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Seminrio Internacional Fazendo Gnero 11 & 13th Womens Worlds Congress (Anais Eletrnicos),
Florianpolis, 2017, ISSN 2179-510X
NARRATIVAS DE UMA MIGRAO ESQUECIDA: A "PEQUENA"
HISTRIA DE UMA MULHER FRONTEIRIA.
LOSANDRO ANTONIO TEDESCHI.1
Resumo: As histrias narradas pelas mulheres, sobretudo, quando relembram minuciosamente os deslocamentos
migratrios, desde o momento em que tomaram conhecimento das terras alm-fronteiras, os arranjos familiares, as
relaes de gnero revelam uma outra histria sobre migraes. Assim, migrar sair do seu lugar, envolvendo
processos de desterritorializao e reterritorializao, que no so necessariamente sucessivos nem ordenados. Tem
um significado importante para as identidades de gnero, pois modificam em alguns casos, os tradicionais papis
femininos, e em outros, pereniza as continuidades das representaes de gnero. Este texto filia-se a corrente
historiogrfica conhecida como Histria das Mulheres, que nos desafia a pensar o papel feminino nas vrias
perspectivas de abordagem na histria, nesse caso, o das migraes femininas contemporneas. Distante de toda
pretenso de representar, as demais narrativas femininas nesse processo, minha anlise ainda arbitraria e limitada,
produto desse cruzamento de leituras, entrevistas, visitas, conversaes, encontros pontuais, resultados de anos de
pesquisa em comunidades de assentamentos rurais na fronteira brasileira. A anlise dessa narrativa migratria transpe
os espaos e tempos cronolgicos e revelam uma realidade multifacetada de trajetrias que se diversificam, abrindo
espaos para experincias de re-existencias e de posicionamentos individuais e coletivos.
Palavras- chave: Migraes, Gnero, Fronteira, Histria das Mulheres
INTRODUO
Esse texto resultado de um estudo que se dirige aos grupos de mulheres camponesas
situadas em ambiente fronteirio no Brasil e no Paraguai. Este trabalho est centrado nas histrias
de mulheres migrantes camponesas brasiguaias, particularmente na narrativa de deslocamento de
uma personagem que vivenciou esse processo, que ao narrar pelas suas palavras esse
acontecimento, define suas posies de deslocamento, recriando sua vida familiar e social pelo ato
de contar.
Ao ouvi-las2 pretendia observar os vrios enredos usados na elaborao de um discurso
sobre a experincia passada e presente. Mais do que indagar sobre a memria, me interessava o
esquecido, o silencio, aquele trajeto, fato, ao performativa, capaz de formar e subverter o
relato, de parecer sem ser chamado em uma simples conversa, numa realidade que convive com o
cotidiano, ainda assim emergir, sem mostrar-se, formado parte da histria comum e cada biografia,
histria de vida. Essa conversa livre permitiu uma maior intimidade construda ao longo do
processo de intercomunicao de uma rede dialgica que foi sendo construda por uma lgica
1 Doutor em Histria, professor da UFGD/MS, pesquisador produtividade em Pesquisa no CNPq e coordenador da Ctedra UNESCO Gnero e Fronteiras. 2 Escrevo no plural, porque so vrias entrevistas que realizei com mais de uma dezena de mulheres, totalizando aproximadamente 65 horas de gravaes, registrando seus relatos, suas narrativas. Nesse texto especificamente, reflito e analiso o relato de uma migrante camponesa brasiguaia, sua histria referencial sobre essa temtica.
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individual, como um fio condutor, relatos que se abriam e fechavam logos, como um relmpago,
numa rotina de vozes e gestos, tomando emprestadas as palavras de Leonor ARFUCH (2013.
P.15).
2 - UMA HISTRIA DE DESLOCAMENTO.
(...) Fazem 15 anos que ando pelo mundo... a lona no
mata o peo, mas encolhe .(D. Maria.)
Com delicadeza e um dedo de ironia, dona Maria3, com seus 54 anos, nos recebe em seu lote
no assentamento Santo Antnio no Municpio de Navira no MS. Um dia quente do ms de
novembro, chegamos em sua casa por volta das 9 horas da manh. Panelas no fogo a lenha, roupas
no varral, animais a solta no ptio da casa, msica na cozinha, provavelmente de uma rdio local,
ela nos aguardava com um ar de satisfao, como quem recebesse um familiar, um amigo distante.
