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CAPÍTULO I - O CARGO E A CARREIRA DE PROCURADOR DA REPÚBLICA

1. O CARGO E A CARREIRA: CONFIGURAÇÃO ATUAL

Procurador da República é o membro do Ministério Público Federal no primeiro nível da respectiva carreira, constituída ainda dos cargos de Procura-dor Regional da República (segundo nível) e Subprocurador-Geral da República (último nível), conforme estabelece o art. 44 da LC 75. O Ministério Público Fede-ral é um dos ramos do Ministério Público da União, como veremos nos próximos capítulos.

Apesar da semelhança no nome dos cargos, ensejadora de frequentes confu-sões, não existe qualquer relação funcional, na atualidade, entre o cargo de Procu-rador da República e os de Procurador da Fazenda, Procurador Federal ou Procu-rador do Estado. Enquanto o primeiro integra o Ministério Público, instituição com configuração constitucional própria que será objeto de análise nesta obra, os três últimos integram carreiras da Advocacia Pública, estando, assim, incumbidos da re-presentação judicial de entes públicos (União, entidades da administração indireta da União e Estados, respectivamente).

Funcionalmente, as atribuições de um Procurador da República assemelham-se muito às de um Promotor de Justiça, um e outro membros do Ministério Público, aquele do Federal, este dos Estaduais, cada qual com atribuições de regra vincula-das às competências das Justiças perante as quais oficiam.1O retrospecto histórico objeto do próximo tópico ajudará a explicar a confusão terminológica dos cargos e, assim, facilitará sua superação.

Enquanto os Procuradores da República oficiam junto aos Juízes Federais (primeira instância da Justiça Federal) e aos Tribunais Regionais Eleitorais onde não há sede de Procuradoria Regional da República2 (art. 70 da LC 75), os Procura-dores Regionais da República oficiam junto aos Tribunais Regionais Federais (art. 68) e aos demais Tribunais Regionais Eleitorais, oficiando os Subprocuradores-Ge-rais junto ao Supremo Tribunal Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supe-rior Tribunal de Justiça, atuando nos dois primeiros por delegação do Procurador-

1 Nos capítulo III da parte II (Criminal) e no primeiro capítulo da parte III (Cível) deste Manual analis-aremos mais detidamente as atribuições dos Procuradores da República, permitindo uma melhor com-preensão da repartição de responsabilidades entre estes, os Promotores de Justiça e os membros dos demais ramos do Ministério Público.

2 Há sedes de Procuradorias Regionais da República em todas as Capitais que sediam Tribunais Regionais Federais (Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife, respectivamente 1ª a 5ª Regiões). Em junho de 2013, foi promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional n. 73, criando mais quatro Tribunais Regionais Federais, com sede em Curitiba (6ª Região), Belo Horizonte (7ª), Salvador (8ª) e Manaus (9ª). Até julho de 2014, contudo, ainda pendiam de instalação.

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-Geral da República (art. 66). Os dispositivos legais referidos entre parênteses ain-da facultam ao Conselho Superior do Ministério Público Federal competência para autorizar os membros de todos os níveis a atuar em órgãos jurisdicionais diversos dos previstos para a categoria, hipótese aplicável especialmente nos casos de maior relevância e que demandam trabalho em equipe ou diferenciada experiência.

O ingresso na carreira do Ministério Público faz-se mediante concurso público de provas e títulos, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de ati-vidade jurídica,3 e observando-se nas nomeações a ordem de classificação (art. 129, §3º, CF). Sobre o concurso discorreremos adiante.

As promoções na carreira observam, no que couber, os critérios aplicáveis à magistratura (art. 129, §4º, c/c art. 93 da CF), verificando-se alternadamente por antiguidade e merecimento (art. 199, LC 75), sendo este apurado mediante crité-rios de ordem objetiva fixados em regulamento elaborado pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (art. 200, LC 75).4

Não há no Ministério Público Federal, seguindo o modelo da Justiça Fede-ral, escalonamento da carreira em entrâncias, próprias das carreiras da magis-tratura estadual e do Ministério Público dos Estados. Destarte, a lotação em capitais não depende de promoção, mas tão-só da existência de vaga e de antiguidade na carreira suficiente a lograr obtê-la por meio de concurso interno de remoção, alte-ração de lotação no mesmo nível da carreira.5 No Ministério Público Federal tam-bém não há o cargo de Procurador da República substituto, como ocorre com outras carreiras (magistratura federal, por exemplo). O ingresso, desde o início, ocorre em “titularidade”. Eventuais substituições dos Procuradores da República, temporárias ou permanentes, são feitas por membros da mesma ou de outras unidades, por co-legas do mesmo nível da carreira, mediante critérios próprios.

O Ministério Público Federal é chefiado pelo Procurador-Geral da Repú-blica (art. 45, LC 75), cuja escolha cabe ao Presidente da República, que o nomeia dentre os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação

3 Conforme decidiu o STF, MS 27.609, Rel. Min. Carmen Lúcia, Pleno, j. em 19.02.2009: “1. Nos termos da decisão do Supremo Tribunal (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.460), o triênio constitucional-mente exigido de atividade jurídica há que ser demonstrado no ato de inscrição definitiva no concurso. 2. Atividade jurídica é aquela que, desempenhada pelo bacharel em direito, tem como objeto a exclusivi-dade ou a comprovada preponderância do conhecimento jurídico. Cargo que não é exclusivo de bacharel em direito não revela o atendimento da exigência constitucional do art. 129, § 3º, da Constituição da República (...)”. Segundo o regulamento vigente editado pelo CSMPF (Res. 135/2012), a inscrição defini-tiva nos concursos de procurador da República é requerida após aprovação nas provas escritas (art. 45).

4 Atualmente, a promoção no Ministério Público Federal é disciplinada pelas Resoluções 86 e 101 do CSMPF. Esta última fixa como itens a serem considerados na aferição do merecimento a eficiência, a produtividade, a presteza e a dedicação no desempenho das funções do membro; a permanência na sede de seu ofício e a assiduidade; o exercício de cargos, funções e atividades consideradas relevantes; e a frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento. Estabelece, ainda, os critérios que devem ser considerados para avaliação de cada um desses itens.

