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CONCEITO, NATUREZA E EFICCIA
DOS PRECEDENTES JUDICIAIS
1. O CONCEITO DE PRECEDENTE
1.1. A ideia de precedente e o precedente judicial: proposta conceitual
A categoria precedente pertencente Teoria Geral do Direito, tratando-se de noo fundamental relativa ao prprio funciona-mento dos sistemas jurdicos, relacionada tambm teoria das fon-tes normativas.1 Ento, havendo Direito os precedentes existiro.2 Todo sistema jurdico possui precedentes, na medida em que a to-mada de decises para resoluo de casos concretos o momento fundamental da experincia jurdica.3 Independentemente da ado-o ou do reconhecimento da doutrina do stare decisis, os prece-dentes sero existentes e tambm utilizados, diferindo, entretanto, a forma e a importncia que lhes dada por cada sistema jurdico de direito positivo.4
1 Similarmente: DIDIER JR, Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 162-164. Sobre os conceitos de teoria geral do direi-to: STERNBERG, Theodor. Introduccin a la ciencia del derecho. 2. ed. Barcelona: Labor, 1940, p. 213. AFTALIN, Enrique R.; OLANO, Fernando Garca; VILANOVA, Jos. Introduccin al derecho. Buenos Aires: El Ateneo, 1956, t. I, p. 107.
2 Case law in some form and to some extent is found wherever there is law. A mere series of decisions of individual cases does not of course in itself constitute a sys-tem of law. But in any judicial system rules of law arise sooner or later out of the solution of practical problems, whether or not such formulations are desired, inten-ded or consciously recognized. These generalizations contained in, or built upon, Encyclopedia of Social Sciences-millan Co., 1930, v. 3, p. 249).
3 COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Buenos Aires: Editorial Guillermo
Interpreting precedents. Aldershot: Ash-gate/Dartmouth, 1997, p. 2-3. No mesmo sentido: TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenzaCarneiro da. O processo civil no Estado constitucional e os fundamentos do Pro-
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A preocupao com o precedente pe-se no contexto da coe-rncia e da consistncia do debate e das aes,5 e a argumentao por precedentes est presente no s no direito, mas tambm em decises de uma forma racional: trata-se de uma razo para a prti-ca de atos.6geral, o precedente um evento passado que serve como um guia para a ao presente.7
A argumentao a partir dos precedentes representada, ba-sicamente, da seguinte forma: o tratamento anterior do aconteci-mento X da forma Y constitui uma razo para que fatos similares a X, caso ocorram, sejam tratados tambm da forma Y.8 Decidir que algo deve ser feito da mesma forma que fora feito anteriormente em uma situao semelhante tem fundamento em razes de igual-9
jeto do novo Cdigo de Processo Civil brasileiro. Revista de processo. So Paulo: RT, 2012, ano 37, n. 209, p. 355. Contrariamente, assumindo os precedentes como originrios e caractersticos do common law: TAVARES, Andr Ramos. Paradigmas do judicialismo constitucional. So Paulo: Saraiva, 2012, p. 90.
Thinking like a lawyer. Cambridge: Harvard University Press, 2012, p. 36.
6 Applying lessons of the past to solve problems of the present and future is a basic Interpre-ting precedents, cit., p. 1. . Stanford Law Review, v. 39. 1987, p. 572. BENDITT, Theodore M. The rule of precedent. GOLDSTEIN, Laurence (ed.). Precedent in law. Oxford: Claredon Press, 1987, p. 89. A ideia aqui adotada segue a linha exposta em: BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: -Teoria da argumentao jurdica. 2. ed. So Paulo: Landy, 2005, p. 264). Chega-se GREY, John Chipman. Judicial precedents. Harvard Law Review, n. 9. 1895-1896, p. 27.
The nature and authority of precedent. Cambridge: Cambridge Uni-versity Press, 2008, p. 1.
Precedent The nature and authority of precedent, cit., p. 1-2.
Rhetoric and the rule of law. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 143. Na teoria da argumentao destaca-se o preceden-te judicial como corolrio da universalidade, representada juridicamente espe-Teoria da argumentao jurdica, cit., p. 265.
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Para o Direito, os precedentes, mais propriamente os judiciais,10 so resolues em que a mesma questo jurdica, sobre a qual h que decidir novamente, j foi resolvida uma vez por um tribunal noutro caso.11 So, do ponto de vista prtico, decises anteriores que servem como ponto de partida ou modelo para as decises subsequentes.12 Nesse sentido o precedente judicial abarca toda a deciso relatrio, fundamentos e dispositivo , no discriminan-do as parcelas mais importantes para a concretizao do direito. Precedente, aqui, o mesmo que deciso precedente e tem um inegvel aspecto relacional, na medida em que s pode ser aplicado quando h casos anlogos.13
Destarte, em um primeiro sentido, o amplo, aproximado ao significado de caso abarcando todo o ato decisrio , pre-cedente fonte do direito;14 ou seja, fato jurdico continente de uma norma jurdica.15 2 -vs do trabalho dos juzes subsequentes, dar-se- uma norma
10 Sobre a importncia de precedentes no judiciais para o direito, nomeadamente aqueles advindos da atuao do Executivo, ver: FARBER, Daniel A. The rule of law and the law of precedents. Minnesota Law Review, vol. 90, 2006, p. 1184-1186. GERHARDT, Michael. The power of precedent. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 111-146.
11 2009, p. 611.
12 Interpreting precedents, cit., p. 1.13
Interpreting pre-cedents. Aldershot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 323. Aproximadamente: TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. So Paulo: RT, 2004, p. Neil; SUMMERS, Robert. Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 151. O fato de um precedente, entretanto, no possuir caso anlogo no o SMartin Orozco. La creacin judicial del derecho y el precedente vinculante. Navarra: Arazandi-Thomson Reuters, 2011, p. 32.
14 As fontes do Direito pem normas jurdicas. A norma jurdica , pois, contedo da em dada conjuntura histrica (COSTA, Adriano Soares da. norma jurdica. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 2009, p. 29).
15 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4. ed. So Paulo: RT, 2000, p. 142-143. Vale destacar que a deciso judicial seria, tomando a diviso de Lourival, -o.
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geral. Dessa forma, precedente continente, forma e no se confunde com a norma que dele exsurge. Com efeito, trata-se de instrumento para criao de normas mediante o exerccio da ju-risdio.16
Nesse sentido prprio, o precedente equivale deciso ju-dicial, no ao dispositivo da deciso, mas ao ato decisrio como um todo. Apesar de ser possvel designar todo precedente como deciso, nem toda deciso ser seguida como precedente: no-tvel que o termo precedente tem um aspecto relacional, ou seja, significa que determinado objeto antecede outro, demons-trando alguma similaridade, e em direito refere-se a decises judiciais, as quais serviro de modelo ou ponto de partida para outra deciso. Ora, nem toda deciso judicial tratar de situao que ser novamente posta ao crivo do Poder Judicirio, no ser-vindo, portanto, como precedente. Alm disso, de se perceber que algumas decises judiciais no tero por eficcia a criao ou definio de norma, aspecto essencial para a utilizao dos precedentes judiciais. A formao de precedentes est vinculada criao de uma norma jurdica que poder servir para a solu-o de outros casos, mas para esse ato criativo necessrio o preenchimento de alguns requisitos, que no estaro presentes em todas as decises. Portanto, muito embora toda deciso judi-obrigatrio.17
2-cedente, em sinonmia ao termo ratio decidendi ou razes de de-cidir. Trata-se de reduo do termo norma do precedente por, simplesmente, precedente. Os precedentes sero inferidos, nesse segundo sentido, somente de parcela do ato decisrio. A
16 Assim: CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in english law. 4. ed. Oxford: Oxford SLa creacin judicial del derecho y el precedente vinculante, cit., p. 28. TARANTO, Caio Mrcio Gutterres. Precedente judicial. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 7-8. Aproximadamente: MELLO, Patrcia Perrone Campos. Precedentes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 63. SANTOS, Evaris-to Arago. Em torno do conceito e da formao do precedente judicial. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, p. 143-145.
