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João Dias Na comuna do Curoca, tudo está em falta. Sem escolas, hospitais, água, energia e infra-estruturas, um ambiente “hostil, infecundo e seco” compõe o retrato de uma localidade quase parada no tempo. O Curoca vive um dia de cada vez e sustém-se pela esperança, mesmo quando a seca aperta. À rotina da seca ninguém se habitua. “Pode até faltar tudo, mas faltar água é o pior que nos está a acontecer há quase oito anos. Posso não ter nada, mas não ter água é mesmo mau e você só sente isso quando a seca entra na sua rotina”, afirmou Fer- nanda Tchiambo, ao Jornal de Angola. O Curoca dista quase 80 quilómetros do município sede. Fernanda Tchiambo, 34 anos, enquanto caminhava no local onde o Presidente da República recebia explicações do administrador do Tômbwa, Alexandre Nhuca, conversou com a nossa equipa sobre os seus anseios e medos. Para ela, o futuro sem água é som- brio, pois a seca sempre sim- boliza fome e miséria. Mas viu as suas esperanças insu- fladas com a visita do Chefe de Estado à sua terra. “Desde que nasci, nunca vi uma coisa destas. Ver um Presidente vir cá visitar nos serve de consolo, apesar de tudo. Esta visita dá-me espe- rança e fé”, disse. João Lou- renço visitou o Namibe na passada sexta-feira. A jovem lembra que a situação agravou-se, quando o único sistema que abastecia a localidade-se avariou há sete anos. Sem o abasteci- mento regular de água potá- vel, as doenças diarreicas “atacaram com força”. No Curoca, a água que se con- segue só dá para tomar banho, lavar roupa e, às vezes, cozinhar. Água para beber depende do precário sistema de abas- tecimento instalado no local, que ora fornece água, ora não. A racionalização da “água limpa” que conseguem é “insana”. Beber água potá- vel e numa temperatura nor- mal é um pequeno luxo, um privilégio que a todos escapa. Ainda assim, a vida segue, embora na “corda da sobre- vivência”. Conta-se que aos miúdos pede-se que não se ponham a brincar às corridas, para não elevarem o nível de sede e gastarem a pouca água conseguida. Coincidente- mente, enquanto o Presidente da República visitava a pequena comuna do Curoca, o sistema “soltava” algumas gotas de água, para alívio de quem passou semanas intei- ras sem o mínimo. Ficam divididos. Não sabem se acompanham a ilustre visita ou se aproveitam a linha de água que jorra de uma pequena elevação de betão. “Hoje está a passar água. É esta que está a sair aí que usamos para beber”, afirmou Fernanda Tchiambo, apon- tando para o pequeno sis- tema de betão do qual sobressaem dois tubos improvisados de torneira. No Curoca, um sítio seco por entre falésias e pequenas montanhas despidas de qual- quer vegetação, não há esco- las, hospitais, centrais de tratamento de água, tam- pouco espaços de lazer. Mas o pior é não ter água. “Água é vida e a nós falta. Estamos habituados a ir para cama esbranquiçados, com sede e sujeitos a problemas diarreicos. É Deus que nos tem segurado. Só pode”, afirmou. Mesmo com os lábios secos de sede, os calos res- sequidos e a mão cheia de cieiro, Bernardo Ivumbi, um camponês que há muito apo- sentou a enxada, guarda a acesa esperança de dias melhores. “Sempre espera- mos ter água. Já estamos assim há muitos anos. Esta seca é mais velha do que meu filho cassule, tem quase oito anos”, contou. A cantoria dos meninos Feita a visita de constatação de quase uma hora e dadas explicações ao Presidente João Lourenço, a concen- tração de populares do Curoca foi-se desfazendo aos poucos. Os jornalistas, como é óbvio, prepararam- se para calcorrear mais 78 quilómetros de regresso ao município sede do Namibe. Não muito distante do local da visita, uma dezena de crianças debaixo do sol abrasador, às vezes suavizado pela brisa fresca que vem do Norte, cantava aos pulos e com palmas: “João Lourenço vinha, vimos João Lourenço, vimos o Presidente”, num gesto de agradecimento e admi- ração. Afinal a localidade fica distante, isolada e é inóspita, apesar de albergar mais de três mil famílias. Ter a importante visita de um Presidente é sempre um marco a não esquecer. 