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O Governo de Angola con- sidera que a chegada dos primeiros vinte escravos angolanos ao território norte- americano, há 400 anos, contribuiu para a fundação da actual “cultura afro-ame- ricana”, noticia a Lusa. Segundo a ministra da Cul- tura, Maria da Piedade de Jesus, a chegada de angolanos no primeiro assentamento colonial inglês na América do Norte, em Agosto de 1619, também marcou o início da migração forçada de africanos para os actuais EUA. A mensagem da ministra da Cultura sobre o Dia Inter- nacional da Abolição do Trá- fico Negreiro, assinalado a 23 de Agosto, foi apresentada pelo secretário de Estado do sector, Aguinaldo Cristóvão, durante uma palestra sobre a chegada dos angolanos no Primeiro Assentamento Colonial norte-americano. Foi em Agosto de 1619 que os primeiros navios portu- gueses transportando afri- canos que haviam sido raptados e vendidos como escravos no território que viria a ser Angola chegaram à cidade de Jamestown, no estado da Virgínia, na época uma colónia britânica. Para o governante, a che- gada dos primeiros vinte angolanos ao território norte- americano “contribuiu na conformação da cultura afro- americana, a julgar pela forte presença dos angolanos durante o século XVII, idos, maioritariamente, para as áreas socioculturais Congo, Tumundongo e Ovimbumdo”. A palestra sobre a chegada dos angolanos no Primeiro Assentamento Colonial norte-americano e também em saudação ao Dia Inter- nacional da Abolição do Trá- fico Negreiro decorreu sexta-feira, no Museu Nacio- nal da Escravatura. O museu, fundado em 7 de Dezembro de 1977 e ele- vado a património histó- rico-cultural em 10 de Novembro de 1993, tem por EVENTO ASSINALA HOJE 400 ANOS missão “recolher, inventariar e classificar, preservar, investigar e divulgar o patri- mónio histórico-cultural relacionado com a escrava- tura a nível nacional”. O governante disse ainda que o Dia Internacional da Abolição do Tráfico Negreiro, adoptado pela UNESCO, através da Resolução 29C/40 de 23 de Agosto de 1998, foi um acontecimento que “marcou um ponto de vira- gem na história humana”, tendo “um grande impacto no estabelecimento dos direitos humanos”. Aguinaldo Cristóvão deu conta que a palestra “enqua- dra-se, perfeitamente, nas grandes políticas públicas viradas para o enriqueci- mento da história de Angola e a salvaguarda do patri- mónio cultural”. O governante considerou que as consequências do tráfico de escravos “são visí- veis em todo o território nacional, sobretudo nas localidades onde o fenó- meno foi intenso”, pelo que o resgate “desta parte tão importante da história de Angola reveste-se de par- ticular importância”. “Para a compreensão de certos problemas sociais contemporâneos, tal como para a afirmação da nossa identidade cultural e para que a sociedade possa tirar ilações do passado, pers- pectivando um futuro pro- missor”, realçou. Além das acções reali- zadas pelo Museu Nacional da Escravatura, defendeu o envolvimento de parceiros nacionais e internacionais, universidades, centros de investigação e museus espe- cializados no “aprofunda- mento da pesquisa” sobre a temática da escravatura. Reforço da amizade O director do Museu Nacio- nal da Escravatura de Angola considera que os 400 anos da chegada dos primeiros 20 escravos angolanos ao território norte-americano deve traduzir-se no “reforço dos laços de amizade e empatia” entre os dois povos. Vladmiro Fortuna, que falava à margem de uma palestra sobre a chegada de angolanos no Primeiro Assentamento Colonial Inglês na América do Norte, em Agosto de 1619, referiu que o reforço das relações com os Estados Unidos da América (EUA) também cabe no propósito da pro- moção desta parte da história do tráfico de escravos. Um objectivo que passa por “criar laços de empatia e amizade entre os dois povos e cada vez