17 Trata-se da questo dos precedentes sem nenhuma ratio decidendi, objeto do item 5.5.2.7.
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soluo do caso concreto estabelecida pelo juiz no dispositivo no integra o precedente, apesar de poder servir de norte para seu esclarecimento.18 O precedente judicial pode ser tido como a prpria norma aplicada pela corte, compreendida especialmen-te a partir da fundamentao, que se afigura indispensvel para resolver o caso.192a deciso, e at mesmo sua fundamentao, e o precedente em sentido estrito, que constitui uma norma compreendida a partir de toda a deciso, por um processo construtivo prprio, e a ela no se limita. Esse seria o conceito estrito de precedente, que se confunde com o de ratio decidendi ou norma da deciso.202nesse sentido que se fala, por exemplo, em aplicao do prece-dente: o que se est a aplicar, a rigor, a norma que se constri a partir do precedente.21
ratio decidendi ou, simplesmente, razes de decidir ou norma do prece-dente.
Pode-se falar, diante da distino esposada, da existncia de dois sentidos para precedente:22 a)
18 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. 2. ed. So Paulo: RT, 2011, p. 221.
19 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English Law, cit., p. 39-41. Em outra pas-sagem, o jurista ingls destaca: When it is said that a court is bound to follow a case, or bound by a decision, what is meant is that the judge is under an obligation to apply a particular ratio decidendi to the facts before him in the absence of a rea-sonable legal distinction between those facts and the facts to which to which it was applied in the previous case (p. 98).
20 As razes de decidir sero o objeto de estudo do captulo V, item 5.5.2.21 Noutro sentido, mas de forma aproximada, Evaristo Arago Santos aponta como
serve (ou deveria servir) de paradigma para orientar a deciso de casos posterio-res (SANTOS, Evaristo Arago. Em torno do conceito e da formao do precedente judicial, cit., p. 145-146).
22 Precedent in the United Kingdom, cit., p. 323. CHIASSONI, Pierluigi. La giurisprudenza civile Metodi dinterpretazione e tecniche argomentative. Milano: Giuffr, 1999, p. 146. -metimes applied without further thought or analysis to a body of allegedly relevant prior decisions (typically gathered together and cited by counsel on both sides in a common law case). Secondly, precedent can be used as a description of the result -
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toda uma deciso, sem discriminar qualquer parte dela, nesse pri-o pronunciamento do juiz; da, e.g., possvel falar que, no Man-dado de Segurana n. 18.881-DF,23 o Superior Tribunal de Justia decidiu determinar a investidura da impetrante no cargo no qual fora aprovada, ainda que fora das vagas expressamente previstas no edital; ou que em tal precedente a impetrante foi aprovada na 81. posio, mas o edital previu originariamente 49 vagas, alm das que vagarem no transcorrer do perodo de sua validade; perceptvel que se faz referncia a contedos que extrapolam a fundamentao, destacando a importncia de caractersticas en-contradas no dispositivo ou no relatrio do referido precedente; b)norma jurdica aplicvel, advinda de outro caso, a ratio decidendi; no citado precedente, o MS 18.881-DF, a regra aplicvel foi uma extenso da j conhecida concretizao do princpio da morali-dade, no sentido de determinar que as regras do edital devam ser respeitadas e, inclusive, geram direitos subjetivos queles que se que a regra que determina o provimento dos cargos que vagarem gera direito subjetivo, tal qual a submisso da administrao ao reconhecimento das vagas expressamente previstas no edital; as- o supracitado precedente, ou pode-se chegar concluso que tal precedente no merece prevalecer ante alguma diferena ftica substancial. De toda forma, percebe-se que nesse sentido prece-
Finalmente, importante pr em paralelo os sentidos que o ter-mo precedente pode ser utilizado tecnicamente. Em sentido pr-prio, continente ou formal, fato jurdico instrumento de criao normativa, em outras palavras: fonte do Direito, tratando-se de uma designao relacional entre duas decises. J precedente em
dly, the term may be used to state a wider rule that the decision in a particular case is alleged to instantiate or illustrate (MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a Interpreting precedents. logicamente contido no primeiro.
23 Brasil Superior Tribunal de Justia Primeira Seo Mandado de Segurana n. 18.881/DF, Rel. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, julgado em 28/11/2012, DJe 05/12/2012.
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termo norma do precedente, que precisamente a ratio decidendi, esse sentido tambm o substancial.24
1.2. Noes retrospectiva e prospectiva do precedenteOs precedentes judiciais obrigatrios, em uma primeira pers-
pectiva, podem ser vistos como forma de, no presente, observar o passado: j que as decises anteriores passam a possuir autoridade para a regulao do caso futuro, um olhar retrospectivo para a atu-ao judiciria imprescindvel. Nesse sentido, o papel do juiz, ao decidir, estar sempre condicionado ao que foi anteriormente deci-dido e, portanto, vinculado ao passado.25
Nessa viso retrospectiva do funcionamento dos precedentes, ressalta-se que o papel de julgar feito basicamente a partir de um : observa-se o que o prprio rgo julgador e os tribunais superiores disseram, se que disseram algo, acerca das questes jurdicas, idnticas ou semelhantes, que se apresentam perante o juiz do caso presente.26 A funo de decidir a partir de precedentes estaria, assim, ligada ao passado, eis que o fato de uma deciso ter sido dada em determinada matria anteriormente sig-27
Ao se tratar dos precedentes judiciais, costuma-se enfatizar meramente sua caracterstica histrica ou retrospectiva, o que, com efeito, no reporta com a necessria amplitude o funcionamento de um sistema de precedentes, e pode acabar constituindo um bice adequao da soluo, especialmente quando se d um tratamen-to rigidamente literal linguagem empregada no caso anterior. Em
24 Para outra abordagem, a partir dos conceitos positivista, tradicional e convencio-nalista de precedente, ver: POSTEMA, Gerald J. Some roots of our notion of prece-dent. GOLDSTEIN, Laurence (ed.). Precedent in law. Oxford: Claredon Press, 1987, p. 11-33.
25 Thinking like a lawyer, cit., p. 36. WALDRON, Jeremy. Stare Decisis and the Rule of Law: A layered approach. Michigan law review. Volume 111, n. 1, 2008, p. 1-2.
26 The nature of judicial process. New Haven: Yale University Press, 1921, p. 19-20.
27 -The nature and authority of precedent, cit., p. 4).
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-ciar outra perspectiva, a prospectiva, relativa preocupao com o futuro que deve permear o trabalho do julgador no momento de decidir.28
Assim, Schauer concorda que um argumento por precedente parece, de incio, observar o passado, mas no se limita a tanto, apesar de a perspectiva tradicional ter focado no uso dos prece-dentes de ontem nas decises de hoje, importantssimo notar que em um sentido igualmente, se no mais, importante, um argu-mento a partir de precedente observa o porvir tambm, requeren-do de ns que vejamos a deciso de hoje como um precedente para os julgadores de amanh.29
Ento, em sentido prospectivo, o ato decisrio deve cuidar tam-normas, que muito provavelmente sero ensejadas pela deciso a ser prolatada, aumentando a responsabilidade do juiz ao decidir.30 O magistrado, ao criar precedente, deve ter em mente a correspon-dncia a proposies sociais, a evoluo da tecnologia jurdica, o impacto econmico. Todos esses aspectos devem ser levados em conta para a realizao de uma distino ou, at mesmo, para supe-rao da norma do precedente. Caso a deciso inove, ou seja, trate de questo jurdica que possui pouco ou nenhum tratamento jur-dico anterior, a preocupao com os dados mencionados deve ser ainda mais acentuada.31
28 Precedent, cit., p. 571-605. Duxbury no concorda com Schauer, particularmente quanto existncia de uma obrigao do magistrado de considerar o futuro, quando da prolao de sua deciso, justamente por pressupor The natu-re and authority of precedent, cit., p. 4-5.