4 DESTAQUE Quinta-feira 9 de Maio de 2019 SECA MALTRATA NA COMUNA HÁ QUASE OITO ANOS “Falta tudo no Curoca, mas o pior é viver sem água” “Na minha vida, nunca vi uma pessoa de alto nível, vir aqui mesmo, com as nossas poeiras e sofrimento. Nunca pensei” Apesar da aridez do solo, da falta de vegetação, é possível divisar raras tre- padeiras que se tornaram grandes sombreiros, o refúgio que dá alternativa ao sol que queima, impiedoso. A mim, queimou e não tive como fugir. Pus a mão em pala, mas não bastou. A dor de cabeça não tardou, veio mesmo. É sol que queima sem que tire sequer uma gota de suor. Desidrata e causa cieiro. É o Curoca e o drama de uma seca que põe em causa a sobrevivência das pessoas. Mas é o Curoca, que, apesar de tudo, se revela resiliente e cheio de esperança de que a água deixará de ser pro- blema um dia, só não se sabe quando. Na sua extensão, quase toda ela monocromática, emerge o “oásis verde sem água”. Ali “jaz” o Lago do Car- valhão, que em tempos foi o “ex libris” da sobrevivência do povo Curoca. Era no Car- valhão, uma espécie do Gan- ges, o rio indiano, onde era possível obter o mínimo de sobrevivência. Tal como este, o Carvalhão, embora um Lago, dava quase tudo, desde banhos por imersão, bebe- douros do gado, agricultura até e água para consumo doméstico.... e hoje tudo a seca levou. Resta apenas uma vegetação esparsa no extenso espaço monocro- mático, composto de areias finas e outra concentrada no “Carvalhão sem água”. Carvalhão “João Lourenço vinha, vimos João Lourenço, vimos o Presidente”, num gesto de agradecimento e admiração, afinal a localidade fica distante, isolada e é inóspita, apesar de albergar mais de três mil famílias. Ter a egrégia visita de um Presidente é sempre um marco para não esquecer RAFAEL TATI | EDIÇÕES NOVEMBRO No Curoca, comuna do Tômbwa, província do Namibe, a água para beber depende do precário sistema de abastecimento instalado no local, que ora funcionava, ora não. A racionalização da “água limpa” que conseguem é “insana”. Beber água potável a temperatura normal é pequeno luxo, privilégio que a todos escapa. Conta-se que aos miúdos pede-se que não se ponham a brincar às corridas, para não elevarem o nível de sede e gastarem a pouca água conseguida O soba grande da comuna do Curoca, Alberto Pedro Ramos, realçou a visita do Presidente da República à comuna, mas defende ser hora de avançar para soluções definitivas. Para a autoridade tradicional, dei- xou de fazer sentido não haver água numa zona "cortejada" por vários rios. A 200 quilómetros da pequena comuna do município do Tômbwa, está o Rio Cunene, com toda a sua pujança, mas dele pouco se aproveita, senão pesca precária e alguma agri- cultura familiar. O soba Alberto Pedro Ramos sabe que hoje, com o advento das tecnologias, algumas justificações não deviam merecer acolhimento. Se existem países que têm acesso ao gás e petróleo de outros, por via dos pipelines (canalização), então, por maio- ria de razão, devia resolver-se o problema daqui e de outros lugares de forma definitiva. Tal como o soba grande, Alexandre Nhuca, administra- dor do Tômbwa, entende que este problema pode ser resol- vido de forma definitiva, apro- veitando o Rio Cunene, já que “o município do Tômbwa é o único da província do Namibe que tem um rio permanente, o Cunene”. “Deste rio nada aprovei- tamos, infelizmente. É o momento de começarmos a pensar muito seriamente em encontrar uma solução defi- nitiva, a partir dele”. Alexandre Nhuca lembrou que a seca afecta também o povo muhimba, que enfrenta os mais graves problemas. Os registos de morte de gado têm sido, por enquanto, insig- nificantes no Curoca, por causa da trasumância. Até agora, há registo da morte de quatro animais. “Há muito gado do Tômbwa que está na Bibala, à procura de pasto”, disse. “A solução deve ser definitiva” SOBA GRANDE RAFAEL TATI | EDIÇÕES NOVEMBRO Administrador do Tômbwa

