Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
1
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A PESQUISA-AÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DESNATURALIZAÇÃO DO
ANDROCENTRISMO NA FORMAÇÃO DE DOCENTES DE ARTE1
Valdoni Ribeiro Batista2
Margarida Gandara Rauen3
Resumo: Este artigo utiliza o aporte teórico de Pierre Bourdieu e seus conceitos de valor simbólico negativo, habitus e
violência simbólica para problematizar o androcentrismo em projetos de estágio produzidos por estudantes do Curso de
Licenciatura em Arte-Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Paraná (UNICENTRO). Numa pesquisa
exploratória em pastas de estágio produzidas por estudantes egressos desse curso entre 2012 e 2015, percebemos a
subinclusão de nomes de artistas mulheres, justificando a necessidade de buscar alternativas para incluí-las em práticas
pedagógicas. Neste sentido, foi implementada uma pesquisa-ação (Dionne, 2007) na disciplina Estágio Supervisionado
para o Ensino Médio durante o primeiro semestre do ano de 2016, da qual participaram nove estudantes da quarta série
do curso de Licenciatura em Arte-Educação. A prática da pesquisa-ação cumpriu as seguintes etapas: foram realizadas
leituras e debates sobre questões de gênero no campo da arte e em seu ensino; foram apresentadas e pesquisadas obras
de artistas mulheres que questionam o androcentrismo; foram buscadas estratégias para incluir nomes de artistas
mulheres em projetos de estágio. Durante a pesquisa-ação foi produzido um diário de campo, e os dados quantitativos
sobre a inclusão de artistas homens e mulheres em projetos de estágio foram organizados em figuras que permitem a
comparação entre os resutados obtidos dos(as) nove estudantes participantes da pesquisa-ação no Grupo A e de nove
outros que não participaram e formaram um grupo de controle, Grupo B. Os projetos de estágio do grupo A
apresentaram mais mulheres artistas do que os do Grupo B, sugerindo tanto a eficiência do método de pesquisa-ação,
quanto a necessidade de que o curso de Licenciatura em Arte-Educação da Unicentro incentive debates sobre o
androcentrismo e adicione conteúdos de diversidade de gênero no currículo e nas ementas de suas disciplinas.
Palavras-chave: cultura, gênero, currículo, ensino de arte.
Introdução
A predominância de uma mentalidade patriarcal que privilegia os homens e hierarquiza o
mundo social com base nas categorias homem e mulher é denominada de androcentrismo e ainda
constitui um problema cultural de grande impacto sobre as instituições. Na Educação e na Arte,
nossos campos de interesse neste artigo, não é diferente. Os reflexos do androcentrismo são
perceptíveis quando professores e pais incentivam mais os meninos a seguirem determinadas
carreiras e desencorajam as meninas (Bourdieu, 2009) ou quando o pertencimento de gênero é um
critério na cotação e classificação de artistas.
1 A prática de pesquisa-ação mencionada neste artigo foi desenvolvida durante o Mestrado no Programa de Pós-
graduação em Educação da Unicentro (PPGE), na linha de pesquisa Educação Cultura e Diversidade, com defesa da
dissertação aos 25/05/2017, sob orientação da co-autora. 2 Mestre em Educação, na linha de pesquisa “Educação, Cultura e Diversidade”, PPGE-UNICENTRO, Guarapuava,
Paraná. Licenciado em Arte-Educação pela UNICENTRO. Pós-graduado Lato Sensu em Ensino em Tempo Integral
pela Faculdade São Braz, Curitiba, Paraná. E-mail: [email protected] 3 Ph.D. em Teatro, Michigan State University, E.U.A. Aposentou-se como professora Associada do Departamento de
Arte da UNICENTRO e permanece docente colaboradora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE).