J havamos feito um contato anteriormente, via um aluno bolsista do projeto projovem
campo Saberes da terra, e nossa inteno era ouvir sua histria de descolamento4, de migrao para
o Paraguai em anos anteriores. Ouvi-la sobre esses deslocamentos sobre os lugares chegados, e
outros lugares deixados5 no sul. Agora j em seu lote, nos recebe e tranquilamente como uma
sulista, nos oferece um chimarro, marca registrada dos migrantes gachos, smbolo da
hospitalidade e acolhida.
Minha inteno era ouvir e registrar essa memria feminina6 esquecida, apagada, uma
lembrana no registrada nas pginas da histria regional brasileira. Suely Koffes7 nos alertava que
3 D Maria uma camponesa assentada migrante brasiguaia, 56 anos, que reside no assentamento Santo Antnio no municpio de Navira no MS. Me de 03 filhas, mora sozinha no lote, lder comunitria. Essa entrevista foi feita no dia 14/15 de novembro de 2013 e 04/05 de maro de 2014. ENTREVISTA: Maria A. Neto Neves. (udio-mp3). Produo: Losandro Antonio Tedeschi. Dourados: UFGD, 2013/2014. 230 min. (aprox.), son. 4 Como afirma Marcia Anita Sprandel (2005, p.26): A travessia de fronteiras poltico-administrativas internacionais detentora de uma srie de circunstncias para o sujeito em deslocamento, especialmente em funo do controle dos Estados nacionais, gerador de tipologias, identidades e, muitas vezes, criminalizaes. Da a importncia de etnografias que apreendam como grupos sociais narram a sua histria e a histria de vida de seus membros, a partir de categorias prprias. Pensar esses grupos sociais com a categoria migrantes e seus deslocamentos como migrao tem, historicamente e politicamente, obscurecido situaes e trajetrias de vida diversas, negando o papel fundamental das estratgias de reproduo social na tomada de deciso para mudanas espaciais e adaptaes a novos cenrios. SPRANDEL, Marcia Anita. Algumas observaes sobre fronteiras e migraes. Fronteiras/ Artigos, 2005. 5 Uso esse termo lugares chegados, lugares deixados a partir da concepo de GOUTERTD, Jones Dari na obra O espao e o vento: olhares da migrao gacha para Mato Grosso de quem partiu e de quem ficou. Editora UFGD, Dourados, 2006. 6 Na acepo de Michelle Perrot.
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a memria, matria prima da histria construda nesse jogo do esquecimento e da lembrana,
nesses conflitos entre os agentes que permitem lembrar ou probem esquecer. Entre o narrvel e o
inarrvel.
Sa de minha casa em Corblia no Paran SC, tinha 09 anos e trabalhava na roa, morava
num vilarejo, catava n de pinho em cascavel em certos perodos. Era to triste que no podia
pegar muito na mo devido a ter muitos espinhos, e ai aos 15 anos eu fugi (risos) em maro
num domingo de pascoa, no aguentava aquela vida e fui para cascavel, morei na cidade,
trabalhava de tudo um pouco, era bem novinha e ai um dia decidi casar e que iriamos para o
Paraguai. Em 1974 fui ao Paraguai, e s sai de l definitivamente com 45 anos (...) um tempo
que ficamos no barraco meio c e meio l, sem destino. Foi em 1974 que mudamos para
santa helena no Paraguai. Fomos para Puerto Adlia, peguei as roupinhas coloquei dentro de
um saco eu e meu marido. Apenas ns dois, e fomos embora, porque a vida no era boa aqui
no Brasil, no havia terra, emprego a situao era muito difcil.
Ao expressar a sua sada do Brasil, eu fugi, D Maria nos remete ao entendimento de uma
experincia marcada desde cedo pelo sofrimento e trabalho duro na roa. Entre viver e resistir no
local, preferiu fugir. Ir-se para o outro lado. Quem sabe esse fugir tenha a haver como uma
possvel perspectiva de progredir, fugir do problema de no ter terra possivelmente. As condies
materiais nesse perodo, falta de terra, problemas com a famlia, poca da ditadura militar, censura
etc.
Ao abordar as migraes femininas a partir da tica dos estudos de gnero, tem-se
evidenciado que para muitas mulheres que saem em busca de novas condies de vida, representam
tambm um desejo de fugir de um modelo de sociedade sexualmente opressora, hierarquizada,
onde a famlia um dos espaos que recriam e reproduzem a desigualdade de gnero e papis
sociais.
