as substâncias proibidas, dependendo de regulamentação do Ministério da Saúde.

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Podem ser: − Heterogêneas, quando o complemento não vem da mesma fonte

legislativa que editou a norma. − Homogêneas, quando a complementação é originária do mesmo

poder, da mesma fonte.

Normas penais incompletas strictu sensu ou imperfeitas: Quando, para se saber a sanção imposta pela violação do preceito primário, o legislador nos remete a outro texto legal (Ex.: O crime de genocídio, previsto na lei 2.889/56, informa que será aplicada a pena do homicídio, previsto no CP).

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Conflito Aparente de Normas: Ocasionalmente, ocorrem situações que tornam duvidosa a decisão quanto a qual norma aplicar ao caso concreto, face à suposta existência de várias leis penais que regulam a matéria, ou devido ao fato da conduta do agente amoldar-se a vários tipos penais. Na verdade, não existe um verdadeiro “conflito entre leis”, pois a lei penal deve ser clara, certa e determinada. Este é apenas aparente, o que pode gerar dúvidas ao operador do direito no momento da aplicação dos dispositivos legais. Assim, para a solução desse conflito aparente, a doutrina elegeu quatro princípios (embora alguns doutrinadores refiram-se apenas a três, excluindo a alternatividade), que devem ser aplicados e entendidos à luz do iter criminis (expressão que significa caminho do crime: cogitação, preparação, execução, consumação e exaurimento), não necessariamente aplicando-se a infração penal mais grave, mas a que melhor se amolde ao elemento subjetivo do injusto: − Consunção: Aplica-se o princípio da consunção quando um crime

constitui meio executório ou ato de preparação de outro crime (Ex.: a violação de domicílio pode ser ato executório do delito de furto, sendo por este absorvido) ou quando ocorre antefato ou pósfato impuníveis, ou seja, em caso de situação antecedente praticada pelo agente a fim de praticar o crime pretendido (para se praticar um estelionato com cheque de terceiro, é preciso que se cometa um delito de falso, falsificando a assinatura do correntista) ou situação posterior, como exaurimento do crime principal, qual seja, aproveitamento do produto do ilícito (venda da coisa furtada a terceiro de boa fé não é novo crime contra o patrimônio).

− Subsidiariedade: Na lição de Damásio de Jesus, o crime subsidiário

funciona como um “soldado de reserva”, somente sendo aplicado se o fato não constituir crime mais grave. Pode tratar-se de subsidiariedade expressa, quando a circunstância vier expressamente prevista no tipo penal (como art. 132 CP, somente se punindo o crime de perigo para a vida ou a saúde de outrem se o fato não constituir crime mais grave. Tratando-se de crime de perigo, se ocorrer dano efetivo, o agente será processado pelo crime correspondente, podendo ainda tratar-se de subsidiariedade implícita, quando não constar expressamente a circunstância, mas o tipo subsidiário, da mesma forma, só puder ser aplicado se o fato não constituir crime mais grave (o art. 311 do Código de Trânsito proíbe dirigir em alta velocidade nas proximidades de hospitais, escolas, etc. Se o agente praticar tal conduta e vier a matar alguém, responderá somente pelo homicídio culposo no trânsito, previsto no art. 302 CTB, e não pelo art. 311).

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− Especialidade: A norma especial afasta a aplicação da norma geral. A norma especial possui um pIus, um detalhe a mais que a distingue da norma geral, tratando basicamente da mesma matéria (o infanticídio nada mais é que um homicídio praticado em circunstâncias especiais. Logo, o autor responde por tal delito, e não pelo homicídio, norma geral).

− Alternatividade: Aplicável aos crimes de ação múltipla ou de

conteúdo variado, quando existem diversas formas de praticar a conduta típica, tratando-se de tipo penal com vários núcleos. Caso o agente pratique mais de uma conduta proibitiva, responderá por crime único (No crime previsto no art. 122 CP, se o agente induzir e depois auxiliar a vítima, responderá por crime único).

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Interpretação da Lei Penal Interpretar é tentar buscar o alcance da norma, procurando descobrir o sentido da mesma, o que ela pretende dizer. Pode ser conceituada como “o processo lógico que procura estabelecer a vontade contida na norma jurídica” (Noronha). Pode ser: - Quanto ao Sujeito:

a) Autêntica: quando parte do próprio órgão que edita a norma. Ex.: art. 327 CP, art. 150, §§ 4º e 5º. Chamada contextual quando vem na própria norma, mas pode advir de lei posterior.

b) Jurisprudencial: através de decisões reiteradas dos tribunais. c) Doutrinária: pelos mestres e doutrinadores.

A “exposição de motivos” de uma lei não é caso de interpretação autêntica, pois é originária do autor do projeto de lei (normalmente o executivo). Pode ser, dependendo de quem a redija, doutrinária. - Quanto aos meios empregados:

a) Gramatical: examina-se a “letra da lei”, quanto ao seu significado no vernáculo.

b) Lógica: Sendo insuficiente a interpretação gramatical, há de se indagar quanto ao conteúdo lógico da lei, através de um confronto entre seus dispositivos.

c) Teleológica: busca-se o valor e a finalidade da lei. - Quanto aos Resultados:

a) Declarativa: quando o texto examinado não é ampliado nem restringido. Ex.: quando a lei penal diz “várias pessoas”, significa mais de duas, pois quando a lei pretende dizer “duas” vem expressa.

b) Restritiva: quando se reduz o alcance da lei para se encontrar a vontade exata do legislador. Ex.: o art. 28 refere-se à embriaguez “não patológica”, restringindo o alcance da norma.

c) Extensiva: quando é necessário ampliar o sentido ou o alcance da norma. Ex.: O art. 130 inclui não apenas o perigo, mas também o real contágio de doença venérea. Quando se diz “coisa alheia”, se inclui “coisa comum”, que em parte é alheia, etc..

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Integração Analógica (Interpretação Analógica): sendo proibida a analogia para normas incriminadoras (salvo “in bonam partem”), usa-se a interpretação analógica quando fórmulas casuísticas contidas na lei penal são seguidas de expressões genéricas, utilizando-se a semelhança para uma correta integração da norma. É utilizada quando a própria lei amplia as hipóteses de incidência, por não ser possível prever todas as situações humanas. Ex.: “meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum” (art. 121, § 2º, inciso III); “álcool ou outra substância de efeitos análogos” (art. 28, II). Hermenêutica Constitucional ou Interpretação Principiológica: Toda e qualquer forma ou sistema de interpretação da lei penal deve respeito aos princípios consagrados na CF, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos princípios constitucionais de garantia. Se incompatível com o texto constitucional e com o sistema de garantias trazido no mesmo, a norma não deve ser aplicada.

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A Lei Penal no Tempo

Três são as teorias que buscam definir quando se deve considerar praticada a infração penal: Teoria da Atividade: Tempo do crime é o da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Teoria do Resultado: Tempo do crime é quando ocorreu o resultado. Teoria da Ubiqüidade: Tempo do crime seria tanto aquele quando ocorrera a ação ou omissão, quanto no momento do resultado.

O CP adotou, em seu art. 4º, a Teoria da Atividade quanto ao tempo do crime: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Assim, se um menor de 18 anos iniciar a fase de execução de um crime de homicídio dias antes de atingir a maioridade (atividade) e a vítima vier a falecer somente após o autor completar a idade penal (resultado), este não será punido como maior. Será submetido à legislação aplicável a menores infratores, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A doutrina dá o nome de Vacatio legis ao período compreendido entre a publicação e a entrada em vigor de determinada lei (normalmente 45 dias, salvo disposição em contrário), para que a população tome conhecimento da nova legislação. Com relação, contudo, a qual lei aplica-se ao fato criminoso, quando houver conflito temporal de normas, a regra geral é que a lei do tempo rege o ato praticado, ou seja, aplica-se ao fato a lei vigente quando de sua prática (tempus regit actum). Tal princípio, contudo, comporta exceções. É sabido que a lei penal não pode retroagir (aplicar-se a fatos anteriores a sua vigência). Contudo, tal premissa não é verdadeira se benéfica ao réu. Assim, a lei nova mais benéfica aplica-se normalmente a fatos anteriores. Como consta da CF, em seu art. 5º, inciso XL: “ A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Previsto no art. 2º do CP, tem-se o fenômeno da Abolitio Criminis, não sendo punível fato que lei nova deixou de considerar crime. Na verdade, em tal hipótese verifica-se que a sociedade, em novo juízo de valor, deixou de considerar penalmente relevante determinado comportamento, não mais se justificando qualquer punição.

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No que concerne à lei penal em branco heterogênea (a que depende de norma complementar, oriunda do outro órgão, que lhe fixa o âmbito de incidência), revogada a norma complementar, continua-se punindo o fato cometido na vigência da mesma. Assim, a título de exemplo, excluída da portaria a substância proibida na época da conduta, no crime de tráfico ilícito de entorpecentes, permanece a punibilidade. Há, contudo, entendimento contrário. As Leis Excepcionais (vigentes somente em situações excepcionais, como no Estado de Sítio) e Temporárias (com vigência determinada), por sua vez, são ultra-ativas, ou seja, aplicáveis mesmo depois do término da vigência das mesmas, mas somente, por óbvio, para fatos ocorridos durante o período de efetividade. Alguns doutrinadores aceitam a idéia de uma Combinação de Leis Penais, entendendo possível a junção de leis a fim de atender-se aos princípios da ultra-atividade e da retroatividade in mellius, facultando ao julgador o poder de retirar as partes mais benéficas de cada norma, criando uma terceira, benéfica ao réu. Discutível tal posicionamento, visto que na verdade o julgador estaria legislando ao criar e aplicar uma terceira lei não existente. Contudo, face aos princípios da retroatividade e da ultra-atividade benéficas, particularmente considero possível e viável tal hipótese. Com relação aos Crimes Permanentes, quando o momento consumativo não é instantâneo, mas se prolonga no tempo, como na Extorsão Mediante Seqüestro, aplica-se a lei vigente no momento em que cessar a permanência, sendo este também o marco inicial de contagem do prazo prescricional, não havendo, na verdade conflito. Já na hipótese de Crime Continuado, previsto no art. 71 do CP (quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro), havendo conflito intertemporal de leis, deve-se, segundo a regra, aplicar-se a pena mais grave, com o aumento previsto para a continuidade, de 1⁄6 a 2⁄3, vinculado ao número de infrações (Súmula 711 do STF: A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência). Por fim, diz-se que a lei foi revogada quando perde sua vigência em virtude de lei nova, tratada como derrogação, quando revogada parcialmente, ou ab-rogação, quando revogada totalmente.

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A Lei Penal no Espaço e em Relação às Pessoas Considerando-se as mesmas teorias válidas para o tempo do crime (atividade, resultado e ubiqüidade), no mesmo raciocínio lógico, o CP pátrio adotou, para o lugar do crime, a Teoria da Ubiqüidade, em seu art. 6º: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Sendo o lugar do crime tanto aquele onde ocorreu a conduta quanto onde ocorreu o resultado, ainda podem haver conflitos. A doutrina então define alguns princípios que devem ser utilizados para solução das diversas hipóteses. São eles: Princípio da Territorialidade: Por território em sentido estrito (material), compreende-se o solo, o subsolo, as águas interiores, o mar territorial (12 milhas marítimas, incluindo o leito e subsolo respectivos – plataforma continental) e o espaço aéreo. Para tal princípio, a lei penal deve ser aplicada a todos os fatos ocorridos dentro, e tão somente dentro, do território nacional. Para o Direito Penal brasileiro, existe também o conceito de território por extensão, sendo consideradas como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves de propriedade pública ou a serviço do governo, onde quer que se encontrem e as embarcações ou aeronaves brasileiras, de propriedade privada ou mercantes, que estejam no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. Princípio da Nacionalidade: Reza que a lei penal do Estado será aplicada aos fatos praticados ou sofridos por todos os seus cidadãos, onde quer que se encontrem no globo terrestre, dividindo-se em nacionalidade ativa e nacionalidade passiva, referindo-se aos nacionais na condição de sujeito ativo ou passivo da infração penal. Princípio da Defesa ou Princípio da Defesa Real: Também chamado de Princípio da Bandeira, leva em conta a nacionalidade do bem jurídico ofendido, independentemente de onde ocorreu a lesão ou o ataque. Assim, se bem jurídico nacional for atingido no exterior, poder-se-ia aplicar a lei brasileira. Princípio da Justiça Penal Universal: Por tal princípio, cada Estado poderia punir qualquer crime que lhe aprouvesse, independente de onde tenha ocorrido ou da nacionalidade de seu autor, bastando que o mesmo ingressasse em território nacional. A adoção de tal princípio por todas as nações, na verdade, seria útil para o combate à impunidade, pois a fuga do agente do território onde cometeu o ilícito seria inócua.

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Princípio da Representação: Para tal princípio, o Estado poderia julgar um crime ocorrido no estrangeiro, desde que este ali não tenha sido julgado, cumpridas certas condições, como o ingresso do autor no território nacional. O Brasil adotou como regra o princípio da territorialidade, adotando vários outros para situações excepcionais, que se encontram definidas nos arts. 5º a 7º do CP. O art. 5º CP determina a aplicação da lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. - Assim, o Brasil não adotou uma teoria absoluta da territorialidade,

mas sim uma teoria temperada, visto que o Estado, embora soberano, pode abrir mão da soberania em determinados casos, em virtude de tratados ou convenções internacionais.

- O § 2º do art. 5º determinou que a lei nacional é aplicável aos crimes

cometidos a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, desde que estejam em território nacional.

- Extraterritorialidade Incondicionada: Aplicação da lei brasileira a

fatos ocorridos no estrangeiro, sem o concurso de quaisquer condições: art. 7º, inciso I, CP. Nestas hipóteses, o Brasil adotou o princípio da defesa e da nacionalidade (crimes contra a vida ou a liberdade do presidente da república, crimes contra o patrimônio público ou contra a administração pública, por quem estiver a seu serviço) e da justiça penal universal (genocídio).

- Extraterritorialidade Condicionada: Os crimes previstos no inciso II, art.

7º, sujeitam-se à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, desde que atendidas as condições do § 2º do mesmo artigo. Nesta hipótese, o Brasil adotou o princípio da justiça penal universal (crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir – caso do tráfico internacional de entorpecentes), da nacionalidade ativa (crimes cometidos por brasileiro no estrangeiro) e da representação (crimes cometidos no estrangeiro a bordo de aeronaves ou embarcações privadas, que ali não tenham sido julgados).

- Pena Cumprida no estrangeiro: compensa-se eventual diferença (a menor, no caso da lei brasileira ser mais severa) no Brasil. No caso de penas diversas (privativa de liberdade no estrangeiro e multa no Brasil), aquela atenuará esta, a critério do julgador no caso concreto, visto não haver regras fixas.

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- O art. 9º CP prevê as hipóteses de validação da sentença estrangeira, que nunca será considerada para imposição de pena cominada no estrangeiro, mas apenas para reparação civil dos danos ou sujeição do autor a medida de segurança, providência a ser tomada pelo Superior Tribunal de Justiça.

- Contagem de prazo penal e frações não computáveis da pena

(arts. 10 e 11 CP). Os prazos penais diferenciam-se dos processuais. No interesse do réu, conta-se, nos prazos penais, o dia do início, desconsiderando-se as frações de dia e de hora. Assim, iniciado o cumprimento da pena privativa de liberdade às 21h15, este será o primeiro dia de efetivo cumprimento da pena, ignorando-se as frações anteriores do dia.

- Imunidades diplomáticas: art. 5º, Caput – Convenção de Viena de

1961, com limites imprecisos: O diplomata tem imunidade civil, penal e fiscal, inclusive podendo escusar-se de depor como testemunha. Estende-se ao Chefe da missão, membros e familiares, pessoal administrativo e técnico não brasileiros. A embaixada é inviolável, mas não é considerada território do país alienígena.

- Imunidades Consulares: funcionários administrativos do país de

origem não têm imunidade diplomática, mas apenas privilégios processuais. Podem ser presos por crime grave (punidos com reclusão, com mais de dois anos de pena mínimo).

- Imunidades parlamentares: a) Materiais: Os parlamentares são invioláveis por suas palavras,

expressões e votos, no exercício da função. Estendem-se aos senadores, deputados federais, estaduais e vereadores, estes últimos apenas nos limites de sua circunscrição eleitoral.

b) Formais (senadores e deputados – art. 53 CF): Os parlamentares

somente podiam ser processados por crimes comuns com autorização da respectiva casa legislativa – não se estendendo aos vereadores. Emenda constitucional recentemente aboliu a imunidade parlamentar na forma como se conhecia, invertendo a relação. Atualmente, não é mais necessário que se solicite autorização para a instauração de processo-crime contra parlamentar. A contrario sensu, a casa legislativa, por iniciativa de partido político e pela maioria de seus membros, após o recebimento da denúncia, pode, no prazo máximo de 45 dias contados da apresentação do pedido, sustar o andamento da ação durante o curso do mandato (Emenda Constitucional nº 35, de 20 de dezembro de 2001).

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A imunidade parlamentar material, após a emenda constitucional nº 35, inclui também a responsabilidade civil, entendimento que já era aceito pelo STF. A imunidade material, portanto, é de natureza penal, civil, disciplinar e política. Quanto aos deputados estaduais, que também possuem imunidade parlamentar material e formal, por força do art. 27, § 1º da Constituição Federal, o STF editou a súmula nº 3, com os esclarecedores dizeres: “A imunidade concedida a Deputado Estadual é restrita à Justiça do Estado-Membro”. Competência por Prerrogativa de Função: Tratada erroneamente como privilégio pela sociedade, na verdade a competência por prerrogativa de função visa justamente evitar privilégios e favorecimentos, não tendo relação com pessoas, mas com funções por elas exercidas. Assim: - O Presidente é julgado, nos crimes comuns, pelo STF. Nos crimes de

responsabilidade (art. 85 CF), pelo Senado Federal. - O Vice-Presidente e o Procurador Geral da República, nos crimes

comuns, são julgados pelo STF. Os Ministros de Estado, membros dos Tribunais Superiores, membros do TCU, chefes de missão diplomática são julgados pelo STF nos crimes comuns e nos de responsabilidade.

- O STJ julga governadores, em caso de crimes comuns. Nos crimes

comuns e nos de responsabilidade, julga os desembargadores do TJ, membros dos Tribunais Federais (atualmente chamados de Desembargadores Federais), membros do TCE e TCM e membros do MPF que oficiem perante tribunais.

- Os Vice-Governadores, prefeitos municipais, membros do Judiciário e

MP estaduais são julgados pelo TJ. A competência especial por prerrogativa de função não se estende após a cessação definitiva do exercício funcional. Contudo, prorroga-se no caso de crime cometido durante o exercício funcional.

Extradição:

O Estado não tem o direito de invadir território alheio para recapturar criminoso fugitivo. Deve socorrer-se do recurso da extradição, conceituada como “ato pelo qual uma nação entrega a outra um autor de crime para ser julgado ou punido”. - Fundamenta-se em tratado internacional ou promessa de

reciprocidade.

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- Veda-se a extradição do brasileiro nato. O naturalizado somente poderá ser extraditado em decorrência de crime comum praticado antes da naturalização ou em caso de tráfico de drogas (art. 5º inciso LI CF88).

- Não há impedimento legislativo à extradição de estrangeiros

casados com brasileiros ou que tenha filho brasileiro sob sua guarda. Tal hipótese somente é vedada no processo de expulsão, conforme a Súmula nº 01 do STF, expediente utilizado normalmente para criminosos, porque nocivos aos interesses nacionais. A conhecida deportação, por sua vez, aplica-se nos casos de estada ou entrada irregular de estrangeiro no território nacional.

A Lei do Estrangeiro, nº 6.815/90, prevê, em seu artigo 77, as hipóteses de negativa de extradição:

Art. 77. Não se concederá a extradição quando:

I - se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido;

II - o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente;

III - o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando;

IV - a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a 1 (um) ano;

V - o extraditando estiver a responder a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido;

VI - estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente;

VII - o fato constituir crime político; e

VIII - o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.

§ 1° A exceção do item VII não impedirá a extradição quando o fato constituir, principalmente, infração da lei penal comum, ou quando o crime comum, conexo ao delito político, constituir o fato principal.