Orientadora na linha de pesquisa “Educação, Cultura e Diversidade”. Líder do Grupo de Pesquisa em Artes da
UNICENTRO. E-mail: [email protected]
2
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
As lutas de mulheres e de grupos afetados pelas classificações de gênero acarretaram
diversas alterações em instituições e em grades curriculares legitimando práticas de ensino voltadas
aos temas de gênero e, consequentemente, ao desmantelamento do androcentrismo, desde a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os
PCNs – Orientação sexual entendem gênero multidimensionalmente, colocando-o como tema
transversal que se inter-relaciona com os conteúdos disciplinares (Brasil, 1998). Em nossa região, as
Diretrizes Curriculares Estaduais do Paraná (DCE-Arte), mesmo rechaçando os temas transversais
dos PCNs, propõe as discussões de gênero como problemas sociais contemporâneos que devem ser
abordadas por disciplinas que lhes são afins e integradas aos conteúdos curriculares (Paraná, 2008).
Apesar de a inserção de discussões sobre o androcentrismo possuir legitimação no Ensino Básico,
os estudos sobre conteúdos de gênero nos cursos superiores de formação docente ainda são escassos
e apontam para a subinclusão de temáticas de gênero. Num estudo sobre um curso de Pedagogia na
Paraíba, por exemplo, as autoras concluem que os seus resultados
[...] corroboram as constatações do Seminário ‘Educação em Sexualidade e relações de
gênero na formação inicial docente no ensino superior’, promovido pela UNESCO,
Fundação Carlos Chagas e Rede de Gênero e Educação em Sexualidade – REGES/ECOS
em 9 de outubro de 2013, em São Paulo [...] a inclusão ainda é restrita e tem dependido de
iniciativas de docentes que lideram grupos de pesquisa, orientam trabalhos na pós-
graduação e graduação, e lecionam disciplinas (geralmente optativas) focadas nas temáticas
(CARVALHO et al., 2014, p. 273).
Dadas essas referências e a inexistência de pesquisas similares na área de Artes, optamos por
examinar a temática específica do androcentrismo no curso de Licenciatura em Arte-Educação da
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Paraná (UNICENTRO). Apresentamos os resultados de
uma pesquisa-ação desenvolvida na disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio, em
2016, com nove estudantes do referido curso, cujo currículo, num estudo preliminar, evidenciou o
androcentrismo. O objetivo da pesquisa-ação foi instigar a desnaturalização do androcentrismo por
meio do engajamento de estudantes na ampliação da representatividade de artistas mulheres nos
projetos de estágio.
O artigo está estruturado em dois subtítulos. No primeiro apresentamos a praxiologia
bourdieusiana, suas análises sobre a reprodução social do androcentrismo e a pertinência do método
de pesquisa-ação para a desnaturalização da dominação masculina. No segundo, descrevemos o
desenvolvimento da pesquisa-ação, com depoimentos compilados num diário de campo e dados
quantitativos sobre a representatividade de artistas homens e mulheres nos projetos de estágio de
estudantes participantes e não participantes da pesquisa-ação.
3
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
A desnaturalização do androcentrismo por meio da pesquisa-ação
A teoria sociológica de Pierre Félix Bourdieu, também chamada de teoria praxiológica ou
estruturalismo cognitivista, busca interpretar a sociedade multidimensionalmente propiciando a
compreensão da cumplicidade entre a estrutura social e as estruturas cognitivas (habitus), e
entendendo as ações humanas enquanto fruto de aprendizagens que ocorrem inconscientemente por
meio do convívio social. Bourdieu (1998) chama este processo de inculcação de habitus que
definem os posicionamentos de cada pessoa no mundo social a partir do grupo ao qual ela pertence.
Portanto, os habitus são
[...] princípios geradores de práticas distintas e distintivas [...] mas são também esquemas
classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos
diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que é bom e mau, entre o bem e o mal,
entre o que é distinto e o que é vulgar etc. (BOURDIEU, 2008, p. 22)
O modo como cada pessoa age, seus gostos, suas preferências, sua maneira de andar e se
vestir são advindos de habitus próprios de seu convívio social que se estruturam sobre as divisões
do mundo social, sejam elas de classe socioeconômica, de grupos culturais ou de gênero, entre
outros. Por fim, os habitus conduzem as pessoas “[...] a tomarem o mundo social tal como ele é, a
aceitarem-no como natural, mais do que a rebelarem-se contra ele [...]” (Bourdieu, 1998, p. 141).