29 -ditional perspective on precedent has therefore focused on the use of yesterdays precedents in todays decisions. But in an equally if not more important way, an - Precedent, cit., p. 572-573).
30 Encyclopedia of social sciences1930, p. 251. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 109-110.
31 to the extent that the present must be guided by what was decided in the past. But
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Realmente, a utilizao do precedente judicial no pode ser tida como simplesmente histrica, a preocupao com o que foi feito caracterstica do primeiro momento da deciso, ao tentar identi- -to, mas logo em seguida entra em cena sua funo prospectiva ou consequencialista,32 eis que o magistrado, ao inovar sobre questo jurdica, enunciando ou trabalhando o que vir a ser uma norma aplicvel a outros casos, deve tomar em considerao proposies sociais para que tal deciso venha a gerar uma norma adequada.33
2 Suprema Corte predominantemente guiada pelo ponto de vista prospectivo, j que tambm papel dela decidir quais casos sero
of ascribing authority to past decisions means that one who engages in deciding a -present decision: will it be satisfactory as a precedent? Judges are well aware that their decisions contribute to the development of the law, and they do therefore have Interpreting precedents, cit., p. 2).
32 Under stare decisis, a court is on notice that if it chooses to apply a given pro-position to resolve a dispute between these litigants today, it may be obliged to apply the same proposition to all similarly situated disputants in the future. Thus stare decisis discourages a court from deciding cases on the basis of propositions it would be unwilling to apply to all similarly situated disputants (EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1991, p. 47-48).
33 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 109. Nesse sentido a lio de Cardozo, fazendo interessante comparao: ... in a system so highly deve--to examine and compare them. If they are plain and to the point, there may be need of nothing more. Stare decisisa process similar in its nature to that of deciding cases in accordance with statute. It is a process of search, comparison, and little more. () But, of course, no system of living law can be evolved by such a process, and no judge of a high court, worthy of demonstrando o que se chama de perspectiva prospectiva do precedente judicial: Every judgement has a generative power. It begets in its own image. Every prece-dent, in the words of Redlich, has a directive force for future cases of the same or The nature of judicial process. New Haven: Yale University Press, 1921, p. 19-22. Em sentido contrrio, defendendo que os precedentes judiciais nunca so elaborados para resolver casos futuros: RAMIRES, Maurcio. . Porto Alegre: Li-vraria do Advogado, 2010, p. 70.
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considerados precedentes e quais no, alm de que seus juzes co-mumente utilizam-se de uma fundamentao permeada pela enun-ciao de normas gerais, tornando mais fcil a reconstruo poste-rior da ratio decidendi.34
2. NATUREZA JURDICA DO PRECEDENTE JUDICIALNo direito ingls e norte-americano no existem debates acirra-
dos acerca da natureza jurdica do precedente judicial. Na verdade, a preocupao em determinar a natureza das coisas tpica dos pa---zar conceitos, sistematizando o conhecimento jurdico.35 Apesar de se tratar de questo dotada de menor relevncia prtica, de fato importante que, ao se debater a teoria dos precedentes no direito brasileiro, ela seja submetida a questes prprias do pensamento jurdico nacional.
Os pioneiros na tratativa detida do tema foram Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, entendendo o precedente como fato jurdico da espcie ato-fato. Para os autores, o precedente seria um efeito anexo prolao da deciso judicial. Nesse passo, adu-zem que o precedente judicial, embora esteja encartado na funda-mentao de uma deciso judicial (que um ato jurdico) tratado como um fato pelo legislador. Assim, os efeitos de um precedente produzem-se independentemente da manifestao do rgo juris-dicional que o produziu.36
A lio no parece correta.
Como foi visto, o precedente judicial tem dois sentidos: o pri-meiro, prprio e amplo, no qual se referir a precedente no muito diferente de se referir a deciso judicial.37 Nesse sentido, o prece-
34 (ed.). Interpreting precedents. Aldershot: Dartmouth, 1997, p. 78-80.
35 -to, cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. -
36 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processu-al civil. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 392-393.
37 In law a precedent is an adjudged case or decision of a court of justice, considered as furnishing a rule or authority for the determination of an identical or similar case
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dente funciona como fonte do direito, ou seja, da deciso que se extrair a norma, ou ratio decidendi.38 No segundo sentido, impr-prio e estrito, precedente a prpria norma contida no texto da deciso judicial, cabendo ao julgador subsequente inferi-la.39
Ora, em nenhum dos dois sentidos possvel dizer que o prece-dente seria um ato-fato jurdico.
No primeiro, precedente como fonte do direito, utiliza-se o ter-a norma jurdica, o fato jurdico aqui a prpria deciso judicial.40 Concorda-se, portanto, com os autores neste particular: realmente trata-se de a soluo dos casos subsequentes. Com todo respeito aos juristas baianos, entretanto, dizer que precedente ato-fato equivocado, precedente so inconciliveis: o ato-fato est no plano da existn-cia, um fato jurdico, enquanto o efeito anexo est no plano da
2compreender que a criao do direito um efeito anexo da pr-pria deciso, ou seja, passa-se de um paradigma no qual a deciso mera enunciao de um direito anterior, completo e unvoco, para outro, no qual o ato jurisdicional passa a ser tambm fato constitu-tivo do Direito, criando normas jurdicas em certa medida, e, nesta mesma medida, dado relevantssimo para o funcionamento do or-denamento jurdico, no podendo ser meramente ignorado para a compreenso plena do fenmeno jurdico.
Blacks law dictionary. Bryan A. Garner (ed.). 8. ed. St. Paul: West, 2004, p. 3728.
38 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W.. Precedent in English law, cit., p. 166-167.39 O precedente ento nasce como uma regra de um caso e, em seguida, ter ou no
o destino de tornar-se a regra de uma srie de casos anlogos. TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, cit., p. 11-12.
40 Parece que h uma contradio no texto de Didier Jr., Sarno Braga e Oliveira: que logo ao abrir o captulo acerca dos precedentes judiciais aduz que precedente a deciso judicial tomada luz de um caso concreto..., tal assertiva logicamente contraditria transcrita anteriormente, nesta o precedente ato-fato e no toda a deciso, enquanto naquela o precedente confunde-se com a prpria deciso, sen-tido que se tem como o correto. DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil, cit., p. 385.
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Falar em precedente, portanto, falar em deciso que pode produzir norma (ratio decidendiprincipais, advindas da ao material reconhecida ou de sua impro-e no so ligadas ao objeto de julgamento.41 O efeito anexo ocorre necessariamente pela simples existncia da sentena, sendo in-vulnervel quer pelas partes, quer por terceiros.42 O exemplo mais hipoteca judiciria.43 A gerao do precedente, isto , o lanamento da deciso como fonte, como texto do qual ser compreendida nor-ma jurdica, efeito anexo da prpria deciso.
Bem percebidas as coisas, a deciso judicial sempre foi com-preendida como ato aplicador do direito, e realmente o . Acontece que, em certo sentido, este ato de aplicao tambm pode ser, con-comitantemente, ato de criao, em variados graus.44 A sentena que aplica norma jurdica no distinta, luz da teoria do fato jur-a deciso judicial como ato jurdico em um caso e ato-fato noutro.