mais reforçar as relações a nível diplomático”, também à semelhança do tipo de relação existente com o Brasil, “que assenta numa base histórica e cul- tural”, afirmou. “Podemos também fazer desta histórica conexão Angola e Estados Unidos da América uma relação baseada na his- tória e na cultura”, adiantou Vladmiro Fortuna, no encon- tro que também assinalou o Dia Internacional da Abolição do Tráfico Negreiro. Segundo o director do Museu Nacional da Escra- vatura, a palestra para recor- dar a memória do tráfico negreiro e assinalar a che- gada dos primeiros escravos angolanos no assentamento norte-americano decorreu antes na província angolana do Zaire e, depois de Luanda, vai ser replicada nas pro- víncias de Benguela e Huíla. Chegada dos escravos angolanos aos EUA ajudou a fundar a cultura afro-americana A chegada dos primeiros vinte angolanos ao território norte- americano “contribuiu na conformação da cultura afro- americana, a julgar pela forte presença dos angolanos durante o século XVII, idos, maioritariamente, para as áreas socioculturais Congo, Tumundongo e Ovimbumdo” 10 DESTAQUE Domingo 25 de Agosto de 2019 As celebrações que ocorrem nos Estados Unidos em todo este mês de Agosto, em alusão aos 400 anos da chegada dos primeiros africanos na América, foram precedidas pela discussão de uma proposta de lei pelo Congresso (Par- lamento) dos Estados Unidos, em 2017, que acabou aprovada e transformada em lei no dia oito de Janeiro de 2018. Não se trata de iniciativas somente de sectores privados, mas com respaldo legal e contribuição dos organismos federais. Denominada de Lei da Comissão dos 400 Anos de História Afro-Americana, que serviu para providenciar fundos às actividades que marcariam o 400º aniversário da “chegada dos africanos às colónias inglesas em Point Comfort, Virgínia, em 1619 ”, a iniciativa está a dar corpo a uma série de celebrações em todo o país. O objectivo da Comissão é planear, desen- volver e executar programas e actividades nos Estados Unidos que visam: - Reconhecer e destacar a resiliência e as contribuições culturais de africanos e afro- americanos ao longo de 400 anos; - Reconhecer o impacto que a escravidão e as leis que impunham a discriminação racial tinham nos Estados Unidos; - Encorajar organizações cívicas, patrióticas, históricas, educacionais, artísticas, religiosas e económicas a organizar e participar em acti- vidades do aniversário; - Ajudar os estados, as localidades e as organizações sem fins lucrativos a promover a comemoração e coordenar pesquisas académicas públicas sobre a chegada dos africanos e as suas contribuições para os Estados Unidos. Lei da Comissão dos 400 Anos nos Estados Unidos “Ano do Retorno, Ghana 2019” Faustino Henrique Embora alguns sectores mais conservadores defendam que pouco ou nada haja para cele- brar, em virtude da forma cruel e desumana como ocorreu a transferência forçada de afri- canos para o Novo Mundo, outras sensibilidades são pelo olhar para aspectos positivos. O dia de hoje marca o ponto mais alto da comemoração dos 400 anos da chegada dos primeiros africanos, razão pela qual alguns Governos africanos empenharam-se em não deixar a data passar em branco, tal como decidiram as autoridades da República do Ghana, o primeiro país da África subsariana a conquistar a sua independência, em 1947, tendo como primeiro Presi- dente Nkwame Nkrumah. O Governo do Presidente Nana Akufo-Addo decidiu decretar 2019 como o "Ano do Retorno", em alusão às celebrações do 400º aniver- sário da chegada, escrita e documentada, do primeiro africano na América, especi- ficamente em Point Comfort, arredores de James Town, Vir- ginia, a capital da Colónia Inglesa da América. No acto de formalização, o Chefe de Estado ghanense disse, referindo-se aos seus compatriotas e aos africanos em geral, que "nós sabemos das extraordinárias conquistas