5 Sobre a remoção, v. o tópico das “Disposições estatutárias especiais”.

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de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução (art. 128, §1º, da CF). Não há, pois, o limite de uma recondução existente para os procuradores-gerais de Justiça, chefes dos Mi-nistérios Públicos estaduais (art. 128, §3º, CF), embora ele venha sendo observado desde 2003.

Ao Procurador-Geral da República, além da Chefia do Ministério Público Fede-ral (art. 45, LC 75) e do Ministério Público da União (art. 128, §1º, CF), incumbe exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral, na qual exerce a função de Procurador-Geral Eleitoral. Cabe-lhe, ainda, designar os Subprocuradores-Gerais da República que atuarão no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, dentre estes o Vice-Pro-curador-Geral Eleitoral.

2. BREVE RETROSPECTIVA HISTÓRICA DO CARGO E DA CARREIRA6

A origem do cargo e da carreira de Procurador da República está indissocia-velmente ligada à adoção da República como forma de governo no Brasil e a toda a reorganização da estrutura do Estado dela decorrente. Funcionalmente, contudo, pode-se relacionar sua origem, no Brasil, ao cargo de Procurador dos Feitos da Co-roa e Fazenda, que teve suas funções definidas em 1609 com a criação do Tribunal de Relação da Bahia.7

Constam do Decreto n. 848, de 1890, que criou e regulamentou a Justiça Fe-deral no Brasil, num capítulo destinado especificamente ao Ministério Público,8 as primeiras referências normativas aos cargos de Procurador-Geral da Repú-

6 Como o título do tópico indica, não se inclui dentre seus objetivos uma retrospectiva histórica do Ministério Público brasileiro, embora em um ou outro ponto referências pertinentes se façam necessárias. Para um estudo mais aprofundado do histórico da Instituição, cf. MACEDO Jr, Ronaldo Por-to. Evolução Institucional do Ministério Público Brasileiro, in FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Cam-argo (Coord). Ministério Público: Instituição e Processo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 36-65 e SALLES, Carlos Alberto de. Entre a Razão e a Utopia: a Formação Histórica do Ministério Público, in VIGLIAR, José Marcelo Menezes e MACEDO Jr, Ronaldo Porto Macedo (Coord). Ministério Público II: Democracia. São Paulo: Atlas, 1999, p. 13-43. A evolução institucional do Ministério Público brasileiro e do Ministério Público Federal serão parcialmente retomadas no terceiro capítulo.

7 Lia-se no regimento desse tribunal:”Art. 54. O Procurador dos Feitos da Coroa e Fazenda deve ser muito diligente, e saber particularmente de todas as cousas que tocarem à Coroa e à Fazenda, para requerer nelas tudo o que fizer a bem de minha justiça; para o que será sempre presente a todas as audiências que fizer dos feitos da coroa e da fazenda, por minhas Ordenações e extravagantes. Art. 55. Servirá outrossim o dito Procurador da Coroa e dos feitos da Fazenda de Procurador do Fisco e de Promotor de Justiça; e usará de todo o regimento, que por minhas Ordenações é dado ao Promotor de Justiça da Casa da Suplicação e ao Procurador do Fisco”. Apud Ronaldo Porto Macedo Jr, op. cit., p. 39-40.

8 Então, havia apenas 16 anos que um texto normativo fizera referência ao Ministério Público no Brasil: o Decreto 5.618, de 1874 (“Art. 18. O Procurador da Coroa é o Órgão do Ministério Público perante a Relação”), que dava novo regulamento às “relações” do Império, como eram conhecidos os tribunais de segunda instância, por direta influência do sistema judicial português. Antes desse decreto, no Código Processual Penal do Império, de 1832, havia referência às funções, atribuições e requisitos para no-meação do “promotor da ação penal”.

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blica e de Procurador da República. Sobre a Instituição, o então Ministro da Jus-tiça Campos Salles, responsável pela elaboração do decreto, fizera constar na res-pectiva exposição de motivos que “o Ministério Público, instituição necessária em toda a organização democrática e imposta pelas boas normas de justiça, está repre-sentado nas duas esferas da Justiça Federal”. A criação da Justiça Federal, convém lembrar, foi ela própria uma decorrência da adoção da forma federativa de Estado que acompanhou a implantação da República no país, havendo então explícita pre-ocupação com um sistema judicial que assegurasse alguma uniformidade ao menos no que respeita à legislação federal em sua coexistência com a estadual e atentasse aos interesses da União, não os submetendo aos dos Estados.

O Decreto, que também disciplinava a composição e funcionamento do Supre-mo Tribunal Federal, estabelecia que dentre os membros deste um deveria ser no-meado Procurador-Geral da República e gozaria de vitaliciedade no cargo (art. 21).9

As competências do Procurador Geral da República estabelecidas pelo Decre-to 848 incluíam funções tipicamente de Ministério Público, como promover a ação penal pública nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal e velar pela execução das leis, decretos e regulamentos, e uma função atípica que distinguiria, por cerca de cem anos, a atuação do Ministério Público Federal da de muitos Minis-térios Públicos estaduais: a de representante da União.

Foi também o Decreto 848/1890 que criou o cargo de Procurador da República, estabelecendo a existência de um para cada seção da Justiça Federal, cada uma coinci-dente com o território de um Estado,10 de livre nomeação pelo Presidente da Repúbli-ca por período de quatro anos durante os quais não poderia ser removido, salvo se o requeresse (art. 23). A indicação pelo Presidente da República reproduzia por aqui o modelo norte-americano,11 de sabida influência na estruturação de nossa “República dos Estados Unidos do Brasil”, como a denominou sua primeira Constituição.

As competências dos Procuradores da República (art. 24) reproduziam, em nível seccional, as do Procurador-Geral da República: promover a ação penal pública sob jurisdição da Justiça Federal e “promover o bem dos direitos e interesses da União”, dentre outras. Em relação a eles, entretanto, constava expressa determinação para “cumprir as ordens do Governo da República relativa ao exercício de suas funções”,

9 Segundo Ronaldo Porto Macedo Jr, op. cit., p. 40, o exercício das funções de Ministério Público em supe-rior instância por membro do Poder Judiciário reproduziu tradição vinda das Ordenações Filipinas.