Fomos de Cascavel PR para Puerto Adlia, Paraguai moramos 05 anos. Trabalhvamos na
lavoura, morvamos num stio de um brasileiro, fomos para uma posse, onde o sujeito
comprava o direito do outro, moramos numa posse de um compadre, e foi l onde nasceu as
filhas (silencio) eu j tinha as 3 filhas quando sai de Puerto Adlia. Fiquei 30 anos no
Paraguai, a terra se vendia o direito e se comprava, plantvamos milho, algodo, feijo,
somente ns dois, vida muito difcil, sem segurana, com medo.
O momento da mudana e da adaptao para D Maria no outro espao dava-se pela ligao
com outras famlias brasileiras no Paraguai. Lugares novos, pessoas diferentes, ajustes que
precisavam ser feitos, sejam de adaptao de papis atribudos a cada um no processo migratrio
para o Paraguai, D Maria passa a se constituir como sujeito, ao ter que enfrentar um outro espao,
um outro lugar e ter que conviver ativamente nesse espao, atravs de seu trabalho.
Ao ouvi-la narrar, vamos lentamente entendendo o cruzamento das esferas pblica e privada,
sem dvida, agora como sujeito de um mundo rural, alm fronteira, fazendo parte de um novo
7 KOFFES, Suely. Uma trajetria, em narrativas. Campinas-SP, Mercado das Letras, 2001.
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microcosmo social que afeta a maneira como viam as dimenses do pblico e do privado do
masculino/feminino com significativas relaes com o cotidiano no Brasil.
3 - No tive ningum que me ajudasse.
Ao chegar l foi muito sofrido, tudo diferente, desconhecido, para ir a igreja tudo era a p. O
momento mais difcil era quando era para ter os filhos, no tinha condies nenhuma, sem
hospital, tudo por parteira, eu ficava com medo da parteira, eu no conhecia ela e no tinha
segurana. A gente sofreu muito, e a Luzia (filha) ganhei sem parteira, sem remdio, sem
acompanhamento mdico, nada. Ganhei a filha sozinha!!! No tinha dinheiro para nada
naquele lugar.
Ao dizer que era tudo sofrido l, a narrativa de vida de Maria apresenta uma espcie de
cartografia, como se a memria de si mesma se vinculasse estreitamente aos lugares em que
residiram s muitas viagens e mudanas domiciliares ao longo da sua histria. A atribuio de
sentido ao curso de suas vidas (e a avaliao moral que a companha a construo dos enredos) est
intimamente articulada aos espaos percorridos e aos sentidos que atribuem a tais espaos, de modo
que a seleo dos episdios para a narrao autobiogrfica privilegia situaes ou aes que
envolvem o abandono, procura e ocupao de lugares e moradias.
Quanto segunda condio (gnero), as histrias autobiogrficas das narradoras constroem
sentidos importantes sobre o feminino naquele contexto sociocultural, enfatizando, mais
particularmente, o empoderamento feminino em relao a estar sozinha e cuidando dos filhos. De
fato, em sua prpria histria, as mulheres inserem as trajetrias de seus familiares e percebe-se que
sua histria se mescla com a famlia, os deslocamentos, casamentos, dificuldades, violncias.
A metfora desse processo tecida a cada dificuldade vencida, articulando sua vida aos
novos desafios que esto porvir. Esses transcendem a vida pessoal, o vivido avaliado como
sofrimento, uma experincia que ao memorizada atravessar geraes e que d sentido ao conjunto
de episdios em que foram protagonistas e observadoras. Elas reconstituem assim sua memria
pessoal no cruzamento com a memria coletiva, fazendo uso criativo da forma como contam sobre
o passado, religando a sua existncia de uma coletividade passada e presente.
A histria de vida de D Maria e de tantas outras mulheres brasiguaias nos apresenta uma
espcie de hibridizao sobre o lugar chegado e a nova identidade de gnero assumida,
J estava sem marido porque me separei(...) a coisa estava difcil, tive que me adaptar aquele
lugar, no tinha quase o que comer(...) e um dia eu coloquei uma galinha em baixo do brao e
sair a vender em Puerto Adlia. Andei o dia inteiro com a galinha embaixo do brao e no
consegui vender, encontrava os coitados dos brasileiros com as galinhas embaixo do brao
(rsrsr) era uma vila paraguaia...mas ela tinha cartrio de registros essas coisas, mas no tinha
hospital, quem tinha condies de vir para o Brasil, vinha, mas a grande maioria no tinha(...)
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A idia do retorno era algo que no abandonava D Maria, quem tinha condies de vir ao
Brasil, vinha, uma espcie de ferida que no se curava. O retorno sempre presente no dia-a-dia nas
dificuldades do cotidiano, confrontando uma adaptao forada pela circunstancias da vida, uma
tentativa de adaptao de enraizamento8 no novo lugar.