e contribuições que eles (afri- canos na diáspora) deram para a vida dos americanos e é importante que neste ano sim- bólico - 400 anos depois - comemoremos a sua existência e os seus sacrifícios". Mas o que é o Ano de Retorno para as autoridades ghanenses, que chegaram a organizar a viagem de uma centena de afro-americanos para, em ter- ritório da antiga Costa do Ouro, designação que era conhecida o actual Ghana, celebrarem tudo o que de positivo envolve o legado da presença africana na América ? Segundo o Site da organi- zação, "O Ano do Retorno, Ghana 2019” é uma importante jornada espiritual e de reco- nhecimento da ancestralidade, convidando a família africana global, nacional e internacio- nal, a marcar os 400 anos da chegada dos primeiros afri- canos escravizados em James- town, Virgínia. A chegada de africanos escravizados marcou um período sórdido e triste, quando os nossos antepas- sados foram levados à força de África para os anos de pri- vação, humilhação e tortura. Enquanto Agosto de 2019 marca os 400 anos desde que os africanos escravizados che- garam aos Estados Unidos, “O Ano do Retorno, Ghana 2019” celebra a resiliência cumulativa de todas as vítimas do tráfico transatlântico de escravos que foram espalhados e deslocados pelo mundo na América do Norte, América do Sul, Caribe, Europa e Ásia". A Autoridade do Turismo do Ghana, sob os auspícios do Ministério do Turismo, das Artes e Cultura, lidera o pro- jecto, em coordenação e cola- boração com o Escritório de Assuntos da Diáspora no Gabinete do Presidente da Fundação PANAFEST e do Grupo Adinkra dos Estados Unidos. Um dos principais objectivos da campanha do "Ano do Retorno" é posicionar o Ghana como um dos prin- cipais destinos de viagem para os afro-americanos e a diáspora africana. Em 2019, os eventos pla- neados ao longo do ano ser- virão como plataforma de lançamento e impulsiona- mento consistente do turismo para Ghana nos próximos e distantes anos. Além do turismo, essa iniciativa apoia e serve de suporte a uma das principais agendas de desen- volvimento do Presidente do Ghana. As autoridades do Ghana têm como principal foco garan- tir que os afro-americanos e afro-americanas tenham aquele país africano como destino e que o convite ende- reçado a 100 afro-americanos para participarem das cele- brações no Ghana visa incen- tivá-los a voltar, a envolver-se e a ver a oportunidade que existe no país. Celebrações Este fim de semana, no quadro do 400º aniversário da chegada dos primeiros africanos, a começar com os súbditos do Reino do Ndongo, na América Colonial, foi marcado pela romaria ao Ghana, patrocinada pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (do inglês National Association for the Advancement of Colo- red People- NAACP), em que os mais de 100 afro-america- nos foram calorosa e apoteo- ticamente recebidos no Aeroporto Internacional de Kotoka, arredores da cidade de Accra. Ao som de música e dança tradicional ghanense, os toca- dores de batuque, dançarinos e residentes locais receberam a delegação da NAACP, uma das mais antigas e mais influentes instituições a favor dos direitos civis de uma mino- ria (principalmente de negros) nos Estados Unidos, para cele- brar os 400 anos da chegada dos primeiros africanos. Segundo o Site da organi- zação, a sensação de regresso à terra dos antepassados "era palpável quando o grupo de quase 300 afro-americanos pousou em Accra para uma semana cheia de eventos. O grupo foi recebido pelo Pre- sidente, antes de partir para o Centro de Visitantes de Accra, para encontrar-se com repre- sentantes da Autoridade de Turismo daquele país. Para o presidente da NAACP, Derrick Johnson, referindo- se ao actual momento histórico que envolve a experiência em África, "agora somos capazes de materializar a cura e a uni- dade colectiva por que tantas gerações têm trabalhado.