10 Ainda hoje, a divisão territorial da Justiça Federal se dá por seções judiciárias, com área coincidente com a dos Estados da Federação, cf. art. 110, CF, e nas suas subdivisões em subseções judiciárias. Não há, assim, comarcas como na Justiça Estadual.

11 Até os dias de hoje, nos Estados Unidos, os Federal Prosecutors ou US District Attorney, com atribuições semelhantes, especialmente na área criminal, aos Procuradores da República em nosso país, são in-dicados pelo Presidente da República e confirmados pelo Senado, para um mandato de quatro anos, embora demissíveis pelo Presidente, que também pode reconduzi-los ilimitadamente. Cf. Unites States. Department of State. Bureau of International Information Programs. Outline of the US Legal System. Washington: 2001, p. 78.

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relativizando de modo significativo a independência de atuação a que aparentemen-te se destinava a bastante frágil garantia da inamovibilidade por quatro anos.

O Ministério Público Federal só viria a perder definitivamente a função atí-pica de representante da União com a criação da Advocacia Geral da União por meio da respectiva lei orgânica (LC 73/93) e a subsequente promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU (LC 75/93), quase cinco anos após a Constituição Federal de 1988 vedar expressamente o Ministério Público de exercer a representação judicial de entidades públicas (art. 129, IX). Por força da Constituição e da LC 75, essa função atípica foi substituída pelas funções de ombuds-man (art. 129, II) e de legitimado coletivo (art. 129, III), funções típicas do Ministério Público brasileiro emergente do novo modelo constitucional e absolutamente in-compatíveis com a de representante da União,12 dado que, não raras vezes, impõem uma oposição do Ministério Público Federal à União, fazendo daquele o que deve ser: um advogado da sociedade. Voltaremos ao tema algumas vezes neste manual.

Neste ponto da obra, de evolução histórica, importa apenas destacar que qual-quer análise crítica do perfil institucional do Ministério Público Federal e das difi-culdades que enfrenta para superar os complexos desafios que se lhe apresentam no século XXI não pode desconsiderar os efeitos causados por mais de cem anos de atuação como representante da União e que há apenas vinte anos a Instituição per-deu essa função. Numa tal análise, importará considerar, por exemplo, que em 2013 todos os Subprocuradores-Gerais da República em atividade – toda a cúpula da Ins-tituição, portanto – ingressaram na Instituição com essas atribuições e que, durante o processo constituinte, houve fortes resistências internas à perda dessa função.13

A Constituição de 1891 não fez referência expressa ao Ministério Público, tra-tando tão somente da escolha do Procurador-Geral da República em termos simi-lares aos dispostos no Decreto 848/1890: escolha pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo Tribunal Federal.

A primeira referência ao Ministério Público em uma Constituição apareceu na de 1934, que a ele dedicou uma seção no capítulo dos “órgãos de cooperação nas atividades governamentais”. Dela constaram também as primeiras referências ao Ministério Público Federal, cujos membros deveriam ser nomeados mediante con-

12 Nesse sentido, Hugo Mazzilli, que cita posicionamento do Supremo Tribunal Federal em questão de ordem levantada em 1972 pelo então Procurador-Geral da República, José Carlos Moreira Alves (RTJ 62: 139), para afirmar que “interesse e fiscalização não se conciliam, pois, quando o procurador-geral é advogado da Fazenda, deixa de ser Ministério Público” in MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 6ª ed. Saraiva: São Paulo, 2007, p. 344.

13 Como relata em entrevista concedida ao Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União por ocasião dos 10 anos da LC 75, o Subprocurador-Geral da República aposentado Álvaro Augus-to Ribeiro Costa, membro de destacada importância nas articulações institucionais durante o proces-so constituinte, tendo sido integrante da primeira Comissão constituída em 1985 pelo então Procura-dor-Geral da República José Paulo Sepúlveda Pertence (1985-1989) para esboçar uma lei orgânica para o MPU, e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República entre 1985-87. Foi o pri-meiro Procurador Federal dos Direitos do Cidadão.

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curso e só perderiam os cargos, nos termos da lei, por sentença judiciária, ou pro-cesso administrativo, no qual lhes seria assegurada ampla defesa (art. 95, §3º). O Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República após apro-vação do Senado Federal, passava a ser demissível ad nutum. Sujeito aos mesmos requisitos pessoais para nomeação de Ministro do Supremo Tribunal Federal, fazia jus a igual remuneração.

A Constituição Federal de 1937 – Constituição autoritária e outorgada, relem-bre-se – não dispensou maior atenção ao Ministério Público significando, na ver-dade, um claro retrocesso, ao retirar, por exemplo, a exigência de concurso para ingresso na carreira e a previsão de vitaliciedade (perda do cargo condicionada à sentença). Limitou-se a estabelecer que o Procurador-Geral da República seria o chefe do Ministério Público Federal e de livre nomeação e demissão do Presidente da República, devendo sua escolha recair em pessoa que reunisse os mesmos requi-sitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 99).

Na Constituição de 1946, o Ministério Público mereceu título próprio, na sequ-ência aos dedicados à Organização Federal e à Justiça dos Estados, portanto sem vinculação aos três poderes da República, prevendo expressamente que lei organi-zaria o Ministério Público da União, junto a Justiça Comum, a Militar, a Eleitoral e a do Trabalho (art. 125), distinguindo-o do Ministério Público dos Estados, referido em outro dispositivo (art. 128). A representação da União em juízo pelos Procura-dores da República constava expressamente do texto constitucional, admitindo que a lei cometesse esse encargo, nas comarcas do interior, ao Ministério Público local (art. 126, parágrafo único). Sem alterações relevantes na disciplina constitucional relativa ao Procurador-Geral da República.