D Maria sabe que no pode retornar, mas, tem que enfrentar o presente, mesmo que a luta
cotidiana da resistncia e da construo requer um olhar para frente, olha-se para o futuro, mas o
passado tem seu lugar na memria. Jones Dari (2008: p.135) nos diz que a migrao uma estrada
com placas de sinalizao indicando para frente, atrs delas apenas os rabiscos das lembranas e
raras setas de retorno. O sentimento de ir para um lugar para uma vida melhor requer o
entendimento que o lugar deixado, o lugar de origem se esgotou ou no oferece mais a
possibilidade de vida.
(...) No tinha como retornar mais ao Brasil (...) de Puerto Adelia continuamos
seguindo dentro do Paraguai. Vou para outra fronteira (Cerro Fortuna) isso foi em
1980. Dava uns 30 km da cidade de sete quedas, era um mato, o primeiro socorro
era um tal de doutor dos ndios, um alemo que dava remdio para os ndios.
Fomos para Cerro Fortuna para ficar perto das parentes. Fazia 9 anos que estvamos
rodando com a mala sem se aproximar da famlia, era um monte de sitio, fazenda,
perto de uma aldeia os ndios olhavam para ns com desconfiana, o lugar era
conhecido como o fundo do saco, no tinha estrada para frente, nada mais, tinha que
voltar, era o fim de tudo... sem hospital, sem escola, sem nada, lugar de ningum (...)
o fim da rosca (risos).
Sayad (1998) e Gotterd (2008) nos apontam que os deslocamentos migratrios so
mobilidades de pessoas entre espaos fsicos e simblicos, deslocamentos que muitas vezes no so
uniformes, reconfigurando-se novas realidades e espaos sociais. Ao afirmar que era o fim, D
Maria esta colocando-se um limite, no apenas de um espao geogrfico do lugar em si, mas
tambm toda a representao que esse espao coloca a sua frente, os valores, a famlia, o grupo
social que ficou etc....Um lugar sem nada uma expresso de no pertencimento, de lugar
nenhum, e nesse sentido ser ningum, estrangeira, num no-lugar.
Marc Aug (2015) ao falar dos no-lugares como um espao de passagem incapaz de dar
forma a qualquer tipo de identidade, nos aponta que esses espaos de fronteira so permeados de
pessoas em trnsito. So espaos de ningum, no geradores de identidade, de pertencimento.
8 Segundo WELL, 0 seres humano tem uma raiz por sua participao real, ativa e natural na existncia de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Participao natural, isto , que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profisso, do ambiente. Cada ser humano precisa ter mltiplas razes. Precisa receber quase que a totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual, por intermdio dos meios de que faz parte naturalmente WELL, Simone. O Enraizamento. Bauru: EDUSC, 2001, pg.8
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Mesmo que perto da aldeia dos ndios, e perto dos parentes, D Maria se coloca fora de seu
lugar (o seu de origem) estando ao mesmo tempo num lugar que no prprio, distinto, diferente,
o fim. No notei uma conotao negativa ao relatar esse espao, mas sua caracterstica de
instabilidade, transitoriedade de no-lugar.
No h como passar despercebida a angustia na narrativa, num lugar estranho, insalubre,
sem condies de cuidado ao corpo, as filhas, a sua condio como ela mesma diz de mulher
sozinha. O lugar de ningum que D Maria expressa, um lugar diferente, um lugar
estranho, e por ser em outro pas, em regio de fronteira tambm um entre-lugar.
Homi Bhabha (1998) ao abordar sobre as territorialidades transitrias em experincias
fronteirias, nos coloca a experincia de sujeitos entre-lugares, como espaos de reflexo,
renovao e de novas formas de arranjos sociais. Uma espcie de temporalidade em construo e
contradio social que interativa e intersticial, uma intersubjetividade insurgente que
interdisciplinar (idem, p.315), espaos de fronteira, de contatos com o outro, produo de novas
subjetividades que so resultadas do cruzamento de novas representaes e estratgias de
sobrevivncia. H um estranhamento entre mundos, o de l e o de c, que vo aos poucos criando
micros realidades e pontos de contato com aquilo que considerado uma experincia ou histria
marginal.9
(....) fim de tudo, de tanto sofrer a gente acaba lembrando, hoje com alegria esse sofrimento;
naquele lugar nasceu a minha filha mais nova...e com 03 meses deu pneumonia...no tinha
nenhum recurso, eu tinha que inventar coisas para sobreviver. Coloquei umas bolsas de arroz
em cima de um caminho para vender e embarcamos. O caminho s tinha uma luz...e chovia
muito, atolando.... e pegamos a estrada e chegamos em sete queda. O doutor examinou e
falou que a percentagem de vida dela era muito pouca... se morrer voc no fica triste
porque voc demorou muito a traze-la e ela escapou por um fio de linha, a minha filha (
lgrimas). Desse lado da fronteira os remdios do doutor dos ndios no resolviam esses
problemas (...)