Em seu livro A Dominação Masculina, voltado ao desvendamento do funcionamento das
divisões e hierarquias sociais ancoradas em atributos de gênero, Bourdieu (2009) analisou a
sociedade mediterrânea Cabila, que ainda preservava uma coerência prática entre o falocentrismo e
uma cosmologia androcêntrica justificadora das posições sociais de homens e mulheres. Tal análise
possibilitou uma retrospectiva da estrutura androcêntrica e do imaginário herdados pelos países da
costa do Mar Mediterrâneo e por aqueles que foram colonizados por esses povos.
Os trabalhos teóricos de Bourdieu (2009) historicizam as diferenças de gênero e sua
consequente desnaturalização, explicando o funcionamento dos habitus que omitem seu carácter de
constructo sócio-histórico ao justificar sua existência como algo natural. Homens e mulheres
aprendem seus papéis a partir de uma estrutura social androcêntrica, na qual os homens
desempenham atividades que são enobrecidas por pertencerem ao universo masculino, enquanto as
mulheres tendem a assimilar atividades estigmatizadas por um coeficiente simbólico negativo que
“[...] afeta negativamente tudo que elas são e fazem, e está na própria base de um conjunto
sistemático de diferenças homólogas” (Bourdieu, 2009, p. 111). Ao aceitarem desempenhar
atividades sem ou com pouco prestígio e ocuparem posições sociais desprivilegiadas, as mulheres
4
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
também exercem, inadvertidamente, o que Bourdieu (2009) denomina de violência simbólica. Esse
tipo de violência se institui por meio da inculcação de habitus que leva as mulheres a aceitarem
posições subalternas e a transmitirem, aos filhos e filhas, os mesmos princípios de hierarquização de
gênero dos quais são vítimas.
Além de o androcentrismo ser operacionalizado pela inculcação de habitus e resultar na
violência simbólica, ele se manifesta com maior ou menor intensidade em todos os campos sociais.
No campo da arte, ele afeta diretamente tanto a legitimação de artistas mulheres quanto a
comercialização de seus trabalhos. Segundo Fonseca (2013, p. 127), “[...] o principal mercado da
arte ainda subvaloriza as mulheres em relação aos homens artistas”. A presença minoritária de
artistas mulheres no campo da arte foi questionada pelas feministas da década de setenta, as quais
fundaram, em 1971, o Conselho das Artistas Mulheres de Los Angeles e criticaram a proporção
entre obras de artistas mulheres e homens exibidas em museus norte-americanos. O Museu do
Condado de Los Angeles, por exemplo, durante dez anos, expôs 713 obras e dessas, apenas 29 eram
de mulheres (Archer, 2001). No Brasil, pesquisas recentes de Adriana Vaz constataram a pouca
representatividade de mulheres artistas em exposições e em materiais didáticos (Vaz, 2009).
O fato de o campo da arte ser androcêntrico acaba influenciando professores(as) na escolha
de artistas para fazer parte das práticas de ensino. Em decorrência desse habitus, a estrutura
androcêntrica se reproduz porque não é questionada e desnaturalizada por meio da percepção da sua
constituição histórica. Ao buscar estratégias conducentes à desarticulação da reprodução de habitus
androcêntricos, optamos pela pesquisa-ação (Dionne, 2007), a qual busca engajar um grupo de
pessoas na solução de problemas que o afeta. A função da pesquisa-ação é criar “[...] um coletivo
engajado em uma mesma intervenção” (Dionne, 2007, p. 34). Por isso ela possui uma “[...] tarefa da
pesquisa, cujo objetivo é desenvolver conhecimento, e uma tarefa da ação, cujo objetivo é modificar
uma situação peculiar” (Dionne, 2007, p. 24). Estamos cientes de que apenas uma pesquisa-ação
não soluciona um problema cultural tal qual o androcentrismo, que se reproduz em todos os campos
sociais. No entanto, uma pesquisa-ação com este escopo é importante para sensibilizar pessoas na
busca por estratégias que reduzam o androcentrismo em suas ações diárias.