- O fato de estar o estrangeiro cumprindo pena no Brasil não impede sua extradição, quando já houver sido decretada sua expulsão. O extraditando também não pode ser julgado por outro fato que não aquele que fundamentou o pedido, salvo se posterior a este.

- Cabe ao STF o julgamento do pedido de extradição, que não deve

examinar o mérito da questão ou emitir opinião sobre vícios do processo originário. Contudo, cabe ao Executivo deferir ou não a extradição, podendo negá-la apesar da decisão favorável do STF.

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Crime Conceito: − FORMAL: Crime seria toda conduta que colidisse frontalmente contra

a lei penal, que atentasse contra a ordem jurídica vigente, editada pelo Estado. “Fato humano contrário à lei”, na lição de Carmignani.

− MATERIAL: Crime seria a conduta contrária à norma que viola os bens jurídicos mais importantes.

Como visto, os conceitos formal e material são imprecisos, pelo que merece destaque o conceito analítico de crime, que analisa pormenorizadamente os diversos elementos do delito. Conceito Analítico de Crime: Segundo a teoria finalista da ação, na lição de Assis Toledo, o crime seria composto de três elementos: ação típica (tipicidade), antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). Melhor utilizar a palavra ilícita em substituição a antijurídica, pois o crime, embora se trate de conduta humana contrária às expectativas sociais, não deixa de constituir um fato jurídico. Mais correto ainda é conceituar-se, na lição de Rogério Greco, o crime como fato típico, ilícito e culpável, em uma concepção finalista, conforme demonstra o quadro abaixo, extraído da obra Estrutura Jurídica do Crime:

CRIME

Fato típico Ilícito Culpável − Conduta:

Dolosa/Culposa Comissiva/Omissiva

− Resultado − Nexo Causal − Tipicidade:

Formal Conglobante: − Antinormativa − Material

Quando o agente não atua em: − Estado de Necessidade − Legítima Defesa − Estrito Cumprimento do

Dever Legal − Exercício Regular de

Direito − Quando não houver o

consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude.

− Imputabilidade − Potencial

Consciência da ilicitude

− Exigibilidade de

conduta diversa

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A evolução doutrinária que levou à formação do conceito anteriormente exposto será estudada nos capítulos seguintes, em separado, no estudo do fato típico, da ilicitude e das causas que a excluem e, por fim, da culpabilidade, com todo o arcabouço teórico evolutivo que a caracteriza. De todo modo, nosso CP é essencialmente finalista, adepto da teoria da ação final de Hans Welzel, após a reforma penal de 1984, situando, como visto, os elementos subjetivos dolo e culpa no estudo do fato típico, especificamente na conduta típica. O pensamento dogmático que justifica tal colocação será estudado, como dito, em tópico próprio. Logo, crime é o fato típico, ilícito e culpável. São requisitos do crime:

1. Genéricos: a tipicidade e a ilicitude, formando o injusto típico, donde se retira a violação à norma jurídica, ou seja, a prática de um fato típico de modo contrário ao ordenamento jurídico vigente, com real danosidade social.

2. Elementos ou circunstâncias elementares: - Verbo que descreve a conduta típica - Objeto material do crime, como a coisa ou a pessoa sobre a qual

recai a conduta do agente - Sujeito ativo e passivo - Bem jurídico tutelado, como o valor que se pretende preservar,

dentre os mais importantes da sociedade. Não se confunde o sujeito ativo da infração penal com o responsável pela mesma, como no caso da responsabilidade penal da pessoa jurídica, considerada de modo isolado da pessoa física diretamente causadora da lesão ao bem jurídico nos crimes ambientais. O sujeito passivo, por sua vez, é o titular do bem jurídico ofendido, embora nem sempre seja determinado ou determinável, podendo ser o próprio Estado (embora se diga que o Estado é sujeito passivo em qualquer infração penal), pessoa física ou jurídica ou mesmo a coletividade abstrata, como nos crimes vagos (direção perigosa, porte ilegal de arma de fogo, etc.).

3. São circunstâncias do crime determinados dados que, agregados à figura típica fundamental, aumentam ou diminuem suas conseqüências jurídicas: Agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição.

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Ilícito Penal e Ilícito Civil: A priori, ontologicamente, não existe diferença entre ilícito penal e ilícito civil. Ocorre que determinadas condutas não atingem bens jurídicos tão importantes a ponto de merecer a tutela penal. Logo, a única diferença é meramente formal, aquela estabelecida pela lei penal. Determinada conduta pode merecer a tutela penal, enquanto outra se resolve por meio do direito civil, administrativo, tributário, etc., em correlação com os princípios da intervenção mínima, adequação social, etc. Por fim, cabe relembrar a questão das diversas nomenclaturas utilizadas, recordando que Infração penal é o gênero. Nosso Código Penal não faz distinção entre crimes e delitos, espécies de infração penal, tratando-se de infrações punidas com detenção ou reclusão, sendo a contravenção uma infração penal menos grave, punida com multa ou prisão simples. Após a Lei 9.099/95, instituiu-se uma forma híbrida, chamada “infração penal de menor potencial ofensivo”, compreendendo todos os crimes com pena máxima até dois anos, ainda que processados mediante rito especial, bem como todas as contravenções penais.

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Teorias sobre a Conduta Não há crime sem ação (nullum crimen sine conducta). Ação em sentido amplo, englobando a omissão, razão pela qual o mais correto é referir-se à mesma como conduta. Teorias Causalistas: A conduta é um movimento humano voluntário que causa modificação no mundo exterior, consistindo em um “fazer ou não fazer”. Processo mecânico, muscular e voluntário (porque não é um ato reflexo), prescindindo do fim a que se destina. A finalidade da conduta seria estudada na culpabilidade, lugar para o estudo do dolo e da culpa, como elementos subjetivos. Assim, a conduta, chamada de Ação, era um processo causal-mecanicista, dissociado de sua finalidade, separando-se ação de intenção, o que não se mostra compatível com a realidade. Para tais correntes, bastaria a voluntariedade do ato, não importando a intenção do agente. Crítica: nos termos propostos pelos causalistas, o conceito de conduta juridicamente considerado difere do conceito real, pois não se admite ação humana sem finalidade. Tal posicionamento dificulta, inclusive, o entendimento da tentativa, que torna necessário desde o início aferir-se a intenção do agente. Ainda dificulta o entendimento dos elementos subjetivos do tipo, quando existentes. Além do mais, ação entendida como movimento humano não comporta, em alguns casos, a omissão, vista pelos causalistas como mera “distensão dos músculos”. Nem sempre em crime omissivo ocorre esta distensão muscular. O omitente pode perfeitamente estar praticando outro comportamento, outra ação, enquanto se omite no dever de agir. Teoria Finalista da Ação: Hans Welzel trouxe para o tipo penal os elementos subjetivos da conduta, dolo e culpa, conceituando a ação como “exercício de atividade final”, ou seja, o exercício de uma atividade humana voltada para uma finalidade, abandonando o conceito anterior, segundo o qual a conduta seria um comportamento meramente causal. O conteúdo da vontade está na ação, vontade dirigida a um fim, integrando a própria conduta, assim devendo ser considerada juridicamente. No crime doloso, a finalidade do agente é cometer um fato ilícito. No crime culposo, o fim da conduta não está dirigido ao resultado lesivo, mas o agente é autor de fato típico por não ter atuado com o cuidado objetivo necessário. Assim, para os finalistas, quem desfere um disparo de arma de fogo e atinge outra pessoa, somente responde por homicídio doloso se tinha a morte como objetivo ou se assumiu o risco desse resultado, respondendo por crime culposo caso não tenha tomado, no caso concreto, os cuidados necessários e exigíveis do homo medius. Por nada responderia se, por exemplo, praticando regularmente tiro ao alvo, acabasse por atingir alguém que se ocultara atrás do alvo, fugindo de terceiros.

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Teoria Social da Ação: Buscou servir de ponte entre o causalismo e o finalismo. Conceituou a ação como “conduta socialmente relevante”. De difícil aplicação, pois torna difícil o conceito de relevância social da conduta, o que exigiria um juízo de valor, tornando os tipos penais imprecisos e vagos (Será melhor analisada em tópico posterior). Adotando o finalismo, Damásio E. de Jesus conceitua a conduta como “ação ou omissão humana consciente e dirigida a determinada finalidade”. Características da Conduta: - Comportamento humano, o que exclui os fatos naturais, do mundo

animal e os atos praticados pelas pessoas jurídicas, cujos responsáveis serão seus prepostos (embora a responsabilidade penal da PJ seja matéria a ser mais bem analisada, inclusive estando prevista na lei de crimes ambientais, doutrinariamente defendida por diversos autores).

- Necessidade de repercussão externa da vontade do agente, não se punindo mera cogitação, pois seria punir o pensamento, o simples ato de planejamento do delito não levado a efeito.

- Ato voluntário, o que não significa que o resultado seja querido, que a conduta seja livre de coação moral, o que se resolverá na questão da culpabilidade.

Na ação dolosa, a vontade se dirige ao resultado. Na ação culposa, a vontade limita-se à causa do resultado. Como visto, ato involuntário não significa conduta, como na coação física irresistível (exemplificando, agente coloca uma arma na mão de terceiro e obriga aquele a efetuar um disparo contra a vítima. Na verdade, não há conduta do atirador, mas do agente, que responderá pelo resultado). Formas de conduta: Ação (positiva) ou omissão (negativa). Não há fato típico nas hipóteses de caso fortuito ou força maior. Caso fortuito é aquele imprevisível ou inevitável (acidente decorrente de falha mecânica não negligente, em condições normais de tráfego). Força Maior, por exemplo, ocorre no caso de coação física irresistível.

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Classificação das Infrações Penais: A forma da ação criminosa oferece critérios para várias classificações: - Crime Instantâneo: É aquele que, uma vez consumado, está

encerrado, a consumação não se prolonga no tempo, o resultado se produz em momento único. (Ex.: lesão corporal e homicídio).

- Crime Permanente: O momento consumativo se protrai, se prolonga,

perdura no tempo (Ex.: Extorsão mediante seqüestro e Cárcere Privado).

- Crime Instantâneo de Efeitos Permanentes: Consumada a infração

em dado momento, os efeitos permanecem, independente da vontade do agente (furto, homicídio, bigamia, onde não é possível aos agentes desfazer o segundo casamento).

- Crime Comissivo: Exige uma atividade positiva do agente, uma ação

em sentido estrito (no furto, será o “subtrair”, no rapto, o “raptar”). - Crimes Unissubjetivos ou de Concurso Eventual: Pode ser praticado

por uma só pessoa, embora nada impeça a co-autoria e a participação, ou seja, a prática por mais de um agente. É nesta hipótese que ocorre concurso de pessoas.

- Crimes Plurissubjetivos ou de Concurso Necessário: Exigem dois ou

mais agentes para a prática criminosa, podendo se tratar de condutas paralelas (quadrilha ou bando, ações com finalidade única, onde todos respondem), condutas convergentes (adultério, onde uma das partes não é culpável) e condutas divergentes (rixa, caracterizada pela ação de uns contra os outros).

- Crimes Qualificados: São aqueles em que a lei acrescenta alguma

circunstância ao tipo básico, para agravar a pena, como no art. 121, § 2º, do Código Penal (homicídio qualificado, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão, agravando a pena do homicídio simples, de 06 a 20 anos).

- Crimes Privilegiados: São aqueles em que o acréscimo ao tipo básico

serve para diminuir a pena, criando uma nova infração penal, como no infanticídio e no art. 121, § 1º, do Código Penal (homicídio privilegiado, onde a pena é reduzida de 1⁄6 a 1⁄3 – esta hipótese, contudo, ajusta-se mais ao conceito de causa de diminuição de pena).

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- Crime Progressivo: Um tipo abstratamente considerado contém implicitamente outro, que deve ser realizado para se alcançar o resultado. O anterior é simples passagem, e fica absorvido pelo outro. Homicídio exige lesão corporal que resulte em morte. Na rixa, as lesões corporais leves estão implícitas, bem como as vias de fato. Difere da progressão criminosa, quando o agente pretende praticar um crime e, em seguida, resolve praticar outro (causa lesões na vítima e, posteriormente, já com dolo homicida, a mata). Também ocorre no antefato e pós-fato impunível, na regra da consunção.

- Crime Simples: Ofende um só bem jurídico. São as formas básicas dos

delitos, como no homicídio simples. - Crime Complexo: Ofende a dois ou mais bens jurídicos. Em sentido

estrito, caracterizando a união de dois ou mais crimes, como no roubo; em sentido amplo, tratando-se da união de um crime com uma conduta penalmente indiferente, como no estupro.

- Crimes Habituais: Reiteração de atos penalmente indiferentes,

quando praticados isoladamente, mas que, unidos, como um todo, constituem um delito, como no curandeirismo, manter casa de prostituição e exercício ilegal da medicina.

- Crime Profissional: Praticado por aquele que exerce uma profissão e

dela se utilizada para a atividade ilícita, como no aborto praticado por médico.

- Crimes de ação única e de ação múltipla: Crime de ação única é

aquele cujo tipo penal contém apenas um núcleo, uma forma de conduta, como no furto. Crime de ação múltipla, ou de conteúdo variado, é aquele em que existem várias formas possíveis de cometimento, como no tráfico de entorpecentes.

- Crime Unissubsistente: Realiza-se com apenas um ato, conduta una e

indivisível, como na injúria e na ameaça verbal. - Crime Plurissubsistente: É composto de vários atos que integram a

conduta, fracionando-se o crime, admitindo, portanto, a tentativa. Constitui a maioria dos delitos, como homicídio, furto, etc.

- Crime Material: Exige um resultado naturalístico para a consumação,

uma alteração na realidade física, como no homicídio. - Crime Formal: Existe um resultado pretendido pelo agente, mas o

mesmo não é exigido para a consumação, como na extorsão mediante seqüestro, infração que se consuma no ato do seqüestro e não no recebimento do resgate.

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- Crime de Mera Conduta: Não há resultado naturalístico, contentando-se a lei com a simples ação ou omissão do agente, como no ato obsceno e na violação de domicílio.

- Crimes de dano e de perigo: O primeiro somente se consuma com a

efetiva lesão pretendida pelo agente. No crime de perigo, ocorre a consumação com a simples ocorrência da situação de risco.

- Crimes Comuns, próprios e de mão própria: Os crimes comuns

podem ser praticados por qualquer pessoa, como no furto. Os crimes próprios exigem uma capacidade especial do agente, como ser funcionário público no crime de peculato. Os delitos de mão própria, por sua vez, exigem atuação pessoal, como no falso testemunho.

- Crimes Hediondos: Oriundos da Lei 8.072/90, refletiam uma maior

necessidade de punição para delitos graves. Não houve a criação de novas figuras típicas, mas apenas a determinação de crimes graves como hediondos, como nos casos do estupro, da extorsão mediante seqüestro e do latrocínio, a merecerem um tratamento penal e processual mais severo.

- Crime Organizado: Oriundos de organizações criminosas, com

estrutura organizacional, hierarquia, divisão de tarefas, forma sistematizada, método empresarial, território definido, códigos e procedimentos rígidos, em simbiose com o Estado, tendo alcance regional, nacional ou internacional.

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Omissão Penalmente Relevante

Questão que sempre gerou inúmeras dúvidas na teoria do delito é a causalidade na omissão, dada a natural dificuldade de entender de que modo um comportamento negativo, um não fazer, pode ser causa de um resultado naturalístico, de uma modificação no mundo físico. Após a década de 1920, inúmeros estudiosos do direito buscaram explicar de que forma um comportamento omissivo causaria um resultado, discussão que se mostrou infrutífera. Na verdade, não há como identificar uma causalidade naturalística no comportamento omissivo. O resultado não é provocado diretamente por um não fazer, pois não há relação material entre a conduta e o resultado. O resultado, na verdade, é provocado pelas forças físicas positivas1 que atuam de modo concomitante à omissão e não pela simples negativa de um comportamento. O que importa, em suma, é definir quando não impedir o resultado equivale a causá-lo, na lição de Von Liszt. Assim, não há uma causalidade naturalística na omissão, mas uma causalidade jurídica, normativa (criada pela norma). Na perfeita interpretação de Fernando Galvão, somente se pode conceber na omissão uma causalidade normativa, hipotética, afigurando-se um nexo hipotético de causalidade. De todo modo, o Código Penal não faz distinção entre ação e omissão ao fornecer o conceito de causa. A conduta do agente pode consistir em um fazer ou não fazer. A questão é quando o não fazer deve atingir relevância jurídica a ponto de merecer a intervenção do Estado. A resposta é: a relevância jurídica do comportamento omissivo somente se caracteriza quando existe um dever de agir do omitente. Assim, quando o agente faz alguma coisa que lhe era proibida penalmente, fala-se em crime comissivo. Quando deixa de fazer alguma coisa que lhe era obrigada pela lei penal, fala-se em crime omissivo, somente imputado ao agente quando este devia e podia agir para evitar o resultado. A doutrina divide os crimes omissivos em: Crimes omissivos próprios ou puros: Descritos objetivamente como uma conduta negativa, um não fazer, bastando que o autor se omita quando deve agir (dever geral de agir). São crimes comuns, a exemplo do art. 135 CP (omissão de socorro), cujo núcleo do tipo é “deixar de prestar assistência”. São crimes de mera conduta, sem previsão de qualquer resultado naturalístico. Chamados de omissão própria porque o tipo penal narra uma conduta propriamente omissiva, um não fazer, como no exemplo acima. O dever de agir se extrai da própria norma proibitiva, de natureza mandamental.

1 GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral, pág. 233

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Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão: Exigem que o agente possua uma qualidade especial, um especial dever de agir para evitar o resultado. São crimes próprios, de tipo aberto, só podendo ser praticados por quem tenha com a vítima uma vinculação que o torne garante do bem jurídico ofendido, ou garantidor da não ocorrência do resultado. A omissão imprópria, portanto, somente ocorre quando o agente é garantidor do bem jurídico. A omissão é penalmente relevante, encontrando-se o agente na posição de garante, incumbindo-lhe o dever de agir nos seguintes casos: − Quanto o agente tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção

ou vigilância, como no caso dos pais em relação aos filhos. − Quanto o agente, de outra forma, assumiu a responsabilidade de

impedir o resultado, como no caso do guarda-costas em relação ao contratante.

− Quando o agente, com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Na primeira hipótese vê-se a obrigação legal, advinda, como exemplificado, do poder familiar ou outra determinação normativa, direta ou indiretamente, podendo inclusive ser extraída do sistema jurídico a que pertença. A segunda hipótese prevê a obrigação contratual (não havendo forma prevista, podendo ser inclusive verbal). Já a última hipótese exige uma ação do agente que crie uma situação de risco, o que o coloca na posição de garantidor, com dever de impedir o resultado lesivo. Por fim, como o próprio Código afirma, a omissão (tanto própria quanto imprópria) somente é penalmente relevante quando o agente devia e podia agir para evitar o resultado. Assim, se o agente nada podia fazer para evitar o resultado lesivo, se qualquer intervenção era impossível ou inútil, se extrapola o risco tolerável ou simplesmente não se mostra viável, não há comportamento humano que interesse ao Direito Penal, não havendo responsabilidade penal do omitente. Veja-se, em exemplo de Galvão, o banhista irresponsável que acaba provocando a morte do salva-vidas que tenta resgatá-lo. Ele, ao criar a situação de risco, tornou-se garante do bem jurídico do salva-vidas (não se olvide que o salva-vidas também o é, por obrigação contratual). Mas se o incauto banhista sequer consegue salvar-se, obviamente nada pode fazer para salvar terceiros. Assim, seu comportamento omissivo não possui relevância jurídico- penal.

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O Resultado

Segundo a Teoria Naturalística, conceitua-se como a modificação do mundo exterior provocada pelo movimento humano voluntário. Nesse contexto, existem crimes sem resultado, como na injúria oral, no ato obsceno, violação de domicílio, etc. Contudo, como nosso CP afirma, no art. 13, que a existência do crime depende do resultado, o conceito do mesmo foi ampliado, passando a configurar “ lesão ou perigo de lesão a um bem juridicamente protegido”, adotando-se o conceito de resultado trazido pela Teoria Normativa. Pode ser físico (dano ao patrimônio), fisiológico (lesão corporal) ou psicológico (terror provocado pela ameaça). O melhor entendimento para o conceito de resultado, contudo, é mesmo o natural, como modificação do mundo exterior, pois mesmo em hipóteses onde não há ofensa a bens jurídicos, pode haver resultado (A mata B em legítima defesa. Não houve ofensa a bem jurídico, pois a ação é lícita, autorizada pela legítima defesa de um direito. Mas houve resultado naturalístico, qual seja, a morte de B). Tratando-se do resultado meramente naturalístico (com a citada modificação no mundo natural), os crimes podem ser materiais, formais ou de mera conduta.