Em 1951 foi promulgada a Lei 1341, a primeira Lei Orgânica do Ministério Pú-blico da União, que disciplinou o concurso de provas e títulos para o ingresso na carreira e a estruturou, na disciplina específica do Ministério Público Federal, em Procurador da República de terceira, segunda e primeira categoria14 e Subprocura-dor-geral da República. Atribuiu aos Procuradores da República a expressa função de advogados da União, incumbidos da defesa dos interesses desta em todas as ins-tâncias, perante justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 37), e com atuação apenas subsidiária em matéria criminal, dado que podiam promover e acompanhar as ações penais de interesse da União quando não o fizesse o Promotor de Justiça (art. 38, XIX). A lei previa a possibilidade de Promotores de Justiça dos Estados e dos Territórios representarem em juízo a Fazenda Nacional (art. 26). Deu disciplina específica também ao Ministério Público da União junto à Justiça Militar e do Trabalho.

14 Essa informação histórica ajuda a compreender as inúmeras referências, na LC 75, à categoria em referência aos níveis da carreira (arts. 57, XIII; 66, §2º; 68 e 70, nos respectivos parágrafos únicos). Parece-nos, contudo, que nível seja mais apropriado, tanto por ser o utilizado no artigo que trata es-pecificamente da carreira (art. 44), seja pela diferenciação que se impõe ante a carreira estruturada pela Lei 1341/51 e a LC 75, na qual havia, de fato, categorias num mesmo nível. As categorias, na Lei 1341/51, observavam, em âmbito nacional, uma lógica similar às entrâncias da Justiça Estadual.

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O primeiro concurso para Procurador da República só viria a se realizar efeti-vamente entre 1971 e 1972, restando aprovados 32 candidatos, dentre os quais o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek e o Ministro do Supe-rior Tribunal de Justiça e seu presidente no biênio 2010-2012, Ari Pargendler. Até a Constituição de 1988 foram realizados nove concursos para a carreira do Ministério Público Federal. Em maio de 2014, foi concluído o 27º Concurso para Procurador da República, restando aprovados 71 candidatos.

A Constituição de 1967, que dedicava ao Ministério Público uma seção no capítu-lo do Poder Judiciário, e a “nova” Constituição que resultou da Emenda Constitucional n. 01/69, que aprofundou o regime de exceção que vivia o país e realocou a seção dedicada ao Ministério Público no capítulo do Poder Executivo, não promoveram al-terações significativas na configuração institucional do Ministério Público, embora seja evidente um retrocesso nesta em relação àquela, notadamente pela vinculação ao Poder Executivo e pela perda de garantias advindas de várias simetrias estabeleci-das naquela entre os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.

As verdadeiras e profundas alterações viriam com a configuração insti-tucional emergente da Constituição democrática de 1988, objeto do próximo tópico e retomada em vários pontos deste Manual, depois consolidadas e discrimi-nadas na Lei Complementar n. 75/93, a vigente Lei Orgânica do Ministério Público da União, analisada mais adiante.

Nesta evolução histórica, apenas vale destacar que na Constituição Federal de 1988 o Ministério Público brasileiro foi arrolado dentre as funções essenciais à justiça, em capítulo apartado dos destinados aos poderes Legislativo, Executivo e Ju-diciário, e ganhou inédita disciplina uniformizada e muito avançada, com signi-ficativas autonomias e garantias para a Instituição e para seus membros, sendo incumbido de novas e importantíssimas funções, arroladas no art. 129, detida-mente estudas mais adiante nesta obra. Em decorrência da disciplina uniformiza-da, o Ministério Público Federal é mencionado apenas uma vez, como ramo do Minis-tério Público da União. Ficou vedada a representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas, dentre elas a da União. O efetivo fim dessa função, contudo, só pôde se concretizar com a estruturação da Advocacia-Geral da União (LC 73/93), vin-do a se consolidar definitivamente com a edição da LC 75/93, que disciplinou o “novo” Ministério Público Federal que emergiu da Constituição Federal de 1988.

É segundo as diretrizes de ambas que atuam os pouco mais de mil membros do Ministério Público Federal em todo o país.15

15 Em junho de 2014, integravam o Ministério Público Federal 885 Procuradores da República (de um total de 1.545 cargos previstos em lei, considerados os 660 cargos criados pela Lei 12.931/2013, mas com provimento distribuído entre os exercícios de 2014 e 2020), 227 Procuradores Regionais da República e 74 Subprocuradores-Gerais da República, estes dois quantitativos de cargos correspondentes à lotação total.

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QUADROS SINÓPTICOS

Carreira:

Nível Cargo Atuação Processual

1ª Nível Procurador da República 1ª Instância da Justiça Federal e TREs onde não houver TRF

2º Nível Procurador Regional da República

TRFs (1ª Região/Brasilia, 2ª Região/Rio de Ja-neiro, 3ª Região/São Paulo, 4ª Região/Porto Ale-gre e 5ª Região/Recife) e TREs sediados nessas capitais.

3º Nível Subprocurador-Geral da República

STF*, TSE* e STJ*Por delegação do Procurador-Geral da República.

Evolução histórica:

Norma ImportânciaFunções

principais

Decreto 848/1890

(Criaa Justiça

Federal no Brasil)

Criação dos cargos de Procurador-Geral da Repúbli-ca (para atuar no Supremo Tribunal Federal) e de Procurador da República (para atuar nas Seções Ju-diciárias da Justiça Federal (um por Estado).PGR com as mesmas garantias e vencimentos dos Ministros do STF

Titular da Ação Penal

Re p re s e n t a n t e judicial da União

CF 1934

Primeira referência ao Ministério Público Federal em ConstituiçõesPGR de nomeação pelo Presidente da República, após aprovação do Senado,dentre cidadãos com os requisitos para Ministros do STF, fazendo jus à mes-ma remuneração. Demissível ad nutum.Exigência de concurso público para ingresso na carreira e garantia da vitaliciedade (garantias não repetidas pela CF/37)

Sem referência

CF 1946

Título próprio para o Ministério Público, com expres-sa referência ao Ministério Público da União, com atuação na Justiça Comum, Militar e do TrabalhoExigência de concurso para ingresso na carreira

Com referência expressa apenas à função de repre-sentação em juízo da União

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Lei 1341/1951 1ª Lei Or-gânica do Ministério Público da

União

Estruturou o Ministério Público da União, com dis-ciplina específica para o Ministério Público Federal, incumbido de atuar perante a justiça comum (fede-ral e estadual), admitindo, nas comarcas do interior, que a função fosse desempenhada por Promotores de Justiça. Estruturou a carreira do Ministério Público Federal.