Uma intervenção de pesquisa-ação no curso de Arte-Educação da Unicentro
O interesse do primeiro autor sobre a temática de gênero motivou o questionamento acerca
da problemática do androcentrismo no próprio curso do qual é egresso, assim como uma pesquisa
preliminar documental, na qual comparou o teor de projetos de estágio produzidos por estudantes
5
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
da quarta série do curso de Arte-Educação durante os anos de 2012, 2013, 2014 e 2015,
confirmando a hipótese de que os licenciandos do curso reproduziam o androcentrismo do campo
da arte (Tabela 1) ao abordarem mais homens do que mulheres para integrar as suas propostas de
ensino (Batista & Rauen, 2016)4.
Tabela 1: Abordagem de artistas homens e mulheres em projetos de estágio de 2012 a 2015.
Ano de
Produção dos
Projetos
Número de
Projetos
analisados
Artistas
Mulheres
como Tema
Artistas
Mulheres em
Abordagem
Comparativa
Artistas
Homens
como Tema
Artistas Homens
em Abordagem
Comparativa
2012 8 11,76% (2) 0% (0) 35,29% (6) 52,94% (9)
2013 9 13,04% (3) 8,69% (2) 17,39% (4) 60,86% (14)
2014 6 4,54% (1) 27,27% (6) 13,63% (3) 54,54% (12)
2015 6 0% (0) 18,18%(4) 4,54% (1) 77,27% (17)
Total 29 7,14% (6) 14,28% (12) 16,66% (14) 61,90% (52)
Total de
artistas por
sexo
21,43% (18) 78,57% (66)
Fonte: BATISTA & RAUEN (2016, s.p.)
A Tabela 1 reflete a predominância de artistas homens em todos os anos da amostragem. Na
primeira coluna estão dispostos os anos em que foram produzidos e aplicados os projetos de estágio.
A segunda contém a quantidade de projetos por ano, totalizando 29 projetos, geralmente elaborados
em duplas. As demais colunas subdividem os dados entre artistas homens ou mulheres como tema
ou abordagem comparativa. Tal organização foi resultante da observação de dois diferentes
encaminhamentos didáticos nos projetos de estágio: a) utilização de um(a) artista como tema, para
nortear todas as propostas de ensino estabelecendo relações com diversos conhecimentos da arte; b)
utilização de artistas em abordagem comparativa para ilustrar ou complementar conteúdos
relacionados a um tema do campo da arte para nortear as práticas pedagógicas. Em 2012 houve a
maior disparidade entre artistas homens e mulheres, pois apenas 11, 76% (2) eram artistas mulheres.
Em 2014 houve a menor disparidade e, somadas todas as categorias, temos 31, 91%(7) de artistas
mulheres e 68, 19%(15) de artistas homens. O total resultante da soma de todos os anos revela a
disparidade entre a abordagem de artistas homens, com o total de 78, 57%(66), e mulheres,
totalizando 21, 43% (18) nos projetos de estágio.
4 Comunicação apresentada no XII Simpósio De Arte-Educação: Criatividade E Ludicidade. UNICENTRO,
Guarapuava, 2016 (Anais em meio digital em construção).
6
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Após essa constatação, numa comparação entre a grade curricular do ano de 2009 e a sua
versão reformulada em 2014,5 observamos a inexistência de disciplinas que discutam temáticas de
gênero e androcentrismo. Entretanto, na reformulação curricular de 2014, foram acrescentadas
disciplinas sobre diversidade que possibilitam a inserção de tais discussões associadas a outros
conteúdos, contanto que os(as) professores(as) possuam interesse em incluí-las, pois as ementas não
especificam os temas relevantes para a diversidade.