EVENTO ASSINALA HOJE 400 ANOS Chegada dos ...imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/456726555_destaque.pdfUnidos. Um dos principais objectivos da campanha do "Ano do Retorno" é posicionar

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Page 1: EVENTO ASSINALA HOJE 400 ANOS Chegada dos ...imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/456726555_destaque.pdfUnidos. Um dos principais objectivos da campanha do "Ano do Retorno" é posicionar

O Governo de Angola con-sidera que a chegada dosprimeiros vinte escravosangolanos ao território norte-americano, há 400 anos,contribuiu para a fundaçãoda actual “cultura afro-ame-ricana”, noticia a Lusa.

Segundo a ministra da Cul-tura, Maria da Piedade deJesus, a chegada de angolanosno primeiro assentamentocolonial inglês na Américado Norte, em Agosto de 1619,também marcou o início damigração forçada de africanospara os actuais EUA.

A mensagem da ministrada Cultura sobre o Dia Inter-nacional da Abolição do Trá-fico Negreiro, assinalado a23 de Agosto, foi apresentadapelo secretário de Estado dosector, Aguinaldo Cristóvão,durante uma palestra sobrea chegada dos angolanos noPrimeiro AssentamentoColonial norte-americano.

Foi em Agosto de 1619 queos primeiros navios portu-gueses transportando afri-canos que haviam sidoraptados e vendidos comoescravos no território queviria a ser Angola chegaramà cidade de Jamestown, noestado da Virgínia, na épocauma colónia britânica.

Para o governante, a che-gada dos primeiros vinteangolanos ao território norte-americano “contribuiu naconformação da cultura afro-americana, a julgar pela fortepresença dos angolanosdurante o século XVII, idos,maioritariamente, para asáreas socioculturais Congo,Tumundongo e Ovimbumdo”.

A palestra sobre a chegadados angolanos no PrimeiroAssentamento Colonialnorte-americano e tambémem saudação ao Dia Inter-nacional da Abolição do Trá-fico Negreiro decorreusexta-feira, no Museu Nacio-nal da Escravatura.

O museu, fundado em 7de Dezembro de 1977 e ele-vado a património histó-rico-cultural em 10 deNovembro de 1993, tem por

EVENTO ASSINALA HOJE 400 ANOS

missão “recolher, inventariare classificar, preservar,investigar e divulgar o patri-mónio histórico-culturalrelacionado com a escrava-tura a nível nacional”.

O governante disse aindaque o Dia Internacional daAbolição do Tráfico Negreiro,adoptado pela UNESCO,através da Resolução 29C/40de 23 de Agosto de 1998, foium acontecimento que“marcou um ponto de vira-gem na história humana”,tendo “um grande impactono estabelecimento dosdireitos humanos”.

Aguinaldo Cristóvão deuconta que a palestra “enqua-dra-se, perfeitamente, nasgrandes políticas públicasviradas para o enriqueci-mento da história de Angolae a salvaguarda do patri-mónio cultural”.

O governante considerouque as consequências dotráfico de escravos “são visí-veis em todo o territórionacional, sobretudo naslocalidades onde o fenó-meno foi intenso”, pelo queo resgate “desta parte tãoimportante da história deAngola reveste-se de par-ticular importância”.

“Para a compreensão decertos problemas sociaiscontemporâneos, tal comopara a afirmação da nossaidentidade cultural e paraque a sociedade possa tirarilações do passado, pers-pectivando um futuro pro-missor”, realçou.

Além das acções reali-zadas pelo Museu Nacionalda Escravatura, defendeu oenvolvimento de parceirosnacionais e internacionais,universidades, centros deinvestigação e museus espe-cializados no “aprofunda-mento da pesquisa” sobrea temática da escravatura.

Reforço da amizade O director do Museu Nacio-nal da Escravatura de Angolaconsidera que os 400 anosda chegada dos primeiros20 escravos angolanos aoterritório norte-americanodeve traduzir-se no “reforçodos laços de amizade eempatia” entre os dois povos.

Vladmiro Fortuna, quefalava à margem de umapalestra sobre a chegada deangolanos no PrimeiroAssentamento ColonialInglês na América do Norte,em Agosto de 1619, referiu

que o reforço das relaçõescom os Estados Unidos daAmérica (EUA) tambémcabe no propósito da pro-moção desta parte da históriado tráfico de escravos.

Um objectivo que passapor “criar laços de empatiae amizade entre os dois povose cada vez mais reforçar asrelações a nível diplomático”,também à semelhança dotipo de relação existentecom o Brasil, “que assentanuma base histórica e cul-tural”, afirmou.

“Podemos também fazerdesta histórica conexão Angolae Estados Unidos da Américauma relação baseada na his-tória e na cultura”, adiantouVladmiro Fortuna, no encon-tro que também assinalou oDia Internacional da Aboliçãodo Tráfico Negreiro.

Segundo o director doMuseu Nacional da Escra-vatura, a palestra para recor-dar a memória do tráficonegreiro e assinalar a che-gada dos primeiros escravosangolanos no assentamentonorte-americano decorreuantes na província angolanado Zaire e, depois de Luanda,vai ser replicada nas pro-víncias de Benguela e Huíla.