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Dolo: Conceito de dolo: Vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Dolo é a regra e culpa é a exceção, somente quando prevista expressamente. Em quase todo o ordenamento jurídico pátrio as condutas consideradas criminosas são punidas a título de dolo, excepcionalmente por culpa, como se extrai do conteúdo do art. 18, § único do CP: “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. A doutrina apresenta duas classificações acerca do dolo, para fins de responsabilização: Dolo Direto: quando o agente quer o resultado e atua no intuito de produzi-lo. Parte da doutrina divide o dolo direto em dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau. Para se entender a diferença, é necessário considerar que a conduta criminosa se divide em três fases: na primeira, o agente mentaliza a prática criminosa; em seguida, elege os meios para a efetivação de sua intenção delituosa e por fim pondera sobre eventuais efeitos colaterais que podem advir de sua ação. O dolo direto de primeiro grau ocorre quando o agente pratica ato voltado diretamente ao resultado pretendido, abrangendo os meios para alcançá-lo. Quer matar a vítima e efetua um disparo fatal em sua direção, atingindo-a e eliminando-a. Relaciona-se com as duas primeiras fases supracitadas. O dolo direto de segundo grau, também chamado de dolo de conseqüências necessárias, ocorre quando o agente mentaliza efeitos colaterais de sua conduta como certos e inevitáveis. Ainda assim prossegue e os produz. Não tem como intenção primordial a provocação de tais efeitos, mas considera certa sua ocorrência. Quer matar a vítima e planta uma bomba em seu local de trabalho, atingindo inevitavelmente terceiros. Quer receber o valor da apólice do seguro e provoca incêndio na empresa, lesionando terceiros. A doutrina italiana adota expressamente tais conceitos, como dolo intencional (de primeiro grau), dolo direto (de segundo grau) e dolo eventual ou indireto (mesma denominação por nós utilizada).

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Dolo Indireto: − Eventual: quando o agente assume o risco de produzir o resultado

lesivo − Alternativo: Quando o agente possui duas intenções dolosas, pouco

importando qual delas se produza (para alguns autores, também seria exemplo de dolo direto). Ex.: A efetua disparos de arma de fogo em direção a duas pessoas, objetivando atingir uma ou outra.

Teorias acerca do Dolo: − Teoria da Vontade: dolo é somente a vontade livre e consciente

dirigida ao resultado. − Teoria do Assentimento (consentimento): mesmo prevendo como

possível o resultado, o agente não se importa com a ocorrência do mesmo.

− Teoria da Representação: o agente tem a previsão do resultado como possível, mas continua com a conduta. Por esta teoria, não se distingue dolo eventual de culpa consciente.

Nosso CP adotou a teoria da vontade no dolo direito e do assentimento no dolo eventual. Assim, nosso CP considera que assumir o risco da produção de um resultado é o mesmo que querê-lo. Conforme art. 18, inciso I, o crime é “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo“. Dolo geral: Construção doutrinária para solução de casos duvidosos, quando o autor acredita haver consumado o ilícito, mas o resultado se produz por ação posterior (Ex.: julgando o inimigo morto, o agente atira o corpo ainda vivo no rio, vindo a vítima a falecer em virtude de afogamento. Responderia por homicídio doloso consumado e não por tentativa de homicídio seguida de homicídio culposo). Dolo genérico e dolo específico: ausência e presença de elemento subjetivo – na teoria causal, no finalismo não mais se faz tal distinção. No causalismo, considerava-se dolo genérico a simples vontade de praticar a conduta típica, havendo, em alguns casos, a presença do dolo específico, exigindo-se um especial fim de agir do autor, demonstrado em expressões como “para ocultar desonra própria” (art. 134) e “para si ou para outrem” (art. 155). Dolo normativo: na teoria causal, dolo e culpa se situavam na culpabilidade, onde estavam os elementos volitivos (vontade de praticar a conduta e consciência de seu resultado – dolo natural do finalismo), psicológicos e normativos (potencial consciência da ilicitude). Logo, tal dolo causalista é chamado de normativo, por conter elementos subjetivos e normativos.

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Culpa: Art. 18, inciso II, do Código Penal: “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Quanto à classificação, o tipo culposo é aberto e incongruente. Conceito: Conduta humana voluntária que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção (dever objetivo de cuidado) ser evitado. Dá-se por imprudência, negligência ou imperícia. Elementos: − Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva. − Inobservância de dever objetivo de cuidado (negligência,

imprudência ou imperícia) − Resultado lesivo não querido nem assumido. − Nexo causal − Previsibilidade − Tipicidade O Código Penal não conceitua a culpa nem define o que seria o comportamento culposo, como deveria. Apenas se refere às formas de inobservância do dever de cuidado. Bem andou, contudo, o Código Penal Militar que, em seu art. 33, inciso II, define precisamente quando o crime é culposo,

Art. 33: (...) II – O agente, deixando de empregar a cautela, atenção ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Assim, o CPM definiu magistralmente as hipóteses de culpa inconsciente e culpa consciente, a saber: Culpa inconsciente: quando o resultado previsível não foi previsto pelo agente, que lhe deu causa por imprudência, negligência ou imperícia. Culpa consciente: quando o resultado lesivo previsível é previsto, mas o agente confia, levianamente, como bem diz o CPM, que não ocorrerá ou que poderá evitá-lo. Ex.: Atirador de elite ao disparar contra seqüestrador abraçado à refém. Tem consciência que pode atingir a vítima, mas confia em sua habilidade que tal resultado não ocorrerá. Se ocorrer, trata-se de culpa consciente.

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Distingue-se o dolo eventual da culpa consciente porque naquele (dolo eventual), o resultado é previsto, mas o agente não se importa que o mesmo ocorra e nesta (culpa consciente), o agente confia na não ocorrência do resultado. Culpa imprópria: Será tratada quando do estudo das descriminantes putativas. Como não há vontade dirigida ao resultado, não é possível a tentativa em crime culposo, salvo, como se verá em momento oportuno, na culpa imprópria, ou erro derivado de culpa na descriminante putativa com resultado aquém do pretendido, que se trata, na verdade, de solução jurídica culposa para hipótese de tentativa dolosa. Em Direito Penal, não se admite a compensação de culpas (a culpa de A não compensa a de B), devendo todos os responsáveis responder pelo evento criminoso, admitindo-se, portanto, a concorrência de culpas.

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Relação de Causalidade Elo que une a conduta do agente ao resultado. Ocorre nos crimes materiais (de ação e resultado) e omissivos impróprios (comissivos por omissão), considerando-se o conceito de resultado como naturalístico. Logo, não há nexo causal nos crimes formais, de mera conduta e omissivos próprios.

Principais Teorias acerca do nexo causal: Teoria da equivalência dos antecedentes causais (ou da conditio sine qua non): considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Não diferencia causa de condição e ocasião. Sustenta que a “causa da causa também é causa do que foi causado” (causa causae est causa causati). Crítica – possibilidade de regressão infinita (considerando que tudo que contribui para o resultado é causa, poder-se-ia chegar a extremos, como imputar o homicídio ao comerciante da arma de fogo nele utilizada). Solução – proibição de regresso além dos limites da vontade livre e consciente do agente ativo da infração penal. Assim, o comerciante da arma de fogo não pode ser responsabilizado, visto que agiu sem dolo e sem culpa. Teoria da Causalidade Adequada (ou teoria das condições qualificadas): um fato somente será produto da ação humana quando esta for idônea à produção do resultado. Nesta hipótese, a venda ou o fabrico da arma jamais seriam causa do crime de homicídio praticado com a mesma, por não serem ações idôneas à produção deste resultado. Teoria da Imputação objetiva: hoje dominante na Europa, especialmente na Alemanha, tem por finalidade atribuir responsabilidade ao agente somente quando, com sua conduta anterior, tenha criado um risco não tolerado nem permitido ao bem jurídico tutelado. Assim, a venda da arma não pode ser causa do resultado morte porque tal ato não criou um risco não permitido pelo ordenamento jurídico, visto que a venda foi feita licitamente, não sendo tarefa do comerciante questionar o uso da mercadoria vendida. Utilizada para resolver problemas que surgem normalmente nos tipos culposos (pois nos crimes dolosos a causação de um risco não permitido é óbvia), separa a mera causalidade natural (elo entre a conduta e o resultado) da possibilidade de real determinação (ou de atribuição) do resultado ao agente. Assim, condutas que, à primeira vista, sejam culposas strictu sensu, como a condução de veículo

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automotor em velocidade incompatível para o local (imprudência), podem não gerar responsabilidade penal, caso se demonstre que a conduta culposa do agente não aumentou o risco tolerado pela norma. Também no caso de auto-colocação em risco, quando, por exemplo, a pessoa, voluntária e conscientemente, se coloca em situação de perigo. Merece algumas críticas, por levar, em alguns casos, a absolvições injustas. A teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro é a teoria da equivalência dos antecedentes causais, com os seguintes dizeres: ”considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” – art. 13 CP. Processo Hipotético de Eliminação de Thyren: Exercício mental para considerarmos se um fato deu causa ao resultado: − Analisa-se um fato como influenciador do resultado. − Elimina-se esse fato da cadeia causal. − Se o resultado continuar ocorrendo, o fato não é causa. Contudo, para ser considerado como causa relevante juridicamente, deve-se verificar se o resultado continuaria ocorrendo, com a supressão da causa, da maneira como efetivamente ocorreu (adendo que deveria constar do CP). Explica-se, utilizando-se um exemplo de Rogério Greco: A encontra-se pendurado em um galho de árvore, à beira da morte. B passa pelo local e, aproveitando-se do fato, balança o galho, de modo que A caia e venha a morrer. A de qualquer modo morreria. Contudo, não da maneira ou no momento em que faleceu. Logo, B responde pelo resultado, a título de homicídio doloso. Espécies de causa: − Causas absolutamente independentes: ocorrência do resultado sem

qualquer conduta do agente - Podem ser preexistentes (Ex.: suicídio anterior), concomitantes (Ex.: dois tiros desferidos por pessoas distintas) e supervenientes (Ex.: desabamento após disparo).

− Causas relativamente independentes: ocorrência do resultado mediante ocorrência de causa conjugada com a conduta do agente – Podem ser preexistentes (Ex.: hemofilia - se o agente sabia e queria a morte, responde por homicídio; se sabia e queria apenas lesionar, responde como delito preterdoloso), concomitantes (pressupondo relação de simultaneidade – tiro no momento do ataque cardíaco – tiro contribuindo para a morte – crime doloso) e supervenientes, que merecem um estudo à parte.

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Causa superveniente relativamente independente: art. 13, § 1º. “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.

− O cerne da questão encontra-se na expressão “por si só”. Somente

se imputam ao agente as questões que se encontrarem na linha de desdobramento causal (natural, física) da conduta anterior.

Ex.: Paciente baleado morre na ambulância, em acidente de trânsito – o agente não responde. Paciente baleado morre no hospital, por infecção hospitalar: o agente responde pelo homicídio. Na primeira hipótese, a morte por acidente de trânsito não está na linha de desdobramento causal, natural da conduta do agente. Na segunda hipótese, a infecção hospitalar é conseqüência natural do ferimento infligido pela vítima. Pelo exposto, em caso de causas relativamente independentes concomitantes e preexistentes, o agente responde se ciente da existência da mesma. Em caso de causas supervenientes, responde somente pelos fatos já praticados, se as mesmas, por si só, tiverem produzido o resultado.

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CRIME CONSUMADO E CRIME TENTADO “Iter Criminis” (caminho do crime): − Cogitação − Atos preparatórios − Execução − Consumação − Exaurimento (que não faz propriamente parte do iter) A cogitatio refere-se a atos de planejamento do delito, quando o agente imagina, cogita praticar a ação penal. A preparação advém dos preparativos materiais do agente para a prática ilícita, quando o mesmo adquire os instrumentos ou condições para a prática ilícita (Ex.: fabrica uma chave falsa, um pé-de-cabra, adquire uma arma, investiga o local, etc.) A execução ocorre quando o agente pratica a conduta descrita no tipo penal, ou segundo alguns doutrinadores, quando pratica atos de hostilidade ao bem jurídico. A consumação varia de crime para crime, dependendo da espécie e natureza. O exaurimento, que não faz propriamente parte do iter, ocorre quando o agente obtém tudo que desejava com a ação delitiva. Momentos Consumativos: - Crime material: existe um resultado, que é exigido pelo tipo penal.

Consuma-se quando ocorre o resultado (Ex.: homicídio). - Crime formal: existe um resultado, mas o tipo não exige para a

consumação. Consuma-se com a prática descrita no núcleo do tipo: Ex.: extorsão (o recebimento do resgate seria exaurimento).

- Crime culposo: consuma-se com a ocorrência do resultado não querido, mas previsível.

- Crime omissivo impróprio: quando há produção do resultado naturalístico.

- Crime omissivo próprio: com a simples abstenção do comportamento imposto ao agente.

- Crime de mera conduta: consuma-se com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo qualquer resultado. Ex.: violação de domicílio.

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- Qualificados pelo resultado (preterdolosos): com a ocorrência do resultado agravador. Dolo no antecedente, culpa no conseqüente. Ex.: lesão seguida de morte.

- Crimes permanentes: a consumação se protrai no tempo, logo, se consumam enquanto durar a permanência. Ex.: seqüestro e cárcere privado.

Não se pune a cogitação (seria punir o pensamento), nem os atos preparatórios, salvo quando constituírem, por si só, atos executórios de outro delito (Ex.: Aquisição de arma de fogo para prática de homicídio. O simples porte ilegal da arma já é crime autônomo). Assim, somente se admite punição quando o agente ingressa na fase executória do delito. Distinção entre atos preparatórios e atos de execução: Existem cinco principais teorias a respeito. − Teoria Subjetiva: Haveria tentativa quando o agente, de maneira

inequívoca, praticasse atos que indicassem o desejo de praticar a infração penal. Por essa teoria, não há distinção entre atos preparatórios e atos de execução. Para essa teoria, se alguém saísse de casa com a intenção de matar outrem, mas não encontrasse a vítima potencial, haveria tentativa.

− Teoria Objetiva-formal (Beling): exige o início da realização do tipo

ou de seus periféricos. O autor alemão, idealizador da teoria do tipo penal e autor da teoria clássica na companhia de Von Liszt, com idéias de Binding quanto à norma penal e Von Ihéring quanto à antijuridicidade objetiva, tinha uma idéia restritiva da fase executória de um delito. Esta somente teria início com a realização do núcleo do tipo ou de condutas diretamente relacionadas com tal previsão típica, ou seja, a prática de uma parcela da própria conduta descrita na norma. Assim, o verbo subtrair exigiria ato físico de acesso à coisa ou pelo menos a prática de atos periféricos também previstos no tipo (no furto, pode-se citar a prática da escalada ou rompimento de obstáculo para acesso à coisa, pois são condutas típicas como qualificadoras, assim, periféricas ao tipo). Em crimes dolosos contra a vida, pode-se citar o primeiro disparo ou a tentativa de realmente efetuá-lo, a colocação de veneno na bebida da vítima, etc.

− Teoria Objetivo-Material (Frank): Considera-se início de execução o

prática de “ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem como parte integrante dela, segundo uma concepção natural”.2 O ato de seguir um veículo em movimento no

2 - PRADO, Luiz Regis- Curso de Direito Penal Brasileiro, Vol.I, Parte Geral- 6a Edição- Editora Revista dos Tribunais. (Fl.449)

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aguardo do melhor local para abordagem e roubo não é mero ato preparatório. Este seria o estudo das rotas e trajetos e o levantamento de informações quanto à natureza da carga. Ali já se pretendia cometer o crime, não havendo êxito pelas conhecidas “circunstâncias alheias”. O ato de empunhar uma arma e apontá-la em direção à vítima caracteriza ato executivo e tentativa de homicídio, caso este seja o elemento subjetivo do injusto (dolo). Início de execução do crime é um conceito mais amplo que início de execução do tipo, como restritivamente exige Beling.

− Teoria da Univocidade (Carrara): Atos preparatórios são equívocos,

duvidosos, podendo ser dirigidos a um crime ou a uma ação lícita. Atos executivos são unívocos, induvidosos, dirigem-se à ação delitiva.

− Teoria da Hostilidade ao Bem Jurídico: Na lição de Mayer, “Ato

executivo (ou de tentativa) é o que ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico; ato preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico”.

Muito embora tais teorias, dentre outras não citadas, os Tribunais ainda não chegaram a um consenso. A dúvida normalmente resolve-se pro réo. Costuma-se usar a teoria da hostilidade para crimes patrimoniais e a teoria objetivo-formal para os crimes dolosos contra a vida. Elementos da Tentativa: − Conduta dolosa − Ingresso na fase executória − Não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Pelo exposto, verifica-se a tentativa quando, iniciada a execução, o resultado não se produz por circunstâncias alheias à vontade do agente, que pretende e deseja o resultado, mas é incapaz de alcançá-lo, nos termos do art. 14, inciso II do CP. Diz-se Tentativa Perfeita quando o agente esgotou todos os meios que tinha à sua disposição e mesmo assim não atingiu o resultado querido, por circunstâncias alheias à sua vontade (Ex.: O agente efetua todos os disparos da arma, mas a vítima escapa com vida). Já a chamada Tentativa Imperfeita ocorre quando o agente não utiliza todos os meios que tinha à sua disposição, não prosseguindo na fase executória por circunstâncias alheias à sua vontade. Também, obviamente, não alcança o resultado pretendido (Ex.: O agente efetua dois dos seis disparos disponíveis na arma que porta e é impedido de prosseguir por terceiros, sem lograr causar a morte da vítima).

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Por questões de política criminal, não se pune a tentativa de contravenção. Crimes que não admitem a tentativa: − Crimes Habituais (exigem reiteração de condutas, não sendo possível

tentar-se reiteradamente uma prática ilícita). − Crimes preterdolosos (ou qualificados pelo resultado – dolo no

antecedente, culpa no conseqüente – o resultado agravador não é pretendido pelo agente, não se podendo falar, portanto, em tentativa).

− Crimes Culposos, salvo na culpa imprópria, exceção ao ser analisada posteriormente.

− Crimes quando a tentativa é equiparada ao crime consumado (art. 352 – “Evadir-se ou tentar evadir-se o preso...”).

− Crimes unissubsistentes, como na injúria. − Crimes omissivos próprios (a conduta refere-se a uma simples

abstenção de uma ação exigida pelo Estado. Logo, ou o agente se abstém e realiza o tipo, ou atua e não incide no mesmo).

Tentativa e Crime Complexo: Crimes complexos são aqueles que reúnem em seus elementos as características de dois ou mais crimes (crime complexo em sentido estrito, como no roubo) ou as características de um crime e uma circunstância que, por si só, seja atípica (crime complexo em sentido amplo, como no estupro). Normalmente, para que haja consumação do crime complexo, é necessário que se realizem todas as condutas dos tipos penais que o compõem. Ex.: Roubo se consuma quando ocorre a violência (lesão) ou grave ameaça (ameaça ou constrangimento ilegal) e a efetiva subtração (furto). Tentativa em Latrocínio: No caso de latrocínio (próprio ou impróprio), há uma exceção à regra anterior, apresentando a doutrina as seguintes soluções: − Subtração tentada + homicídio tentado = tentativa de latrocínio. − Subtração consumada + homicídio tentado = tentativa de latrocínio − Subtração tentada + homicídio consumado = latrocínio consumado

(neste ponto encontra-se a exceção) − Subtração consumada + homicídio consumado = latrocínio

consumado

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Segundo a regra de consumação dos crimes complexos, somente haveria latrocínio consumado quando houvesse a subtração e a morte. Contudo, como a vida é o bem jurídico mais importante, o STF editou a Súmula nº 610, com os seguintes dizeres: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”. Assim, havendo morte, há latrocínio consumado. Diz-se tentativa branca quando não ocorre qualquer lesão ao bem jurídico visado pelo agente (Ex.: Desferir disparos de arma de fogo contra a vítima, com animus necandi, nenhum deles atingindo o alvo). Critério de aplicação da redução: Quando o agente, no iter criminis, ingressa nos atos executórios, quanto mais se aproxima da consumação, menor deve ser a redução pela tentativa. A contrario sensu, quando se encontra ainda em início de execução, maior será a redução, considerando-se o quantum abstrato de um a dois terços.