Contudo, como professores(as) podem tratar de temas que não estão elencados nas ementas
das disciplinas, quando são pertinentes para ampliar a percepção dos(as) estudantes sobre os
conteúdos da disciplina, buscamos na Plataforma Lattes os temas de interesse dos(as)
professores(as) que lecionaram no curso nos anos de 2009 e 2016. Em 2009 havia uma professora
com interesse em estudos de mulheres e gênero e não encontramos registros de temas relacionados
a gênero nos Currículos Lattes dos(as) professores(as) que lecionaram em 2016. Corroboramos o
que dizem Carvalho et al. (2014, op cit) quanto à tendência do curso em reproduzir insensivelmente
o androcentrismo no campo da arte, por possuir professores sem interesses nestes assuntos e por não
apresentar disciplinas com este escopo, com consequências na escolha de artistas para compor os
projetos de estágio por estudantes do curso (Batista, 2017).
As constatações dessas três etapas justificaram e fortaleceram a iniciativa de desenvolver
uma prática de pesquisa-ação com o objetivo de desarticular o androcentrismo, ao menos, na última
série do curso, para sensibilizar estudantes a ampliarem a tematização de artistas mulheres nos
projetos de estágio. Deste modo, o androcentrismo foi o problema da pesquisa-ação, pois afeta
todos(as) os(as) participantes.
A pesquisa-ação foi realizada na disciplina de Estágio Supervisionado para o Ensino Médio,
em 2016, com estudantes da quarta série do curso de Arte-Educação, com a anuência da Chefia do
Departamento de Arte e da professora responsável pela disciplina. Para facilitar a orientação na
confecção dos projetos de estágio nos cursos de licenciatura, a Resolução Nº. 32/2016 da Unicentro
permite a divisão das turmas com mais de quinze alunos em dois grupos. Por isso, a pesquisa-ação
teve um grupo participante com nove estudantes, denominado Grupo A, enquanto os(as) nove
estudantes não participantes proporcionaram um grupo de controle, denominado Grupo B.
O primeiro autor desenvolveu a pesquisa-ação com o Grupo A ao longo de doze encontros
com duração de três h/a (horas aula) cada, totalizando trinta e seis h/a. Nos encontros, foram
5 Na reformulação curricular de 2014 houve a alteração do nome do curso de Licenciatura em Arte-Educação para
Licenciatura em Arte. Entretanto, os(as) estudantes participantes da pesquisa-ação pertencem à grade curricular do
curso de Arte-Educação.
7
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
discutidas leituras de textos selecionados de Bourdieu (2009), de Loponte (2005) e Zolin (2009)
sobre a construção cultural das diferenças de gênero com suas influências no campo da arte. As
leituras foram intercaladas com o estudo de artistas mulheres questionadoras do coeficiente
simbólico negativo que afeta os trabalhos de mulheres, entre as quais Ana Mendieta, Shirin Neshat,
Hannah Wilke, Maria Ezcurra e o grupo Guerrilla Girls, além de outros nome adicionados pelos(as)
participantes. Entre as temáticas das obras Earth Body (1972-1985), Rape Scene (1973) e People
lookin at blood (1973) de Ana Mendieta, figura a externalização da violência e da inferiorização de
mulheres nas culturas patriarcais. Shirin Neshat nas suas fotografias com o título “Mulheres de Alá”
(1993-1997) e na vídeo instalação Turbulent6 (1998) explora os estereótipos negativos veiculados às
mulheres no Irã, contraposto pela imagem de mulher guerreira que defende sua pátria e família.
Hannah Wilke tornou público seu corpo doente ao produzir um dossiê fotográfico intitulado Intra-
Vênus (1992-1993) retratando a evolução do câncer sobre seu corpo contrapondo as imagens da
beleza feminina presentes em muitas obras de arte. Maria Ezcurra produziu uma série de fotografias
intitulada Guardarropa del ama de casa perfecta (2008) integrando o corpo feminino ao ambiente
doméstico com o uso de mesclas de roupas como toalha de mesa, cortina etc. Os cartazes e
intervenções realizadas pelo grupo Guerrilla Girls expõem a androcentrismo presente no campo da
arte, principalmente em mostras de museus e ações de seus profissionais. Por fim, os(as)
participantes confeccionaram os projetos de estágio.
