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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E TETO DE VIDRO: O DESENVOLVIMENTO DA CARREIRA DE MULHERES CIENTISTAS Adriana Pontes Paiva 1 Resumo: O presente trabalho tem por objetivo compreender a experiência de mulheres altamente qualificadas que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias profissionais. O problema de pesquisa versou sobre as barreiras enfrentadas pela mulher na ascensão em sua carreira. Foi realizada uma pesquisa qualitativa básica com cinco mulheres cientistas por meio de entrevistas semiestruturadas e os dados obtidos foram analisados à luz da análise de conteúdo. Os resultados apontaram a percepção das mulheres cientistas em relação às barreiras existentes na ascensão de suas carreiras e que o trabalho feminino envolve questões relacionadas à permanência da tradicional divisão sexual do trabalho, mantendo estereótipos e preconceitos percebidos por meio da diferenciação no tratamento dos trabalhadores conforme o gênero. Estas diferenciações por gênero podem ser identificadas como efeito “teto de vidro”, que dificulta ou impede a ascensão profissional de mulheres e reflete no sistema de promoções e de retenção da força de trabalho feminino, influenciado por políticas adotadas pelas instituições. Além disso, os resultados indicam que as mulheres cientistas precisam investir maior esforço e determinação para permanecerem nos seus cargos na universidade. Entretanto, pode-se perceber também por meio da análise dos resultados que os sujeitos da pesquisa conseguiram superar as adversidades e conciliar suas demandas profissionais, familiares e pessoais. Palavras-chave: mulheres, universidade, carreira, cientistas, teto de vidro. Introdução O movimento feminista eclodiu a partir da segunda metade do século XX, sendo que os estudos de gênero resultam, principalmente, das lutas libertárias da década de 1960. Gardiner (2004) destaca que as primeiras teorias feministas se apresentavam defensivas e buscavam a inclusão das mulheres em privilégios e direitos, reivindicando tratamento igualitário em relação aos homens. Nesta perspectiva, os estudos de gênero que surgiram a partir dos movimentos feministas na década de 1960, inicialmente, possuíam um caráter predominantemente político e utilizado como sinônimo de mulheres. Somente ao longo do tempo é que estes estudos se estenderam ao universo masculino (SCOTT, 1995). Entretanto, foi a partir do final da década de 1970 que os estudos em gênero se diversificaram e abrangeram áreas como liderança, poder e relações de autoridade, carreiras e 1 Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil.

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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO E TETO DE VIDRO: O DESENVOLVIMENTO DA

CARREIRA DE MULHERES CIENTISTAS

Adriana Pontes Paiva1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo compreender a experiência de mulheres altamente

qualificadas que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias

profissionais. O problema de pesquisa versou sobre as barreiras enfrentadas pela mulher na

ascensão em sua carreira. Foi realizada uma pesquisa qualitativa básica com cinco mulheres

cientistas por meio de entrevistas semiestruturadas e os dados obtidos foram analisados à luz da

análise de conteúdo. Os resultados apontaram a percepção das mulheres cientistas em relação às

barreiras existentes na ascensão de suas carreiras e que o trabalho feminino envolve questões

relacionadas à permanência da tradicional divisão sexual do trabalho, mantendo estereótipos e

preconceitos percebidos por meio da diferenciação no tratamento dos trabalhadores conforme o

gênero. Estas diferenciações por gênero podem ser identificadas como efeito “teto de vidro”, que

dificulta ou impede a ascensão profissional de mulheres e reflete no sistema de promoções e de

retenção da força de trabalho feminino, influenciado por políticas adotadas pelas instituições. Além

disso, os resultados indicam que as mulheres cientistas precisam investir maior esforço e

determinação para permanecerem nos seus cargos na universidade. Entretanto, pode-se perceber

também por meio da análise dos resultados que os sujeitos da pesquisa conseguiram superar as

adversidades e conciliar suas demandas profissionais, familiares e pessoais.

Palavras-chave: mulheres, universidade, carreira, cientistas, teto de vidro.