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Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz Chama-se Desistência Voluntária quando, iniciada a execução, o agente desiste voluntariamente de prosseguir nos meios executórios, não ocorrendo o resultado inicialmente pretendido. Responderá o agente somente pelos atos já praticados (Ex.: A, com animus necandi, desfere um disparo de arma de fogo contra B. Possuindo mais cinco balas no tambor, vendo a vítima ferida e caída ao chão, desiste de prosseguir nos atos executórios, devendo responder somente pela lesão que causou, na gravidade que efetivamente ocorrer. Por óbvio, caso a vítima venha a morrer em virtude do disparo recebido, responderá o agente normalmente por homicídio doloso). O Arrependimento Eficaz ocorre quando o agente, após praticar todos os atos de execução, arrepende-se de seu intento inicial e age para evitar a consumação do ilícito (Ex.: A, com animus necandi, ministra veneno à vítima. Antes do evento morte, lhe fornece o antídoto). Obs.: É necessário que o arrependimento seja eficaz. Caso haja consumação, o agente responderá pelo delito consumado. Caso consiga evitar o resultado, responderá pelos atos já praticados, na gravidade que efetivamente ocorrer. Para distinguir-se a desistência voluntária da tentativa, usa-se a Fórmula de Frank: Posso prosseguir, mas não quero (desistência voluntária); quero prosseguir, mas não posso (tentativa). Arrependimento Posterior: Art. 16 CP – Ocorre quando, após consumada a infração, o agente repara o dano. Não se aplica a crimes com violência ou grave ameaça à pessoa, exigindo-se ainda a reparação total, antes do recebimento da denúncia, ato que marca o início formal do processo penal. Se a reparação ocorrer após o recebimento, constituirá circunstância atenuante. Já decidiram nossos tribunais, contudo, que a reparação do dano procedida por terceiro se estende ao agente, cabendo a redução prevista em lei, de um a dois terços. Assim, não se exige, na prática, efetivo arrependimento para que seja aplicado o instituto. Basta simples reparação material.

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Crime Impossível: Art. 17 CP

“Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Também chamado de tentativa inidônea. Dentre as teorias referentes ao crime impossível, destacam-se: - Teoria Subjetiva: segundo a qual não importa se o meio ou o objeto

são absoluta ou relativamente ineficazes ou impróprios, bastando, para se caracterizar a tentativa, que o agente tenha agido com a vontade dirigida à prática da infração penal.

- Teoria Objetiva: Por sua vez, subdivide-se em:

Objetiva Pura: Não se pune o agente tanto se o meio utilizado for absolutamente ineficaz ou o objeto absolutamente impróprio, quanto se o meio e o objeto forem, respectivamente, apenas relativamente ineficazes ou impróprios. Nesta hipótese, tentar envenenar alguém com açúcar (meio absolutamente ineficaz) ou tentar efetuar disparo com arma falha (meio relativamente ineficaz), levam à impunidade, tanto quanto efetuar tiros com intenção homicida em um cadáver (objeto material absolutamente impróprio) ou tentar subtrair a carteira no bolso esquerdo da vítima, quando se encontra no bolso direito (objeto material relativamente impróprio). Objetiva Temperada: Somente não se pune o agente se o meio executório for absolutamente ineficaz e o objeto material for absolutamente impróprio, permitindo-se a punição nos demais casos.

Nosso CP adotou a Teoria Objetiva Temperada, como se constata pelo texto do art. 17. Também se pode citar, como exemplo de meio absolutamente ineficaz a súmula 145 do STF: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Flagrante preparado é aquele em que um agente de autoridade ou terceiro induz o autor à prática ilícita, tomando as providências necessárias para que o mesmo seja detido no momento da execução, impossibilitando faticamente a consumação. A preparação da situação de flagrância, portanto, torna impossível que o agente consiga consumar o ilícito. Chamado de “Crime de Ensaio”.

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Como exemplo de absoluta impropriedade do objeto, podemos citar: Disparos com animus necandi contra corpo já sem vida, sem conhecimento do agente, práticas abortivas em mulher não grávida, etc. Por fim, se o meio utilizado pelo réu, embora pareça ineficaz à primeira vista, atingir o resultado pretendido (o envenenamento com açúcar realmente mata a vítima diabética, o disparo com arma descarregada acaba levando à morte da vítima, por ataque cardíaco, em virtude de violenta emoção decorrente do susto), não se estará tratando mais de crime impossível, ou tentativa inidônea. Por óbvio, havendo consumação, não é mais tentativa.

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TIPICIDADE: Adequação do fato material ao tipo penal. Do alemão Tatbestand (em que consiste o fato – modelo do fato), originário da expressão latina corpus delicti. Evolução: Quatro são as teorias principais: Teoria do Tipo Avalorativo ou Independente: (Liszt-Beling) A tipicidade tem função puramente descritiva, sem qualquer juízo de valor, totalmente dissociada da ilicitude, sem qualquer elemento normativo ou subjetivo. Adotada pelo sistema clássico. Teoria da Identidade: Adotada pelo modelo neoclássico, considera a tipicidade a ratio essendi da ilicitude, sua própria razão de existência. A tipicidade e a ilicitude formam um todo unitário. Sendo típico, o fato forçosamente será ilícito. As causas de exclusão da ilicitude (ou causas de justificação), quando presentes, excluem a própria tipicidade. Teoria dos Elementos Negativos do Tipo: Diretamente relacionada com a teoria da identidade, considera que somente haverá tipo penal completo (chamado tipo total de injusto) quando o fato for ilícito, não estando presentes quaisquer causas de justificação. Assim, as causas de exclusão da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal) negam a existência do próprio tipo, constituindo os chamados elementos negativos. Teoria Indiciária: Adotada pelo modelo finalista, considera a tipicidade a ratio cognoscendi da ilicitude, com função indiciária, isto é, a tipicidade constitui um indício3 ou presunção juris tantum da ilicitude. É o entendimento que consideramos mais acertado. Elementos do tipo: - objetivos: descritivos da realidade (Ex.: o verbo que descreve a

conduta, como núcleo do tipo penal, é sempre descritivo). - normativos: tornam necessária a elaboração de juízos de valor

(conceitos jurídicos ou culturais: “cheque”, mulher “honesta”, etc.). - subjetivos: exigem uma especial intenção do agente, um especial animus além do simples dolo genérico contido na norma (Ex.: “para si ou para outrem”).

3 Art. 239 CPP - Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

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Para alguns autores, esta classificação se faz de maneira bipartite, apenas entre elementos objetivos (que se subdividem em descritivos e normativos) e elementos subjetivos. Adequação típica: Ocorre quando a conduta do agente se amolda perfeitamente a um tipo legal previsto na lei penal, anteriormente à conduta (tipicidade formal). Existem duas espécies: − Adequação típica de subordinação imediata ou direta: na

ocorrência de perfeita adequação entre a conduta e o tipo. Ex.: “A matou B”, estando tal conduta diretamente prevista ao art. 121 CP.

− Adequação típica de subordinação mediata ou indireta: quando é necessário o uso de uma norma complementar para a tipicidade, também chamada de norma de extensão (que tem por finalidade ampliar a incidência do tipo penal). Ex.: art. 14, inciso II (tentativa), art. 29 (concurso de pessoas).

Classificação: Tipo material: expressão de danosidade social. Ofensa aos bens jurídicos mais importantes da sociedade. Tipo legal: descreve a conduta proibida, no texto legal, com a utilização de um ou mais verbos que caracterizam a conduta típica. Tipo de injusto: desvalor da ação e do resultado (tipicidade material mais tipo legal). Tipicidade mais ilicitude. Tipo total de injusto: existente na teoria da identidade. Tipo básico: descreve a conduta principal (Ex.: art. 121 CP) Tipo derivado: Tipo qualificado e Tipo privilegiado. Tipo simples: descreve uma única conduta. Tipo misto: alternativo e cumulativo (várias formas de prática ilícita, podendo ser alternativas ou cumulativas, dependendo da hipótese). Tipo congruente: quer matar = existe a morte. Normalmente ocorre no tipo doloso Tipo incongruente: tipicidade subjetiva em desacordo com tipicidade objetiva. Ocorre nos crimes culposos. Tipo de intenção: depende da ação de outrem para a ocorrência do resultado pretendido. Ex.: extorsão. Tipo normal: Somente contém elementos objetivos. Ex.: Homicídio simples. Tipo anormal: também com elementos normativos e subjetivos. Tipo fechado: descreve completamente a conduta. Tipo aberto: necessita de complementação. Ex.: tipo culposo, onde cabe ao julgador determinar, no âmbito social que originou o ordenamento jurídico, se o agir humano violou o dever objetivo de cuidado exigível do homo medius.

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Tipicidade penal: Para que o fato seja típico,portanto: − Deve haver uma conduta, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva. − Deve haver um resultado, nas infrações penais que o exigem. − Dever haver um nexo causal, relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.

− Deve haver tipicidade formal + conglobante. Por tipicidade formal, leia-se a correta adequação da conduta com o modelo abstrato previsto na lei. Quanto à Tipicidade Conglobante, na lição de Zaffaroni e Pierangelli, entende-se sobre dois aspectos:

− O Direito Penal, como ultima ratio, atinge somente os bens mais importantes do Estado, não devendo punir condutas que outros ramos do direito autorizam ou aceitam como lícitas. Logo, observando-se o ordenamento jurídico como um todo, englobadamente, verifica-se que é desnecessária a análise da ilicitude para a constatação de que várias condutas não são criminosas, por serem normativas, aceitas pelo ordenamento jurídico. Logo, a tipicidade conglobante, em primeiro aspecto, exige a antinormatividade:

a) Um médico, ao realizar uma medida terapêutica, como

amputação de membros, estaria agindo amparado em excludente de ilicitude (estado de necessidade). Contudo, verifica-se que lhe é lícita tal intervenção cirúrgica, permitida por outros ramos do Direito, como medida de prevenção da vida humana. Sendo lícita, é normativa, não sendo, portanto, típica. Desnecessária, portanto, a análise das causas de justificação na ilicitude, resolvendo-se a questão na própria tipicidade.

b) Um carrasco, ao executar uma pena de morte por crime de deserção (no Brasil, em tempo de guerra), age em estrito cumprimento do dever legal. Contudo, o mesmo está cumprindo uma sentença originária do próprio Estado, que condenou o desertor à morte. Logo, a ação do carrasco é normativa, não sendo necessário analisar-se a excludente.

Logo, a adoção da teoria da tipicidade conglobante torna desnecessária a excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal. Se a conduta do agente foi praticada no cumprimento de um dever que a lei lhe impõe, ela será, obviamente, normativa, não sendo, portanto, típica.

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- Para que haja tipicidade conglobante, deve haver ainda tipicidade material, ou seja, o bem jurídico ofendido deve situar-se dentre os mais importantes tutelados pelo Estado, sendo lesado de maneira significativa. Correlação com o princípio da insignificância. Ex: Lesão culposa ínfima (Há uma conduta culposa, comissiva. Há um resultado e um nexo causal. Há tipicidade formal. Há tipicidade conglobante, em primeira análise, sendo a conduta antinormativa. Mas não há tipicidade conglobante material, visto a lesão ser mínima e ínfima, de pouca ou nenhuma repercussão social. Assim, o fato é atípico).

Elementos Específicos do tipo penal: − Núcleo do tipo: verbo que descreve a conduta. − Sujeito ativo: aquele que pratica a conduta. − Sujeito passivo: formal (Estado) e material (vítima – titular do bem ou

interesse violado). − Objeto material: pessoa ou coisa contra a qual recai a conduta do

agente: (furto = coisa alheia móvel, homicídio = corpo humano). Não se confunde com o bem jurídico tutelado (Ex.: No estupro, o objeto material é o corpo da vítima e o bem jurídico é a liberdade sexual).

Funções do tipo: − Garantista: o cidadão deve saber o que lhe é vedado, pois é lícito

fazer o que não é proibido. − Fundamentadora: exercício do jus puniendi do Estado, o Estado

fundamentando suas decisões. − Selecionadora de condutas: política criminal – bens de maior

importância.

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ILICITUDE Conceito: Relação de contrariedade entre a conduta do agente e a ordem jurídica vigente. Segunda elementar no conceito analítico do crime (fato típico, ilícito e culpável), verifica-se quando o agente não age amparado em causa de justificação, legal ou supralegal. Para o finalismo, como os elementos subjetivos encontram-se no próprio injusto típico, especificamente na conduta, torna-se necessário, além dos requisitos objetivos descritos no CP, que o agente tenha consciência de que age amparado em excludente de ilicitude, não bastando a mera situação fática (Ex.: A mata B no momento em que este se preparava para matar C. Contudo, A não tinha conhecimento da ação de B contra C, não tendo agido, portanto, em legítima defesa de terceiro). Estado de Necessidade: Art. 24

“Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”

− Pressupõe, portanto, dois ou mais bens amparados pelo

ordenamento jurídico, em conflito, em situação análoga a uma balança.

− Verifica-se, portanto, a prevalência de um bem sobre outro, com base no Princípio da Ponderação dos Bens.

A Teoria Unitária afirma que todo Estado de Necessidade é justificante (excludente de ilicitude). A Teoria Diferenciadora, contudo, adotada por alguns paises, afirma que, quando o bem sacrificado for de menor valor que o bem preservado, tratar-se-á de Estado de Necessidade justificante (excludente de ilicitude). Lado outro, quando o bem sacrificado for de valor igual ou mesmo maior que o bem preservado, tratar-se-á de Estado de Necessidade exculpante (dirimente de culpabilidade). Nosso CP, segundo entendimento majoritário, adotou a Teoria Unitária, segundo a qual todo Estado de Necessidade é justificante. Alguns autores, contudo, excepcionalmente, como Fernando Galvão, afirmam que nosso CP adotou a teoria diferenciadora, devido à redação do § 2º do art. 24 do CP:

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

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O argumento repousa no fato de que a redução de pena somente poderia se justificar como menor censura aplicável ao agente, via menor exigibilidade de conduta diversa, o que se resolve na culpabilidade. Tal argumento, na verdade, é deveras interessante. Quanto aos requisitos, a lei fala em “perigo atual” (na legítima defesa, fala-se em “atual ou iminente”) mas a doutrina majoritária considera que a atualidade do perigo abrange a iminência. Na verdade, há pequena confusão doutrinária: a legítima defesa fala de “agressão”. O Estado de Necessidade fala de “perigo”. Não se confunde agressão, conduta humana de ataque ao bem jurídico, com perigo, “maior probabilidade de ocorrência do dano” (Roxin). Este pode ou não advir de conduta humana. De fato, situações de perigo podem ser provocadas por fatos da natureza (inundações e incêndios), fatores sociais e políticos (fome e guerras) e mesmo por ação humana que não caracterize ataque, como acidentes automobilísticos. Em hipótese bem lembrada por Galvão, a justificativa para o aborto terapêutico, risco de vida para a mãe, advém da situação de risco provocada pelo nascituro, não se podendo considerar tal fato um “ataque”. Por isto, a discussão se mostra inócua, pois a situação de perigo deve perdurar no tempo para justificar o sacrifício do bem jurídico. Assim, atualidade do perigo significa iminência do dano. Exige-se também “perigo não provocado pelo agente” intencionalmente. Ex.: Incêndio doloso provocado em um cinema, o autor não pode sacrificar a vida de terceiro para salvar a própria. Em caso de incêndio acidental, seria possível. Deve-se atentar também para a “evitabilidade do dano”: Se for possível deixar de sacrificar o bem jurídico, optando por conduta menos gravosa, não pode o agente alegar estado de necessidade (por tal razão, é improvável alegar-se Estado de Necessidade em casos de agressão e provocação, que podem ser resolvidos pela legítima defesa, pois o agente sempre poderia fugir para evitar o confronto, deixando de sacrificar o bem jurídico em conflito). Estado de Necessidade próprio e de terceiros: − Ao próprio, aplicam-se as regras supradescritas. − Ao de terceiro, somente em se tratando de bens indisponíveis. Se

disponível, dependerá da aquiescência do titular do bem sacrificado. Ex.: Dois náufragos disputam a mesma tábua. Terceiro poderá intervir, sacrificando a vida de um deles e salvando a do outro, porque ambos os bens (vida) são indisponíveis. A contrario sensu, ocorrendo um incêndio em uma casa, não pode terceira pessoa derrubar a seguinte, para evitar que o incêndio atinja a casa de seu parente.

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O “princípio da razoabilidade” norteia o Estado de Necessidade, tornando necessária a ponderação dos bens em conflito. Como o CP prevê expressamente que se deve atentar para a razoabilidade do sacrifício do bem ameaçado, não se pode alegar Estado de Necessidade quando o bem preservado for de menor valor que o bem sacrificado. É razoável que a vida seja preservada em detrimento do patrimônio alheio. Contudo, a recíproca não é verdadeira, sendo tal hipótese proibida pelo princípio da razoabilidade. O art. 24, § 1º, aduz que “não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”. O dever se extrai da relevância da omissão, segundo a qual existe dever de enfrentar o perigo quando há entre réu e vítima obrigação legal e contratual, ou quando o mesmo provocou a situação de risco. Somente não pode alegar estado de necessidade quem tinha dever legal de enfrentar o perigo, não se estendendo à obrigação contratual. Ex.: o bombeiro que se encontra no local do acidente para salvar as vítimas não pode matar alguém para tomar seu lugar no helicóptero. Contudo, o bombeiro pode salvar-se, sacrificando o patrimônio alheio, tratando-se de bem de valor inferior. Tal obrigação não se estende, por exemplo, ao guarda-costas, que não tem dever legal de morrer para salvar o contratante. Fala-se em Estado de Necessidade Defensivo quando a ação do agente é dirigida contra o próprio provocador do perigo (Ex.: defesa contra o ataque de um cão raivoso, dirigida mediante agressão ao próprio animal), e Agressivo, quando a ação do agente atinge bem de terceiro inocente. − Efeitos Civis do Estado de Necessidade: Segundo os arts. 160, inciso II,

1519 e 1520 do Código de Processo Civil, caberá indenização no caso de destruição ou deterioração de coisa alheia, desde que o proprietário da coisa destruída não seja o agente provocador do perigo. No caso do perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este caberá ação regressiva.

− Aberratio Criminis e Estado de Necessidade: Agente se defende

contra o ataque de um cão raivoso, desfere um tiro no animal e acerta uma pessoa. Encontra-se amparado pelo estado de necessidade defensivo.

− Por fim, tem-se aceitado, em determinados casos, a alegação de

estado de necessidade quando a situação de miserabilidade do agente é tamanha que o mesmo é levado a subtrair alimentos, visando a sua própria sobrevivência. Neste caso, considera-se, de

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acordo com o princípio da ponderação de bens, que a saúde do agente é mais valiosa que o patrimônio do terceiro. É o chamado Furto Famélico.

Estado de Necessidade putativo (imaginário) será estudado quando da análise das discriminantes putativas,em momento próprio. Legítima Defesa: Art. 25

“Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.”

Como não é possível ao Estado encontrar-se em todos os lugares ao mesmo tempo e intervir em todas as situações de perigo, o cidadão pode, em determinados casos, defender-se mediante seus próprios meios. Em tese, encontram-se amparados pela legítima defesa quaisquer bens tutelados pela lei (a vida, o patrimônio, a honra, os costumes, a liberdade, etc.). Como dito e cabe ressaltar, o bem a ser defendido deve estar entre aqueles juridicamente protegidos, não cabendo legítima defesa contra ato que viole bem que não recebe a proteção do Estado, como no caso do traficante que defende o ponto de drogas que ocupa da ação de outro ou que repele tentativa de subtração da droga que comercializa. Espécies: − Autêntica ou real: quando a situação de agressão injusta está

efetivamente ocorrendo no caso concreto. − Imaginária ou Putativa: quando a situação de perigo decorre de erro

do agente, nos termos do art. 20, § 1º CP. O conceito nos fornece todos os elementos necessários para a caracterização da excludente, a saber: − Agressão injusta: entende-se por lesão ou ameaça de lesão a um

bem juridicamente protegido, praticado por pessoa humana (agressão justa, por exemplo, cumprimento de mandado de prisão por agente de autoridade, não permite a legítima defesa).