SECA MALTRATA NA COMUNA HÁ QUASE OITO ANOS “Falta …imgs.sapo.pt/jornaldeangola/img/736157834_binder1.pdf · mas o pior é viver sem água” “Na minha vida, nunca vi uma pessoa

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João Dias

Na comunado Curoca, tudoestá em falta. Sem escolas,hospitais, água, energia ei n f ra - e s t r u tu ra s , umambiente “hostil, infecundoe seco” compõe o retrato deuma localidade quase paradano tempo. O Curoca vive umdia de cada vez e sustém-sepela esperança, mesmoquando a seca aperta.

À rotina da seca ninguémse habitua. “Pode até faltartudo, mas faltar água é o piorque nos está a acontecer háquase oito anos. Posso nãoter nada, mas não ter águaé mesmo mau e você só senteisso quando a seca entra nasua rotina”, afirmou Fer-nanda Tchiambo, ao Jornalde Angola. O Curoca distaquase 80 quilómetros domunicípio sede.

Fernanda Tchiambo, 34anos, enquanto caminhavano local onde o Presidente daRepública recebia explicaçõesdo administrador do Tômbwa,Alexandre Nhuca, conversoucom a nossa equipa sobre osseus anseios e medos. Paraela, o futuro sem água é som-brio, pois a seca sempre sim-boliza fome e miséria. Masviu as suas esperanças insu-fladas com a visita do Chefede Estado à sua terra.

“Desde que nasci, nuncavi uma coisa destas. Ver umPresidente vir cá visitar nosserve de consolo, apesar detudo. Esta visita dá-me espe-rança e fé”, disse. João Lou-renço visitou o Namibe napassada sexta-feira.

A jovem lembra que asituação agravou-se, quandoo único sistema que abasteciaa localidade-se avariou hásete anos. Sem o abasteci-mento regular de água potá-

vel, as doenças diarreicas“atacaram com força”. NoCuroca, a água que se con-segue só dá para tomarbanho, lavar roupa e, àsvezes, cozinhar.

Água para beber dependedo precário sistema de abas-tecimento instalado no local,que ora fornece água, oranão. A racionalização da“água limpa” que conseguemé “insana”. Beber água potá-vel e numa temperatura nor-mal é um pequeno luxo, umprivilégio que a todos escapa.Ainda assim, a vida segue,embora na “corda da sobre-vivência”. Conta-se que aosmiúdos pede-se que não seponham a brincar às corridas,para não elevarem o nível desede e gastarem a pouca águaconseguida. Coincidente-

mente, enquanto o Presidenteda República visitava apequena comuna do Curoca,o sistema “soltava” algumasgotas de água, para alívio dequem passou semanas intei-

ras sem o mínimo. Ficamdivididos. Não sabem seacompanham a ilustre visitaou se aproveitam a linha deágua que j o r ra de umapequena elevação de betão.

“Hoje está a passar água.É esta que está a sair aí queusamos para beber”, afirmouFernanda Tchiambo, apon-tando para o pequeno sis-tema de be tão do qua lsobressaem dois tubosimprovisados de torneira.

No Curoca, um sítio secopor entre falésias e pequenasmontanhas despidas de qual-quer vegetação, não há esco-las, hospitais, centrais detratamento de água, tam-pouco espaços de lazer. Maso pior é não ter água.

“Água é vida e a nós falta.Estamos habituados a ir para

cama esbranquiçados, comsede e sujeitos a problemasdiarreicos. É Deus que nos temsegurado. Só pode”, afirmou.

Mesmo com os lábiossecos de sede, os calos res-sequidos e a mão cheia decieiro, Bernardo Ivumbi, umcamponês que há muito apo-sentou a enxada, guarda aacesa esperança de diasmelhores. “Sempre espera-mos ter água. Já estamosassim há muitos anos. Estaseca é mais velha do quemeu filho cassule, tem quaseoito anos”, contou.

