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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES CIENTISTAS: UM ESTUDO SOBRE OS ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO
DAS CRIANÇAS ACERCA DE CIENTISTAS
Renata Rosenthal1
Daisy de Brito Rezende1,2
Resumo: Os brinquedos estão permeados de estereótipos: as bonecas, dadas às meninas, estimulam o cuidado; os jogos
de montar voltados aos meninos favorecem o desenvolvimento do raciocínio. Aqueles referentes à lógica, mecânica,
eletrônica ou química são socialmente apontados como “de meninos”. Na escola, a professora é a alfabetizadora, mas se
aprende Física com o professor; há 46% de professoras no ensino técnico, e, no infantil, 98%3. Nesse contexto, o
objetivo deste estudo é o de desvelar as visões das crianças sobre cientistas, no que se refere a estereótipos de gênero.
Foi feita uma breve exposição para 63 alunos do 6º ano de uma escola municipal de São Paulo sobre a trajetória de
Rosalind Franklin e suas contribuições à Ciência, omitindo seu nome e gênero. Falou-se da vida de uma “pessoa
cientista” e, em seguida, pediu-se aos alunos que a desenhassem. A maioria das crianças participantes (72%) desenhou
cientistas homens, vários deles com estereótipos característicos, e, ainda, 9% destas representaram mulheres como
assistentes do cientista. Estes dados mostram que são necessárias intervenções precoces em nosso sistema educacional
que contribuam para a quebra de estereótipos e incentivem meninas a ingressarem em carreiras científicas,
possivelmente levando à modificação da situação verificada em 2015, no Brasil, onde apenas 33,1%4 dos graduados em
áreas científicas eram mulheres.
Palavras-chave: gênero, ciência, mulheres, cientistas, estereótipos.
Introdução
A história do acesso das mulheres ao estudo é marcada por uma grande dificuldade em relação ao
ingresso nas escolas e universidades. Elas foram proibidas de estudar desde a criação das universidades
europeias, no século XI, até o fim do século XIX. Nessa época, suas atividades concentravam-se em casa.
Cozinha, costura, trabalhos domésticos, manuais, cuidados com crianças eram algumas das atividades
permitidas e, portanto, “aceitas” pela sociedade.
Com a industrialização, a Educação ganha importância, uma vez que era necessário qualificar e
especializar os assalariados que fariam parte desse sistema. Assim, cursos de formação de professores,
surgidos na Europa no século XVIII, fortaleceram-se no Brasil nas chamadas Escolas Normais, que eram
cursos de segundo grau. Na década de 1970, as Escolas Normais foram substituídas pelos cursos técnicos de
Magistério e, nos anos 1990, a legislação indica que os cursos de formação de professores para o 1o Ciclo do
Ensino Fundamental passem a ser de Ensino Superior em Faculdades de Educação ou Escolas Normais
Superiores.
1Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. 2Instituto de Química, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. 3Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/plano-nacional-de-formacao-de-professores/censo-do-professor>. Acesso em:
07 jun. 2017. 4UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION (UNESCO). Unesco
Science Report: Towards 2030. UNESCO Publishing, 2015. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002354/235406e.pdf>. Acesso em: 20 maio 2017.
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À medida que passou a haver a demanda por professores generalistas, estabeleceu-se que a profissão
de professor poderia ser de interesse das mulheres, já que elas estavam associadas a todas as funções
relacionadas ao ensino de crianças. Assim, as mulheres passaram a ser admitidas nas Escolas Normais.
Também havia um interesse do governo em reduzir custos nessa ampliação das ofertas em ensino e, se a
mulher era vista como “naturalmente” cuidadora ou professora, como uma vocação nata, era de se esperar,
então, que ela nem cobrasse por isso. Ou cobrasse muito menos do que um homem (Rabelo; Martins, 2010).
A partir do momento em que a profissão de professor é feminizada, passa a ter baixo prestígio social.