− Meios necessários: são os suficientes à repulsa da agressão que está

sendo praticada, que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser, inclusive, desproporcional ao meio utilizado pelo agressor.

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− Moderação no uso dos meios necessários: Deve o agente, ao agir, o fazer com moderação no uso dos meios que tiver à sua disposição. Caso contrário, poderá incidir em excesso (doloso ou culposo). Na lição de Assis Toledo: “o requisito da moderação exige que aquele que se defende não permita que sua reação cresça em intensidade além do razoavelmente exigido pelas circunstâncias para fazer cessar a agressão. Se, no primeiro golpe, o agredido prostra o agressor tornando-o inofensivo, não pode prosseguir na reação até matá-lo”. O excesso doloso exclui a própria legítima defesa. O excesso culposo permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

− Atualidade e iminência da agressão: atual é a agressão que está ocorrendo. Iminente é a que está em vias de ocorrer. Não se permite, por conseguinte, legítima defesa contra agressão passada ou contra hipotética agressão futura.

− Defesa de direito próprio ou de terceiro: o agente pode defender a si

mesmo ou intervir em defesa de terceira pessoa, mesmo que não lhe seja pessoa próxima. Logo, fala-se em legítima defesa própria e de terceiro.

Questiona-se se é possível a alegação de legítima defesa contra agressão de inimputáveis, ou se o correto seria o estado de necessidade. Nesse contexto, surgiram duas correntes, sendo a dominante a que aceita a alegação de legítima defesa. Legítima Defesa recíproca: - não é possível legítima defesa versus legítima defesa (autêntica X

autêntica), de modo simultâneo. Quando não é possível aferir-se qual dos agentes encontrava-se em legítima defesa, a solução é a absolvição de ambos.

- legítima defesa putativa contra legitima defesa real: esta hipótese já

é possível. Exemplifica-se: A imagina encontrar-se em vias de ser agredido por B e saca uma arma. B, que não pretendia agredir A, vendo-se, por sua vez, na iminência de ser agredido, também saca sua arma. Hipoteticamente, ambos estão em legítima defesa.

- Com relação ao excesso, a partir do momento em que o agente

excedeu-se na legítima defesa, repelindo agressão injusta de maneira exagerada, exacerbada, deixou de beneficiar-se da excludente, pelo que, em tese, é lícito ao agressor inicial defender-se licitamente da nova agressão. O agredido inicial tornou-se agressor, permitindo, por conseguinte, defesa legítima contra sua agressão, com os mesmos requisitos. É a legítima defesa sucessiva.

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Em caso de aberratio ictus (erro na execução), o agente, ao se defender, acaba por alvejar pessoa diversa da pretendida, tal agressão não querida encontra-se acobertada pela excludente. No que concerne aos Ofendículos, instrumentos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro em muros, cerca eletrificada, etc.), discute-se como tais instrumentos se justificariam perante o direito brasileiro. Dentre as hipóteses explicativas possíveis, alegou-se tratar de legítima defesa ou outra excludente. Fala-se em legítima defesa predisposta (tese pouco confiável, visto não haver agressão atual nem iminente, mas potencial) ou exercício regular de direito de defesa da propriedade. Contudo, trata-se de instituto sui generis, que não se adapta a quaisquer das hipóteses legais. Se usados com moderação, são aceitos pelo nosso Direito. Quanto aos efeitos civis da legítima defesa, não cabe indenização pela ação do agente, salvo ao terceiro, em caso de aberratio ictus, sendo cabível também no caso de legítima defesa putativa, visto a agressão ser imaginária. Estrito Cumprimento do Dever Legal:

O CP não conceituou a excludente, da forma que fez com a legítima defesa e o estado de necessidade, mas seus elementos caracterizadores são claros, estando presentes requisitos subjetivos e objetivos. É necessário, ab initio, que haja um dever legal imposto ao agente, no geral dirigido àqueles que fazem parte da administração pública, como policiais e oficiais de justiça. Em segunda análise, é preciso que a conduta do agente se dê nos exatos termos impostos pela lei, não podendo ultrapassar o dever imposto pela norma. Se um Oficial de Justiça, cumprindo mandado de busca e apreensão de uma geladeira, apreender também um televisor, estará agindo fora dos limites da lei. Diz-se também que os castigos infligidos pelos pais aos filhos constituem estrito cumprimento do dever legal. Tal posicionamento é discutível, pois os pais não têm um dever de corrigir os filhos, aplicando-lhes castigos moderados, mas um direito. Como anteriormente estudado, a adoção do conceito da tipicidade conglobante, quanto à antinormatividade, torna desnecessária a excludente, resolvendo-se a questão ainda no juízo de tipicidade.

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Exercício Regular de Direito: Também não foi conceituado pelo legislador, contudo, este direito pode advir tanto do texto legal quanto de regulamentações administrativas, ou mesmo dos costumes. A correção moderada de pais a filhos menores adapta-se melhor em tal conceito. O mesmo se aplica às lesões oriundas de práticas desportivas, como ferimentos originários de uma luta de boxe. Consentimento do Ofendido: Inicialmente, cabe ressaltar que o consentimento do ofendido pode afastar a própria tipicidade (Ex.: o consentimento da mulher na conjunção carnal afasta o núcleo do tipo, evidenciado no verbo “constranger”, excluindo a própria tipicidade; o consentimento do morador para que terceiro entre em sua casa afasta a violação de domicílio). Contudo, como causa supra-legal (por não estar prevista em lei), funciona como excludente de ilicitude, valendo para os crimes dolosos e culposos (nestes o consentimento dá-se em relação ao comportamento perigoso que dá causa ao resultado - Welzel). Para tanto, são necessários os seguintes requisitos, na lição de Rogério Greco: − Que o ofendido tenha capacidade para consentir. − Que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível. − Que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou pelo menos

numa relação de simultaneidade à conduta do agente. O primeiro requisito refere-se à capacidade para consentir, só se admitindo o consentimento em se tratando de pessoa maior de 18 anos, exigindo-se agente capaz. O segundo requisito trata da disponibilidade do bem sobre o qual recai o consentimento. Em se tratando de bem indisponível, mesmo se emitido por agente capaz, será inválido. Quanto ao bem jurídico integridade física, aceita-se a disponibilidade se as lesões forem leves, caso dos “piercings” e das tatuagens. O consentimento deverá ser anterior ou simultâneo à conduta do agente. Se posterior, não excluirá a ilicitude da conduta praticada. Por óbvio, o consentimento deverá ser expresso ou induvidoso, obtido sem fraude, erro ou coação, como em qualquer negócio jurídico.

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Culpabilidade Conceito (finalista): Juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Evolução: Duas correntes principais: − Escola Clássica: Livre arbítrio, sob o argumento de que o homem é

moralmente livre para fazer suas escolhas. Justifica as penas impostas aos delinqüentes sob a égide do castigo merecido.

− Escola Positiva: Determinismo, ao homem não é dado o poder de escolha, agindo o mesmo sob a influência de poderes internos e externos (meio social, educação, herança cultural, etc.).

Na verdade, ambos os conceitos se completam.

A doutrina alemã foi fundamental para a idéia de culpabilidade. Feuerbach definia o crime como ação antijurídica, cominada em uma lei penal. Binding estudou a norma. Ernest Beling nos trouxe o conceito de tipo, como modelo de comportamento proibido, essencial para o desenvolvimento do Direito Penal, dado ao respeito a princípios como reserva legal, anterioridade da lei penal, etc. Também Von Ihering em muito contribuiu, com seu estudo sobre a antijuridicidade objetiva (ato ilícito), aplicada ao Direito Civil, depois transposta para a seara criminal. Franz e Mezger aprofundaram o estudo (neokantismo), até Hans Welzel (finalismo). Paralelamente, Jescheck e Wessels, dentre outros, em posição híbrida, desenvolveram a teoria social da ação. Evolução Histórica: Para os antigos, o Direito Penal dos bárbaros e o Direito Romano primitivo, o crime era ação e resultado causal, ou seja, para que determinada conduta fosse considerada criminosa, bastava que houvesse um comportamento humano e um resultado, havendo nexo de causalidade entre ambos. Sendo o resultado a conseqüência do comportamento humano, considerava-se que o homem cometera o crime e por isso devia ser punido. Esse era o Direito Penal do Resultado, da responsabilidade objetiva. Mas ainda cedo o homem percebeu que não se podia simplesmente atribuir a quem quer que fosse a conseqüência de um comportamento sem atentar para aspectos subjetivos de sua conduta, seu querer ou não querer. Constatou-se que não se podia “colocar no mesmo plano as condutas humanas e os fatos da natureza, como o dano ocasionado pelo raio ou pelo animal” (Bettiol), que são fatos imprevisíveis. Assim, atingiu-se a idéia da evitabilidade do dano. Enquanto os fatos da natureza são inevitáveis, independentes da vontade, os fatos humanos são evitáveis, porque previsíveis.

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Assim, das idéias de evitabilidade e previsibilidade dos fatos humanos, nasceu a idéia de culpabilidade. Se o fato fosse evitável e previsível, e o homem, prevendo-o, agisse no desejo da ocorrência do mesmo, devia ser por isso responsabilizado. É o dolo. Se o fato fosse evitável e previsível, mas o homem, não prevendo o que deveria ter previsto, não agiu como deveria ter agido, sendo negligente em seu comportamento, devia ser por isso culpado. É a culpa strictu sensu. Passou-se a exigir, como se vê, elementos de vontade humana, elementos anímicos no comportamento do agente, elementos psicológicos, elementos subjetivos. Este novo Direito Penal, da responsabilidade subjetiva e não mais objetiva, é o Direito Penal da Culpabilidade. Com base nessas idéias, a primeira das teorias da culpabilidade, hoje também conhecida como Teoria Clássica, foi desenvolvida, buscando-se definir as hipóteses de atribuição de responsabilidade pelo fato com base em critérios objetivos e subjetivos. Samuel Puffendorf, na verdade, foi quem primeiro falou em imputação (atribuição), em duas fases, a imputatio facti, dirigida ao autor do fato e a imputatio juri, dirigida ao julgador.

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Concepção Psicológica da Culpabilidade: Sistema Causal Naturalista de Von Liszt e Beling: Para este sistema, havia dois aspectos a serem considerados, um interno e outro externo, sendo o externo a ação típica e antijurídica e o interno a culpabilidade, qual seja, o vínculo psicológico que unia o autor ao fato. O delito era definido como “ação típica, antijurídica e culpável”. O conceito de crime era quadripartite, definido como ação típica, antijurídica e culpável, estando toda a parte objetiva, sem nenhum juízo valorativo, nas três primeiras fases, ficando o aspecto subjetivo do comportamento humano na culpabilidade, lugar para o estudo do dolo e da culpa. Assim, a análise era bipartida, caracterizando o sistema objetivo-subjetivo. A ação era definida como “movimento humano voluntário que causa modificação no mundo exterior”. No conceito de ação, logo, se encontrava o de resultado, donde se dizia que não há crime sem ato de vontade e resultado. A vontade na ação ou na omissão queria significar isenção de coação. Na verdade, ao considerar a vontade, o querer, na estrutura típica não se pretendia examinar o conteúdo da vontade, mas apenas a sua existência fática (Galvão). Conceito de tipo (Ernest Beling) como maior contribuição, trazia à baila uma forma, um método de descrição de condutas incriminadoras, como modelo de comportamento proibido. Para o tipo, valia a teoria da ratio cognoscendi (tipicidade como indício de ilicitude). Se o fato é típico, presume-se a ilicitude do mesmo. No dizer de João Bosco, na canção De frente pro crime: “Tá lá um corpo estendido no chão”. Tal visão indica, à primeira vista, a prática de um delito de homicídio, que pode não ter ocorrido (na hipótese de excludente de ilicitude ou disparo acidental, por exemplo). A antijuridicidade (Objetiva - Ihering para o DC) compunha, justamente com a ação típica, o injusto penal. Sua caracterização limitava-se ao fato da conduta do agente contrariar a lei penal. Por conseguinte, as causas de exclusão da ilicitude também eram aferidas objetivamente. Nesse contexto, não era necessário que o agente tivesse consciência de estar agindo em legítima defesa, bastando que objetivamente agisse desta forma (Ex.: ao atingir seu desafeto, o agente inadvertidamente salvou a vida de terceiro, prestes a ser atingido por aquele. Para esta teoria, deveria ser absolvido por legítima defesa). No sistema proposto por Von Liszt e Beling, a parte externa do delito era objetiva, sendo que sua parte interna encerrava a subjetividade do comportamento do agente.

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Logo, a culpabilidade seria o local para o estudo dos elementos subjetivos (dolo e culpa), como espécies de culpabilidade (mais do que elementos). A imputabilidade era tida como pressuposto da culpabilidade. Antes de aferir dolo ou culpa, era preciso certificar-se que o agente era imputável, ou seja, capaz de responder pelo injusto penal por ele levado a efeito. Logo, dizia-se que um doente mental jamais poderia agir com dolo ou culpa. Esta solução foi criticada, pois, para a teoria psicológica bem interpretada, o doente mental cometeria crime, pois age com uma relação psicológica, embora desviada. Logo, culpabilidade era o vínculo psicológico que ligava o agente ao fato típico e ilícito por ele cometido. A culpabilidade não continha nenhum elemento normativo, nada de valorativo. A estrutura da culpabilidade, neste momento, era a seguinte: − Imputabilidade (como pressuposto) − Dolo e culpa (como espécies) Assim, teríamos a culpabilidade dolosa e a culpabilidade culposa. Apesar do sucesso inicial, começou a sofrer severas críticas. A título de exemplo, demonstram-se nove questões sem solução ou sem solução satisfatória na teoria clássica, sem embargo de outras questões não abordadas neste trabalho: I. O conceito jurídico de ação, como “movimento humano voluntário

que causa modificação no mundo exterior”, não encontra respaldo na realidade fática, pois não se admite ação sem intenção. Ninguém age sem finalidade, sem objetividade. Assim, o conceito jurídico de ação é diverso do conceito real. Tal conceito mecanicista de ação levava à consideração da intenção do agente, da finalidade de seu comportamento (dolo) somente na culpabilidade, tornando difícil o reconhecimento da tentativa.

II. O conceito naturalístico da ação não conseguia explicar a relevância penal da omissão, vista como “distensão dos músculos”.

III. A exigência de modificação no mundo físico, no mundo natural, presente no próprio conceito de ação, não previa a hipótese de crimes sem resultado (crimes formais, de mera conduta, etc.).

IV. A consideração das causas de exclusão da ilicitude de modo meramente objetivo levava a soluções injustas, justamente pela não exigência de elementos subjetivos no comportamento humano. Assim, bastava que o agente atuasse objetivamente em causa de justificação (legítima defesa, por exemplo), não sendo necessário que tivesse consciência disso, para se beneficiar indevidamente da excludente.

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V. Sendo a culpabilidade o vínculo psicológico entre o autor e o fato, não se conseguia explicar a culpa inconsciente (quando o resultado previsível não é previsto pelo agente, mas ocorre por imprudência, negligência ou imperícia). Face à não previsibilidade, não há um vínculo psicológico.

VI. A teoria psicológica da culpabilidade não conseguia demonstrar o posicionamento da imputabilidade (pois, como dito, se a culpabilidade é o vínculo psicológico entre o autor e o fato, o doente mental cometeria crime). Alguns autores afirmavam tratar-se de pressuposto da culpabilidade, outros, mais coerentes, já afirmavam que a imputabilidade se tratava de mera causa de isenção de pena.

VII. O estado de necessidade exculpante não era entendido na teoria psicológica (quanto a esta afirmação, cabe um adendo. Com base no princípio da ponderação de bens, é facilmente entendido, no campo da ilicitude, o estado de necessidade quando o bem preservado é de maior valor que o bem sacrificado. Contudo, se ambos forem de igual valor, surge uma questão: uma vida vale mais que outra vida? Como exemplo, um pai tem o direito de sacrificar a vida de terceiro para salvar a de seu filho? Tal questão não se resolve no estado de necessidade justificante – excludente de ilicitude, mas na culpabilidade, com a inexigibilidade de conduta diversa, conceito normativo não existente no sistema causal-naturalista).

VIII. O Sistema Causal também não conseguia explicar (devido à falta de qualquer elemento valorativo/normativo na culpabilidade) a hipótese de coação irresistível de natureza moral, especificamente pela falta do elemento normativo exigibilidade de conduta diversa.

IX. Pelo mesmo motivo, a teoria clássica não contemplava a hipótese de estrita obediência hierárquica.

Teorias do dolo (Esquema Causal): As teorias a seguir expostas têm importância meramente histórica, pois, com o deslocamento do dolo e da culpa para a conduta típica, como se verá na concepção normativa pura da culpabilidade (finalista), não possuem mais aplicação prática. - Teoria Extremada do dolo: a falta de consciência do injusto sempre

elide o dolo. Tanto o erro de tipo quanto o erro de proibição excluem o dolo. Exige um conhecimento total e completo do injusto.

- Teoria Limitada do dolo: a consciência da ilicitude constitui um

elemento do dolo. No caso de ausência dessa consciência, elimina-se o dolo, subsistindo, porém, a culpa. Exige um conhecimento apenas potencial do injusto.

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- Teoria Modificante do dolo: Para esta teoria, a consciência da ilicitude faria parte do dolo. Assim, o erro de proibição inevitável, ao excluir a consciência da ilicitude, excluiria também o dolo, e, via de conseqüência, a culpabilidade. Contudo, se evitável o erro de proibição, o agente responderia por crime doloso, podendo ser atenuada. A diferença encontra-se neste ponto, pois, na teoria limitada, no caso de erro evitável, o agente responderia a título de culpa.

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Concepção Normativa da Culpabilidade: Sistema Neoclássico – Metodologia Neokantista: Frank (1907) realizou modificações no sistema anterior (Clássico), com a introdução de elementos subjetivos e normativos no tipo. De mera relação psicológica entre o autor e fato, a culpabilidade passou a constituir-se também em juízo de censura ou de reprovação pessoal, com base em elementos psiconormativos. Para que o agente possa ser punido pelo fato ilícito cometido, não mais bastam os elementos subjetivos (dolo e culpa), mas sim a possibilidade de exigir-lhe uma conduta conforme o direito. Desta feita, o conceito de exigibilidade de conduta conforme a norma passa a refletir-se sobre toda a culpabilidade. A adoção desse elemento de natureza normativa soluciona alguns problemas existentes na teoria clássica, como a coação irresistível, a obediência à ordem não manifestamente ilegal e o estado de necessidade exculpante. Como foi visto, a falta de um elemento de cunho normativo na culpabilidade deixava tais questões sem solução, podendo levar a condenações injustas. Verdadeira ponte entre o psicologismo e o posterior normativismo puro (finalismo), com as seguintes características: − A ação deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada em

um sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) quanto da omissão.

− A posição do dolo e da culpa começa a ser discutida, visando

solucionar o problema dos crimes tentados. Busca-se solução um pouco confusa e sem muito fundamento teórico, situando-se o dolo no tipo nos crimes tentados (para se possibilitar a tipificação da tentativa), mantendo-se o dolo na culpabilidade nos crimes consumados, para fins dogmáticos.

− A tipicidade foi alterada pelo descobrimento de elementos

normativos (que rompiam com a concepção meramente descritiva e não valorativa), e de elementos subjetivos que deveriam ser incluídos no tipo: animus de lucro, animus de injuriar, etc.

− Constatou-se que a ilicitude vista formalmente (mera oposição à

norma, contradição ao direito), era insuficiente para fundamentar a intervenção penal. Passa a conter também um juízo de desvalor material, como danosidade social.

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− A tipicidade deixa de ser mero indício da ilicitude (ratio cognoscendi), para ser a razão de sua existência (ratio essendi).

− Abandona-se o insuficiente conceito psicológico e adota-se um

conceito normativo. A base do sistema passa a ser a reprovabilidade como juízo de reprovação jurídica sobre o ato.