A cantoria dos meninosFeita a visita de constataçãode quase uma hora e dadasexplicações ao PresidenteJoão Lourenço, a concen-tração de populares do

Curoca foi-se desfazendoaos poucos. Os jornalistas,como é óbvio, prepararam-se para calcorrear mais 78quilómetros de regresso aomunicípio sede do Namibe.

Não muito distante dolocal da visita, uma dezenade crianças debaixo do solabrasador, às vezes suavizadopela brisa fresca que vem doNorte, cantava aos pulos ecom palmas:

“João Lourenço vinha,vimos João Lourenço, vimoso Presidente”, num gestode agradecimento e admi-ração. Afinal a localidadefica distante, isolada e éinóspita, apesar de albergarmais de três mil famílias.Ter a importante visita deum Presidente é sempre ummarco a não esquecer.

4 DESTAQUE Quinta-feira9 de Maio de 2019

SECA MALTRATA NA COMUNA HÁ QUASE OITO ANOS

“Falta tudo no Curoca, mas o pior é viver sem água”

“Na minha vida, nunca viuma pessoa de alto nível, viraqui mesmo, com as nossaspoeiras e sofrimento. Nuncapensei” Apesar da aridez dosolo, da falta de vegetação,é possível divisar raras tre-padeiras que se tornaramgrandes sombreiros, o refúgioque dá alternativa ao sol quequeima, impiedoso. A mim,queimou e não tive comofugir. Pus a mão em pala, masnão bastou. A dor de cabeçanão tardou, veio mesmo. Ésol que queima sem que tiresequer uma gota de suor.Desidrata e causa cieiro.

É o Curoca e o drama deuma seca que põe em causaa sobrevivência das pessoas.Mas é o Curoca, que, apesarde tudo, se revela resilientee cheio de esperança de quea água deixará de ser pro-

blema um dia, só não sesabe quando.

Na sua extensão, quasetoda ela monocromática,emerge o “oásis verde semágua”. Ali “jaz” o Lago do Car-valhão, que em tempos foi o“ex libris” da sobrevivênciado povo Curoca. Era no Car-valhão, uma espécie do Gan-ges, o rio indiano, onde erapossível obter o mínimo desobrevivência. Tal como este,o Carvalhão, embora um Lago,dava quase tudo, desdebanhos por imersão, bebe-douros do gado, agriculturaaté e água para consumodoméstico.... e hoje tudo aseca levou. Resta apenasuma vegetação esparsa noextenso espaço monocro-mático, composto de areiasfinas e outra concentrada no“Carvalhão sem água”.

Carvalhão

“João Lourenço vinha,vimos João Lourenço,vimos o Presidente”,

num gesto deagradecimento

e admiração, afinal a localidade ficadistante, isolada e

é inóspita, apesar dealbergar mais de três

mil famílias. Ter a egrégia visita de umPresidente é sempreum marco para não

esquecer

RAFAEL TATI | EDIÇÕES NOVEMBRO

No Curoca, comuna do Tômbwa, província doNamibe, a água para beber depende do precáriosistema de abastecimento instalado no local, que orafuncionava, ora não. A racionalização da “águalimpa” que conseguem é “insana”. Beber águapotável a temperatura normal é pequeno luxo,privilégio que a todos escapa. Conta-se que aosmiúdos pede-se que não se ponham a brincar àscorridas, para não elevarem o nível de sede egastarem a pouca água conseguida

O soba grandeda comuna doCuroca, Alberto Pedro Ramos,realçou a visita do Presidenteda República à comuna, masdefende ser hora de avançarpara soluções definitivas. Paraa autoridade tradicional, dei-xou de fazer sentido não haverágua numa zona "cortejada"por vários rios.

A 200 qui lómetros dapequena comuna do municípiodo Tômbwa, está o Rio Cunene,com toda a sua pujança, masdele pouco se aproveita, senãopesca precária e alguma agri-cultura familiar. O soba AlbertoPedro Ramos sabe que hoje,com o advento das tecnologias,algumas justificações nãodeviam merecer acolhimento.Se existem países que têmacesso ao gás e petróleo de

outros, por via dos pipelines(canalização), então, por maio-ria de razão, devia resolver-seo problema daqui e de outroslugares de forma definitiva.