Quando se inaugurou em São Paulo a seção feminina da Escola Normal, segundo alguns
historiadores, esta foi primeiramente destinada às jovens de poucos recursos e às órfãs sem
dote, às quais era interdito os sonhos de um bom casamento, dado que este se apoiava
necessariamente em bases econômicas. Sendo difícil casar-se, precisavam essas moças,
para não ser um peso para a sociedade, conseguir um meio de subsistência proporcionado
por uma profissão digna, de acordo com o ideal feminino e que não atentasse contra os
costumes herdados dos portugueses de aprisionar a mulher no lar e só valorizá-la como
esposa e mãe. Portanto, ser professora representava um prolongamento das funções
domésticas e instruir e educar crianças, sob o mascaramento da missão e da vocação
inerentes às mulheres, significava uma maneira aceitável de sobrevivência, na qual a
conotação negativa do trabalho remunerado feminino esvaía-se perante a nobreza do
magistério (ALMEIDA, 1996, p. 74 citada por RABELO; MARTINS, 2010, p. 6172).
Com o passar dos anos, os homens que ingressavam nas áreas da Educação tinham mais autoridade,
chegando a cargos maiores como coordenações, direções e lideranças, ou mesmo se tornavam professores do
Ensino Médio, Técnico e Profissional, enquanto as mulheres eram mantidas no Ensino Infantil e
Fundamental.
Há uma construção estabelecida do que seria uma “profissão de mulher” aceita pela sociedade. Uma
vez que as mulheres eram condicionadas a cuidar da casa, das pessoas, de seus familiares ou mesmo de seus
alunos e do ensino de maneira geral, mesmo havendo possibilidade de sua admissão em qualquer curso
superior, a grande maioria continuava a optar por campos associados à condição feminina, como
Enfermagem, Psicologia e Serviço Social.
O “cuidado com o outro” tem sido traduzido como uma característica mais emocional do que
racional. Isso possivelmente leva a outras classificações do que é abrigado socialmente como “de mulher” ou
“de homem” e, por isso, conduz as mulheres a determinadas áreas e não a outras. Essa ideia define o que
chamamos de estereótipo de gênero.
Os estereótipos estão relacionados a classificações segundo estruturas, culturas e contextos sociais.
Bardin (1977, p. 51) define o conceito como “a ideia que temos de” ou “a imagem que surge
espontaneamente, logo que se trate de”.
É a representação de um objeto (coisas, pessoas, ideias) [...], partilhada pelos
membros de um grupo social [...]. Estrutura cognitiva e não inata (submetida à
influência do meio cultural, da experiência pessoal, de instâncias e de influências
privilegiadas como as comunicações de massa), o estereótipo, no entanto, mergulha
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suas raízes no afetivo e no emocional, porque está ligado ao preconceito por ele
racionalizado, justificado ou engendrado (BARDIN, 1977, p. 51).
Ao longo de todo o processo que acaba atraindo as mulheres para essas áreas que envolvem o
construído no plano social como “emocional” e “humano”, há o inverso também: os campos que a sociedade
enxerga como “feitos para homens” ou “racionais”, como as Ciências Exatas (Matemática, Física, Química)
e Engenharia que são, até hoje, predominantemente ocupados por homens.
Os dados do censo 2007 do INEP – MEC5 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira do Ministério da Educação) mostram que, no Brasil, as mulheres são maioria no Ensino
Infantil e, à medida que se avança para o Ensino Médio e a Educação Profissional, elas ficam cada vez
menos presentes (Figura 1). Outro estudo6 mostra a relação entre os números de mulheres e homens
ingressantes em determinados campos em 2012, no Brasil (Tabela 1). É importante notar que hoje, anos
depois da entrada delas nas universidades, a situação ainda é praticamente a mesma: maioria de mulheres nos
cursos de Pedagogia, Enfermagem e Serviço Social e maioria de homens nos cursos de Engenharias e outras
Ciências Exatas.
A UNESCO (2015) divulgou uma tabela com a porcentagem de mulheres graduadas em todas as
áreas de conhecimento, por país, em 2013 ou anos próximos. No Brasil (vide Tabela 2), só 33,1% dos
cientistas formados em áreas como Ciências da Natureza (Física, Química e Biologia), Matemática,
Computação e Estatística são mulheres. Já as áreas da Saúde e bem-estar têm 77,1% de mulheres.