A estrutura da culpabilidade passa a ser: − Imputabilidade − Dolo e culpa − Exigibilidade de conduta diversa Imputabilidade seria a possibilidade de se atribuir a alguém a responsabilidade pela prática de determinado fato previsto em lei. Tal pessoa deveria estar em pleno gozo de suas faculdades mentais (capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento). A imputabilidade não é mais pressuposto da culpabilidade, mas pertence à culpabilidade, é um de seus elementos. Dolo seria a vontade de praticar o ato proibido pela lei e a culpa uma vontade defeituosa. O dolo passa a ser entendido como dolus mallus, remontando ao direito romano, um dolo completo, exigindo, além da vontade, o conhecimento sobre a ilicitude do fato. O dolus malus, por conseguinte, possui elementos psiconormativos, a saber: vontade e previsibilidade (elementos psicológicos ou subjetivos) e consciência total da ilicitude (elemento normativo). Nesse contexto, surge um problema: como o dolo neoclássico, chamado malus ou normativo, exigia a total consciência da ilicitude, tornava-se difícil o entendimento da ação praticada pelo criminoso habitual ou por tendência. Aquele cidadão que, por conviver em um ambiente promíscuo, onde a prática criminosa é vista como coisa natural (gigolôs e rufiões, jogadores, estelionatários, etc.), não possui verdadeiramente uma consciência da ilicitude de sua conduta. Nesse raciocínio, não agiria com dolo. Mezger buscou resolver a questão, alegando que se devia punir o homem não pelo que tenha feito, não por seus atos, mas pelo que ele é, por sua personalidade. A chamada culpabilidade pela conduta de vida, ou culpabilidade de autor, fundada na periculosidade do indivíduo, mostra-se, contudo, intolerável em um estado democrático de direito. De fato, ao punir o homem por sua conduta e personalidade, e não por eventual fato praticado, cria-se o sistema ideal para o surgimento de regimes totalitários, como o nazi-facismo.

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Como se agregaram aos elementos subjetivos (dolo e culpa), vistos na teoria clássica como espécies de culpabilidade, outros de natureza normativa, esta teoria também é chamada de psicológico-normativa ou teoria complexa da culpabilidade, visto Frank ter mantido o dolo e a culpa na culpabilidade. Logo, a culpabilidade continuou a ser o vínculo psicológico entre o autor e o fato (visto os elementos subjetivos continuarem na culpabilidade), sendo também um juízo de reprovação ao autor da relação psicológica. A culpabilidade passou a ter um conteúdo heterogêneo: o dolo e a culpa e o juízo de reprovação dirigido ao autor por seu dolo e sua culpa. Esta dubiedade levou a conflitos entre os teóricos acerca do funcionamento desses elementos, como se demonstra: - Para Reinhardt Frank, podia haver dolo sem culpabilidade, sendo o

dolo um capítulo da culpabilidade. - Para Goldschmidt, o dolo, como um dado psicológico, era um

pressuposto da culpabilidade. - Para Mezger, o dolo requeria a consciência da antijuridicidade, isto

é, o dolo era sempre culpável. Na verdade, o entendimento de que podia existir ação ou omissão dolosa sem culpabilidade mostra-se acertado. O agente pode atuar dolosamente, mas sob coação moral irresistível ou estrita obediência hierárquica, ou ainda, não lhe sendo exigível outra conduta. Nesse contexto, não será culpável, por não haver reprovabilidade (censura social) sobre sua conduta.

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Concepção Normativa Pura da Culpabilidade: Sistema Finalista da Ação: Welzel rejeita o sistema anterior, empreendendo profundas modificações, refutando o sistema clássico. No sistema meramente causal de Von Liszt e Beling, o tipo penal era puramente objetivo, permanecendo a parte subjetiva na culpabilidade (dolo e culpa). Assim, fato típico para a teoria causalista, citando-se o crime de homicídio como exemplo, era simplesmente o causar a morte de alguém. Exigia-se a conduta, o resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a tipicidade meramente formal, previsão legal da conduta proibida. Para o finalismo, contudo, o tipo penal passou a conter elementos objetivos e subjetivos, com a transferência do dolo e da culpa de seu local anterior (culpabilidade) para a ação típica (modernamente chamada de fato típico). Assim, para o finalismo, o mero causar a morte de alguém não configura fato típico, mas sim o causar dolosamente (ou culposamente) a morte de alguém. A ação não é mais vista como ato humano voluntário que visa modificação no mundo exterior (resultado naturalístico), mas como exercício de atividade final. Agora, toda conduta humana não mais pode dissociar-se de sua finalidade. O tipo é indiciário, nos termos da teoria da ratio cognoscendi, retornando ao pensamento inicial, mais ajustado à realidade. O dolo, chamado por alguns autores de dolo natural (mera consciência da ação e seu resultado), bem como a culpa, residem no injusto típico, não possuindo qualquer conteúdo valorativo, situando a consciência da ilicitude, potencial, na culpabilidade. A culpabilidade perde o significado de vínculo psicológico entre o autor e a conduta ilícita por ele praticada, passando a significar o juízo de censura pela realização do injusto típico. Na lição de Welzel, “é a reprovabilidade de decisão da vontade”. Considera que o autor podia adotar, em vez de uma resolução de vontade ilícita, contrária à norma, uma resolução ou decisão voluntária conforme a norma. É sempre culpabilidade de vontade, somente podendo ser culpável o indivíduo dotado de vontade livre. A essência da culpabilidade reside, portanto, nesse “poder agir de outro modo”. Excluem-se do conceito de culpabilidade os elementos subjetivos e psicológicos – integrantes do tipo de injusto (ou injusto típico) – conservando-se tão somente o critério de censurabilidade ou reprovabilidade (elemento valorativo ou normativo).

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Esse juízo de reprovação assenta-se sobre três elementos: - Imputabilidade. - Potencial consciência da ilicitude - Exigibilidade de conduta diversa A não exigibilidade de conduta diversa passa a ser causa de exclusão da culpabilidade. Inúmeros problemas foram solucionados, como por exemplo a análise meramente objetiva das causas de justificação (excludentes de ilicitude). Modernamente, o agente, para ser beneficiado com uma causa de justificação (legítima defesa, por exemplo), deve ter consciência de que age amparado na excludente, ou seja, exige-se um elemento subjetivo nas causas de justificação. Não basta que A tenha salvado B ao matar C. É necessário que tenha agido visando a proteção de B (defesa de um bem jurídico) e não a morte de C (ataque a um bem jurídico).

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Teoria Social da Ação: Pretendeu ser uma ponte entre o causalismo e o finalismo. Baseia-se na afirmação, na lição de Zaffaroni, de que “não é qualquer ação que pode ser matéria proibida pelo direito penal, mas somente aquelas que têm sentido social, isto é, que transcendem a terceiros, fazendo parte do interacionar humano; apenas as ações que fazem parte desta interação podem interessar ao direito penal, e não aquelas que não transcendem o âmbito individual’’. Definiu o crime como um fato social, conduta socialmente relevante, não sendo bem recebida. Na verdade, não se tipifica condutas que não ultrapassem a esfera individual porque não lesam bens jurídicos. Logo, é um problema de tipicidade e não de conduta. A teoria social, de maneira confusa, trouxe para a conduta conceitos que são próprios da tipicidade. Além do mais, o subjetivismo do conceito de relevância social tornaria os tipos penais incertos e imprecisos, gerando insegurança jurídica. Situou o dolo e a culpa tanto na culpabilidade quanto no tipo, proposta que parte da doutrina moderna tem considerado acertada, não se podendo dissociar completamente o dolo e a culpa da culpabilidade. Na verdade, tal raciocínio tem toda lógica. No juízo de tipicidade, avalia-se a presença dos elementos subjetivos dolo e culpa. No juízo de culpabilidade, ou censura, verifica-se o grau de reprovabilidade aplicável ao agente por seu dolo ou sua culpa, ou seja, a intensidade do dolo e o grau da culpa.

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Entendimentos Conceituais Divergentes: Certos autores brasileiros, como Damásio de Jesus, Celso Delmanto e Júlio Fabbrini Mirabete (este último tem abandonado tal entendimento), contrariando o posicionamento dominante, passaram a definir o crime, em um conceito analítico, como fato típico e ilícito, tratando a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena. Tal assertiva advém da maneira de redação do nosso CP. Quando se exclui a ilicitude, o Código diz “não há crime”. Quando pretende excluir a culpabilidade, o Código diz “não há pena” ou “é isento de pena”. Contudo, em melhor análise, percebe-se que tampouco se o fato não foi típico ou ilícito haverá pena, pelo que se deduz que todos os elementos são também pressupostos da pena. Para Damásio, portanto, o menor e o louco cometem crimes, apenas não sendo passíveis de pena. Luiz Flávio Gomes, por sua vez, em posição quase isolada na doutrina pátria, conceitua o crime como fato típico, antijurídico e abstratamente punível, situando a culpabilidade como simples elo entre o injusto típico e a possibilidade de aplicação de pena. O crime, então, seria o fato típico e antijurídico, ameaçado com pena. Claus Roxin, por defender que a política criminal deve orientar o âmbito da imputação, sustenta que a responsabilidade do autor do fato deve ser elemento do conceito analítico do crime. Assim, no entender de Roxin, quando por motivos ligados à prevenção especial não for possível punir o autor do crime, o fato não deveria mais ser considerado criminoso. Deste modo, o crime seria o fato típico, antijurídico, culpável e punível, posição também sustentada por Muñoz Conde. Reinhart Maurach também considera necessária a presença de categoria autônoma para a responsabilização do autor do fato, sugerindo a criação de uma categoria intermediária entre o injusto típico e a culpabilidade. Assim, a possibilidade de atribuir-se a prática do injusto a determinada pessoa ficaria condicionada à consideração da responsabilidade pelo fato (de cunho geral) e da culpabilidade (individual).

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Discussão Recente

Funcionalismo: Para alguns, um retorno ao neokantismo. O Direito Penal é tratado como “funcional” levando-se em conta a função por ele exercida na sociedade, qual seja, a afirmação dos padrões valorativos da sociedade, a manutenção das regras de convivência social, além da simples proteção a bens jurídicos.

Tem-se dito que não se pode retirar completamente o dolo e a culpa da culpabilidade, dando-lhe uma posição dúplice. Claus Roxin chama de “síntese neoclássica-finalista”. Tal premissa parte do fato de que, ao contrário do pensamento de Welzel, o dolo e a culpa, como elementos subjetivos, não se resumem ao atuar humano, não devendo a culpabilidade restringir-se aos aspectos normativos. Há uma subjetividade na culpabilidade, na consideração da censura merecida pelo agente. Assim, na conduta deve-se verificar a existência de dolo ou culpa. Na culpabilidade, a intensidade do dolo e o grau da culpa, na forma defendida pela Teoria Social. Considera-se que o finalismo não resolveu inteiramente as questões suscitadas pelos críticos do causalismo. Roxin propôs um processo de sistematização que se volta para o neokantismo dos anos 30. Denomina seu sistema de Funcional, posteriormente desenvolvido por Jakobs, sendo o direito penal orientado político-criminalmente pela consideração de suas conseqüências, mostrando-se realmente relevante para o DP definir até que ponto pode-se imputar responsabilidade a alguém por um fato lesivo, levando-se em conta o grau de tolerância social da comunidade com a conduta e os fins da pena, prevenção geral, como no neokantismo. Até porque, como é sabido, a criminalização, em muitos casos, significa a morte social do cidadão, pelo que se deve aplicar a pena somente quando estritamente necessária. Para definir a “tolerância social da comunidade para com a conduta” desenvolveu-se o Princípio do Risco Socialmente Tolerado: as atividades humanas, principalmente na vida moderna, em muitas oportunidades apresentam certo grau de risco a bens jurídicos penalmente relevantes. O transporte aéreo compensa o risco de acidentes com as facilidades de transporte, assim como o transporte viário (e não se olvide que o trânsito no Brasil mata mais que muitas guerras). Assim, não se proíbe a locomoção por via aérea, viária, marítima, etc. Considera-se existente a situação de risco, mas este é socialmente tolerado pela comunidade. Assim como os esportes radicais, como o rafting, o pára-quedismo, dentre outros. Considerando que atividades arriscadas são permitidas, somente se admite a imputação de responsabilidade pelo resultado lesivo quando o

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comportamento do agente ultrapasse o risco tolerado pela norma. Permanecendo na situação normal de risco, não há imputação objetiva, ainda que se verifique, no caso concreto, a presença dos elementos subjetivos dolo e culpa no atuar. No pensamento tradicional, adotando-se o princípio da culpabilidade como juízo de reprovação, somente se pode imputar a alguém uma prática criminosa se oriunda de dolo ou culpa (aspectos subjetivos). Se um motorista, dirigindo normalmente, atropela um suicida, tal conduta será irrelevante para o DP. Se não há conduta dolosa ou culposa, não há fato típico. Se não há fato típico, não há crime. Afasta-se, portanto, a responsabilidade de natureza objetiva, mantendo-se apenas a subjetiva, dolosa ou culposa, caso haja previsão legal para tanto. O pensamento moderno, principalmente alemão, considera insuficiente tal lógica adstrita meramente aos aspectos subjetivos do atuar humano. Discute-se ainda quando é possível imputar-se normativamente o resultado ao autor do dolo ou da culpa, ou seja, quando a conduta dolosa ou culposa do mesmo adquire relevância jurídica a ponto de justificar a imputação objetiva. Imputação ao tipo objetivo: afirma Claus Roxin, professor da Universidade de Munique, que nas três sistematizações anteriores, o tipo objetivo é reduzido à causalidade, propondo a sua substituição pela produção de um risco não permitido no âmbito protetor da norma, ficando a causalidade substituída por uma regra de trabalho, orientada por valores jurídicos. Com a teoria da imputação objetiva, a preocupação não é, à primeira vista, saber se o agente agiu com dolo ou culpa no caso concreto. A análise deve ser feita antes, ou seja, se o resultado pode ser imputado ao agente. O estudo da imputação objetiva acontece, portanto, antes mesmo da análise do dolo e da culpa, como base no resultado efetivamente ocorrido. Exige, para que o resultado possa ser atribuído ao agente, não apenas que este tenha sido produzido pelo agente, mas que a ele possa ser imputado normativamente, juridicamente. Ou seja, deve-se atentar para a relevância jurídica da conduta. Logo, duas fases:

- Causalidade empírica do resultado. - Imputação normativa do resultado.

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Como dito alhures, separa a mera causalidade natural (elo entre a conduta e o resultado) da possibilidade de real determinação (ou de atribuição) do resultado ao agente. Na verdade, a teoria da imputação é uma não imputação, com base no princípio do risco (Greco). Em suma, aduz que, de modo geral, se a conduta do agente não houver, de algum modo, aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não poderá lhe ser atribuído. Roxin delimitou quatro hipóteses de não imputação: - Diminuição do risco: a conduta do agente reduz o risco de

ocorrência do resultado. Logo, este não pode a ele ser imputado (Ex.: A empurra B para que este não seja atingido por uma pedra na cabeça, tencionando que o mesmo seja atingido nas costas, sofrendo lesão menor).

- Criação de um risco juridicamente irrelevante: a conduta do agente não é relevante para a ocorrência do resultado (Ex.: A, desejoso que B morra, lhe compra uma passagem de avião, na esperança de um acidente, que realmente ocorre, vindo a acontecer a morte de B).

- Aumento ou falta de aumento do risco permitido: princípio do incremento do risco – se a conduta do agente não aumentar efetivamente o risco preexistente, não poderá a ele ser imputado (Ex.: comerciante importa matéria prima e não segue as instruções do fabricante para desinfecção. Como conseqüência, operários morrem. Contudo, descobre-se que, mesmo que o comerciante tivesse seguido o cuidado recomendável pelo fabricante, ocorreria o óbito, pois as bactérias já estavam resistentes).

- Esfera de proteção da norma: não se deve punir a conduta do agente que, embora tenha aumentado o risco de um resultado, este se encontra fora da esfera de proteção da norma (Ex.: A atropela B e o mata. A mãe de B, sabedora do óbito, sofre um ataque nervoso e também falece. Embora A tenha aumentado o risco do óbito da genitora de B, não deve responder por este, visto estar fora do alcance da norma que o atinge, pelo homicídio culposo no trânsito).

Ainda se pode cogitar da autocolocação em risco, quando o agente, com sua conduta, consente na situação arriscada, não se podendo imputar responsabilidade ao terceiro, caso, em exemplos de Galvão, dos acrobatas circenses e dos participantes de corridas automobilísticas arriscadas, como o Enduro da Independência. Pode-se citar, ainda, um caso prático ocorrido em nosso Estado, onde o agente restou absolvido, em grau de recurso, em processo relatado pelo Des. Alexandre Victor de Carvalho, do TJMG, com base na autocolocação em risco, tratando-se de hipótese em que um Delegado de Polícia, ciente das falhas mecânicas existentes na viatura, constrangeu um detetive a levá-lo a distrito próximo, usando de sua ascendência hierárquica, vindo a falecer em virtude de acidente automobilístico.

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Cabe ressaltar que, afastada a imputação objetiva pela prática de conduta que não ultrapasse a esfera do risco sociamente tolerado, o fato deixa de ser típico. Jakobs aprofunda o estudo, afirmando que doravante o objeto da culpabilidade é a imputação objetiva do risco não aprovado e sua realização, sendo a culpabilidade em si a imputação subjetiva, incluindo o aspecto de vontade do dolo.

Jakobs considera a pena como prevenção geral pura, fixando na dependência exclusiva na necessidade de prevenção positiva (reforço na confiança no Direito).

O sistema de Jakobs, chamado de radical ou sistêmico, considera

que a função do direito penal de prevenção geral (mais importante que a proteção a bens jurídicos) é absoluta, não admitindo limitações. O indivíduo é apenas um “subsistema físico-psíquico” enquanto o Direito é “um instrumento de estabilização social de orientação das ações de institucionalização das expectativas”.

Assim, o delito é uma ameaça para a estabilidade social e a

pena tem a função de reforço ao direito, ao conteúdo do direito penal. O que importa é restabelecer a confiança no direito ameaçada pelo delito. Não importa se ao gente podia ou devida agir de outro modo. A pena é vista de modo funcional, como reação social ao delito. Todas o elementos ou fases do delito (tipicidade, ilicitude, culpabilidade, responsabilidade, punibilidade, dependendo de qual posição se adote) somente existem para atender aos fins da pena, a prevenção geral positiva (afirmação da vigência da norma perante a sociedade). Essas construções que sistematizam o crime a partir das funções determinadas à pena são um retorno ao idealismo neokantiano, com larga aceitação no continente europeu, mas ainda incipientes ao sul do Equador. Contudo, como se observa, a conseqüência prática da aplicação da imputação objetiva acaba sendo semelhante às outras teorias, sendo às vezes inteiramente inócua. A consideração da teoria do incremento do risco e suas conseqüências encontra maior ressonância nos tipos culposos. Afinal, ao apontar uma arma para alguém na intenção de cometer um delito patrimonial, já se aumenta o risco de ofensa a bens jurídicos.

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Culpabilidade de Ato e Culpabilidade de Autor Nosso Direito Penal é de ato e não de autor. Julga-se o fato típico, ilícito e culpável praticado pelo autor, cabendo considerações a respeito do mesmo somente na seara da pena, na análise das circunstâncias judiciais do art. 59 CP. Logo, nosso DP norteia-se pela culpabilidade de ato e não pela culpabilidade de autor. Conceituando-se ambas as hipóteses, entende-se, na lição de Zaffaroni, que, na culpabilidade de ato o que reprova o homem é a sua conduta, na medida da possibilidade de autodeterminação que teve no caso concreto. A reprovabilidade do ato é a reprovabilidade do que o homem fez. Reportando a Welzel, é a “reprovabilidade de decisão da vontade”. Já por culpabilidade de autor a reprovação é medida não pelo que o homem fez, mas pelo que ele é. A culpabilidade de autor, chamada atualmente de culpabilidade pela conduta de vida, significaria maior reprovabilidade na conduta de quem comete, por exemplo, um homicídio, sendo pessoa com maus hábitos, dado a reações violentas e desmedidas. Logo, a contrario sensu, a reprovabilidade seria menor para quem cometesse o mesmo crime, mas como fato isolado, sendo pessoa de bons costumes. Esta questão da conduta de vida advém da ética aristotélica, erroneamente trazida para o direito penal, olvidando seus defensores que o mestre grego não escrevia sobre direito, mas sobre ética, não estando, portanto, limitado ao princípio da legalidade. Em suma, embora a conduta do agente deva ser considerada na determinação da pena, não pode servir para responsabilizá-lo criminalmente, visto que o julgamento deve incidir sobre fatos concretos. Além do mais, a conduta de vida advém ainda, além do meio, de traços genéticos, totalmente estranhos à conduta do autor.