Tal como o soba grande,Alexandre Nhuca, administra-dor do Tômbwa, entende queeste problema pode ser resol-vido de forma definitiva, apro-veitando o Rio Cunene, já que“o município do Tômbwa é oúnico da província do Namibeque tem um rio permanente,o Cunene”.

“Deste rio nada aprovei-tamos, infelizmente. É omomento de começarmos apensar muito seriamente emencontrar uma solução defi-nitiva, a partir dele”.

Alexandre Nhuca lembrouque a seca afecta também o

povo muhimba, que enfrentaos mais graves problemas.Os registos de morte de gadotêm sido, por enquanto, insig-nificantes no Curoca, por causada trasumância. Até agora,há registo da morte de quatroanimais. “Há muito gado doTômbwa que está na Bibala,à procura de pasto”, disse.

“A solução deve ser definitiva”SOBA GRANDE

RAFAEL TATI | EDIÇÕES NOVEMBRO

Administrador do Tômbwa

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Garrido Fragoso

Cunene é das províncias dopaís que sofre com a seca.Uma realidade dura demaispara a população, de talmodo que o Presidente daRepública efectuou, nasemana passada, uma visitapara constatar “in loco” osefe i tos da est iagem naregião. O mal afecta 171.488famílias e já provocou amorte a cerca de 20 milcabeças de gado bovino.Preocupado com a situa-

ção, João Lourenço visitouOmbala Yo Mungu, muni-cípio de Ombadja, e de lápercorreu mais trinta qui-lómetros até à povoação deOshiwanda, onde teve ummais amplo contacto com apopulação afectada.Em Oshiwanda, o Presi-

dente João Lourenço viu deperto a forma precária comoas populações retiram águados poços, com 20 a 30metros de profundidade, paraconsumo e dar de beber aogado. A tarefa é também rea-lizada por mulheres e crian-ças. Há relatos de algumasmortes na povoação, queocorrem durante o processoe, sobretudo, no decurso daconstrução dos poços. Durante a s v i s i ta s a

Ombala ya Mungu e Oshi-wanda, o Presidente JoãoLourenço manifestou a suasolidariedade para com osofrimento das populaçõesque vivem uma “difícil rea-lidade” social e económica.Apesar das dificuldades porque passam, receberam deforma “calorosa” o Chefede Estado. “Sim senhor. Isso é que é

Presidente. É um bom gestoo Presidente da Repúblicadeslocar-se até aqui, paraver de perto os nossos pro-blemas”, conversavam duasjovens de Oshiwanda, na sualíngua materna. Aliás, é difícilencontrar naquelas paragenspopulares que se expressamna Língua Portuguesa. Para a população local,

os estudos, as compras, aassistência médica e medi-camentosa e a actividadelaboral, tudo é feito na Namí-b ia . Logo pe la manhã ,homens e mulheres, diri-gindo viaturas “volante àdireita”, deixam às primeirashoras do dia Oshiwanda(cerca de quatro quilómetrosda fronteira com a Namíbia),com destino ao país vizinho. Depois de cumprirem as

responsabilidades laborais,regressam ao final da tarde àssuas residências, vedadas ecircundadas por grandesextensões de terreno, paranão permitir interferênciados vizinhos e de estranhosnos seus assuntos. A moedapredominante nestas paragensé o rand sul-africano. Alguns,sobretudo adolescentes, des-conhecem o kwanza.