Chegada dos escravos angolanos aos EUAajudou a fundar a cultura afro-americanaA chegada dosprimeiros vinteangolanos aoterritório norte-americano“contribuiu naconformação dacultura afro-americana, a julgarpela forte presençados angolanosdurante o séculoXVII, idos,maioritariamente,para as áreassocioculturaisCongo,Tumundongo eOvimbumdo”

10 DESTAQUE Domingo25 de Agosto de 2019

As celebrações que ocorrem nos EstadosUnidos em todo este mês de Agosto, em alusãoaos 400 anos da chegada dos primeiros africanosna América, foram precedidas pela discussãode uma proposta de lei pelo Congresso (Par-lamento) dos Estados Unidos, em 2017, queacabou aprovada e transformada em lei nodia oito de Janeiro de 2018. Não se trata deiniciativas somente de sectores privados,mas com respaldo legal e contribuição dosorganismos federais.

Denominada de Lei da Comissão dos 400Anos de História Afro-Americana, que serviupara providenciar fundos às actividades quemarcariam o 400º aniversário da “chegadados africanos às colónias inglesas em PointComfort, Virgínia, em 1619 ”, a iniciativa estáa dar corpo a uma série de celebrações emtodo o país.

O objectivo da Comissão é planear, desen-volver e executar programas e actividadesnos Estados Unidos que visam:

- Reconhecer e destacar a resiliência e ascontribuições culturais de africanos e afro-americanos ao longo de 400 anos;

- Reconhecer o impacto que a escravidãoe as leis que impunham a discriminação racialtinham nos Estados Unidos;

- Encorajar organizações cívicas, patrióticas,históricas, educacionais, artísticas, religiosase económicas a organizar e participar em acti-vidades do aniversário;

- Ajudar os estados, as localidades e asorganizações sem fins lucrativos a promovera comemoração e coordenar pesquisasacadémicas públicas sobre a chegada dosafricanos e as suas contribuições para osEstados Unidos.

Lei da Comissão dos 400 Anos nos Estados Unidos

“Ano do Retorno,Ghana 2019”

Faustino Henrique

Embora alguns sectores maisconservadores defendam quepouco ou nada haja para cele-brar, em virtude da forma cruele desumana como ocorreu atransferência forçada de afri-canos para o Novo Mundo,outras sensibilidades são peloolhar para aspectos positivos.

O dia de hoje marca o pontomais alto da comemoraçãodos 400 anos da chegada dosprimeiros africanos, razãopela qual alguns Governosafricanos empenharam-se emnão deixar a data passar embranco, tal como decidiramas autoridades da Repúblicado Ghana, o primeiro país daÁfrica subsariana a conquistara sua independência, em 1947,tendo como primeiro Presi-dente Nkwame Nkrumah.

O Governo do PresidenteNana Akufo-Addo decidiudecretar 2019 como o "Anodo Retorno", em alusão àscelebrações do 400º aniver-sário da chegada, escrita edocumentada, do primeiroafricano na América, especi-ficamente em Point Comfort,arredores de James Town, Vir-ginia, a capital da ColóniaInglesa da América.

No acto de formalização,o Chefe de Estado ghanensedisse, referindo-se aos seuscompatriotas e aos africanosem geral, que "nós sabemosdas extraordinárias conquistase contribuições que eles (afri-canos na diáspora) deram paraa vida dos americanos e éimportante que neste ano sim-bólico - 400 anos depois -comemoremos a sua existênciae os seus sacrifícios".

Mas o que é o Ano de Retornopara as autoridades ghanenses,que chegaram a organizar aviagem de uma centena deafro-americanos para, em ter-ritório da antiga Costa do Ouro,designação que era conhecidao actual Ghana, celebraremtudo o que de positivo envolveo legado da presença africanana América ?

Segundo o Site da organi-zação, "O Ano do Retorno,Ghana 2019” é uma importantejornada espiritual e de reco-nhecimento da ancestralidade,convidando a família africanaglobal, nacional e internacio-nal, a marcar os 400 anos dachegada dos primeiros afri-canos escravizados em James-town, Virgínia. A chegada deafricanos escravizados marcouum período sórdido e triste,quando os nossos antepas-sados foram levados à forçade África para os anos de pri-vação, humilhação e tortura.