Introdução

O movimento feminista eclodiu a partir da segunda metade do século XX, sendo que os

estudos de gênero resultam, principalmente, das lutas libertárias da década de 1960. Gardiner

(2004) destaca que as primeiras teorias feministas se apresentavam defensivas e buscavam a

inclusão das mulheres em privilégios e direitos, reivindicando tratamento igualitário em relação aos

homens.

Nesta perspectiva, os estudos de gênero que surgiram a partir dos movimentos feministas na

década de 1960, inicialmente, possuíam um caráter predominantemente político e utilizado como

sinônimo de mulheres. Somente ao longo do tempo é que estes estudos se estenderam ao universo

masculino (SCOTT, 1995).

Entretanto, foi a partir do final da década de 1970 que os estudos em gênero se

diversificaram e abrangeram áreas como liderança, poder e relações de autoridade, carreiras e

1 Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, Brasil.

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barreiras de carreira, gênero em culturas organizacionais, emoções, empreendedorismo, equilíbrio

trabalho-vida, além de estudos críticos sobre homens e masculinidades (BROADBRIDGE;

SIMPSON, 2011).

As primeiras teorias feministas, no intuito de consolidar que as mulheres são iguais ou

superiores aos homens, foram marcadas pelas tentativas das mulheres de enfatizar sua importância

para a sociedade sendo que, para isso, elas se valeram da produção de biografias sobre mulheres

consideradas heroínas. Foram estas primeiras teorias feministas que encorajaram as mulheres a

exercerem ocupações laborais dominadas por homens em busca dos mesmos privilégios oferecidos

a eles (GARDINER, 2004).

A divisão sexual do trabalho pode ser definida como a forma de divisão social do trabalho

modulada histórica e socialmente, e advém das relações sociais entre os sexos. Esta divisão sexual

do trabalho designa os homens à esfera produtiva (superioridade masculina com a apropriação das

funções com maior valor social) e as mulheres à esfera reprodutiva (HIRATA; KERGOAT, 2007).

Assim, enfatizar aspectos comparativos entre homens e mulheres reforça a construção de ideais e

valores sociais, bem como os estereótipos e os preconceitos.

Entretanto, as assimetrias na divisão sexual do trabalho são percebidas inclusive entre

mulheres e homens com altas qualificações e em carreiras científicas, deixando claras as

“dificuldades em articular vida profissional intensa em termos de horários, ritmos e padrões de

trabalho com as demandas familiares e pessoais”, que também despendem tempo, competências e

recursos (PERISTA, 2010, p. 60).

Nesta perspectiva, embora as políticas públicas favoráveis à igualdade entre homens e

mulheres sejam positivas, apenas a mudança da correlação de forças da esfera privada contribuirá

para a melhoria na distribuição do trabalho invisível geralmente atribuído ao feminino e com

conotação de compaixão, de dedicação, de altruísmo, de disponibilidade permanente. Somente a

partir de uma redistribuição deste trabalho invisível será possível às mulheres um espaço próprio,

um tempo para si e o desenvolvimento de criatividade e de autonomia (HIRATA, 2002).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Papéis de gênero

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Gênero se refere às construções socioculturais de diferenças entre os sexos e às crenças

sobre o que é mais apropriado ou típico para determinado sexo do que para o outro, incluindo

sentimentos, comportamentos e interesses (BROADBRIDGE; SIMPSON, 2011).

Foucault (1988) e Scott (1995) deslocam o conceito de gênero para o campo da produção

cultural, social e histórica sendo que a partir daí o gênero passa a ser visto como uma construção

social e não apenas ligado ao determinismo biológico.

O papel designado ao homem e à mulher também é constituído culturalmente e se

transforma com a sociedade e com o tempo, influenciando a divisão das atividades entre masculino

e feminino (BOURDIEU, 2003).

Assim, existem dois princípios organizadores da divisão social do trabalho, qual seja o

princípio de separação – trabalhos de homens e trabalhos de mulheres, e o princípio hierárquico – o

trabalho do homem é mais importante que o trabalho da mulher (HIRATA; KERGOAT, 2007).