interessante observar que Maria interpreta as dificuldades que vivenciou como uma
espcie de estratgia de resistncia, uma engenhosidade e arte do cotidiano, coloquei umas
bolsas de arroz no caminho para vender. Essas estratgias do cotidiano so marcadas por uma
multiplicidade de acontecimentos que aos olhos das pessoas, no passam de continuidades de um
contexto maior. aquilo que Michel de Certeau (1994: p.79) nos fala das micro resistncias, das
9 Ressalto que a expresso histria marginal aqui entendida como aquela histria do sujeito que esta as margens de qualquer meio social, poltico, econmico, indo ao encontro do que Michelle Perrot nos fala da Histria dos Excludos das mulheres, negros etc.. que no existiram para a histria, e integraram a desigualdade sexual, a marginalizao, a desvalorizao das atividades femininas, corroborada pelo silncio historiogrfico. A respeito das mulheres, essas possuem uma histria e que perfeitamente possvel escrever outras histrias atravs dos vestgios deixados por elas.
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criaes annimas, das prticas que o autor denomina de forma peculiar, como artes de resistir,
comer, falar, morar, cuidar, maneiras de utilizar sistemas impostos.
Essa narrativa se passa nas margens em desdobramentos surpreendentes de condies
annimas, em artes cotidianas, que alteram o que lhe dado, refazendo o que est posto. Em
nome da sobrevivncia de sua filha, D Maria cria tticas e astcias em prol de uma outra
sobre/vivencia. So esses detalhes narrados que passam a ter uma grande importncia ao interesse
da coletividade que migra em seu contexto, nas dinmicas internas dos grupos migrantes, na
micropoltica, nos micros poderes, nesses espaos fronteirios que se articulam as diferenas e em
que se lutam por particularidades para uma vida melhor.
4 - Fiquei sozinha e quase abracei o co.
A migrao feminina para o Paraguai, desde os anos 7010 no foi em muitos casos um
processo linear, mas feita de desvios, de trnsitos de l e de c11 retornos, idas e vindas. A
multiplicao dos lugares chegados e dos lugares deixados nos deslocamentos fronteirios no
aleatria, constitui ou acaba formando uma estratgia, na qual os espaos vo se tornando
experincias do vivido e so considerados como recursos, num processo cumulativo de experincias
outras de terra pior e terra melhor. Ou seja, independente das expectativas construdas no lugar
de destino, as trajetrias migratrias so dependentes do ciclo de vida das mulheres migrantes. Um
fator importante sem dvida o casamento, ou a crise da reproduo da pequena propriedade
familiar no Brasil devido a falta de terra. Mas o planejamento do ciclo de vida, tanto individual
quanto familiar a questo central que define as trajetrias migratrias. Os usos dos espaos, da
reproduo dos mesmos de acordo com esse planejamento orientam a mobilidade e autonomia das
mulheres migrantes.
Ao migrar para o outro lado, o outro territrio D. Maria vai lentamente ao encontro de
prticas de desestabilizao de representaes calcadas em figuras classificatrias dos gneros,
sejam eles sexuais, raciais, tnicos ou outros quaisquer. Ao dizer que o doutor dos indios no
resolvia o problema de sua filha, e tudo era no meio do mato, ela est num movimento de
10 Dentre os motivos apontados para a grande leva de imigrantes brasiguaios foram a construo da usina de Itaipu, a modernizao da agricultura no Brasil e incentivos do governo Paraguaio da poca militar, a crise com a escassez de terra no Brasil, alm da imposio de dificuldades para a permanncia destes sujeitos no Paraguai pela modernizao do campo, avano do agronegcio e instabilidade jurdica dos ttulos das terras em lado paraguaio. Ver: BALLER, Leandro. FRONTEIRA E FRONTEIRIOS: A construo das relaes sociais e culturais entre brasileiros e paraguaios (1954-2014). Tese de doutorado: UFGD, 2014 11 GOETTERD P.110
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foras/fluxos desenhando certas composies e desfazendo outras; que poderiam ser possibilidades
de mudanas, ou de justificativa por estarem naquele lugar, aglutinaes de novas realidades e
lugares, produzindo diferentes leituras sobre o seu estado naquele momento. Suely Rolnik12 aponta
que :
notrio o mal-estar que tal disparidade mobiliza: h sempre um ou mais personagens
tomados por um estranho estado de desterritorializao, como que perdidos numa terra
desconhecida sem, no entanto, sequer ter sado do lugar. So os momentos em que os
personagens mais se apegam ao gnero, como numa espcie de tbua de salvao; passam a
reivindic-lo em altos brados e, raivosamente, atribuem ao gnero oposto a origem de seu
desassossego. Este estado por vezes os leva a agrupar-se e o tumulto ento se avoluma.