Enquanto Agosto de 2019marca os 400 anos desde queos africanos escravizados che-garam aos Estados Unidos,“O Ano do Retorno, Ghana2019” celebra a resiliênciacumulativa de todas as vítimasdo tráfico transatlântico deescravos que foram espalhadose deslocados pelo mundo naAmérica do Norte, Américado Sul, Caribe, Europa e Ásia".

A Autoridade do Turismodo Ghana, sob os auspícios

do Ministério do Turismo, dasArtes e Cultura, lidera o pro-jecto, em coordenação e cola-boração com o Escritório deAssuntos da Diáspora noGabinete do Presidente daFundação PANAFEST e doGrupo Adinkra dos EstadosUnidos. Um dos principaisobjectivos da campanha do"Ano do Retorno" é posicionaro Ghana como um dos prin-cipais destinos de viagempara os afro-americanos e adiáspora africana.

Em 2019, os eventos pla-neados ao longo do ano ser-virão como plataforma delançamento e impulsiona-mento consistente do turismopara Ghana nos próximos edistantes anos. A lém doturismo, essa iniciativa apoiae serve de suporte a uma dasprincipais agendas de desen-volvimento do Presidentedo Ghana.

As autoridades do Ghanatêm como principal foco garan-tir que os afro-americanos eafro-americanas tenhamaquele país africano comodestino e que o convite ende-reçado a 100 afro-americanospara participarem das cele-brações no Ghana visa incen-tivá-los a voltar, a envolver-see a ver a oportunidade queexiste no país.

Celebrações Este fim de semana, no quadrodo 400º aniversário da chegadados primeiros africanos, acomeçar com os súbditos doReino do Ndongo, na AméricaColonial, foi marcado pelaromaria ao Ghana, patrocinadapela Associação Nacional parao Progresso de Pessoas de Cor(do inglês National Associationfor the Advancement of Colo-red People- NAACP), em queos mais de 100 afro-america-nos foram calorosa e apoteo-t icamente recebidos noAeroporto Internacional deKotoka, arredores da cidadede Accra.

Ao som de música e dançatradicional ghanense, os toca-dores de batuque, dançarinose residentes locais receberama delegação da NAACP, umadas mais ant igas e maisinfluentes instituições a favordos direitos civis de uma mino-ria (principalmente de negros)nos Estados Unidos, para cele-brar os 400 anos da chegadados primeiros africanos.

Segundo o Site da organi-zação, a sensação de regressoà terra dos antepassados "erapalpável quando o grupo dequase 300 afro-americanospousou em Accra para umasemana cheia de eventos. Ogrupo foi recebido pelo Pre-sidente, antes de partir parao Centro de Visitantes de Accra,para encontrar-se com repre-sentantes da Autoridade deTurismo daquele país.

Para o presidente da NAACP,Derrick Johnson, referindo-se ao actual momento históricoque envolve a experiência emÁfrica, "agora somos capazesde materializar a cura e a uni-dade colectiva por que tantasgerações têm trabalhado.

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HISTORIADORA ROSA CRUZ E SILVA Faustino Henrique

O que representa para Angolao facto dos primeiros africanosque chegaram ao actual ter-ritório dos Estados Unidos,em Agosto de 1619, terem par-tido da bacia do Kwanza?Representa que um dadoimportante da nossa Históriaestá a ser exaltado, o que,de alguma forma, toca onosso ego de cidadãos domundo. Revela tambémque um traço da Históriade Angola que nos foi ocul-tado durante muito tempo,apesar de alguma historio-grafia sobre este tema serconhecida, sobretudo nosmeios académicos , ta linformação, entre nós, éainda bastante deficitária.Neste sentido, devemo-nossentir implicados num pro-cesso que, embora distanteno tempo, reflecte os hor-rores da construção de umnovo paradigma sociocul-tural, que não apagou emdefinitivo os registos matri-ciais da sua identidade. Poressa razão, esta celebraçãopara Angola deve servir dealerta para que nos inte-ressemos por essa primeiracomunidade africana nopercurso efectuado até che-gar ao outro mundo.

Temos ou não aproveitado,até em termos académicos,a História dos “ 400 anos apresença de angolanos” nosEstados Unidos?Penso que não se tem tiradode facto partido do que deve-riam representar as relaçõesinstitucionais, nomeada-mente as académicas, paraa abordagem destes temas.Por nosso desconhecimento,falta de visão e sobretudo defalta de interesse no estudodesta temática.