Na verdade, no h um fato jurdico autnomo precedente, independente e distinto da deciso judicial, no se fazendo ldimo tratar-se, portanto, de duas categorias de fatos jurdicos dspa-res. Precedente conceito, que pode muito bem ser expresso da seguinte forma: deciso judicial que pode servir como fonte de normas jurdicas. A criao do precedente, portanto, efeito anexo da prpria deciso. Todavia, para que essa norma jurdica possua
41 Sobre o conceito de ao material: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. So Paulo: RT, 1983, tomo V, p. 477-505. SILVA, Ovdio A. Baptista da. Jurisdio, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 90-101. NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria da ao material. Sal-vador: Juspodivm, 2008, p. 105-189.
42 Sentena e coisa julgada Ensaios e pareceres. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 88-89.
43 So tambm exemplos de efeitos anexos a dissoluo do regime de comunho de bens na sentena de separao judicial, a reparao da sucumbncia na sentena do art. 811 do CPC, o dever de indenizar na sentena que reforma ou cassa a deciso que sustentou a execuo provisria, os efeitos tributrios da sentena, a extino -dade, a dissoluo da sociedade na decretao de falncia. Cf. PONTES DE MIRAN-DA, Francisco Cavalcanti. Tratado das aes. So Paulo: RT, 1970, tomo I, p. 216-217.
44 Ver, nesse sentido: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. -digo de Processo Civil
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-cedente dentre as espcies de fato jurdico (existncia), preciso que a deciso possua estabilidade e seja devidamente publicada. Assim, cambiante apenas a perspectiva, inequivocamente trata-se do mesmo fato jurdico, e cedio que a deciso judicial espcie de ato jurdico.
-outras palavras, fonte do direito.45
categorizar o precedente judicial dentre qualquer das espcies de fato jurdico: norma jurdica incide, criando fatos jurdicos, no se 46 Dessa forma, precedente como reduo de norma do precedente, em sinnimo a ratio deci-dendi, ter natureza de princpio ou regra.
3. CLASSIFICAO CONFORME A EFICCIA DA NORMA DO PRECEDENTE
O precedente est presente onde houver deciso, sendo esta es-sencial ao funcionamento do Direito. No h sistema jurdico que -perativas, gerando precedentes,47 o que se torna notvel a partir do
45 Digno de nota que a construo da norma jurdica sempre depender da atuao dos juzes subsequentes.
46 -rdico, irradia-se, juridicizao das conseqncias dle, devido incidncia. Cada regra de direito enuncia algo sbre fatos (positivos ou negativos). Se os fatos, de que trata, se produzem, sbre les incide a regra jurdica e irradia-se deles (feitos, com apesar da confuso reinante na cincia europia: a , que -cia jurdica, mera irradiao de efeitos dos fatos jurdicos. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. So Paulo: RT, 1983, tomo I, p. 16-17.
47 2independente de fundamentado ou no, muito embora a fundamentao das deci-ses seja relevante para determinar a relevncia e a fora dos precedentes. Nesse The nature and authority of precedent, cit., p. 65-66.
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48 O corpo de precedentes disponvel para considerao em qualquer sistema jurdico representa, ao menos, uma acumulao de sabedo-ria advinda do passado.49
Realmente, todos os sistemas jurdicos, independentemente da tradio jurdica incutida em suas bases, possuem preceden-precedentes judiciais em cada sistema: muito embora o precedente judicial esteja presente em todos os sistemas jurdicos, o valor que possui varivel de acordo com o sistema jurdico.50
Assim sendo, mesmo os sistemas jurdicos de civil law operam utilizando-se de precedentes, apesar de no necessariamente lhes 51 Com efei-to, muitas vezes os precedentes so elementos da hiptese ftica para o surgimento de algum fato jurdico: assim ocorre para que surja a faculdade do Supremo Tribunal Federal de editar smulas vinculantes (103-A, caput, da Constituio) ou para que o magis-trado de primeiro grau julgue liminarmente pela improcedncia do pedido (art. 285-A do CPC).
--sivos.52
48 Cf. TARUFFO, Michele. La motivacin de la sentencia civil. Madrid: Trotta, 2011, p. 293-318.
49 Interpreting precedents, cit., p. 1.50 Assim: PICARDI, Nicola. Appunti sul precedente giudiziale. Revista trimestrale di
diritto e procedura civile, 1985, n. 1, p. 201-208. TARUFFO, Michele. Precedente e giurisprudenza, cit., p. 7. CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. A funo do Supre-mo Tribunal Federal e a fora de seus precedentes: enfoque nas causas repetitivas. PAULSEN, Leandro. (Org.). Repercusso geral no recurso extraordinrio: estudos em homenagem Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 57-73.
51 Em sentido contrrio, equivocadamente confundindo precedente com precedente obrigatrio: VICENTE, Dario Moura. Direito comparado. Coimbra: Almedina, 2011, p. 195. Deve-se reconhecer que a teoria do precedente que somente se preocupa com os precedentes obrigatrios incompleta, cf. BRONAUGH, Richard. Persuasive precedent. GOLDSTEIN, Laurence (ed.) Precedent in law. Oxford: Claredon Press, 1987, p. 217.
52 H quem visualize uma terceira categoria: os precedentes relativamente obrigat-rios. Assim: ATADE JR, Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroati-vidade do direito no sistema processual brasileiro. Curitiba: Juru, 2012, p. 102-103.
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est ligada hierarquia dos tribunais, isto , ligao entre o jul-gador do caso concreto e o do precedente.53 Isso demonstra, por si s, a importncia da estrutura do Judicirio para o funcionamento do stare decisis recursais.54
Os precedentes persuasivos so aqueles que no precisam ser seguidos pelo julgador seguinte. Nesse caso no h obrigao de decidir da forma como fora decidido anteriormente, ou seja, o jul-gamento pode dissentir de uma deciso anterior sem constituir erro.55 Os precedentes nos sistemas de civil law so tidos, geral-mente, como pertencentes a esta categoria, e no common law as decises de rgos de outra jurisdio como de estados diferen-tes nos Estados Unidos ou decises de cortes de outros pases ou
MELLO, Patrcia Perrone Campos. Precedentes, cit., p. 62-66. TUCCI, Jos Rogrio -cial. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, p. 111-122. No se concorda com a utilidade dessa categoria. Primeira-mente, a prpria ideia de obrigatoriedade relativa nos parece j presente nos pre-cedentes propriamente obrigatrios, j que atualmente qualquer precedente pode ser superado. Ademais, a ideia de que os precedentes obrigatrios seriam aqueles que opem nus argumentativos no correta: qualquer argumento utilizado pe-las partes, seja ele advindo de precedente obrigatrio ou persuasivo, atribuir um processual civil brasileiro, nomeadamente os poderes do relator e do juiz de en-curtarem a marcha processual, tratam de normas procedimentais que possuem o precedente judicial como e no do suposto precedente relativamente vinculantes. Finalmente, h manifestao no sentido da existncia de precedentes que podem ser argumentos autoritativos, criando o dever de serem seguidos, mas, ao mesmo tempo, no seriam obrigatrios s cortes inferiores (TROPER, Michel;
Robert S. (ed.). Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. -Interpreting precedents. Aldershot: Ash-gate/Dartmouth, 1997, p. 368). Parece que h contradio nesta concepo, ou se trata de precedente que deve ser seguido ou de precedente que no precisa ser -cedentes de outras categorias que no a dos obrigatrios so, necessariamente, por excluso, persuasivos e seu grau de persuaso que pode ter nveis variados. Nes-se sentido: CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 3-4.