Nesta perspectiva, a organização do trabalho e da família foi alicerçada em mitos sobre a

diferença entre os gêneros (BARNETT, 2004). Desta forma, criou-se um pensamento comum de

que as mulheres têm inclinações e capacidades para cuidar e se ocupar do lar e de atividades

consideradas apropriadas para uma mulher – secretaria, magistério ou enfermagem – e que os

homens devem prover e arcar com as atividades fora do lar (MAINIERO; SULLIVAN, 2006, p.48).

O trabalho interfere na construção da identidade social dos indivíduos e a inserção feminina

no mercado de trabalho ampliou o papel social das mulheres que, a partir daí, se engajaram em uma

carreira profissional em busca de satisfação e reconhecimento pessoal, além de autonomia

financeira (ROCHA-COUTINHO, 2000).

A inserção das mulheres no mercado de trabalho ampliou também as discussões sobre as

reais oportunidades disponibilizadas ao público feminino nesta esfera sendo que o conceito de

trabalho é, implicitamente, um conceito de gênero e assume um gênero específico na organização

da vida doméstica e da produção social, apesar de a lógica organizacional apresentá-lo como gênero

neutro (ACKER, 1990).

Jonathan e Silva (2007) afirmam que reconfigurar os espaços do trabalho e da família e dos

papéis sociais a eles vinculados consiste em uma problemática global, já que a harmonia entre o

público e o privado é uma ampla questão social de responsabilidade de todos, independentemente

do gênero e do tipo de ocupação no mercado de trabalho.

Sentido do trabalho e da carreira para as mulheres

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Ao longo dos séculos, homens e mulheres ocuparam espaços heterogêneos na sociedade e na

economia sendo que, aos homens, competia o domínio público e, consequentemente, a escolha de

um trabalho ou profissão e, às mulheres, cabia moldar-se aos ditames da sujeição biológica,

caracterizada pela maternidade e pela dedicação aos cuidados da prole, do marido e da casa. Após a

Revolução Industrial, o processo de inserção das mulheres no mercado de trabalho se fortaleceu,

mas, inicialmente, o trabalho destas era restrito a postos subordinados, mal remunerados e

considerados inferiores aos dos homens (LIPOVETSKY, 2000).

Contudo, as mudanças culturais e legais trazidas pelo movimento de mulheres dos anos

1960 e 1970 ampliaram as oportunidades educacionais e profissionais das mulheres e lhes

possibilitou adentrar profissões dominadas historicamente pelo sexo masculino (PERCHESKI,

2008).

Nesta perspectiva, o trabalho tem um grande sentido na vida de mulheres que anseiam

exercer suas funções nas mesmas condições profissionais oferecidas a indivíduos do sexo

masculino. Para Lipovetsky (2000, p. 209):

a atividade feminina exprime a promoção histórica da mulher que dispõe do governo de si,

assim como a posição identitária do feminino [...] o reconhecimento social do trabalho

feminino traduz o reconhecimento do direito a uma “vida sua”, à independência econômica,

na linha de uma sociedade que celebra, cotidianamente, a liberdade e o maior bem-estar

individual.

Por conseguinte, algumas mulheres já não se contentam em manter um trabalho apenas para

incrementar a renda familiar. Estas mulheres objetivam desenvolver uma carreira que lhes

satisfaçam como profissionais, com ênfase em projetos de vida maiores, que reforcem suas

identidades sociais.

Porém, considerando a divisão sexual do trabalho e as exigências do modelo corporativo, as

mulheres apresentam trajetórias de carreira marcadas por transições, mudanças, compromissos e

bifurcações, originando um cenário de alta complexidade e inviável a um modelo de carreira linear

(MAINIERO; SULLIVAN, 2006, p.49).

Em contrapartida, aos homens sempre competiu o trabalho mental, com papel social de

provedor, o que permite o planejamento de uma trajetória de carreira linear (MAINIERO;

SULLIVAN, 2006 p. 51).