No desenvolvimento da pesquisa produzimos um diário de campo a partir de anotações e
gravações de áudio autorizados pelos(as) participantes por meio da assinatura de um termo de
consentimento para participação na pesquisa. Registramos depoimentos referentes à percepção da
problemática de dificuldade de inserção de trabalhos de artistas mulheres no ensino de arte, e da
hipervalorização de trabalhos de homens, principalmente com os discurso de genialidade, conforme
explicita o(a) participante 5, ao comentar “[...] professores despreparados [...] Ele não busca um
artista diferente. Não busca um artista que converse com o que ele quer falar. Ele simplesmente
pega o gênio e leva o gênio para a escola” (Batista, 2017, p. 88)
A escolha de artistas gênios é uma maneira de professores evitarem questionamentos sobre
os conteúdos trabalhados na escola, pois a genialidade dispensa explicação de sua importância. No
entanto, os(as) participantes discutiram sobre a necessidade da formação de professores engajados
com um ensino de arte que não privilegie os artistas homens, buscando modificar sua prática
pedagógica para contribuir com a alteração do sistema social androcêntrico. Conforme defende a(o)
6 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=f2DNMG2s_O0>. Acesso em: 20/04/2016.
8
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
participante 1 “Mas este movimento que busca mudar. Isso cabe também à mulher transformar. À
mulher, ao homem, à sociedade” (Batista, 2017, p. 87).
Na produção dos projetos de estágio, cada participante elegeu seu modo de trabalho e como
poderia incluir obras de artistas mulheres nas práticas de ensino. Todos incluíram trabalhos de
artistas em abordagem comparativa ao estabelecerem um tema para o projeto de estágio. A
quantidade de artistas mulheres que fizeram parte das práticas de ensino variaram conforme o tema
e a área de arte (Tabela 2). Por exemplo, houve um projeto sobre música eletrônica que não inseriu
mulheres nas práticas de ensino devido à falta de artistas conhecidas pela equipe.
Tabela 2: Abordagem de artistas homens e mulheres em projetos de estágio após a pesquisa-ação
Divisão
da
Turma
2016
Número de
Projetos
analisados
Artistas
Mulheres
como
Tema
Artistas
Mulheres em
Abordagem
Comparativa
Artistas
Homens
como
Tema
Artistas
Homens em
Abordagem
Comparativa
Grupo A 5 0% (0) 42,10% (8) 0% (0) 57,90% (11)
Grupo B 5 0% (0) 16,66 % (3) 5,55% (1) 77,77% (14)
Total 10 0% (0) 29,73% (11) 2,70% (1) 67,57% (25)
Total de
artistas
por sexo
29,73% (11) 70,27% (26)
Fonte: BATISTA (2017, p. 99)
O grupo A, tal qual o grupo B, produziu cinco projetos de estágio, pois se organizaram em
duplas para facilitar as orientações. O grupo A, participante da pesquisa-ação, incluiu 42,10%(8)
artistas mulheres e 57,90%(11) artistas homens, enquanto o grupo B, não participante da pesquisa,
incluiu 16,66%(3) artistas mulheres e 83,32%(14) artistas homens subdivididos em um artista
homem como tema e catorze artistas homens em abordagem comparativa. A proporção entre a
quantidade de artistas homens e mulheres incluídos nos projetos de estágio denota a maior inclusão
de artistas mulheres pelo grupo A, que quase equiparou a representatividade entre os sexos. O grupo
B apresentou uma disparidade grande entre os sexos, pois incluiu menos de um quarto de artistas
mulheres. Considerando os dois encaminhamentos pedagógicos, no grupo A, verificamos a
recorrência dos nomes de mulheres artistas em abordagem comparativa, na qual Pina Bausch e
Viola Spolin foram as referências nas práticas didáticas de dança-teatro e jogos teatrais em dois
projetos de estágio. Dentre os artistas homens em abordagem comparativa, o nome de Rudolf Von
9
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Laban se repetiu em três projetos. No grupo B, o nome de Pina Bausch se repetiu, como abordagem
comparativa, em dois projetos e não houve repetição de nomes de artistas homens.7
Para comparar a tabela 1 com a tabela 2 e obter a dinâmica na tematização de artistas
homens e mulheres nos projetos de estágio entre os ano de 2012 e 2016, foi necessário somar os
resultados do grupo A com os do grupo B, totalizando 29,73%(11) artistas mulheres e 70,27%(26)
artistas homens tematizados em 2016. A subinclusão de artistas mulheres no grupo de controle B,
comparada com a sua maior representatividade no Grupo A, denota a importância da prática
questionadora do androcentrismo por meio da pesquisa-ação com os licenciandos em Arte, neste
momento final de sua formação.