DiferençasTrinta quilómetros separamOmbala Yo Mungu de Oshi-wanda. Quanto mais nosaproximamos da última loca-lidade, as populações apre-sentam-se com melhoraspecto, em termos de qua-lidade de vida (bem vestidos,crianças exibindo bomaspecto nutritivo, etc). Mas

ao longo dos primeirosquinze quilómetros, até Oshi-wanda, a realidade socialdas populações apresenta-se diferente.O percurso da sede capital

(Ondjiva) até Oshiwanda éfeito em mais de cem qui-lómetros. Durante o trajecto,observa-se, com muita faci-lidade, a deslocação de gran-des manadas, sobretudo debovinos e caprinos, à procurade pastos (quase inexistentes)e poços contendo água aver-melhada, acumulada duranteas chuvas do ano passado. Édesta água que os pastorese animais (bois, cabritos eaté burros) socorrem-se paramatar a sede. Mas a regra jáestá estabelecida: primeiro,bebe o gado e só depois osdonos do rebanho.Foi-nos confidenciado,

ou melhor, já é público, queser detentor de gado bovinona localidade tornou-senuma questão cultural .Cunene é das províncias com

o maior efectivo de gadobovino no país.“Se você não é detentor

de cabeças de bois no Cunenetorna-se uma pessoa insig-nificante, mesmo que dete-nhas um cargo de destaqueno Governo”, contou um

cidadão residente há maisde quarenta anos na OmbalaYo Mungu. Este cr iador de gado

influente na província soli-citou o anonimato apenaspara manifestar a incredu-lidade em relação aos méto-dos encontrados para apoiaro processo de transumânciana região e o receio de queo dinheiro autorizado peloChefe de Estado (mais detrês mil milhões de kwanzas)para acudir as questõesemergenciais provocadaspela estiagem venha a serdesviado. Disse ter com-prado feno, quando este pro-duto foi adquirido com odinheiro do Estado, no qua-dro da assistência aos cria-dores da região.O processo de transu-

mância leva os pastores acaminharem centenas dequilómetros com as manadasà busca de melhores pastosnas margens do Rio Cunenee nalgumas regiões da pro-

víncia vizinha da Huíla, afir-mou o criador. Acrescentouque, apesar das autoridadeslocais optarem por colocarfeno nas zonas de conver-gência, este método algumasvezes redunda em fracasso. “Algumas vezes, colo-

cam nas zonas de conver-gência feno sem água. Ogado debilitado de tantascaminhadas, depois deconsumir o produto, acabapor morrer”, afirmou.São incontáveis os danos

provocados pela falta de águana província do Cunene, quedetém um dos maiores riosdo país (Cunene) e dos maisimportantes lençóis freáticossob a cidade de Ondjiva, sedecapital da província. Nestacidade, escava-se cerca dedois metros e encontra-seágua com abundância. A provaestá nas folhas muito verdesda maioria das árvores espa-lhadas pelos diferentes cantosda cidade. Quanto mais nosafastamos da zona urbana,

em direcção ao meio rural,mais dificuldades as popu-lações têm para encontraro precioso líquido.A verba de 200 milhões

de dólares também conce-dida pela Presidência daRepública vai permitir aconstrução de um sistemade transferência de água, apartir do Rio Cunene, nalocalidade do Cafú, para azona de Shana (localidadede Cuamato e Namacunde),algumas barragens hídricas,e adoptar um programa inte-grado inter-provincial einter-municipal nos corre-dores de transumância.Entre as acções a curto e

médio prazos, destaque paraa criação de um banco dealimentos (feno, milho, sal,farelo e fármacos para osanimais), construção e rea-bilitação de furos, bebedou-ros, mangas de vacinaçãodo gado, tanques-banheiroe construção e desassorea-mento de novas chimpacas.

Entre as acções acurto e médio

prazos, destaquepara a criação de

um banco dealimentos (feno,

milho, sal, farelo efármacos para os

animais),construção e

reabilitação defuros, bebedouros,

mangas devacinação do gado,tanques-banheiro e

construção edesassoreamento de

novas chimpacas

KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO

PROVÍNCIA DO CUNENE SOBREVIVE À FORTE ESTIAGEM

Juntos na busca de soluções para mitigar os males da seca

Os estudos, as compras, a assistência médica e medicamentosa e a actividadelaboral são, para muitos destes compatriotas, feitos na Namíbia. A seca, que afecta171.488 famílias e já provocou a morte a cerca de 20 mil cabeças de gado bovino,

representa a principal preocupação

Quinta-feira9 de Maio de 2019DESTAQUE