Acha que há reduzido inter-câmbio? Quase não existe intercâm-bio. Reconheço que, nadécada de 90 do século XX,na sequência do ProjectoLançado pela UNESCO,denominado a “Rota dosEscravos”, iniciaram-sealguns trabalhos no capítuloda investigação, mas que,infelizmente, não tiveramcontinuidade. Por exemplo,Angola acolheu reuniõesimportantes do ComitéCientífico do referido pro-jecto, sendo que foramdeclaradas muitas intençõesnesse domínio para o incre-mento da investigação, comuma proposta concreta dacriação de redes de inves-tigadores. Ainda assim, anossa Universidade tevepouca ou quase nenhumaparticipação no desenvol-vimento de pesquisas nes-tes domínios.

E porquê ? As possibilidades que senos oferecem para a pro-dução de trabalhos de inves-tigação, nomeadamente nasinstituições de arquivo, taiscomo o Arquivo Nacionalde Angola, o Arquivo doBispado em Luanda e aBiblioteca Provincial deLuanda, não têm a devidacorrespondência com ap ro du ç ão q u e s e vemfazendo. Estas instituiçõesde arquivo guardam há

s é c u l o s d o c umen t o simportantes dos SéculosXVII a XIX, que reportama temática do tráfico deescravos. Do que é do meuconhecimento, à excepçãode algumas iniciativas nadécada de 90, das quaisdestaco as publicações detextos na Revista Fontes& Estudos, do ArquivoNacional , ou a inda doMuseu Nacional da Escra-vatura, e já mais recente-mente as publicações daFaculdade de CiênciasSociais da UniversidadeAgostinho Neto, com aRevista Mulemba, poucomais podemos assinalar.Enquanto responsável doArquivo Nacional, promo-vemos eventos para, jus-t amen t e , a p e l a r a o sin vestigadores angolanosa necessidade de investi-gação neste e mais domí-nios da História de Angola.Verificámos que a maiorparte desses estudos têmsido desenvolvidos maispor investigadores oriun-dos de instituições aca-démicas estrangeiras. Háum déficit grande da nossaparticipação, o que justi-fica a falta de intercâmbiocom as instituições con-géneres da América e nãosó, de outras realidadesda Europa que estiveramimplicadas no tráfico deescravos. Acreditamos namudança deste estado umpouco letárgico das nossasinstituições académicasneste domínio. A nossaparticipação nas celebra-ções dos 400 anos da “pre-sença africana” deste ano,através do Museu Nacionalda Escravatura, é já umsinal animador.

Na sua opinião, é válido dizerque sem a escravatura, por-tanto, sem o contributo dosafricanos, os Estados Unidosnão seriam o que se torna-ram hoje?Penso que a contribuiçãoafricana no processo dedesenvolvimento dos Esta-dos Unidos foi muito impor-tante para que se atingissemos patamares que conhe-cemos nos variados domí-nios. Contudo, consideroexcessiva uma afirmaçãodeste género, que atribuiaos africanos a quota maiselevada para o crescendoda espiral do desenvolvi-mento americano. Todossabemos que os EstadosUnidos são uma realidadedemográfica na qual seincluem várias componen-tes de uma população hete-rogénea, com proveniênciasdistintas, todas elas estãoimplicadas neste resultado.O que me parece impor-tante a ss ina lar é que ,durante muito tempo, a his-toriografia que recuperouesse traço importante danossa História não teveainda a visibilidade neces-sária e, entre nós, sequerhá uma divulgação ade-quada dessas matérias.