O gráfico 1 ilustra a tematização de artistas homens e mulheres entre 2012 e 2016. A cor
azul representa a abordagem de artistas mulheres e a cor vermelha a de artistas homens. O número
nos eixos de valores apresenta a quantidade numérica de artistas tematizados variando entre zero e
trinta.
Fonte: BATISTA (2017, p. 101)
7 O grafiteiro guarapuavano Édi Junior foi utilizado como tema de um projeto de estágio do grupo B, ilustrando
interesse por artistas locais, um aspecto que não foi abordado nesta pesquisa, mas também mereceria estudos adicionais,
pois há muitas artistas mulheres no Paraná e na mesorregião Sul. Um exemplo é Keila Alaver, que teve grande destaque
na mostra “Útero do Mundo” (MAM, São Paulo, 2016), com curadoria de Veronica Stigger. Detalhes disponíveis em:
<http://mam.org.br/exposicao/o-utero-do-mundo/>. Acesso em: 28/06/2017.
0
5
10
15
20
25
30
2012 2013 2014 2015 2016
Gráfico 1: Abordagem de artistas homens e mulheres em projetos de estágio de 2012 a 2016.
Artistas mulheres artistas homens
10
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O gráfico 1 expressa a disparidade entre a quantidade de artistas homens e mulheres em
projetos de estágio entre os anos de amostragem, sendo que o ano de 2014 chegou mais próximo de
equiparar a representatividade entre os sexos. Após a prática de pesquisa-ação realizada em 2016,
ocorreu o aumento na quantidade de artistas homens e de mulheres devido à soma dos dados do
grupo A com os do grupo B.
Conclusão
O desenvolvimento da pesquisa-ação e os dados quantitativos resultantes da inserção de
artistas homens e mulheres em projetos de estágio ilustram a necessidade de a formação de
professores de arte incluir leituras e discussões acerca do androcentrismo e buscar estratégias que
proporcionem a inclusão de artistas mulheres no currículo de arte.
A nossa prática revelou que a pesquisa-ação é um método apropriado para o
aperfeiçoamento de currículos de formação de docentes de arte, pois engaja estudantes na luta
contra o apagamento e a desqualificação de mulheres artistas, com vistas a influenciar suas práticas
profissionais futuras. Salientamos a importância da inclusão das temáticas de gênero em ementas
de disciplinas do curso de Licenciatura em Arte pesquisado, principalmente aquelas sobre
diversidade. Tal estratégia tende a garantir a abordagem de tais temáticas, independentemente das
preferências e interesses do/da professor(a) que lecionará as disciplinas, ampliando as
oportunidades de promover a desnaturalização do androcentrismo. Afinal, assim como o currículo
pode legitimar uma visão dominante, ele também pode ser transformado num instrumento de
representação de ideias de grupos subrepresentados.
Referências
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. Trad. Alexandre Krug; Valter
Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BATISTA, Valdoni R. Rauen. A desnaturalização do androcentrismo por meio de uma prática de
pesquisa-ação no estágio de licenciatura em arte-educação da Unicentro. 2017. 144 páginas,
Dissertação de Mestrado em Educação. Orientadora: Margarida Gandara Rauen, UNICENTRO,
Guarapuava, PR.