Função de advo-gados da UniãoAtuação subsidi-ária em matéria criminal de interesse da União

1972 Primeiro concurso para a carreira do Ministério Pú-blico Federal

CF, 1988

Ministério Público como função essencial à Justiça, com importantes autonomias e garantias institucio-nais e para seus membros. Uniformização da disciplina constitucional do Mi-nistério Público, com inúmeros avanços e novas funções.Ministério Público Federal dentre os ramos do Mi-nistério Público da União

Idênticas às do Ministério Públi-co dos Estados(Art. 129, CF)

Vedação à repre-sentação da União

LC 75,1993(LC 75)

Lei Orgânica do Ministério Público da União em sin-tonia com o “novo” Ministério Público emergente da Constituição Federal de 1988

3. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA CARREIRA. AS GARANTIAS INSTITUCIONAIS E FUNCIONAIS E AS VEDAÇÕES

O Ministério Público está disciplinado no texto constitucional na Seção I do Ca-pítulo IV, dentre as funções essenciais à Justiça. Assim, ao contrário do que ocorre em outros países e de outras épocas, o Ministério Público aparece apartado do Po-der Executivo, Legislativo e Judiciário.16 Não se trata, em verdade, de um quarto po-der, como alguns afirmam, mas sim de uma Instituição essencial para a realização da Justiça e o desempenho da função jurisdicional do Estado. Para a consecução de tais objetivos maiores, foi especificamente incumbido pelo constituinte originário, no contexto das demais funções essenciais à Justiça (advocacia pública, advocacia privada e Defensoria Pública), de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos sociais e individuais indisponíveis (art. 127).

Embora ontologicamente suas atribuições mais se assemelhem às funções do Poder Executivo – por exercer atividades administrativas que não se enquadram no conceito de atividade legislativa ou judicial17 -, o desenho constitucional da Ins-

16 Na Constituição de 67 estava no capítulo do Poder Judiciário, enquanto na de 69 (ou EC n. 1) o Ministério Público era disciplinado no interior do Poder Executivo.

17 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 22.

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tituição – sobretudo as suas garantias, instrumentos e impedimentos – é claro ao indicar a total autonomia da carreira. É, nos termos do art. 127 da Constituição Federal, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e que não pode ser, em hipótese alguma, extinta. Coloca-se dentre as funções essenciais que são aquelas, segundo José Afonso da Silva, “atividades profissionais, público ou privadas, sem as quais o Poder Judiciário não pode funcionar ou funcionará muito mal”, sobretudo em razão da inércia que caracteriza as atividades desse poder.18 Porém, deve-se estar atento à advertência de Hugo Nigro Mazzilli: o texto constitu-cional disse, ao mesmo tempo, menos e mais do que deveria, pois exerce inúmeras funções que independem da função jurisdicional e, ao mesmo tempo, não oficia em todos os processos judiciais.19

Na disciplina do atual texto constitucional, foi notório o crescimento e amadu-recimento da Instituição. Com a ampliação de suas atividades, o MP é atualmente visto pela sociedade entre as três instituições mais confiáveis pela sociedade.20

No texto constitucional, a disciplina constitucional é extraída de cinco artigos (artigos 127 a 130-A).

O art. 127 traça a finalidade da Instituição, afirmando incumbir-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais in-disponíveis. Desde logo, portanto, verifica-se que o Ministério Público é instituição vocacionada não para a defesa de direitos individuais disponíveis, mas de interes-ses que vão além do indivíduo, tutelando interesses de toda sociedade. Assim, não há dúvidas da legitimidade ativa do Ministério Público para defesa de interesses individuais homogêneos impregnados de relevante valor social.21 Mesmo quando atua na persecução penal tutela os interesses da sociedade, uma vez que a prática delitiva é a mais grave violação aos mais caros interesses da sociedade.

Em razão de seu caráter permanente e da finalidade constitucionalmente dese-nhada, empenhada para a defesa dos direitos constitucionalmente garantidos, con-forme antecipado, o Ministério Público não pode ser extinto, sequer por Emenda Constitucional. É instituição que visa assegurar os direitos e garantias e, assim, está protegida contra emendas constitucionais, pois sua extinção seria uma forma indi-reta de violação dos direitos e garantias individuais. Justamente por isto, não ape-nas o Ministério Público, mas seu desenho constitucional – ou seja, suas garantias e prerrogativas, em verdade destinadas à proteção do indivíduo –, está inserido como

18 DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. Malheiros: São Paulo, 2006, p. 593.19 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 24.20 FGV. Relatório ICJBrasil - 2º e 3º trimestre 2012. São Paulo: FGV, Ano 4, 2012, p. 21. 21 STF, RE 472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-2008, Segunda Turma, DJE de 29-

8-2008. No mesmo sentido: AI 516.419-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 16-11-2010, Se-gunda Turma, DJE de 30-11-2010. No tocante aos mutuários em contratos de financiamento pelo SFH, o STF também entendeu que o MP possui legitimidade no RE 470.135-AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 22-5-2007, Segunda Turma, DJ de 29-6-2007.

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cláusula pétrea, protegida contra emendas constitucionais, nos termos do art. 60, §4º, inc. IV, da Constituição Federal.

3.1. Princípios Institucionais

A Constituição Federal estabeleceu os princípios institucionais do MP em seu art. 127, §1º. São eles: o princípio da unidade, da indivisibilidade e da indepen-dência funcional.

O princípio da unidade significa que o Ministério Público é instituição una, composta por seus membros e chefiados pelo Procurador-Geral. O princípio da in-divisibilidade significa que os membros do MP podem se substituir uns aos outros, sem qualquer prejuízo, desde que respeitadas as regras legais. Assim, quem está no polo ativo será sempre o Ministério Público, independentemente se presentado por esse ou aquele membro.