53 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 5.54 DOBBINS, Jeffrey C. Structure and precedent. Michigan Law Review, vol. 108,
2010, p. 1485-1486.55 BRONAUGH, Richard. Persuasive precedent, cit., p. 243-244.
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de organismos internacionais e de tribunais hierarquicamente inferiores so consideradas como precedentes meramente per-suasivos. Assim, o precedente persuasivo serve como argumento para a tomada de deciso em determinado sentido, entretanto no a vincula no sentido apontado. Com efeito, o julgador no precisa tomar em conta a norma de precedente persuasivo e no consi-derado erro de julgamento quando a corte lhe nega aplicao.56
Os precedentes obrigatrios so aqueles que geram o dever de observncia da norma neles contida para os julgadores subsequen-tes, devendo aplic-las sob pena de incorrer em erro quanto apli-cao do direito, que pode se revelar tanto como error in judicando como error in procedendo.57 Assim, precedentes vinculantes so os que servem como modelos determinantes para decises posterio-res.58 A obrigao de seguir o precedente , destarte, espcie da obri-gao de julgar conforme o Direito, e, nesse ponto, em nada difere da obrigao de aplicar a lei. Assim sendo, julgar conforme o Direito, em um sistema de precedentes obrigatrios, considerar como normas jurdicas as rationes decidendi dos precedentes judiciais vinculantes que se relacionam com o caso em questo. Realmente, o juiz dever judicial, ou ainda, dever tomar em considerao a norma do prece-dente, para adequ-la ou elimin-la do sistema.59
Alguns autores fazem propostas dividindo os precedentes em mais de duas categorias. Assim, existiriam precedentes formal-mente vinculantes, precedentes com fora, precedentes sem fora, precedentes meramente ilustrativos. A diviso parte do papel argu-mentativo dos precedentes.60
56 -MERS, Robert S. (ed.). Interpreting precedents. Aldershot: Ashgate/Dartmouth, 1997, p. 461. Marinoni defende que o precedente persuasivo precisa necessaria-mente ser tomado em conta (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, -ccia do contraditrio e do dever de fundamentao do que, propriamente, com a
57 The binding force of precedent, cit., p. 461. -Interpreting precedents. Aldershot: Dart-mouth, 1997, p. 27. AARNIO, Aulis. Precedent in Finland, cit., p. 85.
58 Interpreting precedents, cit., p. 2.59 The binding force of precedent, cit., p. 461-462.60 The binding force of precedent, cit., p. 462-464. O autor de-
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de complexa, baseia-se em uma falha: ou o precedente tem fora casuisticamente, sendo pouco til determinar tais formas de apre--cedentes ou dever ou no, sendo neste caso o precedente per-suasivo.61 -a, meramente ilustrativo) no adequada, ao menos nos termos da fora persuasiva do precedente. Assim, pode-se compreender que existem precedentes obrigatrios e precedentes persuasivos, e possvel que estes tenham uma fora argumentativa variada, de acordo com as circunstncias.62
2categorias, conforme o critrio de qual rgo vinculado: horizon-tais e verticais.63-tre o rgo prolator da deciso e o rgo subsequente que se depa-ra com o precedente.64 Destaque-se que esse elemento de extrema importncia, e que os precedentes dos tribunais ou juzes inferio-res hierarquicamente no so considerados obrigatrios para o tri-bunal superior, mas apenas persuasivos.65
importante perceber que esta diviso adotada ao longo de toda a coletnea.61 Finally, the judge in the instant case may be obliged to decide in the same way
as that in which the previous case was decided, even if he can give a good reason for not doing so. In the last-mentioned situation the precedent is said to be bin-ging or of coercive effect as contrasted with its merely persuasive effect in other situations in which the degree of persuasiveness may vary considerably (CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 4).
62 The law-making process. 6. ed. Cambridge: Cam-bridge University Press, 2004, p. 254.
63 Desde el punto de vista subjetivo, la vinculatoriedad del precedente presenta una naturaleza relativa, dado que depende, sustancialmente, de la relacin existente en-tre el rgano que man el precedente y el rgano que deba resolver el caso actual SLa creacin judicial del derecho y el precedente vinculante, cit., p. 207)
64 The nature and authority of precedent, cit., p. 28. Fala-se em um dever de obedecer tribunais com competncia revisria sobre o julgador, ligando fortemente o stare decisisCourts Obey Superior Court Precedents?. Stanford Law Review. Stanford, 1994, v. 46, p. 823-825.
65 of lower courts persuasive, but they will not consider themselves constrained to follow them in the way that lower-court judges usually feel obliged to follow higher-
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Precedentes horizontalmente vinculantes so aqueles que possuem autoridade sobre o prprio rgo prolator, ou seja, caso determinada deciso seja tomada, a norma que dela emana deve ser seguida pelo prprio tribunal ou juiz nos casos subsequentes. Em tal espcie de precedente no seria possvel o afastamento da norma tida por correta para a soluo de determinada situao.66 Assim ocorria na House of Lords at o practice statement de 1966: Lords concordassem com o equvoco ou carter injusto da deciso, nem mesmo a prpria Casa poderia superar a soluo (overruling) ou desvi-la (overriding).67
Precedentes verticalmente vinculantes so aqueles que pres-supem a superioridade hierrquica do tribunal prolator para que haja a obrigao de serem obedecidos.68 A vinculao vertical afeta os juzes e tribunais situados em posio inferior na hierarquia ju-diciria s decises das cortes superiores, e tida como decorrn-cia lgica da organizao judiciria, por conta da prpria compe-tncia recursal. Assim, um juiz de direito do Recife estaria obrigado a aplicar os precedentes do Tribunal de Justia de Pernambuco, do Superior Tribunal de Justia e do Supremo Tribunal Federal. A dada a determinados tribunais para enunciar a ltima palavra so-bre determinada matria de direito, no sendo razovel que rgo hierarquicamente inferior possa tratar das questes jurdicas a despeito do que enunciaram os tribunais que revisam suas deci-ses, sujeitando o jurisdicionado a uma prestao contraditria e ao penoso e custoso trmite recursal, buscando o jus dicere de algo que j fora enunciado anteriormente.69
Os precedentes dos tribunais que se encontram no topo hierr-quico e que so obrigatrios tanto horizontalmente como vertical-mente poderiam ser considerados como precedentes absolutamen-te vinculantes. Entretanto, no h mais precedentes obrigatrios
The nature and authority of precedent, cit., p. 62)
66 The nature and authority of precedent, cit., p. 28.67 MATTEI, Ugo. Il modello di common law. 3. ed. Torino: Giappichelli, 2010, p. 144-
145.68 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 118-119.69 O argumento incompleto, mas certamente relevante. Sobre o ponto ver: CA-
Stanford Law Review. Stanford, 1994, v. 46, p. 839-845.
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absolutos nos sistemas jurdicos de common law e muito menos nos de civil law. Na Inglaterra, os precedentes da House of Lords, atualmente Supreme Court of United Kingdom, eram considerados vinculantes de forma absoluta, mas aps algumas dcadas de prti-ca decidiu-se garantir ao tribunal a fora de revogar seus prprios precedentes, extinguindo o maior exemplo de vinculao horizon-tal.
2 -sencialmente vinculante. A obrigatoriedade sempre depender da perspectiva subjetiva, ou seja, do rgo do qual emanou o prece-dente e daquele que ir decidir.70 Assim, admitindo-se, por hip-tese, o stare decisis brasileiro, o precedente do Tribunal de Justia de So Paulo seria vinculante apenas para os juzes de direito do mesmo Estado, e meramente persuasivo, por exemplo, para um juiz do Recife.