Figura 1: Professoras(es) da Educação Básica – Brasil – 2007. Extraído de:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14153-coletiva-
censo-superior-2012&Itemid=30192>. Acesso em: 01 jun. 2017.
Cursos com mais
matrículas do
Número
de
Cursos com mais
matrículas do gênero
Número
de
5Disponível em: <http://download.inep.gov.br/download/censo/2009/Estudo_Professor_1.pdf>. Acesso em: 26 maio
2017. 6Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14153-coletiva-
censo-superior-2012&Itemid=30192>. Acesso em: 26 maio 2017.
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gênero feminino matrículas masculino matrículas
Pedagogia 556.283 Engenharia Civil 143.868
Enfermagem 198.872 Ciência da computação 108.874
Serviço social 157.242 Engenharia de produção 90.266
Gestão de
pessoas/ Recursos
humanos
135.067 Engenharia mecânica 75.938
Psicologia 131.786 Formação de professor de
educação física 71.293
Fisioterapia 81.982 Engenharia elétrica 67.303
Farmácia 72.342 Gestão logística 61.054
Tabela 1: Cursos com maiores números de matrículas de graduação por gênero – Brasil – 2012.
Ano Ciências Engenharia Agricultura Saúde e
bem-estar
Brasil 2012 33,1 29,5 42,3 77,1
Tabela 2: Mulheres graduadas em quatro campos de conhecimento (%) em 2012, UNESCO (2015).
Imaginemos a situação de uma criança que faz parte de uma família tradicional heterossexual, em
que sua mãe é responsável por todas as tarefas do lar7, além do trabalho que faz fora de casa. Durante seu
crescimento a concepção da criança é a de que todas as atividades familiares e domésticas são
responsabilidades de uma mulher que, no caso, é sua mãe. Ao chegar na escola, depara-se apenas com
professoras mulheres no Ensino Infantil e Fundamental. Inclusive, nessa faixa etária, há muitas crianças que
costumam chamar a professora de “tia”, o que sugere proximidade com aquela que é responsável por cuidar
de seus alunos, quase como parte da família, uma tia, alguém que faria isso por amor e não por ofício e, por
consequência, evidencia a desvalorização da profissão de professora de Ensino Infantil e Fundamental.
Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade
no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser
professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão.
Pode-se ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos, mas
não se pode ser autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância,
“longe” dos alunos (FREIRE, 1994, p. 11).
A criança possivelmente está inserida, ainda, em uma cultura que privilegia bonecas como presentes
para meninas e jogos mecânicos ou eletrônicos para os meninos. Assim, meninas são estimuladas, desde
cedo, ao cuidado com o outro e à maternidade, brincando com bonecas; enquanto os meninos são incitados
aos jogos eletrônicos ou de montagens, desenvolvendo raciocínio e lógica, habilidades diretamente
relacionadas às áreas científicas.
7Segundo dados do trabalho de Londa Schienbinger (2001), a partir de um estudo de 1993 feito pelo Families and Work
Institute of New York, as mulheres fazem 81% do trabalho na cozinha, 78% da limpeza, 87% das compras da família e
63% dos pagamentos de contas, em famílias cujo casal heterossexual trabalha fora do lar.
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À medida que aquela criança, agora adolescente, avança para o Ensino Médio, a quantidade de
professoras mulheres vai diminuindo, sobretudo nas áreas das Ciências, como se infere dos dados (Figura 1 e
Tabela 2). Os meios de comunicação em geral – mídia, filmes, livros, séries, aulas e outros materiais – quase
não citam mulheres cientistas. Muitas vezes quando as citam, são mulheres estereotipadas: pouco sociáveis e
esquisitas. Isso sem falar nas várias que são omitidas da História da Ciência, por terem suas contribuições
excluídas. Ou seja, além da baixa representatividade de mulheres nessas áreas, as poucas que existem são,
frequentemente, menosprezadas. Como essa criança poderá entender a Ciência como um lugar de todos?