As mulheres que objetivam uma carreira no ambiente corporativo são reconhecidas por

mulheres de carreira, sendo que Levinson e Levinson (1996) as definem como sendo aquelas

mulheres que optam por uma vida profissional mais especializada, que exige uma formação

superior, com especializações, qualificações e capacitações profissionais. Estas mulheres

adentraram o espaço ocupacional masculino, com maior status, e, como são muito exigidas em

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termos de habilidades e competências, transformam a carreira em um componente da estrutura de

suas vidas.

Entretanto, ao se analisar a situação financeira de mulheres casadas em que ambos os

cônjuges exerçam profissões reconhecidas como carreira, ou seja, aquelas profissões demarcadas

por etapas de desenvolvimento e progressão, percebe-se que, o salário do homem é superior e se

destaca no orçamento familiar, demonstrando que a carreira do marido ocupa centralidade na

relação conjugal (SILBERSTEIN, 1992).

Atualmente, mulheres altamente qualificadas ocupam posições de gerência que podem lhes

conferir prestígio, influência social e recompensas econômicas, sendo que o sucesso feminino

nestes campos pode ser particularmente importante para a igualdade de gênero (PERCHESKI,

2008).

Entretanto, os processos organizacionais continuam permeados pela masculinidade e pela

imagem do trabalhador homem, o que indica a manutenção da segregação de gênero nas relações de

trabalho remunerado (ACKER, 1990).

A segregação de gênero no trabalho e a desigualdade de cargos e salários são parcialmente

criadas a partir de práticas organizacionais e justificadas pela necessidade de controle sexual sobre

as mulheres, que podem encontrar barreiras ao assumir posições tradicionalmente masculinas e

resistentes à disrupção (ACKER, 1990, p. 147).

Metáfora do “Teto de Vidro” (ceiling glass)

A segregação de gênero define, previamente, os espaços sexuados aos indivíduos no

mercado de trabalho e pode funcionar como uma barreira face à relação entre os sexos, porque cria

locais de não convivência – o fato de ser homem ou mulher influencia no tipo de cargo ou setor em

que este indivíduo irá trabalhar (CYRINO, 2012).

Assim, as mulheres enfrentam preconceitos e precisam trabalhar muito para mostrar que são

competentes como os homens, além de lidarem com pressões sociais a despeito dos papéis de mãe,

de esposa e de principal responsável pelo lar (NETO; TANURE; SANTOS, 2014).

Ao aspirar a cargos melhor remunerados e de maior prestígio, as mulheres encontram

barreiras estruturais invisíveis que as impedem de ascender na carreira (AMÂNCIO, 2004a). A

literatura trata estas barreiras por efeito “teto de vidro” (BARRETO; RYAN; SCHMITT, 2009).

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A metáfora do “teto de vidro” é utilizada por pesquisadores para explicar porque a presença

das mulheres em cargos de direção não possui uma distribuição homogênea nos diversos setores de

atividades do mercado de trabalho (CYRINO, 2012).

Desta forma, os efeitos do “teto de vidro” são identificados entre os trabalhadores na

extremidade superior que têm, simultaneamente, salários elevados e alta taxa de crescimento

profissional, sendo que os homens apresentam maiores índices de promoções ao longo de um

intervalo de dez anos e ocupam a maioria dos postos de trabalho que proporcionam elevados níveis

de status, poder e responsabilidade (WEINBERGER, 2011).

Durante décadas, as mulheres estão sub-representadas entre os trabalhadores com níveis

salariais e taxas de crescimento mais elevados. Esta evidência sugere um “teto de vidro” com

relação direta ao número de mulheres com possibilidade de chegar ao topo de posições influentes.

Também há indícios de um “teto de vidro” que retarda o progresso das mulheres mais bem-

sucedidas em relação aos homens nesta mesma condição, visto que, mulheres com alto nível

universitário seguem um plano de carreira paralelo no mercado de trabalho, notoriamente abaixo do

percebido pelos homens nestas mesmas condições (WEINBERGER, 2011).