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ERRO DE PROIBIÇÃO Com o finalismo, dolo e culpa passam a ser analisados no estudo do fato típico (dolo natural, não mais normativo porque seu elemento normativo – potencial consciência da ilicitude, permaneceu na culpabilidade). Logo, o erro de tipo é analisado no tipo, pois atinge a conduta típica, refletindo-se no dolo. O erro de proibição é analisado na culpabilidade, na elementar potencial consciência da ilicitude. Art. 21 CP:

“O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá reduzi-la de um sexto a um terço.

Parágrafo único: Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência”.

Lei é diploma formal, oriundo do Estado. Ilicitude é a relação de contrariedade entre a conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico. Ninguém pode alegar desconhecimento da lei para não cumpri-la, embora o desconhecimento da lei possa atenuar a pena. Contudo, pode ocorrer erro do agente quanto à previsibilidade da conduta como ilícita. O Mestre Alcides Munhoz Neto, em sua monografia A ignorância da antijuridicidade em matéria penal, distingue brilhantemente ignorância da antijuridicidade de ignorância da lei, com os seguintes argumentos: “A diferença reside em que a ignorância da lei é o desconhecimento dos dispositivos legislados, ao passo que a ignorância da antijuridicidade é o desconhecimento de que a ação é contrária ao Direito. Por ignorar a lei, pode o autor desconhecer a classificação jurídica, a quantidade da pena, ou as condições de sua aplicabilidade, possuindo, contudo, representação da ilicitude do comportamento. Por ignorar a antijuridicidade, falta-lhe tal representação. As situações são, destarte, distintas, como distinto é o conhecimento da lei e o conhecimento do injusto”. Espécies de erro sobre a ilicitude do fato: − DIRETO: desconhecimento da incidência da norma proibitiva ou da

própria norma. Ex.: Holandês vem ao Brasil em viagem de férias. Em seu país de origem, é permitido o consumo da maconha em bares. O mesmo, que não conhece o popular “cigarro de palha”, observa alguém fumando em um bar e julga tratar-se de maconha. Prontamente acende um “baseado”, sendo detido pela posse.

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− INDIRETO: Erro sobre a existência ou os limites de uma causa de justificação (excludentes de ilicitude). Erro nas descriminantes putativas. Agente supõe erroneamente a existência de uma causa de justificação (pai que julga poder matar o estuprador da filha, segundo o ordenamento jurídico – enganou-se quanto à existência de uma excludente de ilicitude) ou se engana quanto aos limites de incidência da excludente (agente agredido que se excede imaginando ser isso permitido em face da agressão inicial – havia uma situação real de defesa legítima a autorizar a conduta inicial. Contudo, o agente, por erro, agiu com excesso, julgando ser-lhe permitida tal ação).

− MANDAMENTAL (ou erro de mandamento): Erro sobre o mandamento

que incide nos crimes omissivos, próprios ou impróprios. Erro sobre norma mandamental, norma impositiva, que manda fazer, implícita nos tipos omissivos (Ex.: Agente que não presta socorro imaginando que, por não possuir nenhum vínculo com a vítima, não estava obrigado a isso – responderia por omissão de socorro, mas a hipótese pode caracterizar erro de proibição).

A doutrina ainda se refere a hipóteses de erro de proibição originárias da compreensão equivocada da lei, divididas em quatro modalidades distintas:

− Erro de Vigência: Ocorre quando o agente desconhece que

determinada norma já está em vigor no momento da conduta, julgando-a ainda ineficaz, como, p. ex., no período de vacatio.

− Erro de Eficácia: Ocorre quando o agente julga erroneamente que determinada norma já perdeu sua eficácia, como no caso de leis temporárias ou abolitio.

− Erro de Punibilidade: Ocorre quando o agente considera

erroneamente que sua conduta não encontra punição no Direito Penal, afetando apenas outros ramos do Direito, como o Civil.

− Erro de Subsunção: Ocorre com a errada compreensão do agente quanto à aplicação da norma incriminadora. Ele a conhece, mas julga que sua conduta não satisfaz ao tipo penal. Esta ausência de compreensão da proibição é facilmente entendida em tipos que utilizam expressões ou palavras de uso pouco comum na sociedade, como profanar, escarnecer, conspurcar, vilipendiar, devassar.

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ERRO DE TIPO: Art. 20 CP

Erro: falsa interpretação da realidade (estado positivo). Ignorância é o desconhecimento total do objeto (estado negativo). − Erro de tipo recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer

dado que se agregue a determinada figura típica. Erro de tipo Essencial: Incide sobre as elementares do crime (elementos objetivos, subjetivos ou normativos do tipo) e sempre exclui o dolo (que se encontra na tipicidade, mais precisamente na conduta típica, segundo a concepção finalista da ação). Se evitável, ou vencível, responde por culpa, atendendo-se à reserva legal, ou seja, à existência de previsão da modalidade culposa. Ex.: Em uma caçada, agente atira em uma moita onde percebeu movimento, julgando ali se encontrar um animal. Acaba por matar um companheiro. Não há homicídio pois o agente não pretendia matar “alguém”. Se o erro do agente for considerado evitável, responderá por homicídio culposo. Se for considerado inevitável, não responderá por crime algum. Na verdade, se o agente incide em erro, não houve representação da situação de fato em seu comportamento. Não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo, não havendo, portanto, dolo. Contudo, se o erro do agente derivar de culpa, provocado por inobservância de um dever de cuidado exigido do homo medius, deve ser responsabilizado, se presente, por óbvio, tipicidade. Erro de Tipo Acidental: Não afasta o dolo, pois o agente se engana quanto a elementos não essenciais do fato (periféricos) ou erra na execução. De simples entendimento, pois a intencionalidade persiste no agir humano. Se A pretende matar B e por engano mata C persiste o dolo de “matar alguém”. Se A pretende subtrair coisa alheia móvel pertencente a B e por engano subtrai patrimônio de C a coisa continua sendo alheia, passível de funcionar como objeto material de furto. De todo modo, a doutrina divide o erro de tipo acidental em quatro subclassificações: - Error in objecto: Quando o agente se engana quanto ao objeto

material. Ex.: Subtrai sacas de feijão pensando tratar-se de café. Subtrai patrimônio de Mévio, supondo ser de Tício. Em ambas as hipóteses, continua respondendo por furto.

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- Error in persona: At. 20, § 3º. Ocorre quando o agente se engana quanto à pessoa que pretendia atingir, acabando por alvejar pessoa diversa. Responde como se tivesse atingido quem realmente pretendia. Ex.: Tencionava matar o pai, acaba matando terceiro fisicamente semelhante a seu genitor. Responde por homicídio agravado por ser praticado contra ascendente.

- Aberratio ictus: art. 73 – resultado único e duplo – Erro de pessoa para

pessoa. Consiste na aberração do ataque, desvio acidental no golpe (tradicional “falta de pontaria”), constituindo hipótese de erro acidental. Aplicam-se as regras do art. 73 CP, da seguinte forma:

- Aberratio Ictus com resultado único: aplicam-se as regras do erro de pessoa. (Somente a vítima real é atingida).

- Aberratio ictus com resultado duplo: aplicam-se as regras do concurso formal perfeito de delitos. (atinge-se tanto a vítima real quanto a virtual).

Discute-se a solução para a hipótese de aberratio ictus com resultado múltiplo (mais de uma pessoa atingida pelo agente, diversas da que o mesmo pretendia atingir). Três soluções apresentam-se possíveis:

- Aplica-se a regra da primeira parte, considerando erro de pessoa. - Aplica-se a regra da segunda parte, considerando concurso formal.

- Não se aplicam as regras do erro na execução, visto não haver previsão legal para a hipótese (o Código diz “pessoa” no singular), aplicando-se as normas gerais. Esta, a meu ver, é a posição mais correta.

- Aberratio criminis: (Resultado Diverso do Pretendido) – Erro de coisa

para pessoa, de pessoa para coisa ou de coisa para coisa. Ocorre quando o agente pretende cometer um ilícito penal e acabando praticando outro. Ex.: Agente que atira pedra em uma vitrine, com intenção de causar dano, e acerta uma pessoa. Responde por lesões, afastado o dano. Em caso de resultado duplo (causou o dano e atingiu uma pessoa), responde por ambos os delitos, em concurso formal.

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DESCRIMINANTES PUTATIVAS: Descriminar = tornar o fato um indiferente penal. Art. 20, § 1º CP:

“É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”.

Trata-se de uma situação ilusória, imaginária, existente somente na mente do autor, que, todavia, se realmente existisse, tornaria a ação legítima. O autor imagina uma situação concreta inexistente, incidindo em erro, falsa interpretação da realidade, tomando, com base em seu pensamento equivocado, uma decisão de vontade inidônea e desnecessária, ofendendo ou tentando ofender erroneamente bem jurídico alheio. Ex.: A encontra B, seu desafeto, em um beco escuro. B prontamente leva a mão ao interior de seu casaco. A, julgando que B irá sacar uma arma, prontamente retira do coldre a que trazia consigo e elimina B. Posteriormente, descobre-se que B iria simplesmente retirar uma cartela de cigarros do bolso. A situação de legítima defesa, chamada putativa (imaginária) só existia na mente de A. Contudo, se realmente existente, tornaria a ação legítima. A hipótese exemplificada acima isenta de pena (conseqüência, como sabido, de erro de proibição, com a exclusão da culpabilidade), salvo se o erro do agente derivar de culpa (ausência do dever objetivo de cuidado), quando então o agente será punido por crime culposo, se previsto em lei (conseqüência do erro de tipo evitável). Trata-se da única hipótese em que, em tese, se admitiria a tentativa em crime culposo. Como o fato é doloso (mas punido como culposo, por razões de política criminal), é perfeitamente possível que o agente, em legítima defesa putativa provocada por erro de tipo, objetivando matar a vítima, não produza o resultado morte por circunstâncias alheias à sua vontade. Responderia por tentativa de homicídio culposo. É a chamada culpa imprópria, que admite a forma tentada. Contudo, embora se trate de hipótese sui generis, não significa, na verdade, tentativa em crime culposo. O agente cometeu um crime doloso, punido como culposo, visto ter agido com erro de tipo permissivo evitável. Como o fato é doloso, mas é punido como culposo, admite a tentativa, embora haja quem considere que o fato se resolveria como lesões corporais culposas (Galvão).

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Há três hipóteses de erro que recaem sobre uma causa de justificação (ou excludente de ilicitude): - Erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de justificação

(quanto aos fatos que antecedem a situação que poderia legitimar a reação do agente)

- Erro quanto à existência de uma causa de justificação (quando o agente julga erroneamente estar amparado em excludente de ilicitude)

- Erro quanto aos limites de uma causa de justificação (quando o agente inicialmente está agindo amparado em excludente de ilicitude, mas julga erroneamente poder agir além dos limites da excludente – erro no excesso)

Para a Teoria Extremada da Culpabilidade, todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação (as três hipóteses acima) será considerado erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato. Para a Teoria Limitada da Culpabilidade, à qual nosso CP se ajusta, se o erro do agente recair sobre uma situação de fato que se existente tornaria a ação legítima (como no exemplo retrocitado – erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação), será hipótese de erro de tipo, aqui chamado erro de tipo permissivo (porque o erro do agente recai sobre o tipo permissivo, como no art. 25, e não sobre o tipo incriminador). Caso o erro do agente recaia sobre a existência de uma causa de justificação ou sobre os limites de incidência da mesma, será erro de proibição (indireto). A adoção pelo nosso CP da Teoria Limitada da Culpabilidade, segundo a qual o erro do agente sobre os pressupostos fáticos da causa de justificação seria erro de tipo, apresenta alguns problemas. Como o erro de tipo exclui o dolo (como já estudado em tópico anterior), algumas questões se apresentariam sem solução ou com solução injusta. Exemplifica-se: 1. Afirma-se ser possível legítima defesa real contra legítima defesa

putativa. Ora, se a hipótese de legítima defesa putativa constituir erro de tipo, excludente do dolo (via de conseqüência, da tipicidade, atingindo o injusto típico), não se pode afirmar que o ato de defesa praticado contra quem se encontra nesta situação seria legítima, ou justa. A legítima defesa exige a agressão injusta por parte do agente. Se o mesmo atuou em erro de tipo, excluiu o injusto típico. Logo, não seria cabível legítima defesa real contra legítima defesa putativa, na hipótese de erro inevitável.

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2. o partícipe, que dolosamente instiga ou induz outrem a erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação não seria punível, visto nosso ordenamento jurídico adotar a teoria da acessoriedade limitada (vide capítulo próprio, sobre concurso de pessoas), pois o fato praticado pelo autor não seria típico e ilícito. Tal premissa não seria verdadeira se tal hipótese fosse considerada erro de proibição, o que afastaria somente a culpabilidade.

3. A tentativa não seria punível, pois erro de tipo exclui o dolo e crimes

culposos não admitem tentativa, como visto, tornando tal questão de difícil entendimento. Também nessa hipótese, se considerado erro de proibição, estaria superado o problema, resolvido de maneira confusa pelo ordenamento jurídico brasileiro, dando-se solução culposa a uma hipótese na verdade dolosa.

Na verdade, o erro de tipo permissivo descrito no CP, como bem afirma Bitencourt, trata-se de erro sui generis. O Código Penal, ao estipular a conseqüência de tal hipótese de erro, não previu a exclusão do dolo. O texto legal (art. 21, § 1º CP) utiliza a expressão “isenta de pena”. É notório que a técnica de redação do Código Penal, ao utilizar tal expressão, refere-se à culpabilidade. Pelo que se percebe, trata-se de um misto de erro de tipo com erro de proibição indireto. Na lição de Jescheck, a hipótese refere-se a erro de tipo na sua estrutura, visto referir-se a elementos normativos e descritivos do tipo, mas, na sua conseqüência, constitui erro de proibição, pois exclui a antijuridicidade normativa (potencial consciência da ilicitude). Como conclusão final, constata-se que o erro de tipo permissivo, na construção legislativa brasileira, não exclui o dolo presente na conduta típica, sem embargo de entendimentos contrários.

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Em apertada síntese, verifica-se que o erro no direito penal, como tratado em nosso país, possui as seguintes conseqüências: - O Erro de Tipo Essencial sempre exclui o dolo. Se inevitável, exclui

também a culpa strictu sensu. Se evitável, permite punição por culpa, se houver tipicidade. Logo, reflete-se na conduta típica, local de estudo do dolo e da culpa, segundo o finalismo.

- O Erro de Proibição refere-se à consciência do injusto. Logo, é estudado na culpabilidade, na elementar “potencial consciência da ilicitude”. Se inevitável, isenta de pena, expressão que, no DP pátrio, significa exclusão da culpabilidade normativa. Se evitável, deve o agente responder normalmente pelo fato praticado, mas com redução de pena de 1/6 a 1/3.

- O Erro de Tipo Permissivo (ou erro na descriminante putativa, ou ainda erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de justificação) é construção híbrida, misto de erro de tipo e erro de proibição. Recebe tal nomenclatura porque o erro do agente refere-se ao tipo permissivo e não ao tipo incriminador. Se inevitável (ou “plenamente justificado pelas circunstâncias”), isenta de pena, conseqüência de erro de proibição. Se evitável (ou “derivado de culpa”), prevê a punição na forma culposa, conseqüência de erro de tipo. Assim, é discutível na doutrina se esta modalidade de erro excluiria ou não o dolo da conduta típica. No entender deste autor, conforme posicionamento de Bittencourt, não ocorreria tal exclusão.

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Curiosidade Histórica: O Código Penal Brasileiro, em sua redação original (Decreto-Lei n° 2.848, de 07/12/1940, em pleno Estado Novo Getulista) tinha inspiração clássica, logo, situava o dolo e a culpa na culpabilidade. Assim, o tratamento do erro e da ignorância no direito era diverso do atual. Os atuais erro de tipo e erro de proibição, então chamados erro de fato e erro de direito seguiam lógica diferenciada. Veja-se a antiga redação:

Art. 17: É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que o constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima.

Observe-se que o erro na descriminante putativa (ou quanto aos pressupostos fáticos da causa de justificação) era tratado juntamente ao erro de fato, não havendo punição a título de culpa para o erro evitável. Assim, o erro de fato excluía a culpabilidade (não se olvide que a expressão "isenta de pena", utilizada em nosso Código, significa exclusão da culpabilidade), tornando o fato não-criminoso.

Art. 16: A ignorância ou a errada compreensão da lei não eximem da pena.

Equiparava-se a ignorância, como desconhecimento da realidade, ao erro, como falsa interpretação da realidade, não havendo qualquer redução de pena quanto ao erro.

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CAUSAS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE

Imputabilidade e Inimputabilidade: Imputabilidade: Possibilidade de se atribuir, se imputar o fato típico e ilícito a seu autor Para Welzel, a culpabilidade é reprovabilidade, sendo que o que se reprova é a resolução de vontade antijurídica em relação ao fato individual. Tem como base a vontade livre, a capacidade de autodeterminação, como aptidão para ser culpável. Quem não tem vontade livre, não pode ser culpável. Existem três sistemas para aferição da inimputabilidade ou semi-imputabilidade, a saber: - Sistema Biológico: condiciona a responsabilidade à saúde mental. Se

o agente é portador de enfermidade ou doença mental, será considerado inimputável, bem como nos casos de desenvolvimento mental incompleto ou retardado.

- Sistema Psicológico: declara o agente irresponsável se, ao tempo do crime, por qualquer causa, estava impedido de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Exige a existência de causalidade entre a anomalia psicológica e a capacidade de entendimento sobre o caráter ilícito do fato ou de autodeterminação quando da prática da conduta (Galvão).

- Sistema Biopsicológico: adotado pelo nosso CP quanto à doença mental, é mais acertado por vincular os distúrbios de desenvolvimento (ou imaturidade) à capacidade de entendimento.

No art. 26 CP, prevê-se a inimputabilidade por doença mental. No art. 27, tem-se a inimputabilidade por imaturidade natural. Considera-se que, ao tempo da conduta, deveria ter o autor, maior de 18 anos, pleno conhecimento do caráter ilícito do fato, bem como plena capacidade de autodeterminação. Surgindo suspeita de doença mental ou desenvolvimento mental retardado, realiza-se na pessoa do réu um exame pericial, chamado Exame de Verificação de Sanidade Mental. Considerado inimputável, o feito prossegue para verificação da autoria e materialidade do delito. Comprovado que o inimputável foi o autor, não agindo amparado em excludente de ilicitude ou outra dirimente de culpabilidade, será o mesmo absolvido por doença mental (art. 386, inciso V, CPP – causa que isente o réu de pena), sendo-lhe aplicada medida de segurança, consistente em tratamento ambulatorial ou internação em Hospital de Tratamento e Custódia. Considerado semi-imputável, com relativa capacidade de entendimento, terá a pena reduzida.

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Por convenção, fixou-se no Brasil a imaturidade natural em 18 anos completos, aplicando-se o sistema biológico, pouco importando o desenvolvimento mental do adolescente (considera-se, com presunção jure et de jure, que abaixo desta idade o menor não possui desenvolvimento mental completo, não sendo, portanto, responsável por seus atos perante o Direito Penal), havendo toda uma legislação especial quanto aos delitos cometidos por menores, chamados atos infracionais, com procedimento e sanções especiais, denominadas medidas sócio-educativas, aplicando-se aos mesmos as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Trata-se de discussão presente na mídia, havendo inclusive projeto em andamento no Congresso quanto à adoção do sistema biopsicológico (discernimento + idade mínima) para os maiores de 16 anos responsáveis por crimes hediondos. Emoção e paixão: art. 28, inciso I, CP. Emoção e paixão não excluem a imputabilidade penal: tal dispositivo permite a punição dos crimes passionais, podendo haver, contudo, redução de pena (em caso de privilégio ou atenuante genérica). Os conceitos de emoção e paixão se confundem, mas a doutrina é unânime em um aspecto. A paixão é duradoura (amor, vingança, fanatismo, ódio, etc.) e derivada da emoção, estado alterado de ânimo transitório. Embriaguez: art. 28, inciso II,CP. A embriaguez voluntária (quando o agente pretende embriagar-se) e a culposa (quando o agente se embriaga por imprudência) não excluem a imputabilidade penal. Isto se dá porque nosso ordenamento jurídico adotou a teoria da Actio libera in causa, segundo a qual o agente era livre no momento da conduta inicial, ou seja, quando começou a se embriagar (com emprego de álcool ou substância de efeitos análogos4), não podendo ser beneficiado por um estado de ânimo alterado que ele mesmo provocou para furtar-se à responsabilidade penal por eventual conduta ilícita. Na verdade, considera-se que o dolo é coincidente com o primeiro elo do nexo causal, na lição de Bitencourt, devendo o agente responder pelo resultado que produzir. Tal construção apresenta-se no mínimo estranha, pois, como dizia Basileu Garcia, não se percebe o nexo de causalidade entre a deliberação de ingerir bebida alcoólica e o crime posterior. Mas os tribunais têm decidido uniformemente, desde o CP de 1940, pela aplicação sistemática de tal dispositivo. Se a embriaguez for dolosa ou culposa (não acidental), pune-se o crime posterior.