4. EM BUSCA DA PRECISO CONCEITUAL DO PRECEDENTE JUDICIAL: ALGUMAS DISTINES IMPORTANTES
4.1. Precedente e costumeO precedente judicial fonte do direito que no se confunde
com o costume. Com efeito, como se percebe a partir da experin-cia histrica inglesa, por muito tempo o precedente judicial no era reconhecido como fonte vinculante do direito, enquanto o costume sempre fora considerado a principal fonte, realmente dotado de au-toridade. Tratava-se, portanto, de direito costumeiro, o que no se confunde com a adoo de um sistema de precedentes, o que no-tvel, j que at pouco tempo o precedente judicial no constrangia o aplicador mesmo no direito ingls.71
Realmente, o precedente advm da deciso do caso concreto, enquanto os costumes seriam os usos sociais moralmente adequa-dos e reconhecidos difusamente pelo grupo no qual inserido como
70 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 5.71 A concise history of the common law, cit., p. 347. Ver o
item 1.3.3., no Captulo 1, sobre a formao da doutrina do stare decisis. Ver tam-bm: EVANS, Jim. Change in the doctrine of precedent during nineteenth century. GOLDSTEIN, Laurence (ed.). Precedent in law. Oxford: Claredon Press, 1987, p. 35-36.
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mandatrios (opinio necessitatis),72 e, assim, podem ser tidos como normas implcitas advindas do exerccio direto do poder de criao de normas pela sociedade.73judicial pode se utilizar do costume como alicerce para a concluso alcanada, mas com ele no se confunde.
Alis, mais do que isso, h de se admitir no s que o prece-dente judicial pode servir de suporte para uma norma costumeira, mas que h, outrossim, franca possibilidade de que determinado precedente encontre-se na contramo da norma costumeiramente formada.74
Assim, enquanto possvel conceituar a norma costumeira como a prtica que emerge fora de amarras jurdicas, a qual os indivduos e organizaes espontaneamente seguem no curso de suas interaes, devido a um senso de obrigao jurdica,75 a nor--zada pelo rgo julgador para a soluo do caso concreto.
72 Introduo ao estudo do direito Tcnica, deciso, do-minao. 6. ed. So Paulo: Atlas, 2011, 206-207. Igualmente: Sobre la base de una elaboracin terica que se desarolla desde la antigedad hasta nuestros das, la -tamientos que la constituyen deben presentar para que sta pueda considerarse realizada y que consisten en el usus, o elemento material de la costumbre, consiste en la repeticin general, uniforme, constante, frecuente y pblica de cierto com-portamiento; la opinio o elemento espiritual de la costumbre, consiste adems en Curso de derecho comparado. Barcelona: Ariel, 1987, p. 154). Alm disso, para que o costume tenha, alm de fora social, fora normativa, indispensvel que esteja de acordo com a Constituio, Cf. CAMPOS, German J. Bidart. El derecho de la constitucion y su forza normativa. Buenos Aires: Ediar, 1995, p. 203-209.
73 PARISI, Francesco. The formation of costumary law. Law and Economics Research Papers Series Paper, No. 01-06, 2001, p. 3. Disponvel em http://papers.ssrn.com, acesso em 06.fev.2013.
74 Nesse sentido: CROSS, Rupert; HARRIS, J. W.. Precedent in english law, cit., p. 168. O autor, inclusive, fornece um interessante exemplo: An example of such a cus-a particular stretch of sand. Customs of this nature usually, if not invariably, ope-rate in derogation of the common law. They generally permit what common law prohibits. The spreading of the nets would be a trespass to the foreshore were it The nature and authority of precedent, cit., p. 8. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 106-107.
75 PARISI, Francesco. The formation of costumary law, cit., p. 4-5.
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Outro ponto importante que no se segue um precedente sim-plesmente porque ele existe. Os precedentes so seguidos porque ser distinguidos ou mesmo superados, desde que preenchidos cer-tos requisitos.76 Os costumes, por outro lado, no se baseiam nas razes da sua existncia, o que ser decisivo para sua aplicao no caso concreto ser sua aceitao generalizada por determinado grupo social no qual se alega sua vigncia.77
Diante disso, fcil perceber a diferena entre as duas fontes normativas, sobressaltando o fato que enquanto o precedente ne-cessita da atividade judicante para se formar, o costume, por sua vez, independente de qualquer atividade jurisdicional, constituin-do-se a partir da reiterao de determinada atitude no seio social. Em outras palavras, o precedente fonte normativa de origem es-tatal, ao passo que o costume no-estatal, ainda que venha a ser reconhecido pelo Estado.78
Nada obstante a notvel distino entre tais fontes do direito, o precedente historicamente cresceu em relevncia, ainda no direito judiciais que se reconheciam os costumes vlidos ou vigentes.79 Assim, a caminhada do common law em direo aos precedentes obrigatrios foi de certa forma impulsionada pelos costumes, so-brevindo o grande aumento de importncia dos precedentes e a de-com a institucionalizao do stare decisis.80
76 Al derecho consuetudinario, que se basa sobre la autoridad de la experiencia, se contrapone el derecho jurisprudencial que se basa en la autoridad que deriva da Curso de derecho comparado, cit,. p. 165). Nesse Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1977, p. 112-113.
77 The nature and authority of precedent, cit., p. 9.78 LOSANO, Mario G.. Os grandes sistemas jurdicos, cit., p. 318.79 One important point to remember is that one case constitutes a precedent; several
A concise history of the common law, cit, p. 347.
80 2-lidade. Interessante, sobre o ponto e alm, reconhecendo o importante papel para os costumes de servir de critrio para validao do ingresso de normas externas
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4.2. Precedente e jurisprudncia81 Real-
a utilizao do substantivo precedente,82 mas no s: nenhuma -mente com o termo precedente, da forma como se utiliza neste trabalho.
-o dada pelo prprio Ulpiano e comum entre os romanos, designa toda a cincia do direito, assim os juris prudentes seriam os homens que sabiam o direito aplicvel aos casos concretos, nesse sentido ainda se utiliza o termo para designar vrias escolas de direito ao redor do mundo;83tratar-se do conjunto de pareceres dos jurisconsultos sobre proble-mas jurdicos que lhes foram submetidos;84-tido mais estrito e mais usual, indica o corpo de decises dos juzes e Tribunais sobre questes jurdicas que lhes foram apresentadas mediante casos concretos.85
Texas International Law Journal. 2013, v. 48.
81 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. . 5. ed. So Paulo: RT, 2013, p. 25-47.
82 Nesse sentido: TUCCI, Jos Rogerio Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. So Paulo: RT, 2004, p. 9, nota 1. O autor, entretanto, aduz utilizar o termo prece-dente em substituio a jurisprudncia. No o que se faz aqui: parece que pre-cedente e jurisprudncia no poderiam substituir um ao outro por se tratarem de conceitos que representam diferentes realidades. Apesar disso, ao longo do texto, o autor refere-se a precedente sempre com noes distintas das quais atribui ao termo jurisprudncia.
83 Cf. FRANA, Rubens Limongi. Jurisprudncia. SANTOS, J. M. de Carvalho dos (Co-ord.). Repertrio enciclopdico do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1947, p. 272 e ss..