BATISTA, Valdoni R. Rauen, Margarida Gandara. O androcentrismo em projetos de estágio da
Licenciatura em Arte-Educação da Unicentro: 2012-2015. In: XII Simpósio De Arte-Educação:
Criatividade E Ludicidade. Guarapuava, 2016, Anais em meio digital, 2016. Em construção.
11
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 6 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2009.
______ Razões práticas: Sobre a teoria da ação. 9ª Ed. Trad. Mariza Correa Campinas; Papirus.
2008.
______ O Poder Simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998
______ Lições da aula. Trad. Egon de Oliveira Rangel. São Paulo: Ática, 1988.
BRASIL. Parâmetro Curriculares Nacionais: Orientação sexual. MEC, Secretaria de educação
fundamental, Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de. et al. Inclusão da temática de gênero no curso de pedagogia
da Universidade Federal da Paraíba: primeiro passos. Espaço do Currículo, Campina Grande, v.7,
n.2, Maio a Agosto 2014. p. 262-275. Disponível em:
<http://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/viewFile/rec.2014.v7n2.262275/11382.>. Acesso
em: 27/06/2017
DIONNE, H. A, Pesquisa-ação para o Desenvolvimento Local. Trad. Michel Thiollent. Brasília:
Liber Livro, 2007.
FONSECA, Rui Pedro. Carreira, arte feminista e mecenato: uma abordagem à dimensão económica
do circuito artístico principal sob uma perspectiva de género. Sociologia, Revista da Faculdade de
Letras da Universidade do Porto, Vol. XXVI, 2013, pág. 113-137. Disponível em: <
http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/11883.pdf>. Acesso em: 13/06/2017.
LOPONTE, Luciana G. Gênero, educação e docência nas artes visuais. Educação e Realidade, V.
30, nº 2, Porto Alegre, RS: jul/dez 2005. p. 243 – 259.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Arte.
Curitiba, 2008.
VAZ, Adriana. Instituições Culturais: Gênero Narrativa e Memórias. Revista Científica FAP.
Curitiba, v.4, n.1, p. 1-19, 2009.
ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica Feminista. In: BONNICI, Thomas. ZOLIN, Lúcia Osana (Org.)
Teoria Literária: Abordagens Históricas e Tendências Contemporâneas. 3 ed. Maringá: Eduem,
2009, p. 217-242.
Action Research as a tool for the denaturalization of androcentrism in Art teacher education
Abstract: This paper draws on Pierre Bourdieu’s theories and on the concepts of negative symbolic
value, symbolic value, habitus and symbolic violence in order to challenge androcentrism in
practicum projects that were developed by students of the undergraduate degree program of Art
Education at Universidade Estadual do Centro-Oeste, Paraná (UNICENTRO/ Midwestern State
University). After appraising the practicum portfolios that were made by students who graduated in
this program from 2012 through 2015, we verified the rare mention of women artists, which
prompted us to seek alternatives to improve their inclusion in pedagogical practices. We applied the
method of action research (DIONNE, 2007) in the Supervised Secondary School Practicum course
12
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
during the first semester of 2016, having engaged nine Art Education students who were enrolled in
the fourth year of the program. The action-research practice comprised the following steps: readings
and discussions about gender issues in the Arts and in the teaching of Art; presentations and
research pertaining to works by women artists who have challenged androcentrism; selection of
strategies to include the names of women artists in practicum projects. A journal was written during
the action-research practice, and quantitative data regarding the inclusion of men and women artists
were arranged in figures that allow for a comparison between the results obtained from the nine
students who participated in Group A, and nine others who did not and joined a control Group B.
The practicum projects in Group A featured more women artists than those in Group B, which
suggests both the efficiency of the action-research method, and the need for UNICENTRO’s
undergraduate Art Teacher Education program to foster discussions about androcentrism, as well as
adding gender diversity contents in its curriculum and course descriptions.
Keywords: culture, gender, curriculum, teaching of art