A desterritorializao o movimento pelo qual se abandona o territrio, a operao da
linha de fuga e a reterritorializao o movimento de construo do territrio (DELEUZE e
GUATTARI, 1997: p.224); abandonar o territrio, ir ao encontro do inesperado, do novo. Esse
processo de desterritorializao visto como ruptura das estruturas que h muito tempo foram
estabelecidas e que assusta, principalmente, por mudar o cotidiano, as relaes, o espao e
percebido e valorizado quando se tem a certeza de que este ser transformado, vindo a gerar,
posteriormente, angstia e insegurana populao alocada em outra localidade.
De l, do fim do saco, samos e fomos para Catuete e nesse momento eu me separei, no
aguentava mais, pois era muito sofrido tudo isso (...)e o medo de vir embora para o Brasil
passar fome? Deus me livre. Ai eu trabalhei de ajudante de cozinheira, trabalhei de tudo um
pouco, carreguei carreta de madeira, trabalhei na serraria s faltou dar um abrao no co(...)
de to difcil(...) a gente no aguentava, la na cidade tinha que trabalhar pagar aluguel com 04
filhas, tava lascada (silencio). Com as 4 filhas, o (ex) marido tinha sumido e fiquei sozinha
com as 4 meninas. Pensei em voltar para o Brasil, mas a vida estava muito difcil no Brasil,
eu fiquei no Paraguai, a mais nova tinha 03 anos e mais a velha 10 anos, fomos morar no
sitio. L a cobra fumou! Roei mato, etc. l era um lugar s de origem, at os paraguaios
falavam alemo, s gringo e alemo. La geralmente as mulheres casadas s com brasileiros
etc. Roamos o mato, derrubamos o mato... a gente fez uma lavoura muito grande de soja.
Tiramos a madeira carregada em carroa e lavamos para a serraria .... Cortvamos aquelas
carroadas de cana. Fazamos melado. Tinha vaca tirvamos leite. l era mais fcil de
vender as coisa.. eu fazia queijo.. Vendia miudezas, eu tinha que tirar dinheiro de qualquer
lado.
A vontade de falar de D Maria tamanha que ao narrar sobre si mesma, a partir das
questes de dificuldades apontadas acima, do casamento, da separao, do trabalho pesado, nota-se
que nessa narrativa a presena do cuidado sobre a famlia o epilogo fundamental, casava-se s
com brasileiros. Ao no fazer referncia a sua vida presente, e ao dizer que aquilo tudo j
passou, h uma caracterstica marcante no relato. Ela apresenta-se como uma trabalhadora,
descreve-se essencialmente como algum que faz de tudo e enquanto fala de si mesma, reflete o
espelho de sua vida pretrita. H nas entrelinhas, nesse entre-lugar um silencio prprio que
12 ROLNIK, SUELY. Guerra dos gneros. Revista ESTUDOS FEMINISTAS, 123 N 1/96 p.119
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testemunho de uma verdade que precisa ser calada, no dita. A questo da violncia de gnero me
separei e no aguentava mais...tudo muito sofrido.13
O tom que ela narra sua vida, demonstra aquilo que considerado o universo principal das
mulheres que migram e que podem perfeitamente se perceber nas entrelinhas do discurso o
confronto com o mundo masculino: uma mulher sempre tem o que fazer e nunca para em funo
do marido. Nota-se que os relatos so marcados por grandes desgastes fsicos e emocionais, no
aguentava mais e me separei, de acumulo de problemas de gnero e de carncia material.
Certamente so cicatrizes de um perodo que ainda no se fechou, e que ao ser
rememoradas trazem a luz essa dor. Mas, particularmente penso que vai alm disso, por mais duras
as condies de vida na fronteira as longas jornadas, o mato, os mosquitos, a fome, o outro, a
cerca, a polcia, a m nutrio, era o fim, no tinha nada para comer as narrativas no terminam
como se fosse uma denncia, um arrependimento, mas sim um desabafo pela dificuldade
encontrada.