84 SANCHES, Sydney. . So Paulo: RT, 1975, p. 4.85 Esse seria o sentido estrito ou tcnico de jurisprudncia. Em sentido contrrio, com
Mo-. So Paulo: Noeses, 2009, p. 259. Com a devida veniaem outras palavras, a autora denomina um nico precedente como jurisprudncia
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2 normativa.86 Essa percepo assevera a necessidade de distino entre jurisprudncia e precedente: enquanto a teoria dos pre-cedentes trabalha a partir da importncia de uma nica deciso para a produo de Direito, respeitados determinados requisitos, reconhecendo o importante papel do Judicirio para criao de normas, a fora normativa da jurisprudncia, em sentido con-trrio, pressupe a inexistncia de relevncia da deciso em sua unidade, mas a autoridade somente se apresentaria a partir de um grupo de precedentes, e mais ainda, da repetio de julgados no mesmo sentido. Trata-se, destarte, de proposta adstrita li-nha ideolgica na qual o nico rgo legitimado produo de normas o legislativo diretamente ou mediante as fontes por ele reconhecidas.87
Essa questo basilar enseja outras diferenas: a forma de pro-duo dos precedentes mais simples do que a da jurisprudncia, eis que aqueles precisam de uma nica deciso para valer como fonte do direito, enquanto esta constituda por precedentes em um mesmo sentido ao longo de um considervel espao temporal. A distino bvia ao se perceber que possvel, e no raro, pre-cedente em sentido contrrio jurisprudncia, superando ou limi-tando esta, ou simplesmente dissentindo.
para distinguir jurisprudncia de precedente a obrigatoriedade, dessa forma no
86 Precedent in France, cit., p. 130. Igual-Introduo ao estudo do direito, cit., p. 209. No ponto, interessante o posicionamento de que a jurisprudncia, ao invs de cons-tituir uma fonte do direito, seria uma forma de expresso (VIGLIAR, Jos Marcelo Menezes. . So Paulo: Atlas, 2003, p. 51-58). Ora, se essa forma de expressa o Direito acaba gerando normas que so, em seguida, aplicadas, o termo serve apenas como uma expresso arbitrariamente concebida para se evitar chamar precedentes judiciais de fonte do direito, pois as realidades que retratam so idnticas.
87 Precedent in France, cit., p.130-131. Tambm apontando a diferena quantitativa entre os conceitos: SANTOS, Evaristo Arago. Em torno do conceito e da formao do precedente judicial, cit., p. 143. A con-Direito comparado, cit., p. 173-174.
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4.3. Precedente e ementaUm dos equvocos mais comuns na atuao dos juzes, advoga-
precedente e ementa. Este problema gera graves efeitos prejudi-ciais ao desenvolvimento da aplicao dos precedentes no Brasil.
Ressalte-se que essa confuso . 2coisa. O problema mais profundo. Na verdade, h a utilizao da ementa como se fosse o ncleo do precedente, evitando-se assim a anlise cuidadosa dos fatos e da argumentao expendida. Trata-se de um atalho com graves efeitos prejudiciais prtica dos prece-dentes judiciais.
Muito embora o problema da relao entre ementa e prece-dente no seja nomeadamente conceitual, impende destacar estas diferenas. A ementa um elemento facultativo das sentenas que serve para resumir a jurisprudncia dos tribunais, especialmente 88 enquanto o precedente como fonte do direito incorpora todo o texto da deciso. Igualmente, no se pode confundir ementa, como elemen-to integrante do texto da deciso, com a norma que construda a partir do precedente.
So muito comuns os casos em que os juzes limitam-se a ci-tar ementas como se fossem os prprios precedentes. Esta atitude pode levar, e no mais das vezes levar, a graves equvocos advindos da m aplicao dos precedentes, ou pior, prpria desvirtuao do sistema de precedentes, transformando a deciso anterior, em con-tato direto com os fatos, em um conceito abstrato e geral, despindo--a de sua concretude. A crtica, aps consideraes sobre o mtodo lgico-subsuntivo do positivismo jurdico, bem desenvolvida por Maurcio Ramires:89
S assim possvel que algum pretenda fundamentar deciso fazendo uma deduo simples entre o caso pre-sente e as razes usadas para decidir em um caso passa-
88 CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. A ementa nos acrdos. Revista Dialtica de Direito Processual. So Paulo: Dialtica, 2004, v. 21, p. 109-110.
89 RAMIRES, Maurcio. . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 45.
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do. A jurisprudncia tida por fonte do direito, ao lado da lei, dos costumes e dos princpios gerais. Ementas e verbetes extrados dos julgados pretritos so aceitos como universais. Assim, basta amarrar o particular em um desses universais e se tem a aparncia de uma con-a meno isolada do texto da lei uma fundamentao -te se ancora em um ou mais verbetes jurisprudenciais, citando-os como se trouxessem a soluo invencvel do caso jurdico presente. Tanto mais quando se trabalha em um sistema jurdico que conhece precedentes diretamen-te contrrios entre si, no raro no mesmo tribunal.
O precedente judicial, como fonte do direito, no pode ser re-duzido ementa. Para a compreenso precisa e segura da norma cuidadosa da deciso, tomando em conta os fatos da causa, a argu-mentao realizada no processo pelas partes e os fundamentos que levaram tomada da deciso. Alm disso, o juzo comparativo entre as causas essencial, sobretudo quando os fatos substanciais sejam idnticos, podendo ser elencados em um mesmo grupo de casos.
Isso no quer dizer, obviamente, que a ementa no possa ser utilizada. Deve-se reconhecer que a ementa do julgado deve ser vista como no mais que um instrumento para proporcionar a ca-talogao da deciso nos repertrios jurisprudenciais, facilitando o acesso informao nela contida.90
2 -enso do precedente e, assim, para a compreenso da norma nele contida. Ocorre que, entretanto, para a operao analgica com a ratio decidendi -quada enseja a eliminao da prpria razo de ser dos precedentes: garantir mais segurana jurdica por sua proximidade com os fatos concretos.
O precedente refere-se deciso em sua integralidade, enquan-to a ementa s parte dela. Precedente e ementa, portanto, no se confundem e no podem ser utilizados como se fossem a mesma coisa.
90 RAMIRES, Maurcio. , cit., p. 49.
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4.4. Precedente e smulas-
pcie de precedente em um sentido amplo. Nesse passo, os prece-dentes advindos da deciso de um caso concreto seriam preceden-tes stricto sensu, enquanto as smulas da jurisprudncia dominante dos tribunais e at mesmo as smulas vinculantes (art. 103-B da CF/88) seriam espcies de precedentes lato sensu.
Seguindo essa linha, assumido por Marcelo Alves Dias Souza que no adotamos como regra, para o precedente stricto sensu (simples deciso judicial anterior) a doutrina do stare decisis, embora se tenha, ainda assim, no direito brasileiro, precedente ju-dicial obrigatrio. Consoante o jurista potiguar, todavia, impende -mas decises ou conjunto de decises seriam dotados de autori-dade. Assim, poder-se-ia falar em precedentes judiciais lato sensu, como frutos de institutos processuais, embora no se confundam com o precedente no sentido anglo-americano, o termo ganharia aqui uma maior amplitude justamente para abarcar institutos 91
No parece, entretanto, que essa seja uma proposta conceitual adequada.
Apesar de ser importante reconhecer que o estabelecimento de importncia s smulas em geral e a criao da smula vinculante do STF serem inovaes que aproximaram o direito brasileiro do
91 . Curitiba: Juru, 2007, p. 176-178. Igualmente: ATADE JR, Jaldemiro Rodrigues de. Preceden-tes vinculantes, cit., p. 151. REIS, Maurcio Martins. Precedentes obrigatrios e sua adequada compreenso: de como smulas vinculantes no podem ser o bode ex-piatrio de uma hermenutica jurdica em crise. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2013, ano 38, vol. 220, p. 2098-212. REDONDO, Bruno Garcia. Aspectos essenciais -tamento e superao. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2013, ano 38, vol. 217, p. 403. H tambm certa obscuridade no tratamento das smulas vinculantes, como, por exemplo, na obra de Patrcia Perrone Campos Melo, que muito embora as con-ceitue como enunciados que sintetizam uma doutrina adotada em diversos julga--te distinto dos precedentes, acaba por list-las entre os precedentes vinculantes brasileiros. MELLO, Patrcia Perrone Campos. Precedentes, cit., p. 101-102 e 105.