4 Exemplo de interpretação analógica.

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Contudo, a adoção da teoria da actio libera in causa é até mesmo desnecessária. Pode-se sustentar a responsabilidade do agente que comete um ilícito penal sob estado de embriaguez por razões de política criminal, para se evitar uma intolerável impunidade, sem maiores considerações doutrinárias. Cabe ressaltar que de uma embriaguez dolosa (quando o agente ingere substância tóxica com intenção de embriagar-se) pode advir um crime culposo e de uma embriaguez culposa (quando o agente se embriaga por imprudência), pode advir um crime doloso. Ou seja, o agente responde pelo dolo ou culpa no momento da conduta e não no momento da embriaguez. Quanto à embriaguez proveniente de caso fortuito (acidental) ou força maior (coação), aplica-se o mesmo princípio do art. 26. Por fim, quando o agente se embriaga para “criar coragem” para a prática ilícita (embriaguez preordenada), o fato funcionará como agravante genérica, prevista no art. 61, inciso II, letra “l”, CP.

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Exigibilidade de Conduta Diversa: (causas legais e supralegais)

Coação irresistível: De natureza moral (vis compulsiva) e não física (vis absoluta), porque a coação física afasta a própria conduta do agente, por ausência de dolo ou culpa (Ex.: agente que obriga terceiro a segurar a arma e pressionar o gatilho. No caso, não houve conduta do terceiro, mas do agente, por meio de coação física). É necessária a presença do coator (que responderá pelo resultado) a do coato e do agente, que pratica um fato típico e ilícito, não sendo culpável porque, havendo a coação a que não podia resistir, não há voluntariedade na conduta, não sendo possível exigir-lhe uma ação conforme o direito (Ex.: Meliantes mantêm familiares do gerente do banco como reféns. Este, coagido, comparece à agência e retira certa quantia da tesouraria, entregando-a aos marginais. Somente estes respondem pelo fato, embora o mesmo – subtração – tenha sido praticado pelo gerente/agente). Estrita Obediência hierárquica: Em caso de ordem não manifestamente ilegal (se não for evidente a ilegalidade). Deve haver: 1- hierarquia 2- legalidade da ordem (não manifestamente ilegal) 3- cumprimento da ordem dentro dos limites da mesma Cabe ressaltar que a subordinação é de ordem pública, não existindo nos setores privados, religiosos, etc.. Inexigibilidade de Conduta Diversa: Admite-se como causa supralegal de exculpação, quando não é possível aplicar ao caso concreto quaisquer outras excludentes de ilicitude ou dirimentes de culpabilidade, em circunstâncias excepcionalíssimas. Já se decidiu desta forma em uma hipótese de porte ilegal de arma em local perigoso, sujeito à ação constante de marginais, sem a presença do Estado (favela carioca), decidindo-se pela absolvição, no caso concreto, por não ser exigível do agente que atuasse conforme a norma.

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Discute-se a aplicabilidade de tal conceito nos crimes dolosos contra a vida (Ex.: Agente ameaçado de morte por perigoso meliante, que já eliminou vários desafetos e tem fama de cumprir as ameaças, que vem a matar o mesmo antes que por ele seja morto. Não há legítima defesa, pois a agressão é futura e meramente hipotética. Contudo, tem-se alegado que não seria exigível outra conduta do agente, no intuito de proteger a própria vida). Co-culpabilidade: Certos doutrinadores buscam responsabilizar o meio social, imputando-lhe, em certo sentido, a co-autoria dos delitos, mitigando a responsabilidade do autor, em face da miserabilidade e do desemprego. Ex.: ato obsceno praticado por dois mendigos em local exposto ao público não configuraria o art. 233, pois ambos não possuem alternativa para suas relações sexuais.

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CONCURSO DE PESSOAS

Art. 29 CP:

“Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º: Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º: Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.

Trata-se de norma de extensão, como adequação típica de subordinação mediata ou indireta, pressupondo que o crime seja cometido por mais de um agente. Somente ocorre concurso de pessoas nos crimes monossubjetivos ou de concurso eventual, quando a concorrência de mais de um agente não é exigida pelo tipo penal: homicídio, estupro, etc. Não é possível nos crimes plurissubjetivos ou de concurso necessário, quando o próprio tipo exige um número maior de concorrentes: − quadrilha ou bando (crimes de auxílio mútuo) − adultério e bigamia (crimes de condutas convergentes) − rixa (crimes de condutas contrapostas) Logo, como regra, aplica-se o art. 29 somente aos crimes de concurso eventual. Exceção: É possível a presença de partícipe no crime de bando ou quadrilha, no caso, a título de exemplo, do elemento que, sem participar da quadrilha, mas ciente da mesma, empresta imóvel para as reuniões. Teorias no concursus delinquentium: − Teoria Monista ou Unitária: Todos os autores e partícipes respondem

pelo mesmo crime. − Teoria Dualista: Os autores respondem por um delito e os partícipes

por outro. − Teoria Pluralista: Cada autor e partícipe responde por um delito

autônomo.

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Nosso CP adotou a Teoria Monista, como se observa no Caput do art. 29, mas com algumas exceções na parte especial e no próprio art. 29 CP. Considera-se, portanto, que o CP adotou uma teoria “monista temperada”. Exceções expressas à Teoria Monista existentes no CP: − Aborto com consentimento da gestante (124 e 126 CP): A gestante

que permite que terceiro pratique aborto em sua pessoa, responde pelo crime previsto no art. 124. O agente que pratica aborto na pessoa da gestante com consentimento desta, responde pelo crime previsto no art. 126.

− Bigamia praticada por agente casado com agente que conhece a circunstância (235, Caput e 235, § 1º CP): O bígamo responde pelo art. 235. A pessoa que contrai núpcias com o bígamo, ciente da bigamia, responde pelo art. 235, § 1º.

− Corrupção ativa e passiva (333 e 317 CP): O corruptor responde pelo art. 333. O corrompido responde pelo art. 317.

− Falso testemunho (342 e 343 CP): A pessoa que presta o falso testemunho ou falsa perícia responde pelo art. 342. Quem induz, oferece vantagem ou provoca o falsum responde pelo art. 343.

− Contrabando: (334 e 318 CP): Aquele que introduz no país mercadoria proibida responde pelo art. 334 e o servidor público que facilita tal prática, com infração de dever funcional, responde pelo art. 318.

Formas de Concursus delinquentium:

Teorias Restritivas: é autor somente quem realiza o núcleo do tipo. a) Teoria Objetivo-Formal: Autor é todo aquele que executa a ação típica, o núcleo, total ou parcialmente. Assim, o mandante não é autor. b) Teoria Objetivo-Material: Utiliza critérios relativos ao sujeito, observando a gravidade da conduta de cada um, a relevância causal de cada conduta, para diferenciar autor de partícipe. Teoria Extensiva: é autor todo aquele que contribui para o fato, não distinguindo autor de partícipe (adotada pela teoria causal-naturalista). Para definir a punibilidade do partícipe, neste momento, considerava-se a teoria do ânimo ou teoria subjetiva da participação, segundo a qual o autor agiria com vontade de autor (animus auctoris), objetivando a ação como própria e o partícipe agiria com vontade de partícipe (animus socii), representando a ação como alheia. Assim, aquele que induz ou instiga não seria autor, merecendo pena mais leve, pois a conduta seria praticada por outrem.

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Teoria Objetivo-Subjetiva, Final-Objetiva ou do Domínio Final do Fato: É autor quem, embora não tenha praticado total ou parcialmente a conduta típica, possuía o controle final do fato, podendo inclusive paralisar a conduta. Nesse raciocínio, o mandante é autor. Em delitos praticados por organização criminosa, todos têm domínio do fato, no que lhes concerne (divisão de tarefas), sendo todos autores. A teoria causal-naturalista (teoria clássica), por conseguinte, por ter adotado a teoria extensiva (causa é tudo aquilo que leva à produção do resultado, toda ação que influencia no resultado), não prevê a figura do partícipe. Teorias da Acessoriedade: Aquele que pratica uma conduta acessória ao fato principal é considerado PARTÍCIPE, havendo duas formas de participação: − Participação Moral: Por induzimento (Sugerir, criar, plantar uma idéia

não existente na mente do autor) ou instigação (incentivar idéia já existente).

− Participação Material (Cumplicidade): procedida mediante auxílio material (Ex.: agente que empresta a arma para que o suicida cometa auto-extermínio).

Questão: É possível participação de participação? Sim. Exemplo: A pode instigar B para que este instigue C à prática de um crime. A e B são partícipes, pois não têm domínio do fato. Classes de acessoriedade (Hipóteses em que se permite a punição do partícipe): − Acessoriedade Mínima: para que a participação seja punida, basta

que o fato praticado pelo autor seja típico. − Acessoriedade Limitada: para haver punição do partícipe, é

necessário que o fato praticado pelo autor seja típico e ilícito, ou seja, que constitua um injusto típico.

− Acessoriedade Máxima: o fato praticado pelo autor deve ser típico, ilícito e culpável, ou seja, deve ser crime.

− Hiper Acessoriedade: a ação do autor deve ser típica, ilícita, culpável, e punível (incidência sobre o partícipe de circunstâncias atenuadoras e agravadoras que também incidam sobre o autor).

A classe de acessoriedade correta é a limitada, pois a culpabilidade é uma seara individual, diz respeito ao autor (juízo de reprovação social sobre a conduta), sendo que tipicidade e ilicitude dizem respeito principalmente ao fato. Logo, somente deve o partícipe responder pelo fato praticado pelo autor quando este for típico e ilícito.

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Requisitos do concurso de pessoas: − Pluralidade de agentes e condutas − Relevância causal de cada conduta − Liame subjetivo − Unidade de fato (teoria monista) Participação de Menor Importância (art. 29, § 1º - redução de 1/6 a 1/3) − Aplicável somente aos partícipes, e não aos autores (segundo a

teoria do domínio final do fato), ocorre quando a participação do agente é secundária, quase irrelevante na cadeia causal, em se considerando que, mesmo sem a ação do agente, o fato se consumaria. Ex.: Agente que, no furto, limita-se meramente a vigiar os arredores, não praticando atos de hostilidade ao bem jurídico tutelado, nem efetuando atos de subtração.

Cooperação Dolosamente Distinta (art. 29, § 2º) − Ocorre quando o agente (desta feita dito concorrente, o que

engloba autores e partícipes) pretendia participar de delito menos gravoso que o efetivamente cometido pelo concorrente. Caso o delito praticado não entre na esfera de conhecimento do mesmo, ainda na fase executória, responderá somente pelo delito inicialmente almejado (Ex.: A permanece no carro, enquanto B vai cometer furto. Contudo, na residência, B acaba por cometer roubo, mediante violência contra a pessoa. Caso tal fato não entre na esfera de conhecimento de A, ainda durante a fase executória, este responderá somente pelo furto, sendo B responsável solitariamente pelo roubo. Nova exceção à teoria monista pura).

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É possível, ainda, a participação de participação ou participação em cadeia. Ex.: A induz B a induzir C a causar a morte de D. Possível também a participação sucessiva: A instiga B a matar C. Posteriormente, D, sem conhecimento da ação prévia de A, também instiga B a matar C. Caso a conduta de D tenha sido relevante para a prática criminosa, será considerado partícipe no homicídio. Como, em razão do disposto no art. 31: “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”, não se pode falar em tentativa de participação. Sendo a participação uma conduta acessória, sua punibilidade depende, obrigatoriamente, da conduta do autor.

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Autoria Mediata: Ocorre quando o agente se vale para a prática ilícita de alguém que age sem culpabilidade, como nos casos de inimputabilidade ou coação moral irresistível. Tal pessoa, que pratica a ação típica e ilícita, é chamada na doutrina de instrumento. Ex.: O pai que usa o filho menor para a prática de furtos. Autoria Colateral: Ocorre quando dois agentes praticam a mesma conduta típica, sem que um tenha conhecimento da ação do outro. Não há liame subjetivo, pois um agente não conhece a intenção do outro. Ex.: A e B permanecem de emboscada para matar C. A e B não sabem da presença um do outro. Quando C passa pelo local, ambos disparam. Não havendo liame subjetivo, não há concurso de pessoas entre ambos. Não se podendo determinar qual disparo ceifou a vida da vítima, a solução será pro réo, qual seja, A e B responderão pela forma tentada, muito embora a vítima tenha falecido. Punibilidade no concurso de pessoas: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (art. 29, Caput do CP).

− A expressão “na medida de sua culpabilidade”, reporta à

culpabilidade do finalismo, como juízo de censura, de reprovação sobre a conduta do agente. Pode-se dizer, portanto que, embora duas pessoas pratiquem a mesma infração penal, a conduta de uma pode ser mais grave, mais censurável que a outra, merecendo uma maior reprimenda penal. Ex.: A e B resolvem cometer um furto. A, rico e educado, pretende furtar por mero “espírito de aventura”, leviandade. B, pobre e desempregado, aceita participar da atividade criminosa para conseguir algum dinheiro visando ao sustento de sua família. Logicamente, a conduta de A merece maior reprovação e, via de conseqüência, maior sanção penal.

− O art. 30 do CP aduz que “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Logo, como regra, as circunstâncias pessoais são incomunicáveis, não se estendendo aos co-autores ou partícipes (Ex.: a agravante da reincidência somente se aplica ao co-autor reincidente). Circunstâncias são dados acessórios, periféricos. Elementares, contudo, são dados essenciais ao tipo penal, estendendo-se ao concorrente.

Exemplifica-se: a) Mévio e Tício se unem para matar o irmão de Mévio. A

agravante do crime cometido contra irmão só se aplica a Mévio.

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b) Mévio, servidor público, e Tício, pessoa estranha à administração, furtam um computador. A circunstância de tratar-se de servidor público é inerente ao delito de peculato-furto. Logo, se estende a Tício, que responde pelo delito como se funcionário público fosse.

− No que concerne aos delitos culposos, se aceita a hipótese de co-

autoria. Duas pessoas, em ato conjunto, podem deixar de observar o dever objetivo de cuidado exigido do homo medius e, com a união de suas condutas, produzirem o resultado lesivo.

− Quanto à possibilidade de participação em delitos culposos, esta

não se mostra aceitável. A participação se dá por induzimento, instigação ou auxílio. Caso o agente induza outrem à inobservância do dever de cuidado, não será partícipe, mas co-autor, aplicando-se o exemplo anterior.

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Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica A respeito da possibilidade de punição das sociedades na esfera penal, duas linhas de pensamento merecem especial destaque, representando duas correntes opostas na doutrina pátria: A primeira delas, teoria da ficção, criada por Savigny, considera que as pessoas jurídicas não são capazes de cometer ilícitos penais devido a sua existência ser fictícia, abstrata, baseada em uma autorização concedida pelo Estado. As pessoas jurídicas não possuiriam, portanto, capacidade para a prática ilícita no âmbito penal, visto que suas atitudes se restringem aos comandos e decisões tomadas por seus representantes e diretores. Logo, por possuírem vontade unicamente vinculada às diretrizes impostas por seus componentes, não existiria uma vontade propriamente da “ficção” pessoa jurídica. A segunda corrente (precursor Otto Gierke), conhecida como teoria da realidade, da personalidade real ou orgânica, toma caminho diverso na consideração da existência da pessoa jurídica. Para os defensores de tal posicionamento, a pessoa jurídica não mais é considerada um ser fictício, mas um ser real que possui vontade independente de seus criadores. A pessoa, considerada um ser coletivo, é dotada de vontade própria, dissociada da vontade de seus componentes, o que a retira do campo da ficção para o da realidade, podendo assim, cometer, além dos ilícitos civis, os penais. Na atualidade o que predomina nos ordenamentos jurídicos é a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, baseando os argumentos na culpabilidade e na personalidade das penas. Nesse âmbito, o que se constata é que a responsabilidade sobre o ato cometido em nome da pessoa jurídica recai sobre as pessoas físicas responsáveis pelo ato criminoso em questão. A imputação dos delitos somente será passível de ser destinada a essas pessoas na qualidade de autores ou partícipes. Um dos fundamentos usados na argumentação de uma irresponsabilidade se limita na ausência da capacidade de ação no sentido penal escrito; capacidade de culpabilidade e capacidade de pena. Isso devido ao fato de que esses fatores são indispensáveis para a configuração de uma responsabilidade penal subjetiva. O que depõe contra a responsabilidade, no que se refere a uma responsabilidade objetiva é o fato de que a pessoa jurídica em si não possui consciência e vontade próprias. No mesmo sentido, cabe salientar a diferenciação entre sujeito da ação e sujeito da imputação. A pessoa jurídica, não possuidora de vontades, não pode ser sujeito de

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ação ou omissão, uma vez que os efeitos jurídicos que lhe são imputados são decorrentes da ação de seus componentes. No caso da capacidade de culpabilidade, somente pode ser endereçada a punição ao indivíduo autor da ação delituosa. Imputar a culpabilidade de um ato à pessoa jurídica seria imputá-la devido a fato alheio, o que viola o princípio da culpabilidade. Na verdade, há que se diferenciar autor (ou sujeito ativo) de responsável. O autor do ato ilícito é pessoa física, mas a pessoa jurídica pode ser responsabilizada pelos resultados, sujeita a sanções civis e administrativas, inclusive com “pena de morte” – cessação das atividades. Assim, no que tange à cominação das penas, visualiza-se a impossibilidade de destinação destas às pessoas jurídicas, mesmo porque se tem a previsão constitucional do princípio da personalidade da pena (art. 5º, XLV, CF), também chamado de princípio da intranscendência ou da responsabilidade pessoal, o qual determina que a pena não pode passar da pessoa do condenado, necessitando portanto, da conduta comissiva ou omissiva. Nesse sentido, não há possibilidade de destinar às pessoas jurídicas medidas de natureza penal, haja vista a real origem dos atos praticados. No caso das pessoas jurídicas, a possibilidade de punição que se vislumbra está restrita a medidas de cunho administrativo, civil ou comercial, como revogação de autorização de funcionamento e/ou licenças. A necessidade de se buscar a punição das pessoas físicas realmente responsáveis pelo delito ainda se funda no fato de que estes indivíduos buscam se esconder atrás do nome da empresa que dirigem. De todo modo, houve uma preocupação do legislador constitucional, no caso brasileiro, de prever a punição das sociedades. A CF, em seus arts. 173, § 5º e 225, § 3º prevê a cominação de sanções penais e administrativas, às pessoas (físicas ou jurídicas) que eventualmente causem lesão na esfera econômica e financeira e na esfera ambiental. No caso da legislação ambiental brasileira (Lei nº 9.605/98), existe expressa previsão legal no sentido de que a responsabilização da pessoa jurídica será pertinente naqueles atos em que haja benefício para a entidade. Não se exclui, contudo, a responsabilidade das pessoas físicas, como se observa no art. 3º, § único: “A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

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Remontando à discussão anterior, contudo, existe um questionamento quanto à constitucionalidade do artigo em questão, baseado no argumento da responsabilidade por fato alheio, fundado no princípio da personalidade das penas. Assim, as punições destinadas às pessoas jurídicas propriamente ditas, sejam elas aplicadas de forma isolada, cumulativa ou alternativamente, previstas em legislação especial são, por exemplo: - art. 21 da Lei 9.605/98: multa e penas restritivas de direitos, como a

suspensão parcial ou total de atividades. - art. 22 da Lei 9.605⁄98: prestação de serviços à comunidade, como o

custeio de programas e de projetos ambientais. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------