Em Catuete depois de 03 anos conheci um homem, pensei: vou me encostar nessa arvore que tem
folha (risos). Por um acaso pousei num hotel e apareceu um casamento para mim e conheci o danado
do camarada. Quem sabe dessa vez eu acertei? (Risos) se aceitar minhas filhas eu caso com o senhor,
disse a ele! e ai ajuntamos os panos. A vida foi mais tranquila por um certo tempo. Moramos l uns
trs anos, e ai voltamos para Paloma, porque as coisas comearam a ficar pior. L em Paloma que eu
fui trabalhar de coveira. Fui para Paloma porque os filhos dele quiseram tomar conta do sitio, e como
eu no era dona de nada tivemos que sair. Trabalhei um ano e seis meses de coveira... catava algodo,
morvamos provisria num terreno, para voc ver como a vida era difcil, tinha agua encanada mas
no tinha chuveiro, que sofrimento quando me lembro (...) o banheiro era la pro lado de fora, no
havia privacidade nenhuma. a gente tinha que se esconder para tomar banho, era muito difcil tudo
oque voc fazia no revertia em nada.. a vida era muito difcil(...) era muito difcil... tudo na vida fui
sozinha. Tinha minhas 04 filhas pra cuidar(...) no conta ter marido nessas horas, mas eu sempre
sozinha, em nenhum momento poderia pensar de deixar de trabalhar, pensar na comida, comprar um
short de xita (risos) para as gurias(...) A gente precisava ganhar onde a gente aparecia dinheiro a gente
fazia... depois que a gente faz esse tipo de servio no deixa de fazer. Abrindo a cova para enterrar do
lado do outro caixo, ai me bateu algo em mim e pensei: porque eu estou nessa vida? Ai lembrava
dos filhos e acabava a tristeza, estava gravida do meu filho quando fui enterrar uma criana que
morreu, e eu pensei: Que estou fazendo? (Silncio e lagrimas) foi muito difcil.
Uma anlise mais detalhada permite verificarmos que nem as circunstancias que motivaram
tal acontecimento casei de novo, nem o acontecimento em si, constituem o dado mais relevante
na vida dessa camponesa migrante. O que parece realmente importante no relato de D Maria sua
atuao enquanto narradora. "O narrador retira da experincia o que ele conta: sua prpria
experincia ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas experincia dos seus
ouvintes, (BENJAMIN, 1994, p.201).
13 No significa que esse assunto fluiu sem nenhum tipo de censura, de espaos no percebidos de fala e do dilogo, h momentos de silenciamento sobre fatos do passado, percebidos nas entre-linhas de nossa conversa.
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Assim, os relatos de vida e de vidas configuram a reflexo do presente entre as suposies e
saberes que organizam um mapa contendo os caminhos e os desvios, entre as informaes que
marcaram essa trajetria. Algo que, dependendo da escala, visualiza uma representao mais
prxima possvel da realidade do espao vivido, a forma como reagiu a situao, como encara o
novo casamento, seu prprio comportamento e aes diante do cotidiano na fronteira. As desgraas,
o trabalho sem valor, os perigos, o sofrimento, servem para evidenciar sua coragem, trabalhei de
coveira, abria a cova para enterrar, que tristeza(...) Sua resistncia, determinao, sua
capacidade de suportar a situao, de tentar sair dela: marido no conta nessas horas, tudo
muito difcil.
Na vida sempre fiz tudo sozinha, tem como componente principal o esboo de sua
topografia, uma paisagem onde se produz uma verdadeira etnografia na reconstruo de um
cotidiano, de modos de vida e prticas culturais e sociais. Esse lugar das mulheres, que apenas
um sinal, como diz Michelle Perrrot (2005) narra-se o vivido atravs das palavras, imagens,
discursos e situaes que caracterizam o dia-a-dia no outro lugar: doenas, violncia, morte,
poltica local, assassinatos, trabalho, festas, esperana. Confere-se a D Maria o poder de dizer,
dizer-se, dizer-nos, o poder de narrar com sua singularidade um mundo onde tudo e no , um
lugar em trnsito: entre campo e cidade, entre atraso e progresso, entre o fim e o inicio.
H uma polissemia de sentidos na narrativa de D Maria, ao ouvi-la narrar a no privacidade
sobre o seu corpo, eu observava sua expresso facial, seu timbre de voz, suas risadas. Esboando
questes de sua mobilidade e existncia e consequentemente um substrato da cena de seu fio de
Ariadne narrativo tentando se aceitar/adaptar no novo lugar.