Em verdade a unidade e a indivisibilidade ocorrem apenas entre cada um dos ramos do Ministério Público, não se podendo falar em unidade entre os membros do MP Estaduais e da União, sobretudo em face de nossa organização federativa. Não teria realmente sentido em falar que o MP do Estado de São Paulo e o Minis-tério Público Federal são uma única instituição ou que um promotor possa exercer as atividades do Procurador da República. Embora os ramos possuam disciplina e regime constitucionais semelhantes, não se tratam da mesma carreira e não podem os membros de uma exercerem funções da outra. São, isso sim, carreiras compos-tas, geridas e chefiadas por órgãos diversos. Dessa forma, somente se pode falar em unidade e indivisibilidade no interior de cada um dos Ministérios Públicos. Somen-te se poderia falar em unidade de todos os Ministérios Públicos de maneira concei-tual, ou seja, no sentido de que todos exercem o mesmo ofício de ministério público, conforme leciona Hugo Nigro Mazzilli.22 É sob tal perspectiva que se compreende a invariável referência, constante da Constituição e das leis que incumbem a Insti-tuição de funções, tão somente ao “Ministério Público”, sem qualquer especificação dos ramos, fazendo depender a divisão em cada caso à repartição constitucional e legal de atribuições.

Questão interessante é a da unidade e da indivisibilidade tendo em vista a prá-tica de atos por membro do MP sem atribuições. Imagine-se uma denúncia ofertada ou uma ação civil pública ajuizada por um membro do MP do Estado de São Pau-lo em matéria de atribuição do Ministério Público Federal. Após declínio do feito para a Justiça Federal, poderia haver aproveitamento da denúncia ofertada ante-riormente? Hugo Nigro Mazzilli defende que somente é possível o aproveitamen-to entre membros da mesma Instituição e, ainda assim, se não houve intenção de burlar o princípio do promotor natural e houver ratificação. Porém, a jurisprudên-

22 No mesmo sentido, MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 26.

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cia vem admitindo a ratificação da denúncia mesmo entre MPs diversos.23 Nesse sentido há decisões do STF.24 No HC 85137, o Ministro Peluso entendeu que sequer era necessária a ratificação, em razão do princípio da unidade, e asseverou: “O ato processual de oferecimento da denúncia, praticado, em foro incompetente, por um representante, prescinde, para ser válido e eficaz, de ratificação por outro do mes-mo grau funcional e do mesmo Ministério Público, apenas lotado em foro diverso e competente, porque o foi em nome da instituição, que é una e indivisível”. Porém, recentemente o STF decidiu em sentido contrário.25 Entendemos aplicável o mesmo entendimento na área cível, ou seja, de que ação civil pública ajuizada pelo Minis-tério Público Estadual em relação à qual há declínio de competência para a Justiça Federal depende, para seu prosseguimento, de ratificação da inicial pelo Ministério Público Federal, cujo membro poderá, naturalmente, alterar o objeto da ação (causa de pedir e pedido).

Entendimento contrário afrontaria a repartição constitucional e legal de atribui-ções entre os ramos do Ministério Público e poderia, especialmente se inviabilizada a retificação da inicial, comprometer a efetividade da ação e, por consequência, da adequada proteção dos direitos. A falta de ratificação deve ser fundamentada e se submete ao controle judicial em atenção à indisponibilidade do Ministério Público sobre os direitos de cuja defesa está incumbido.

O princípio da independência funcional significa que o Procurador da Re-pública possui ampla liberdade no exercício das suas funções, sem subordinação funcional ou hierárquica no exercício de suas atribuições.26 Assim, o Procurador da

23 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 30.24 Neste sentido decidiu o Plenário do STF: Habeas corpus. Denúncia. Ministério Público Estadual. Rat-

ificação. Procuradoria-Geral da República. Inquérito no âmbito do STF. Lei nº 8.038/90. 1. “Tanto a denúncia quanto o seu recebimento emanados de autoridades incompetentes rationae materiae são ratificáveis no juízo competente” Precedentes. ( ) HC 83006, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 18/06/2003, DJ 29-08-2003. Precedentes “Direito Constitucional e Processual Penal. Jurisdição penal. Competência. Justiça federal. Justiça estadual. Ministério Público federal. Denuncia. Ratificação. Citação. Defesa. Defensor dativo. Defensor “ad hoc”. Sentença. Nulidades processuais (...) Se a denúncia, inicialmente apresentada pelo Ministério Público do Estado, perante Juiz estadual, foi, pos-teriormente, ratificada pelo Ministério Público federal, perante Juiz federal, que, com jurisdição penal, no caso, procedeu a citação e a instrução e proferiu a sentença condenatória, não é de ser esta anulada, sob alegação de invalidade da ratificação da denúncia. 3. Nessa ratificação, não há necessidade de o Ministério Público competente reproduzir os termos da denúncia apresentada pelo Ministério Público incompetente, bastando que a eles se reporte STF, HC 70541, Relator(a): Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, julgado em 09/11/1993. No mesmo sentido: STF, HC 98373, Relator(a): Min. Ricardo Lewand-owski, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010; HC 85137, Relator(a): Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, julgado em 13/09/2005, DJ 28-10-2005.

25 “Competência - Declinação - Inquérito. A valia do inquérito realizado há de merecer exame pelo juízo competente. Competência - Justiça Federal versus Justiça Comum - Declinação - Alcance. Uma vez as-sentada a incompetência da Justiça Federal, mostra-se insubsistente não só o ato de recebimento da peça primeira da ação penal como também o de formalização pelo Ministério Público Federal”. (STF, HC 109893, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 13/12/2011)

26 Em outros países é comum verificar o princípio da hierarquia funcional, como na Espanha. O Ministério Fiscal está regulado no artigo 124 da Constituição Espanhola, embora com uma estrutura aberta e mui-to pouco delimitada no texto constitucional.