Além disso, algumas lideranças não se empenham em proporcionar às mulheres a

oportunidade de ascensão na carreira dentro das organizações, além de não se preocuparem em

promover ações que permitam a capacitação ou qualificação necessária para que elas ocupem os

cargos superiores (CYRINO, 2012). Este comportamento das lideranças constitui entraves

importantes para a ascensão linear feminina e contribui severamente para o surgimento do efeito

“teto de vidro”.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Com o objetivo de compreender a experiência de mulheres cientistas altamente qualificadas

que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias profissionais, neste

trabalho buscou-se, a partir da estratégia de pesquisa qualitativa básica, apreender os significados

que os sujeitos atribuem ao fenômeno estudado e as experiências nele vivenciadas, uma vez que, o

mundo e a realidade não são objetivos e tampouco exteriores ao homem, mas socialmente

construídos e significativos a partir do seu olhar e experiência (MERRIAM, 1998).

Esta pesquisa tem uma abordagem qualitativa na perspectiva de gênero e carreira feminina

com vistas a explicar o fenômeno de acordo com a visão dos sujeitos.

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Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco mulheres cientistas, quando foram

explicitados às entrevistadas os objetivos do estudo, os procedimentos a serem adotados com

relação ao sigilo dos dados coletados e à preservação de suas identidades. O critério de inclusão

utilizado envolveu mulheres cientistas que lidaram com o efeito “teto de vidro” em suas trajetórias

profissionais. A amostra foi escolhida de forma intencional e por conveniência.

As entrevistas realizadas no estudo foram gravadas, anotadas e depois transcritas na íntegra.

Logo após passou-se à análise qualitativa de conteúdo, de forma descritiva e subdividida em

categorias que surgiram a partir do discurso das entrevistadas.

Neste trabalho, utilizou-se a análise de conteúdo para categorizar e para analisar os dados

coletados nas entrevistas. Para se analisar dados qualitativos extraindo significado relevante em

relação a um problema faz-se necessário um conjunto de manipulações, transformações, operações,

reflexões e comprovações realizadas a partir dos dados coletados (FLORES, 1994).

As categorias encontradas neste estudo revelaram barreiras encontradas no ambiente de

trabalho das mulheres cientistas e estão relacionadas a aspectos positivos (exercício do poder,

liderança e resultados, e resiliência) e a aspectos negativos (sacrifício, estagnação e teto de vidro).

APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

A pesquisa seguiu um roteiro que guiou as entrevistas semiestruturadas. Algumas perguntas

follow-up foram acrescentadas ao roteiro no intuito de auxiliar a pesquisadora a extrair o máximo

de informações possíveis para um bom entendimento do fenômeno estudado. Importante destacar

também que, além da comunicação verbal, foram analisados também elementos da comunicação

não verbal observados nas entrevistas como forma de evidenciar e reforçar sentidos e sentimentos.

Os dados coletados nas entrevistas foram subdivididos em categorias. Estas categorias foram

nomeadas durante a análise qualitativa de acordo com as falas das entrevistadas e analisadas pela

pesquisadora. A descrição e a discussão dos dados consideraram o compromisso ético de não expor

os participantes que contribuíram com este estudo nem os demais sujeitos presentes em seus relatos.

As categorias encontradas neste estudo estão dispostas abaixo:

Percepções negativas do ambiente de trabalho

A partir da análise das falas das entrevistadas pela autora, fica evidenciado que ao refletirem

sobre a situação de suas carreiras as mulheres cientistas percebem alguns pontos negativos no

ambiente corporativo.

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O ‘sacrifício’ aparece enfatizado na fala das entrevistadas quando estas colocam a

sobrecarga de trabalho e o sofrimento que a jornada excessiva provoca.

A ‘estagnação’ também emerge da fala das entrevistadas como uma percepção negativa do

ambiente de trabalho quando estas refletem sobre a falta de novas perspectivas dentro da

organização, ao passo que já se encontram em uma posição elevada e não vislumbram novas formas

de evoluir profissionalmente. As entrevistadas sugerem que a falta de novos desafios de ascensão

para as mulheres que já se encontram no topo como é o caso das respondentes desta pesquisa, que

são cientistas que galgaram por altos níveis institucionais, pode gerar um sentimento e uma

percepção negativa de estagnação da carreira no ambiente organizacional.