Uma pesquisa (Cvencek; Meltzoff; Greenwald, 2011) sobre estereótipos de gênero e Matemática em
que se investigaram 247 crianças norte-americanas entre 6 e 10 anos de idade (126 meninas e 121 meninos)
mostrou que há uma associação implícita das crianças com sua identidade de gênero, feminina ou masculina,
e entre sua identidade de gênero e a Matemática. Ou seja, muito antes de as crianças evidenciarem
desempenhos diferentes na Matemática, ou pensarem em seus interesses pela área, já entendem o saber
matemático como “só para meninos”. Os resultados desse estudo confirmaram que, a partir do segundo ano
do Ensino Fundamental, as crianças acreditam que Matemática é para meninos e, ainda, meninos do Ensino
Fundamental identificam-se mais fortemente com Matemática do que as meninas.
O que está por trás desses estereótipos também se relaciona à imagem que se tem sobre as Ciências
Exatas e os cientistas. O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos e o Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação fizeram um estudo8 a respeito da percepção pública da Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil em
que se obtiveram dados acerca do interesse, acesso à informação, conhecimento, comportamentos, hábitos e
atitudes das pessoas em relação à C&T, distribuídos entre homens e mulheres.
Uma das questões abordadas nessa pesquisa relacionava-se à imagem que se tem de cientistas: a
maioria acha que são “pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade” (52,3%), “pessoas comuns
com treinamento especial” (12,7%) ou “pessoas que se interessam por temas distantes da realidade das
pessoas” (10,3%). Há ainda uma parcela menor (3,3%) que acha que são “pessoas excêntricas de fala
complicada”, entre outras percepções identificadas.
Outro questionamento feito foi se há alguma instituição que se dedique a fazer pesquisas científicas
no Brasil: 87,6% das pessoas não lembram. No caso da pergunta: “Você se lembra do nome de algum
cientista brasileiro importante?”, 93,3% responderam “não”. Esses dados apontam para um distanciamento
entre a(o) cientista e a população geral.
Também há um conjunto de características construído em nossa cultura, história e sociedade – ser
inteligente, gostar de estudar, ser “excêntrico”, ser racional - que é atribuído às pessoas das áreas científicas.
No caso das mulheres, ainda há a série de estereótipos estabelecidos apresentados, entre os quais de que elas
não são racionais ou capazes o suficiente para estarem na área científica.
8Disponível em: <http://percepcaocti.cgee.org.br/faca-sua-analise>. Acesso em: 10 maio 2017.
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A partir deste cenário, o presente trabalho objetivou identificar e analisar os estereótipos que as
crianças têm sobre as(os) cientistas.
Metodologia
O trabalho foi realizado em três salas de sexto ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal
de São Paulo. O total de alunos participantes, somando as três turmas, foi de 63 crianças. A pesquisa foi
realizada durante um evento que estava sendo promovido na escola com diversas atividades sobre questões
de gênero, visibilidade e protagonismo das mulheres.
Primeiramente, apresentou-se a vida e a trajetória científica de Rosalind Franklin, primeira cientista a
visualizar uma proposta para a estrutura do DNA, uma das muitas mulheres praticamente excluídas e
omitidas da história. Falou-se às crianças de seu gosto pela Ciência, sobre como foi sua vida como cientista,
contando tudo aos alunos sem mencionar seu gênero. Em seguida, pediu-se a eles que desenhassem essa
pessoa como a imaginavam e que representassem suas características de acordo com a imagem que eles têm
sobre a profissão de cientista. Não foi dada qualquer pista sobre seu gênero; em tudo o que foi contado sobre
Rosalind buscou-se utilizar uma linguagem neutra, evitando artigos e identificando-a como “pessoa
cientista”. Após os desenhos terem sido elaborados e entregues, foi feita uma última breve apresentação
contando que se tratava de Rosalind Franklin, seguida de uma exposição sobre outras mulheres cientistas
importantes.