Esse novo lugar, de jeitos e sujeitos diferentes, tendo na voz das mulheres o protagonismo
da narrativa, nos leva a lembrar uma pergunta de Paul Ricoeur (Apud Koffes, 2001, p. 123): Como
poderamos falar de histria de vida, histria de uma vida, se esta no estivesse reunida e como
estaria reunida seno na forma narrativa? Suely Kofes (2001) ao analisar as tramas e enredos de
personagens, nos aponta que indissocivel a histria de vida com a narrao, uma histria
marcada pelas experincias, uma narrativa de vida como a vida vivida.
Ao ouvir as histrias de mulheres migrantes brasiguaias, especialmente de D Maria,
revelou-se a mim como historiador e feminista outros mundos, outros sonhos, outros olhares, outras
gentes, esquecidas, apagadas, silenciadas. Estimulou a minha vontade de cruzar fronteiras, dentro
de mim mesmo ou aquelas que nos separam dos outros, de outras culturas, estilos de vida, papis de
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gnero etc. Fronteiras excluem, definem e subjugam o outro sexo, como diferente, estranho,
perigoso, inferior mantendo-o parte14.
As narrativas faladas, memorizadas, gesticuladas, sentidas ou contadas pelas mulheres,
dissolvem esses limites arbitrrios imposto pelas fronteiras da histria universal masculina.
Cruzamos constantemente fronteiras culturais, de gnero, sociais, polticas muitas vezes sem nos
darmos conta. A histria descrita e analisada acima, apenas um ponto pequeno dentro do mosaico
de outras histrias que constri a narrativa coletiva desses grupos de mulheres migrantes, que ao
serem visibilizadas, possibilitam que todas atravessem essas fronteiras.
A reflexo e a traduo de uma histria de vida em um pequeno texto sempre um
exerccio hermenutico, que desestabiliza, desterritorializa ao relatar as histrias que ouviu. Este
trabalho a traduo de uma histria menor15 desse processo de deslocamento, disperso,
resistncia e luta de uma histria narrada compartilhada de deslocamentos, disperses, dor e alegria.
Foi pensado a partir do desejo de ouvir uma outra voz, uma outra histria, num outro espao, uma
histria de vida dessas mulheres ditas invisveis.
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14 A fronteira como um espao de desterritorializao, onde o sujeito se defronta com os ns e com o eles, esse espao de um territrio significado, pre-visto, de contgio e estranhamento pode ser visto na obra de ANZALDA, Gloria. Borderlands/La frontera: la nueva mestiza. UNAM: PUEG, Mxico, 2014. 15 Coloco o termo histria menor em comparao ao termo literatura menor, na dimenso que lhe foi atribuda por Gilles Deleuze e Flix Guattari (1975), baseada na noo de desterritorializao. A ao de desterritorializar associa-se problemtica da literatura menor, implica um deslocamento provocado por uma descaracterizao cultural, em funo do espao e da lngua, operada por grupos ou subgrupos tnicos, raciais ou culturais que, em dado momento histrico, acham-se submetidos a um processo de marginalizao. Construir a histria, a narrativa, a conscincia de minoria desviar do padro, extrapolar o critrio de medida j conhecido, o menor na histria das mulheres representa a variao, a diferena, a contestao.
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NARRATIVES OF A FORGOTTEN MIGRATION: THE LITTLE STORY OF A
FRONTIER WOMAN.
Abstract: The stories narrated by women, especially when they thoroughly recall the migratory
displacements, since the moment they became aware of cross-border lands, family arrangements
and gender relations review another story about migrations. Therefore, migrating is exiting your
own place involving deterritorialization and reterritorialization processes, which are not necessarily
consecutives nor ordered. There is an important meaning for gender identities, because in some
circumstances they modify traditional female roles and in other circumstances, they perpetuate the
continuity of gender representations. This text signs up to the historiographic current known as
History of Women, which challenges us to think the female role in a variety of perspectives in
history approaches; in this case, the contemporary female migrations. Detached from every
pretension to represent other female narratives in this process, my arbitrary and limited analysis is
a result of this crossing of readings, interviews, visits, conversations, occasional meetings,
outcomes of years of research in rural community settlements in the Brazilian border. The analysis
of this migratory narration transposes spaces and chronological times and reviews a multifaceted
reality of paths that diversify themselves, opening gaps to re-existences experiences and individual
and collaborative positions.
Key words: MIGRATION, GENDER, FRONTIER, WOMEN'S HISTORY.