É excess ivo , mesmo seassistindo à proeminênciada comunidade afro-ame-ricana ao nível da culturae do desporto?Aproeminência da comu-nidade afro-americana aonível da cultura e do des-porto é reconhecida, é visí-vel. Porém, existem outrosdomínios da vida social eeconómica dos americanosem que os afro-americanostêm uma contribuição sig-

nificativa e essa já não é tãovisível, porque os própriosmídia e não só não os apre-sentam. Diremos então quehá efectivamente uma con-tribuição significativa dacomunidade afro-ameri-cana no desenvolvimentodaquele país. Porém, éexcessivo ou, melhor, nãoé correcto afirmar que semela não se atingiriam osníveis conhecidos. Parece-me que o sucesso dos Esta-dos Unidos está justamentenessa diversidade de iden-tidades que se conjugammelhor para a fixação deum paradigma que nos des-perta a todos muita atenção.Se também apostarmos noestudo e respectiva divul-gação dos resultados sobreo papel da comunidade afro-americana no desenvolvi-mento dos Estados Unidos,ampliar-se-á o conheci-mento mais realista dessacontribuição e ficamos todosa ganhar.

Alguns sectores nos EstadosUnidos estão contra as ini-ciativas que visem celebraros 400 anos da presença afri-cana na América. Como sepode explicar isso?São seguramente os sec-tores mais conservadoresdaquela sociedade, que nãocomemoram este facto tãoimportante da Históriadaquele país, uma vez queestes se colocam do outrolado da barricada, não dãoqualquer importância aesta comunidade, que, paraeles, nunca foi bem-vindaao país, não obstante a suaparticipação no processode desenvolvimento dosEstados Unidos. Não se jus-tifica, portanto, essa posi-

ção, já que a celebraçãoimplica a reflexão sobreos benefícios e malefíciosque tais factos provoca-ram e dai sairão segura-mente lições para o porvirdo país.

Como historiadora, algumavez lhe ocorreu investigarmais essa realidade, que tornao nosso país como o primeiroa contribuir para o povoamentode africanos no Novo Mundo?Evidentemente que ocor-reu. Como disse no iníciodesta entrevista, tivemosa oportunidade de apelarpara os demais investi-gadores para que hou-vesse maior interesse naabordagem sobre es taimportante temática e,de algum modo, tambémcontribui com o registode alguns trabalhos publi-cados em actas de eventosinternacionais e nacionais.Sobre a temática concretado povoamento africanono Novo Mundo, por viado tráfico de escravos,não fiz particularmenteuma abordagem por essamatéria, mas de outrasque lhe são transversais,como o texto que ana-l i sa , po r exemplo , o sconflitos nas terras dointerior de Angola até aoembarque dessas comu-n i d a d e s p a r a o n ovomundo, entre outros.

É excessivo atribuir aos africanos a quota mais elevada para o desenvolvimento dos EUAA “presença angolana” nos primórdios da fundaçãodos Estados Unidos da América foi um traço daHistória de Angola que nos foi ocultado durante muitotempo, disse a ex-ministra da Cultura e antigadirectora do Arquivo Nacional de Angola. Ementrevista, a propósito da celebração do 400 ºaniversário da chegada dos primeiros africanos àcolónia de Jamestown, na Virgínia, Estados Unidos daAmérica, Rosa Cruz e Silva considera, contudo,excessivo atribuir "aos africanos a quota mais elevadapara o crescendo da espiral do desenvolvimentoamericano". Mas não tem dúvidas de que acontribuição de África no processo dedesenvolvimento dos Estados Unidos foi muitoimportante para que se atingissem os patamares queconhecemos nos variados domínios

Domingo25 de Agosto de 2019 11DESTAQUE

P E R F I L

Rosa Cruz e Silva édoutoranda em História

de África, pelaUniversidade Clássica deLisboa, onde também selicenciou. Foi ministrada Cultura da Repúblicade Angola, directora doArquivo Nacional de

Angola e é, actualmente,docente universitária emregime de colaboraçãona Faculdade deCiências Sociais da

Universidade AgostinhoNeto, na qual leccionatrês cadeiras de Históriade Angola: História doPovoamento à queda doReino do Ndongo;

História Económica eSocial e HistóriaContemporânea deAngola. É autora depesquisas em cursosobre "A imprensaescrita de Angola doSéculo XIX", "OMovimento de

Libertação Nacional emAngola" e a "As

hegemonias africanasatravés da

documentação escritaendógena" (Proposta detese de Doutoramento).

A historiadora Rosa Cruz e Silva é a autora da abordagemsobre o “Manifesto do MPLA”, publicado nas páginas4 e 5 da edição de ontem, que, inadvertidamente,saiu sem a assinatura. Pela omissão, o Jornal deAngola apresenta as devidas desculpas.

NOTA