A análise desta pesquisa foi feita na perspectiva histórico-cultural da psicologia no estudo de
desenhos elaborados por crianças. Entende-se o processo do desenho infantil como fortemente relacionado
aos contextos sociais em que elas vivem. Natividade, Coutinho e Zanella (2008, p. 11) dizem que “pode-se
compreender que o desenho, por se tratar de uma forma de linguagem, tem papel importante [...] na
criatividade e expressão das emoções”. As autoras ainda acrescentam que
Falar sobre desenho infantil requer também que se reflita sobre linguagem,
imaginação, percepção, memória, emoção, significação, ou seja, compreender os
processos psicológicos envolvidos/constituídos no processo de desenhar e que não
podem ser analisados de forma isolada, visto serem interdependentes. Ademais, o
modo como estes processos se desenvolvem e se objetivam varia em razão das
condições sociais e culturais historicamente produzidas e particularmente
apropriadas em razão dos lugares sociais que cada pessoa ocupa na trama das
relações cotidianas das quais ativamente participa (Natividade; Coutinho; Zanella,
2008, p. 11).
Vigotski (1998) explica como se dá o desenvolvimento dos simbolismos presentes nos desenhos
feitos por crianças de diferentes faixas etárias e apresenta a inter-relação entre o desenho da criança e aquilo
que ela conhece em seu contexto social.
Inicialmente a criança desenha de memória. Se pedirmos para ela desenhar sua
mãe, que está sentada diante dela, ou algum outro objeto que esteja perto dela, a
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criança desenhará sem sequer olhar para o original; ou seja, as crianças não
desenham o que vêem, mas sim o que conhecem (VIGOTSKI, 1998, p. 148).
Resultados e discussão
A grande maioria (72%) dos alunos desenhou cientistas homens caracterizados por alguns
estereótipos como jaleco, óculos, ambiente de laboratório ou fisionomia de “louco”; algumas crianças
desenharam cientistas mulheres (19%) e, outras, um cientista sem gênero definido (9%). Há de se ressaltar
que algumas das crianças que representaram cientistas homens, desenharam mulheres como assistentes deles
(9%).
Muitas crianças incluíram balões de fala que tentavam representar a visão que elas têm do contexto
de muito estudo e trabalho, nos quais essas(es) cientistas estão incluídos, como “sou inteligente”, “quero
café”, ou mesmo sinais de que se tratava de ambientes que eles entendem como científicos, com vidrarias de
laboratório, cálculos anotados e experimentos. Houve casos de estudantes que desenharam cientistas
pesquisando DNA de familiares, fazendo referência a um programa de televisão que busca a paternidade de
crianças utilizando exames de DNA. Alguns dos desenhos feitos pelos alunos são apresentados em quatro
grupos diferentes (Figuras 2, 3, 4 e 5).
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Figura 2: Exemplos de desenhos elaborados pelos alunos, nos quais o cientista é um homem com fisionomia
“brava”, “séria”, “agressiva” ou “louca”, de jaleco, em ambiente de laboratório, com objetos nas
mãos que indicam experimentos.
Figura 3: Exemplos de desenhos elaborados pelos alunos, nos quais a cientista é mulher, em que se mantêm
alguns dos estereótipos que eles têm sobre cientistas.
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Figura 4: Exemplos de desenhos elaborados pelos alunos nos quais as mulheres são assistentes do cientista.
No caso da primeira ilustração (da esquerda para a direita), está escrito nos bolsos dos jalecos
“assistente” e “chefe”. Na segunda figura, a criança relatou que se tratava do mesmo caso. Na
terceira, a criança havia feito como no primeiro, mas depois que foi apresentada “a resposta”, ela
pediu o desenho, destacou o homem, riscou o “assistente” do bolso da moça e o entregou
novamente. Vale salientar a sexualização do corpo das assistentes: todas com saias curtas e com
certa sensualidade.
Figura 5: Exemplos de desenhos elaborados pelos alunos nos quais o cientista não tem gênero definido.
Nesses casos foi perguntado: “você pensou se o cientista era um homem ou uma mulher?”.