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debate sobre a teoria dos precedentes,92 as smulas no se confun-dem com estes: sua natureza jurdica, seus mtodos e seus funda-mentos so completamente distintos.
Preliminarmente, importante reconhecer que a necessidade de sumular entendimentos jurisprudenciais est atrelada inexis- sentido utilizar-se de enunciados sumulados porque nunca se deu importncia ao precedente em sua unidade. As smulas da juris-prudncia dominante partem do pressuposto da inexistncia de valor em uma nica deciso, e mais, caso se atribua obrigatorie-dade ao precedente, considerado em sua unidade, nenhuma utili-dade restar aos entendimentos sumulados a partir de reiteradas decises: a primeira deciso desta linha j guardaria importncia e tornar-se-ia obrigatria para os juzes subsequentes.93
-se confundem com a deciso judicial. Enquanto o precedente obri-gatrio baseado no ato decisrio como fonte do direito, gerado ftica permissiva de sua constituio a existncia de vrios prece--formizao de jurisprudncia. Sendo assim, percebe-se a diferena lgica entre smulas e precedentes: estes so requisito para a exis-tncia daquelas, e, portanto, impossvel a relao de identidade.94
Os precedentes, alm disso, so operados atravs do mtodo abdutivo e de analogias, onde inconcebvel a dissociao da tese jurdica dos fatos da causa, ambos elementos imprescindveis para
92 BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. Smula, jurisprudncia, precedente: uma escala-da e seus riscos. Temas de direito processual nona srie. So Paulo: Saraiva, 2007, p. 310-313.
93 Nesse sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 78-80. ratio decidendi nos casos em que ela seria indecifrvel (p. 85), com o que se discor-da, por se admitir ser total a incompatibilidade entre smulas e obrigatoriedade O que isto o precedente judicial e as smulas vinculantes?, cit., p. 63-66 e, no sentido do texto, 72-75.
94 Percebendo a diferena: TAVARES, Andr Ramos. Paradigmas do judicialismo cons-titucional, cit., p. 97. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 216-218.
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operar corretamente com precedentes judiciais. Por sua vez, a s-mula da jurisprudncia dos tribunais emitida em forma de ver-betes gerais e abstratos, que so aplicados de forma semelhante ao texto legal, em uma espcie de eliminao da facticidade, pois assim que editada se dissocia dos fatos da causa e passa a ter pretenso de abstrao e generalidade.95
A semelhana entre smulas da jurisprudncia e precedente judicial est, certamente, no fato de se tratarem de institutos com se notar que possuem fundamentos que no se confundem, requi-sitos de criao extremamente diferentes e mtodos de aplicao, s no h identidade entre smulas e precedentes judiciais, como como espcie, ainda que em sentido largo, de precedente.
4.5. Precedente e coisa julgadaSob uma perspectiva, esto contidas, na deciso judicial, duas
normas distintas: uma proveniente da formao do precedente ju-96
2 res judicata, inclusive pelo fato de que palavras como caso, julgamento ou termos tcnicos. Ademais, existem algumas semelhanas entre os institutos, provenientes especialmente de sua natureza de norma cunhada judicialmente: os dois esto ligados segurana jurdica, so limitados pela atuao das partes e obrigam julgadores subse-quentes.97
95 RAMIRES, Maurcio. , cit., p. 61-62. Criticando, com razo, essa forma de operao com as smulas vinculan-O que isto o precedente judicial e as smulas vinculantes? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 63-66 e, no sentido do texto, 69. ABBOUD, Georges. Smula vinculante versus precedentes: notas para evitar alguns enganos. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2008, ano 33, vol. 165, p. 220-221. No mesmo sentido: No se pode negar, todavia, que a smula vinculante, embora no seja lei, tenha fora de lei, na medida em que se reveste de suas caractersticas essenciais, quais sejam, geral, abstrata, impessoal e obrigat-ria (CAMBI, Eduardo; BRITO, Jaime Domingues. Smulas vinculantes. Revista de Processo. So Paulo: RT, 2009, ano 34, vol. 168, p. 146).
96 DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processu-al civil, cit., v. 2, p. 386.
97 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 97-98.
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A coisa julgada possui carter concreto, enunciando a situao jurdica que foi submetida autoridade do Judicirio. Sua fora 98 Pode-se dizer caso concre-to, tratando-se da fora, que tem a sentena, quanto soluo da questo pleiteada, para o caso de se querer pleite-la de novo. De forma mais apropriada, ela sedimenta a existncia de determinada relao jurdica, que se torna indiscutvel.99 O precedente judicial, -das ao plano jurdico, como as referentes constitucionalidade de determinado dispositivo, interpretao de uma norma ou deli-mitao da sua hiptese ftica abstrata.100
2obriga os juzes hierarquicamente inferiores, j que logicamente esto sujeitos reviso, a coisa julgada vincula tanto os juzes de mesma hierarquia como os de hierarquia superior.101 Isso porque a ligao da coisa julgada com a segurana jurdica bem diferente da do precedente: o stare decisis requer continuidade, mas admite e se preocupa com a mudana, enquanto a coisa julgada ligada imutabilidade.102
98 no possuam a fora material da coisa julgada: No h sentenas declarativas sem fora material de coisa julgada. Mas h sentena que no so preponderantemente Francisco Cavalcanti. . 3. ed. Rio de Janei-ro: Forense, 1997, tomo V, p. 62).. A utilizao, todavia, de outro conceito de coi-sentena e autoridade da coisa julgada. Temas de direito processual civil terceira srie. So Paulo: Saraiva, 1984, p. 107), no prejudica a ilao. Uma conceituao da coisa julgada que quebre o instituto da forma como conhecido, entretanto, pode seguinte proposta de ampliao dos limites objetivos: CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e precluses dinmicas. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 408-482.
99 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. -vil, cit., tomo V, p. 61-63.
100 Aproximadamente: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 111.
101 CROSS, Rupert; HARRIS, J. W. Precedent in English law, cit., p. 98.102 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 138.
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Alm disso, a coisa julgada concerne, via de regra, exclusiva-mente aos participantes da relao processual, visto que terceiro coisa julgada, isto , imutabilidade do que foi declarado, inde-pendentemente da sentena o prejudicar ou no. Realmente, co- inter partes.103 No assim com o precedente judicial, que revela uma preocupao do siste-ma jurdico como um todo e do prprio Judicirio, em particular, o dever de ser coerente e consistente, levando em considerao as coisa julgada pertinente s partes, o precedente est afeto a todos os jurisdicionados.104
Muito embora tanto a coisa julgada como o stare decisis sejam frutos da segurana jurdica, ou seja, so normas que a possuem como fundamento, a proteo exercida pelas duas no se confun-de, so manifestaes diversas do mesmo princpio. A coisa julga-da protege o sujeito quanto ao caso concreto decidido, quanto ao ato jurisdicional concreto, impedindo uma nova regulao jurdica da situao ftica julgada. O precedente judicial protege os juris-dicionados em geral quanto orientao adotada pelos juzes e tribunais, garantindo maior racionalidade e coerncia para o orde-namento jurdico, o que torna o sistema jurdico mais estvel e pre-visvel, mediante a aplicao da segurana jurdica na criatividade jurisprudencial.105
103 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. -vil, cit., tomo V, p. 122-123. Ver tambm, com anlise de casos e preocupado em di-da sentena e coisa julgada. Sentena e coisa julgada, cit., p. 95-102.
104 Precedent in France, cit., p. 116-117.105 Assim: MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios, cit., p. 139.
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