O “teto de vidro” evidencia sua ocorrência quando as entrevistadas expõem suas percepções

negativas em relação às barreiras que estas tiveram que transpor durante suas trajetórias de ascensão

na carreira em direção à posição que almejavam conquistar.

As mulheres cientistas percebem as categorias ‘sacrifício, estagnação e “teto de vidro” como

sendo negativas na medida em que estas trazem grandes barreiras à ascensão e à manutenção de

mulheres no topo de suas carreiras, gerando inclusive sofrimento e desmotivação.

Estas categorias encontradas no estudo corroboram com a literatura quando consideramos

que, ao aspirar a cargos mais bem remunerados e de maior prestígio, as mulheres encontram

barreiras estruturais, invisíveis, que as impedem de ascender na carreira (AMÂNCIO, 2004a). A

literatura trata estas barreiras por efeito “teto de vidro” (BARRETO, RYAN E SCHMITT, 2009). A

questão principal é o fracasso das lideranças em proporcionar às mulheres atingir o topo de suas

carreiras nas organizações e de garantir que as mulheres adquiram a experiência necessária e se

qualifiquem para os cargos superiores.

Os fenômenos de segregação horizontal e vertical indicam que a ocupação de cargos e

funções no mercado de trabalho por homens e mulheres não é homogênea, sendo que, geralmente,

estas ocupações se dão em diferentes níveis e setores da economia (CYRINO, 2012).

Percepções positivas do ambiente de trabalho

A partir da análise das falas das entrevistadas pela autora, notou-se que as respondentes

relataram não apenas as dificuldades de ascensão em suas carreiras, mas expuseram também as

vantagens advindas das posições alcançadas por elas no ambiente corporativo.

A categoria ‘exercício do poder’ surge das falas das entrevistadas quando estas relatam a

percepção de poder como forma de se sentirem importantes e recompensadas pelo esforço pessoal,

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o que nos leva a inferir que o poder experimentado por estas mulheres as impulsiona e as motiva a

alavancar em suas carreiras.

Na categoria ‘Liderança e resultados’, as falas das entrevistadas trazem à tona o

reconhecimento positivo do esforço das mulheres cientistas em atingir posições elevadas nas

instituições assim como a sensação de dever cumprido ao colherem os resultados dos esforços

despendidos.

A categoria ‘Resiliência’ ficou evidenciada nas falas das entrevistadas dando suporte à

percepção que as mulheres cientistas deixam fluir por meio dos seus relatos enfatizando as

dificuldades e barreiras enfrentadas por elas em suas trajetórias profissionais, bem como a

capacidade que estas apresentam ao conseguirem enfrentar os desafios e saírem fortalecidas da

situação.

Ao falarem sobre poder, as entrevistadas relatam que a sensação de poder as move em busca

de novos desafios e esta percepção de poder nos remete à Scott (1995) quando esta afirma que

gênero refere-se a abordar de maneira mais ampla os sistemas de relações sociais ou sexuais e

propõe uma aproximação entre gênero e poder, apontando para as articulações entre estes no

ocidente, “na medida em que estas referências [de gênero] estabelecem distribuições de poder (uma

diferenciação no controle ou no acesso aos recursos materiais e simbólicos), onde o gênero torna-se

implicado na concepção e na construção do próprio poder” (SCOTT, 1995, p. 88).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões de gênero vêm sendo estudadas sob diversos aspectos e, ao revisarmos a

literatura, podemos notar várias abordagens para o tema. A abordagem utilizada neste estudo

contempla os aspectos relacionados a gênero no que diz respeito ao enfrentamento do fenômeno

“teto de vidro” que interferem no desenvolvimento de mulheres cientistas que se deparam com

barreiras, estereótipos e preconceitos ao almejarem chegar ao topo de suas carreiras.