Durante a apresentação após a atividade, algumas alunas mostraram-se bastante indignadas por não
terem pensado que se tratava de uma mulher e por saberem que Rosalind foi injustiçada em seu trabalho uma
vez que, embora seus resultados tenham sido utilizados para a proposição da estrutura do DNA, seu nome foi
omitido dos créditos do trabalho publicado. Além disso, sofreu uma constante desvalorização e sua
capacidade e inteligência eram minimizadas 9.
9A reportagem a seguir conta algumas das histórias descobertas a partir de cartas encontradas, que mostram a
desvalorização diária que Rosalind Franklin sofria em seu próprio grupo de trabalho, sendo chamada até de fumaça de
bruxaria por seus colegas. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/807079-carta-revela-desprezo-por-
rosalind-franklin-mae-do-dna.shtml>. Acesso em: 09 jun. 2017.
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Também foram feitas discussões sobre outras mulheres cientistas, que investigaram diversas
temáticas em diferentes épocas. Apesar das várias atividades que estavam sendo desenvolvidas na escola
durante o evento sobre questões de gênero, a grande maioria das crianças teve dificuldade de imaginar que
pudesse existir uma mulher cientista. Boa parte das que representaram mulheres disse ter “desconfiado” que
seria uma mulher, por conta do evento. Este resultado indica que a representação espontânea de uma mulher
cientista poderia ser inferior aos 19% verificados neste estudo.
Conclusão
Pode-se constatar a presença de estereótipos de gênero em relação à profissão de cientista, pois a
maioria das crianças participantes da pesquisa imaginou que a pessoa em questão era um homem. Os
resultados da pesquisa apontam para um conjunto de características que possivelmente faça parte da
profissão científica. Essa atribuição do que é “profissão de mulher” é uma discussão que, segundo Michelle
Perrot (2005), vem de funções que se estabelecem socialmente como ditas “naturais”, maternais e
domésticas, construindo modelos de mulher que são compatíveis com profissões como enfermeira, assistente
social, professora, costureira, secretária, mas não com profissões como engenheira, matemática, física e
química, dentre outras.
É necessário promover atividades que contribuam para a quebra de estereótipos e incentivem
meninas a ingressarem nas carreiras científicas. Caso os meios de comunicação de massa e os livros falassem
de mulheres cientistas, contando suas histórias, as meninas teriam modelos de mulheres cientistas em que se
poderiam espelhar.
É imprescindível que todos tenham conhecimento sobre as muitas mulheres que contribuíram para a
construção da Ciência, campo que seria aproximado das pessoas se mostrado como essencial à sobrevivência
humana. Ou seja, trata-se de uma questão ainda mais ampla que nos sugere o desenvolvimento de atividades
semelhantes em outras escolas.
Referências
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superior-2012&Itemid=30192>. Acesso em: 6 jun. 2017.
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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.
São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Women in science: a study of children stereotypes concerning gender
Astract: Toys usually vehiculate stereotypes. While girls receive dolls which stimulate care, boys handle
mainly with assembling toys, which favor reasoning development. Additionally, those involving logic,
mechanics, electronics and chemistry are socially assigned as being "for boys". At school, the alphabetizing
process is frequently conducted by a female teacher, while Physics, for instance, is taught by male teachers.
In Brazilian technical education, women represent 46% of educators, although this number rises to 98% in
children's education1.
Therefore, given the role of children’s education in propagating gender stereotypes, it is highly relevant to
investigate how elementary school age kids picture scientists. After a brief exposition about Rosalind
Franklin’s trajectory that omitted her name and gender, 63 students were asked to draw this “scientist
person”. Remarkably, 72% of the students depicted male scientists and 9% sketched a woman as the research
assistant.
These results reflect the already propagated gender stereotypes and suggest the importance of the early
interventions in the education system contributing to minimize such bias and to stimulate girls to pursue
scientific careers. Such intervention might increase the number of female undergraduate students in scientific
areas, an important agenda in our country, considering that women are only 33.1%4 of the laureate in this
area in Brazil, in 2015.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
Keywords: gender, science, women, scientists, stereotypes.