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República somente deve obediência à Constituição, à lei e à sua consciência, con-forme comumente se afirma. Não pode o PGR, as Câmaras de Coordenação e muito menos o CNMP interferir no exercício da atividade fim de outro membro, na forma-ção de sua convicção funcional.27

Conforme leciona José Afonso da Silva, “Ninguém tem o poder legítimo de lhe dizer ‘faça isso’, ou ‘faça aquilo’, ‘faça assim’ ou ‘faça de outro modo’. E, se o disserem, ele não está obrigado a atender”.28 Assim, não se pode impor que recorra nesse caso ou que deixe de fazê-lo em outro. Somente há hierarquia e dever de obediência no âmbito administrativo, mas jamais no campo funcional. No caso de designações do membro para atuar pelo Procurador-Geral, em razão de decisões das Câmaras de Coordenação e Revisão de não arquivamento de procedimentos, como no caso do art. 28 do CPP, não há violação à independência funcional, pois nesse caso o Pro-curador da República atua em nome do órgão designador e não em nome próprio, com força em normativa existente. Enfim, ser independente significa ter um esta-tuto que permita resistir a pressões, sejam internas ou externas, e uma conduta compatível com tais exigências.

Um dos desafios mais complexos– e, no Ministério Público Federal, muito atu-al – é compatibilizar o princípio da unidade – institucional – com o da indepen-dência funcional – relativo ao membro. Questões ligadas à segurança jurídica do cidadão, à efetividade da atuação ou à conveniência e utilidade de se desenvolver uma visão genuinamente institucional em temas com especial relevância social, por vezes parecem recomendar atuações coordenadas ou uniformes por parte dos membros do Ministério Público Federal, seja por meio de atos normativos, orienta-ções, circulares, enunciados, decisões colegiadas dos órgãos de cúpula ou tomadas nos encontros de área.29 É, de fato, consolidada na Instituição a percepção de que em determinadas circunstâncias uma posição una do Ministério Público Federal contribui decisivamente para melhor cumprir suas funções constitucionais.

Por outro lado, o princípio da unidade não pode solapar a independência fun-cional assegurada constitucionalmente a cada membro, tornando-o um mero re-produtor de entendimentos majoritários ou emanados dos órgãos de cúpula.

No conflito de princípios, como é o caso, impõe-se buscar a solução por meio da ponderação, de modo a permitir a preservação, sempre que possível, do conte-

27 Nesse sentido, no Pedido de Providências n. 0.00.000.0000090/2005, no âmbito do CNMP, a então Con-selheira Janice Ascari asseverou: “Seja qual for a argumentação do requerente, não cabe a este Conselho Nacional do Ministério Público interferir na atividade-fim dos membros do parquet. Se a parte inves-tigada entender que está com razão, deve recorrer aos meios legais - Poder Judiciário - para trancar a investigação ou deslocá-la para outra esfera de atribuição ou de jurisdição”. O fundamento do voto era justamente o princípio da independência funcional.

28 DA SILVA, José Afonso. Comentário Contextual à Constituição. 2ª ed. Malheiros: São Paulo, 2006, p. 596.29 Todos os anos, as Câmaras de Coordenação e Revisão e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

organizam encontros nacionais, para os quais são convidados a participar membros de todos os Esta-dos com atuação na área. A escolha dos participantes costuma observar critérios locais e se limita tão somente à disponibilidade orçamentária.

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údo normativo essencial de cada um dos princípios, nele considerada a respectiva finalidade.

A própria LC 75 indica a necessidade dessa compatibilização ao estabelecer que as Câmaras de Coordenação e Revisão, com competência para “promover a inte-gração e a coordenação dos órgãos institucionais que atuem em ofícios ligados ao setor de sua competência” devem fazê-lo “observando o princípio da independência funcional” (art. 62, I).

Daí a importância de se evitar os extremos: nem uma unidade rígida que não admita exceções fundamentadas à luz do caso concreto, obrigando o Procurador da República a atuar contra sua fundamentada convicção, e seja desprovida de legiti-midade, nem uma independência funcional imotivada e desarrazoada, vale di-zer, sem adequação à finalidade que orienta este último princípio (afastar ingerên-cias políticas, garantir isenção da atuação ministerial etc.) e sem proporcionalidade. Evidentemente falta esta, por exemplo, quando a independência é invocada para preservação de posicionamento absolutamente isolado (institucionalmente ou na jurisprudência) em prejuízo da efetividade e credibilidade da posição institucional como um todo em tema relevante socialmente. Quanto à legitimidade da posição que se pretende uniformizar, cabe lembrar a incompatibilidade absoluta do prin-cípio da independência funcional com a invocação da hierarquia, o que impõe seja tal posição construída argumentativamente e por processos democráticos internos. Por fim, para a compatibilização em análise entendemos que se deve dispensar de atuar na questão o membro que justificou fundamentadamente e com razoabilida-de seu entendimento divergente, incumbindo-se-lhe dela outro membro.

O tema tem gerado intensos debates institucionais internos, ainda prevale-cendo a ideia de que as orientações dos órgãos superiores não possuem caráter vinculante.30

3.1.1. PrincíPio da unidade e atuação dos membros do mP estadual Perante os tribunais suPeriores

Questão bastante interessante e candente é se os membros do MP dos Estados podem atuar perante os Tribunais Superiores. Segundo deflui do art. 103, §1º, da CF, o “Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido (...) em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal”. Da mesma forma, o art.

30 Trouxe polêmica o Enunciado nº 21 da 5ª CCR, de junho de 2012, que determinava que a decisão de não recorrer em ACP deveria ser motivada à 5ª CCR, nos seguintes termos: DECISÃO DE NÃO RECORRER DE SENTENÇA OU ACÓRDÃO QUE NEGAR PEDIDO MINISTERIAL. A Câmara deliberou pela alteração da redação do Enunciado n.º 21 que passa a vigorar com a seguinte redação: “Decisão de não recorrer de sentença ou acórdão que negar pedido ministerial - Em respeito à exigência de fundamentação dos atos do Ministério Público, ao princípio da unidade institucional e à natureza da ação civil pública, deve o membro oficiante nos autos justificar, por meio de nota interna dirigida à 5ª CCR, a decisão de não interpor recurso da sentença ou do acórdão, em decisões definitivas ou terminativas.” A questão foi submetida ao Conselho Institucional para manifestação, nos termos do Extrato da Ata da 641ª Reunião realizada em 27 de junho 2012.