O presente estudo teve como objetivo compreender a experiência de mulheres cientistas

altamente qualificadas que vivenciaram o fenômeno denominado “teto de vidro” nas suas trajetórias

profissionais. O problema de pesquisa versou sobre as barreiras enfrentadas pela mulher na

ascensão em sua carreira. Tal investigação foi conduzida por meio da análise de conteúdo de cinco

entrevistas com mulheres cientistas e altamente qualificadas e consistiu em identificar barreiras na

trajetória profissional destas mulheres que pudessem se relacionar ao efeito “teto de vidro”.

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A análise e discussão dos resultados permitiram um alinhamento com os autores

pesquisados e com seus aportes teóricos, os quais foram utilizados como suporte aos estudos sobre

carreira de mulheres cientistas e “teto de vidro”, na perspectiva de gênero.

Apesar dos grandes desafios em conciliar vida profissional e pessoal, as mulheres lutam pela

igualdade de direitos e de oportunidades no ambiente corporativo e anseiam por sucesso em suas

carreiras.

Entretanto, as barreiras, muitas vezes invisíveis, encontradas durante a trajetória profissional

das mulheres as desmotivam e as impelem a interromper suas carreiras.

As barreiras relatadas pelas respondentes deste estudo foram principalmente em relação às

diferenças no tratamento entre homens e mulheres, à dificuldade em obter uma carreira linear e

ascender hierarquicamente, bem como a manutenção desta ascensão.

Dessa forma pode-se identificar claramente o efeito “teto de vidro" no relato das

participantes da pesquisa.

Outro dado obtido da pesquisa que vale salientar é o fato de todas as participantes do estudo

terem superado a frustração enfrentada durante a ascensão em suas carreiras.

Os resultados da pesquisa servirão de fundamento para que sejam propostas intervenções

práticas nas universidades e pode ajudar mulheres cientistas a compreenderem este fenômeno social

e a buscarem alternativas para minimizar suas dúvidas e tensões. A pesquisa pode, também, indicar

temas de pesquisa que incitarão pesquisadores a novas perspectivas de estudos sobre o fenômeno e

à melhoria de práticas institucionais.

Referências

ACKER, J. Hierarchies, jobs, bodies: a theory of gendered organizations. Gender and Society, v. 4,

n.2, p. 139-158, jun. 1990.

AMÂNCIO, L. “Percepção da discriminação e da justiça: novos desafios na pesquisa

psicossociológica”. In A. Cova, N. Ramos e T. Joaquim (orgs.), Desafios da Comparação: Família,

Mulheres e Género em Portugal e no Brasil, Oeiras, Celta, p. 333-342, 2004a.

BARNETT, R. C. Preface: Women and work: where are we, where did we come from, and where

are we going? Journal of Social Issues, v.60, n.4, p. 667-674, 2004.

BARRETO, M., RYAN, M., SCHMITT, M. (ed.) The glass ceiling in the 21st century:

understanding barriers to gender equality Washington, DC, American Psychological Association,

2009 .

BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

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Sexual division of labor and glass ceiling: the career development of scientist women

Astract: This paper aims to understand the experience of highly qualified women who have

experienced the phenomenon called “glass ceiling” in their professional trajectories. The research

problem dealt with the barriers faced by the woman in the rise in her career. A qualitative basic

research was carried out with five scientist women through semi-structured interviews and the data

obtained were analyzed in the light of content analysis. The results pointed out the perception of

scientist women in relation to existing barriers to the top of their careers, and that female work

involves issues related to the permanence of the traditional sexual division of labor, maintaining

stereotypes and prejudices perceived through differentiation in the treatment of workers according

to the gender. These gender differentiations can be identified as a “glass ceiling” effect, which

hinders or prevents the professional advancement of women and reflects in the system of

promotions and retention of the female labor force, influenced by policies adopted by the

institutions. In addition, the results indicate that scientist women need to invest more effort and

determination to remain in their university positions. However, it can also be seen through the

analysis of the results that the research subjects were able to overcome adversities and reconcile

their professional, family and personal demands.

Keywords: women, university, career, scientists, glass ceiling.