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46, caput, da LC 75 assevera: “Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestan-do-se previamente em todos os processos de sua competência”.31 O art. 47, § 1ᵒ, é expresso ao asseverar que as “funções do Ministério Público Federal junto aos Tri-bunais Superiores da União, perante os quais lhe compete atuar, somente poderão ser exercidas por titular do cargo de Subprocurador-Geral da República”.32

Diante destes dispositivos, poderiam os membros do MP dos Estados apresen-tar recursos ou ações de impugnação perante o STF e o STJ?33 No âmbito do MPF a interpretação predominante, à luz dos dispositivos legais e constitucionais acima citados, é de que não. Alguns invocam, ainda, o princípio da unidade institucional para corroborar esta assertiva. Porém, recentemente, tanto o STF quanto o STJ vêm interpretando em sentido diverso, permitindo que os membros dos MP Estadu-ais, nas causas de sua competência, possam propor ações perante os Tribunais Su-periores, bem como recorrerem das decisões contrárias.

O STF asseverou que “(...) o Ministério Público estadual, quando atua no de-sempenho de suas prerrogativas institucionais e no âmbito de processos cuja na-tureza justifique a sua formal participação (quer como órgão agente, quer como órgão interveniente), dispõe, ele próprio, de legitimidade para ajuizar reclamação, em sede originária, perante o STF. Não tem sentido, por implicar ofensa manifes-ta à autonomia institucional do Ministério Público dos Estados membros, exigir-se que a sua atuação processual se faça por intermédio do Sr. PGR, que não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição constitucional (CF, art. 128, § 1°), a chefia do MPU. É importante assinalar, porque juridicamente relevante, que o postulado da unidade institucional (que também se estende ao Ministério Público dos Estados membros) reveste-se de natureza constitucional (CF, art. 127, § 1°), a significar que o Ministério Público estadual não é representado – muito menos chefiado – pelo Sr. PGR, eis que é plena a autonomia do Parquet local em face do eminente chefe do MPU. Mostra-se fundamental insistir na asserção de que o Ministério Público dos Estados membros não está vinculado nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à chefia do MPU, o que lhe confere ampla possi-

31 É possível - e comum - a delegação destas funções a Subprocuradores Gerais da República, nos termos do art. 47, caput, da LC 75.

32 O mesmo artigo 47, em seu parágrafo segundo, permite a substituição de Subprocuradores, em caso de vaga ou afastamento por mais de trinta dias, por Procuradores Regionais da República desde que convocado pelo voto da maioria do Conselho Superior.

33 Os membros do MPU não podem atuar perante o STF, segundo já decidiu este Egrégio Tribunal: “O MPT não dispõe de legitimidade para atuar, em sede processual, perante o STF, eis que a representação institucional do MPU, nas causas instauradas na Suprema Corte, inclui-se na esfera de atribuições do PGR, que é, por definição constitucional (CF, art. 128, § 1º), o chefe do MPU, em cujo âmbito se acha estruturado o MPT.” (STF, Rcl 5.543-AgR, Rcl 4.931-AgR, Rcl 5.079-AgR e Rcl 5.304-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de 23-10-2009.)

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bilidade de postular, autonomamente, em sede de reclamação, perante o STF.”34 Isto foi decidido pelo plenário do STF na Questão de Ordem do RE 593.727.35

No mesmo sentido vem decidindo o STJ, agora no tocante à possibilidade de interposição de Recursos Extraordinários. O fundamento é a inexistência de hie-rarquia entre as instituições e que a unidade é aplicável apenas no âmbito de cada instituição. Segundo esse posicionamento, negar a possibilidade de interposição de recursos perante o STJ naqueles casos em que sejam autores das ações que trami-taram perante a Justiça Estadual significaria: (a) vedar ao MP Estadual o acesso ao STF e ao STJ; (b) criar espécie de subordinação hierárquica entre o MP Estadual e o MP Federal, onde ela é absolutamente inexistente; (c) cercear a autonomia do MP Estadual; e (d) violar o princípio federativo. Nestes casos, o MP do Estado atua como autor e o MPF como fiscal da lei.36

Estas decisões desconsideram o quanto disposto na LC 75, que estabelece que o MPF “exercerá suas funções (...) nas causas de competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça (...)”, conforme artigos 37, inc. I, corrobora-do pelos artigos 47, § 1º e 66 da LC 75. Não se trata, conforme bem lembra o comba-tivo Subprocurador-Geral da República Carlos Eduardo Vasconcelos, de “‘superio-ridade’ de um Ministério Público (MP) em relação a outro, até porque o Ministério Público Federal não pode atuar na Justiça Estadual, e sim de uma repartição de atri-buições e competências, indispensável numa república federativa que congrega vá-rias esferas autônomas de poder”.37 Ademais, a decisão do STJ afastou a incidência das normas da LC 75. Isto equivale a declarar a inconstitucionalidade da normativa e, portanto, deveria obedecer a cláusula de reserva de plenário estabelecida no art. 97 da Constituição Federal, nos termos da súmula vinculante nº 10 do STF. Porém, no caso, a decisão foi tomada por um órgão fracionário do STJ (1ª Seção) e não pela Corte Especial, como deveria sê-lo. Por fim, a decisão pode favorecer localismos em detrimento do federalismo brasileiro.38

De qualquer sorte, o que parece essencial nesse ponto é que haja uma me-lhor organização dos Subprocuradores-Gerais, de sorte que possam ser um ver-dadeiro canal de interlocução das demandas legítimas provenientes dos Ministé-rios Públicos dos Estados. Para tanto, essencial que sejam criados núcleos, visando coordenar as atividades entre os Ministérios Públicos Estaduais.

34 STF, Rcl 7.245, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 2-8-2010, DJE de 5-8-2010.35 No mesmo sentido: Rcl 7.101, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-2-2011, Plenário, DJE de

9-8-2011; Rcl 7.358, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-2-2011, Plenário, DJE de 3-6-201136 STJ, AgRg no AgRg no AREsp 194892/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julga-

do em 24/10/2012, DJe 26/10/2012.37 VASCONCELOS, Carlos Eduardo. Atuação do Ministério Público Estadual nos Tribunais Superiores. Dis-

ponível em http://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2012/11/21/riscos-de-estadualizar-ainda-mais-o--stj/. Acesso em 06 de maio de 2013.

38 Ibidem.

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